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Livro Natureza e missão da teologia.pdf

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil)

    Ratzinger. ] oseph Ca rdea l Na tll reZ~1 e misso da teologia I J oseph Cardea l Ratzinger ; tradllo de Ca rlos Almcida Pereira . _ Petrpolis, RJ : Vozes, 2008.

    Ttulo original: Wesen und Auftrag der T hcologic : Vers lIch e zu ihrcr O n sbestimlllllng im Disput der Gegenwart.

    ISBN 978-85-326-3635-5

    I . Igreja Catlica ~ Magist rio 2. l eologia _ H istria 3. ' /i.:o logia catlica 4. Tradio ( reologia) I, Ttulo.

    OH-00465 C DD-230

    ndices para catlogo sistemtico: I. Tcologia : Natureza c Illisso : Cristian ismo 230

    J oseph Ratzinger

    -NATUREZA E MISSAO DA TEOLOGIA

    Traduo de Carlos Almeida Pereira

    VOZES Petr polis

  • Joseph Cardeal Ratzinger / Bento XV I, Wesen und Auftrag der Tlzeologie

    Libreria Editl-ice Vaticana / Johannes Verlag Einsiedeln, Freiburg 1993.

    Direitos de publicao em lngua portu g uesa: 2008, Editora Vozes Ltda.

    Rua Frei LUs, 100 25689-900 Petrpoli s, RJ

    Internet: http://www.vozes .com.br Brasil

    'Todos os direitos, reservados. Nenhuma parte desta obra poder ser re produ zida o u transmitida por qualquer forma e/ou

    quaisquer meios (ele trnico ou mecn ico, incluindo (o tocpia e g ravao) ou arquivada em qualque l' sistema o u banco de dados

    sem permisso escrita da Ed ito ra.

    Editorao: Fernando Sergio Oli vetti da Rocha Projeto grfico: bembolado

    Capa: Bruno Marg iotta

    ISBN 978-85-326-3635-5 (edio brasile ira) ISBN 3-894 /1 -316-2 (edio alem)

    ES1C li vro roi composto e impresso pela Ed itora Vozes Lula. Rll a Frei Lus, 100 - Petrpol is, RJ - Brasi l - CEP 25689-900

    Caixa Poslal 90023 - Tel.: (24) 2233-9000 Fax: (24) 223 1-4676

    SUMRIO

    Prefcio ,7 r. As bases e os pressupostos do trabalho teolgico, 11

    F, fil osofia e teologia, 13 l. A unidade d e filosofia e teologia no cristianismo primi-tivo, 13 2. Uma distino que transformou-se e m oposio, 15 3. Tentativa de uma nova relao, 20

    Observao final: gnose, fil oso fi a e teologia, Natureza e libe rdade do sistema acadmico, 27

    I . O d ilogo, 28 2. A libe rdad e, 30 3. O ce ntro : a verdade como fundamento e medida da liberdade, 32 4. O cul to, 35

    li . Natureza e fo rma da teologia, 37 Fundamento espiritual e lugar da teologia na Igreja, 39

    I. O novo sujeito como pressuposto e fundamento de toda teologia, 43 2. Converso , f e pe nsamento, 48 3. O carter eclesial da converso e suas conseqncias para a teologia, 50 4. F, pregao e teologia, 52 5. Tentao e grandeza da teologia, 59

    O pluralismo como questionamento Igreja e teologia , 63 1. Os limites impostos s ex igncias da Igreja e o pluralis-mo das decises humanas, 63

  • 2. Pl u ra lismo no interior da Igrej a, 71 a) Igreja universal e igrejas particu la res, 73 b) Teologia e teologIas, 77

    111 . Aplicaes, 85 A "Instruo sobre a vocao do telogo na Igrej a", 87 Observao preLim.inar, 87

    I . Apresen tao, 87 2. Pontos da discusso do texto, 92

    a) Auto ridade s em caso de defini o infa lvel ?, 95 b) Magistrio, uni versidade e meios de comunicao, 98 c) TIadlo p roftica contra tradio episco pal?, 102

    PREFCIO

    Na Igreja, ou mesmo na sociedade ocidental como um todo, a teologia e os telogos passaram a ser hoj e um tema discutido por todos, e tambm um tema controvertido. No mundo mo-derno, ao que me parece, o telogo depara-se com uma dupla expectativa. Ele deve, por unl 1ado, esclarecer racionalmente as tradies do cristianismo, isolar nelas o ncleo que tem condi -es de ser ass imilado hoje, e ao mesmo te mpo forar modera-o a institu io da Igrej a. Mas es pera-se dele tambm que ao meSlllO tempo ele confira rumo e con teLldo aos anseios relig io-sos e de transcendncia capazes de ser propostos hoje. Na socie-dade mundial em fo rmao impe-se, alm disso, ao telogo a tarefa de levar adiante o dilogo das religies e de con tribuir para o desenvolvimento de um elhos mundial, que tenha como ponto central os conceitos de justia, paz e preservao da cria-o. Por ltimo o telogo deve ria ser ainda algum que trouxes-se consolo s almas, que ajudasse os indi vduos a se auto-encon-trare m e a superar suas prprias alienaes, pois o mero consolo cole tivo de Uln Inundo melho r e tuais pac fi co que viria a reali -zar-se no futuro comprovou-se como de todo insuficiente.

    Em todo este esfo ro, no raro a Igreja como instituio, e sobretudo o magist rio da Igrej a Catlica, vista como um obs-tculo concreto . O ponto de partida do magistrio que o "ser-cristo" , e mais ainda o "ser-catlico", poss ui um contedo de-terminado , te ndo por conseguinte para o nosso pensar uma di-re tri z que no pode se r manipulada vont.ade , diretriz essa que confere ao d iscurso do telogo seu peso prprio, acima de todo discurso me rame nte poltico ou filos fi co. A teologia - na viso do magistrio - no surge pelo simples tato de se imaginar quan-ta religio pode ser ex igida do Homem, empregando para isso elementos da tradio crist. Ela surge pelo fato de impor-se um limite arbitrariedade do pensamento, pois adqui rimos conhe-

  • Natureza e mi ss o da te o logia

    ('i lll c nt.o el e algo que no fo i imaginado por ns, mas nos fo i ma-nileSlado. Por isso nem toda teor ia religiosa pode se r chamada de leologia crist, ou teologia catlica; a teoria que qu iser fazer jus a esta denominao precisa considerar como possuidora de sentido a norma ne1a contida.

    Levando-se em considerao a responsabilidade da consci-ncia fre nte verdade, qualqu er um livre para pe nsar o qu e lo r capaz de pensar e de dizer a partir desta responsabilidade. Mas no livre para afirmar que o que ele diz representa a teo-logia catlica. Existe aqui uma espcie de "marca registrada", uma identidade histrica, que o magist rio tem conscincia de ser chamado a defender. Mas este compromisso com a proteo de uma identidade histrica (e que, como acreditamos, nos foi dado por Deus) sempre de novo efetivamente apresen tado como uma agresso liberdade de pensamento, ainda mais quando sobre a conscincia atual muitas vezes esta ide ntidade vista como per turbao, com con tedos que no agradam aos nossos hbi-tos de pensar e de viver. Q uando telogos enfrentam contesta-o por quererem libertar-nos de ta is fatos desagradveis, o ma-gistrio passa a ser visto por eles quase COlTIO uma ameaa pes-soal.

    Mas existe tambm, na verdade, uma posio dife ren te. Muitos fi is vem no trabalho dos telogos de hoje uma ameaa ao que eles consideranl sagrado. Os m todos da cincia racional, quando aplicados in"estri ta me nte f. s~lO vistos como arrogn-cia e presuno, que levam o HOlne m a ultrapassar seus limites e a destruir suas prprias bases. Em certas parcelas da Igrej a ma-nifesta-se uma crescente desco nfiana com relao ao dos telogos, que parecem por demais aliados ao poder do esprito do tempo.

    Nesta situao torn ou-se u rgente um d i logo sobre a teolo-gia, para esclarecer seus call1inhos e sua tarefa , como tambnl para definir seus limites. As di versas partes deste livro su rg iram a pa rtir dos desafi os deste dilogo. No constituem nenhum tra-tado sistemtico a respeito da teologia, que meus deveres profi s-sionais impedem-me de elaborar. Espero que as dife rentes abor-dagens que delimitam o tema nas diversas partes, precisamente pelo rato de no estarem fec hadas, tambm possam contribuir

    8

    ) oseph R a tzin ge r

    ara uma melhor compreenso da natureza do traba,lho teolgi-p - . d o e para apOla-Io em sua co nas circunstanClas o nosso telnp . tarefa mais importante , o servio ao conh~C1mento da verdade revelada, e a partir dela unidade na Igreja. .

    Roma na Festa da Assuno de Man a, 1992 , . J oseph Cardeal Ratzmger

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  • I As BASES E OS PRESSUPOSTOS

    DO TRABALHO TEOLGICO

  • F, FILOSOFIA E TEOLOGIA

    1. A unidade de filosofia e teologia no cristianismo primitivo A relao entre f e fil osofia parece, primeira vista, uma

    questo bastante abstrata. Mas no era lima questo abstrata para os cristos dos primeiros tempos da Igreja. Foi ela que possibili-to u as primeiras imagens de Cristo , pode-se mesmo dizer que e m suas primeiras origens a arte crist surgiu da pergunta pela verdadeira filosofia . Foi a filosofia que deu f sua primeira vi-so concreta. Af>, mais antigas pinturas crists qu e conheCelTIOS so encontradas nos sarcfagos do tercei ro sculo ; seu cnon imagtico inclui trs figuras: o pasto r, a orante e o EilsofOI . Este um contexto importante. Significa que uma das razes da arte crist est na superao da morte. As trs figuras respOndelTI s perguntas do ser humano sobre a morte. O significado das duas primeiras f:iguras no tem necessidade de explicao. Mesmo que precisemos tomar cuidado com uma in terpre tao cristo lgica e ecles iolgica direta das figuras do pastor e da orante, clara a meno s bases da esperana crist, presente nelas. Existe o pastor, que mesmo em meio s sombras da morte infunde confi-ana, e que pode dizer: "No te mo nenhum mal" (5123,4). Exis-te a proteo da orao, que acompanha e protege a alma em sua peregrinao. Mas que significado te m neste contexto o fil-sofo? Sua fi gura cor responde imagem do cnico, do fil sofo-a pstolo itinerante . O que a ele importa no so as doutas teo-rias: "Ele prega porque a morte o persegue"' . No vai atrs de hipteses, mas sim de superar a vida enfrentando a Dlorte. O filsofo cristflo, como ficou dito , representado de acordo com esse tipo , e no e ntanto d iferente. Ele leva em suas mos o Evan-, ge lho, de onde aprende no as palavras, mas sim os fatos . E O

    I. Cf. F. Gerke. Chtisl us ill der s/Jiilal1lihPn P[aslik. rvlainz, ~ 1 1 948, p. 5. Cr. tambm F. va n der Meer. Die UrsfJ1'nge christlicher Kum/. Fre iburg, t 982, p. 51ss. 2. Ibid . p. 6.

  • N:ltl1T CZa e n';< ~"u d 1 " ~~a a teo ogia

    vl'rdade iro filsofo porque sabe do ' , . d ' lnlste n o a more G 'k

    rl'S lIl1I e a viso do que const't' . ~ e. el ' e . , I UI o cnstao represent d '

    :lllllqClI ssima arte, na seguinte frase" " O ' a d nesla I rI) das com osi _ ," _ . : que se encontra no cen-

    , p oes cllstas maIS antJgas no o mundo d Bb!' 0 11 ~I l~ hlst na sagrada, lHas sim O fiJso[o, como I a 1 la 1'I1/'151"'1/.1IS, a quem pelo Evalwelh r.' c ' nodelo do hO)f1O I

    ' . ~ b o OI leIta a r evelao do \'el'd a-c CII o paralso"!I .

    A fuso entre fil osofia e cristi anismo ue a 'f: ' da morte, se manifesta como imagem d'a

    q 'd' qd

    Ul, . ~ce a qll~sto

    vida d H . veI a e ll a questao da , r' o omem, lo.go atmge um a densidade ainda maio. r. O fil-so o passa a ser a Imagem do. prprio. Cristo O q d ' re l) resent . r ~ " . . ue se eseJa

    a i nao e a aparenCla externa de Cristo . e o q , EI . I ' mas sIm quem . ue e rea me nte era: o perfe ito filsoD C ' f . I ' O. l IStO., co mo Ge rke _01 mu a multo be m , a parece na roupagem daquele .

    co 4 A fi fi que o In vo.-u. I 050 la, a busca do sentido em face da morte a

    tada agora como sendo a e r .' ' (: presen-de L . EI P gunta sob, e Cn sto. Na ressurreio

    zalO e se apresenta como O fil sofo qu e rea lmente r ._ pond~ ~1LJdando. a mo.rte, e com isto mudando a vida. Aqui aqu~l~ que Ja esd c: os apologetas era uma convico tra nsfo rma-se co nte mplaao. Jo' " , em d " I ' d? martlr Justlno, na primeira me tade do se-~~il~'a ~i~~~~fi~' h~vla car~cdte~'iz~do~o cristianismo como a verda-

    , e Isto pOl uas I azoes' A tO' . cio fil

    ' c ' . are ,a maIS Impo.rtante I oso. ,o e pe rguntar po. ' D . A ' .

    f' , . I eus . "mude d o. ve rdadeiro fil so-o. e vIver seg undo. 01 '

    CI.',stCIO e' . -,ogos, e com Ele. Ja que o significad o do ser

    (: "VIve r de aco 'd L _ . c I o com o orTos os verchde iro f~'I ' r

    sao os cnstos .' , " . b ' (: S I OS010S

    C _ ,e pai ISSO o Cristianismo a verdadei ra fil osofi !;

    0 111 estas a firmaes q I . a . , ue poc e m parecer-nos abstr atas r .

    du se nCla d e sentido, da desorientao e dos receios po. ' I ' \locado f . I e a p l 0-S, o ereCla um me rcado abundante do I I"

    ver. Assim com J ' J . _: qua se pOC la VI-I

    o lOJe, e a convocava nao so Illoedeiros Fdsos d ))a avra mas tamb I c a . ..' d ~l aque es que reaJme nLe estavam aba lados

    c qu e ,uu avam. Asslln, apesar d e to.das as d ecepes e fal sifi ca: :1. l bid., p. 7. I. l iliel .. p. 8.

    n. ( :f.() .I\l icll c l, lpd,oo o

  • Nn lll l'cza e miss o da t e o logia

    M ' I'l'('orre l' revelao, Sua certeza provm unicamente do ar-g llllll'IIIO, e ~ uas afirmaes valem tanto quanto os argumentos, J\ 1 'o logia, ao invs, a realizao compreen~iva da revelao de I)e ll s; a fe em busca de compreender. Por conseguinte ela pr-

    . -pna nao encontra seus contedos, mas os obtm da revelao, para em seguida compreend-los em sua ligao e em seu senti-do inte rno, Com uma terminologia que teve incio apenas com l b ms de Aquino, passou-se a fazer referncia a esses dois terre-nos diferentes, lilosofia e teologia, como a ordem natural e a ordem sobrenatural. Estas distines s passa ranl a ser inteira-mente claras na Era Moderna. Esta, ento, projetou sua leitura sobre Toms de Aquino, com isto conferindo-lhe uma interpre-tao que o distancia mais fortemente da trad io mais antiga do que o que pode ser encontrado nos simples textos .

    Mas nossa ateno no precisa se ocupar aqui com estes pro-blemas histricos. De qualquer forma, um fato que desde a Idade Mdia tardia a filosofia associada razo pura e a teolo-gia f, e que at o presente esta distino marcou a imagem tanto de uma quanto da outra. Mas uma vez feita esta distino, inevitavelmente surge a questo se filosofia e teologia ainda po-dem ter unIa com a outra alguma relao metdica, De incio isto negado de ambas as partes, com fortes razes . Como exem-plo da contradio por parte da filosofia, menciono apenas os nomes de Heidegger e jaspers. Para Heidegger a filosofia con-siste essencialmente em perguntar. Quem acha quej conhece a resposta no pode mais filosofar. A pergunta filosfi ca, do ponto ele vista teolgico, uma loucura, e por conseguinte fal ar de uma filosofia crist como falar de um ferro de madeira. Tam-bm j aspers acha que aquele que julga j estar de posse da res-posta fracassou como fil sofo: o movimento aberto da transcen -dncia interrompido em favor de uma suposta certeza definiti-va' . Na verdade deve-se dizer: Se do filosofar faz parte uma ra-

    ~i. Com I'crerncia aos ~roblemas histricos, cf r. van Sleenberghen. Die PhilosoPhie 1111 13. jaltr/lltndert. M Hrllque!Paderborn, 1977 . E, Gilson. Le Thomismc, Pari s, 5} 945, ., A. H a~t!Il. ThollUlS von Aquin geslern U'lld heute , Frankfurt, 1953, Do ponto de vista MSICIll{UICO, sobre a mesma questo: E. Gilson. Der Geisl derlllillelalterlichen PhilosoPhie. ViC IIOI , 1950. 7, Cf, J Pieper. Jlerteidigungs1'ede fr tiie PhilosoPllie. Munique, 1966, p. l 28 . W.M. Nl'idl. ( :hl'islliche Philoxophie - eine Absurd itat? Salzburg, 198 1.

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    J os e p h Ra tzi n ge r

    zo inteira1uente neutra em relao f crist, e se a filosofia no pode ter conhecimento de nada que dado ao pensamento pela f, ento a tilosofia de um fiel cristo no pode deixar de parecer um pouco fi ctcia. Mas ser que efetivamente as respostas crists so de tal natureza que fecham o caminho ao pensamento? No poderiam as ltimas respostas, por sua nature.za, estar semp~e abertas para aquilo que no foi nem pode ser dito? No pode ... a acontecer que a verdadeira profundidade e dramaticidade s pudesse ser conferida s perguntas por estas respostas? No po-deria ocorrer que elas radicalizassem tanto o pensar quanto o perguntai; que os pusessem em andamento, em lugar de bloque-los? O prprio Jaspers disse certa vez vez que o pensamento que se desvincula da grande tradio cai numa seriedade tal que se torna vazid

    '. No mostraria isto que o conhecilnento de uma

    grande resposta, como a transmitida pela f, constitui mais um estmulo do que um empecilho para as verdadeiras perguntas?

    Teremos que retornar mais adiante a estas consideraes. Neste momento, ao in vs, precisamos voltar-nos para a negao da filosofia por parte da teologia. A oposio contra a filosofia , como pretensa destruidora da teologia, muito antiga . Pode ser encontrada de uma forma muito aguda em Tertuliano, mas vol-tou a se acender sempre de novo na Idade Mdia, alcanando uma notvel radicalidade, como por exemplo na obra tardia de So Boaven tura9 . Uma nova era de contrad io filosofia em favor da pura palavra divina teve incio com Martinho Lutero. Seu grito de batalha sola scriptura no foi s uma declarao de guerra contra a interpretao clssica da escritura pela tradio e o magistrio da Igreja; foi tambm uma declarao de guerra escolstica, ao aristotelislllo e ao platonislTIo na teologia, Incluir a filosofia na teologia era para ele o mesmo que destruir a men-sagem da graa, por tanto destruir o prprio ncleo do Evange-lho. Filosofia para ele a expresso do Homem que nada conhe-ce da graa, e que tenta por si mesmo construir sua sabedoria e justia. A oposio entre ajustia das obras e ajustia da graa, 8. K. J aspel's e R. Bultmann. Die Fmge der Enlm)'l/wlogisienmg. Munique , 1 954, ~ . 12. Cf. J. Pie per. ber die Schwierigkeit heule tU glauben - Aufsatze u nd Reden. Mumque, 1974, p. 302. . _ . 9. Cf. J. Ratzi nger. Die Geschichlslheologie eles heiligen BOl/avenlura. Mumque/Zunque, 1959, p. 140-1 6 1.

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  • Nalllreza e misso da teologia

    'I "C segundo Lutero rep resenta a separao entre Cristo e o (t Il! icrisLo, pa ra ele como se fosse o m esmo que a oposio entre " fil oso fi a e um p ensamento baseado na Bblia . Vista assim, filo-solia pura destruio da teologia 10. Em nosso sculo, com o sa-bemos, foi Karl Barth qu em conferiu carter mais agudo a este p rOLesto contra a filosofia na teologia , com a objeo contra a analogia entis, na qual ele viu uma inveno cio anticristo, mas ta mbm a (Inica e inabalvel razo para no se tornar catlico. Mas a analogia entis expresso simplesm ente da opo o ntolgica da teologIa catlIca para a sntese entre a idia do ser na filosofia e a idia de Deus na Bblia. Contra esta continuidade entre a busca lilosfica das razes ltimas e a apropriao teolgica da f bblica, ele ope a desconti nuidade radical: a f, segundo ele, desmascara como de dolos todas as imagens de Deus criadas pe lo pensamen-to. Ele no vive da ligao, mas sim d o paradoxo. Concebe o Deus inteiramente difere nte, que no deve d esenvolverse a partir do nosso pensame nto nem ser por ele ameaado ll .

    Assim O caminho parece estar bloqueado d e ambos os lados: a filosofi a defe nde-se contra os dados do pe nsa mento constitu-dos pela f; na pureza e liberdade do seu pensa mento, e la sente-se prejudicada por eles. A teologia defende-se COntra os dados do con hecimento filo sfico, vendo neles uma ameaa pureza e novidade d a f. Mas na realidade o j){!thos dessas negaes no consegue ser mantido. Co mo poderia o pensa mento fil osfi co pr-se a camin ho sem nenhum dado prvio? Desde Plato a Filo-so fi a viveu sempre do dilogo crtico com a grande trad irlO reli-giosa. Sua dignidade prpria sempre permanece u ligada dig-nidade das tradies, a partir das quais lutou pe la verdade. Q uan-do fez com que este di logo se calasse, logo e la veio tam bm a sucumbir como fil osofi a. E vice-versa, na reflexo sobre a pala-vra revelada, simplesme nte a teologia no pode evitar compor-Lar-se filosoficame nte. Desde que no se restrinja a recontar, a reunir unicam ente fatos h istricos ma rginais, mas tente chegar co mpreenso no sentido prprio, ela ing ressa no pe nsame nto

    I (). Cf: B. Lohse e Manin Luther. Eine Einfiihnmg in sein Leben "Uwl sein Wrrll. Muni-que, ID81, p. 166ss. I I. Sohre u raciocnio de K. Barth referente analogia entis,

  • Natureza e misso da teologia

    no se pode parar na renncia ontologia . Com ela cai tambm, a longo prazo, a prpria idia de Deus, e ento passa a ser lgi-co, o u mes mo a ser a nica coisa possvel , construir a f como puro paradoxo, como o fez Barth, ou pelo menos como O tentou fa zer. Mas co m isto volta-se a reje itar a aceitao inicial da razo. Uma f que se transforma em paradoxo a rigorj no pode in-terp relar nem penetrar o mund o do dia-a-dia. E vice-versa, no se pode viver na pura contradio. A meu ve r, isto mostra sufici-entemente que a questo da metafisica no pode ser excl uda da questo fi losfica sendo degradada a um resqucio helenstico . Quando se deixa de interrogar pela origem e o destino do todo, se est deixa~do de lado o que prprio e caracterstico do ques-tlOn amento filosfico. Apesar de na histria, e nos dias de hoj e, a OPOSIo. contra a fil osofia na teologia ser em ampla escala ape-nas opOSIo co ntra a metafsica. e no contra a filosofia em si, o telogo o ltimo a consegu ir separar uma coisa da o utra. E vice-versa, o fil sofo que deseje realnlente chegar at s razes no pode se desfazer do aguilho da pergunta sobre Deus, da pergunta so-bre a origem e o destino do ser em si.

    3. Tentativa de uma nova Te/ao Com as consideraes at aqui apresentadas comeamos por

    esclarecer em largos traos a dife rena entre fil osofi a e teologia. Ao meSll10 tempo fi cou evidente qu e na hi stria de :unbas as disciplinas esta distino ass umiu cada vez mais a forma de lima opos io. Mas ficou claro tambm qu e a oposio entre filoso fi a e teologia provocou modificaes nelas prprias. No mbito des-le desenvolvimento, a filosofia procura sempre mais desfazer-se da ontologia, isto , da qu esto qu e lhe prpria e primordial. A leologia, por sua vez. e nvolve-se nesse processo dos fundamen-lOS. que a tornaranl possvel e m sua tenso caracterstica entre revelao e razo. Em oposio a isso di ssemos que a filosofia, como tal, no pode renunciar onto logia, e que a teologia no menos dependente dela. Excl uir a ontologia da teologia no li -berl"a o pensamento filosfico, antes o paralisa. Suprimir a onto-logia da filosofia no purifica a teologia, mas antes retira-lhe o di"" ele debaixo cios ps. comum oposifto contra a metafisica, '1"l' h~jc parece por vezes ser a verdadeira ligao entre filsofos

    20

    Joseph Ratzin gc r

    e telogos, foi necessrio contrapor que ambas esto indissolu-velmente ligadas a esta dimenso do pensamento, e indisso-luvelmente inte rligadas entre si.

    Este diagnstico, de incio inteiramente genrico, precisa ago-ra de ceru1. forma ser precisado e concretizado. U ma vez ultrapas-sada esta contradio dos opostos, a pergunta precisa agora ser formu lada positivamente: Em que sentido a f necessita da filoso-lia? De que maneira a filosofia est aberta para a f e interiormen-te disposta a dialogar com a mensagem da t? Desejo esboar aqui com a maior brevidade trs nveis de uma resposta.

    a) Um primeiro nvel da li gao entre as questes filosficas e teolgicas ns j podemos encontrar quando consideralIlOs as imagens mais antigas da f. Tanto a fe qu anto a fi losofi a esto voltadas para a questo primordial do Homem, a pergunta que lhe dirigida pela morte. A questo da morte apenas a forma

    ,

    radical da pergunta pelo como do bem viver. E a pergunta pela origem e o destino do Homem: de onde ele vem e para onde vai. A morte a pergunta que em ltima anlise no pode ser repri-mida. e que se faz presente na existncia humana COIDO Ul11 agui-lho metafisico. O Homem no pode deixar de interrogar-se sobre o significado deste fim. Mas por ou tro lado, para todo aquele que pensa, claro que em ltima anlise esta pergunta s pode-ria ser respondida com fundamento por a lgu m que conhecesse o outro lado da morte. Mas a f, sabendo que dada a resposta a esta pergunta, exige a ateno e renexo provocadas pela per-glll1ta. Tal resposta no implica de forma a lguma no fiacasso da pergunta, como pensa jaspers. Pelo contrrio, a pergunta fra-cassa quando no existe perspectiva de resposta. A f ouve a res-posta porque mantm viva a pergunta. Ela s pode receber a resposta como resposta quando consegue lev{I-la a uma relao compreensvel com sua pergunta . Q uando a fe fala da ressurrei-flo dos mortos, no se trata de Lima afirmao mais ou menos obscura sobre um lugar futuro que no se possa controlar e so-bre um tempo futuro que nos desconhecido, mas sim de com-preender o ser do H omem no conjunto da realidade. Aqui est em jogo tambm a questo bsica da justia, que inseparvel da questo da esperana; trata-se da relao entre histria e ethos, da relao entre o agir do Homem e a imutabilidade do real. Trata-se

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  • Natureza e misso da teo logia

    de perguntas que podem assumir formas diferentes de um perodo para outro, mas que substanciahne nte pennanecem as mesmas, e que s podem avanar pelo intercmbio de pergunta e resposta, de pensamen to filosfico e teolgico. Este dilogo do pensamento hu-mano com os d ados da f ter um determinado aspecto quando for realizado como um d ilogo rigorosamente filosfico, e outro total-men te d iferente quando for pensado como dilogo propriamente teolgico. Mas en tre un1 e outro eleve ex istir alguma relao, em ltima anlise nenh um pod e dispensar o outro inteiramente.

    b) Do segu ndo nvel d e li gao tambmj se falo u antes: a f re presenta uma afi rmao fil osfi ca, quase que ontolgica, quan-d o professa a exist ncia d e Deus, e de um Deus que te m pod er sobre a r ealidad e co mo um tod o. Um De us se m poder e m si uma contrad io. Se Ele no puder agir, falar, e se no pude r-mos d irigir-nos a Ele, podemos consider-lo como um a hiptese abstrata; mas isto no te m nad a a ver com aquele que a f dos homens chama de "Deus". Afirmar um Deus criador e salvador para O mundo in teiro ultrapassa a com unidade particular de religio. Ela no que r ser um smbolo d o inominvel, que nu-ma rel igio aparece de uma forma e em outra d e Uln a fo rma d iferen te. mas sin1 uma a firmao sobre a prp ria realidad e e m si. Este ir rom per do pensamenLO de Deus pa ra Ul11a ex ig ncia bsica razo humana mu ito clara na crtica rel igio dos prote las de Israel e dos livros sapie nciais da Bblia . Quando ne-les so mordaz111ente ridicula ri zados os de uses a utofabricados, e qua ndo a estes se ope o nico Deus verdad e iro e rea l, esta mos d ian te do l11esmo movimento es pi r itual que pode ser enco ntra-do nos pr-socrticos d o a ntigo iluminismo grego. Q ua ndo os profetas vem no Deus de Israel a razo criado ra de tod a reali -dade, trata-se clara mente de crtica rel igiosa e m favor de uma viso correta da realidade. Aqui a f de I srael u ltrapassa clara-mente os limites de um a rel igio do povo; ela rep resenta u ma ex igncia universal, onde a universalidade est ligada racio-nalidade. Sem esta crtica religiosa proftica, o u niversalismo cris-I ~"O Leria permanecido inin1aginve1. Nela preparo u-se no inte-ri o)' cio prprio Israel aq uela sntese elementa r entre o elemento g rego e o bblico, pela qu al luta ra m os Padres d a Igreja. Por isso a ('(,' 11 1 ra lizao da mensagelll crist no Evan gelho de J oo e m

    22

    Jo s eph Ratzi n gcr

    torno d os conceitos de logos e aletheia no pode ser red uzida a uma me ra a tribuio d e sentido hebraico, e m q ue logos ("sse a pe nas "palav ra" no sentido de um discurso histrico de De us, c aletheia apenas a confiabilidad e ou fidelidade. E vice-versa, pda mesma razo no se pode acusar J oo de torcer o elemen to bbli-co pa ra o he le nista. Ele est dentro da tradio sapiencial cls-sica. Justamente nele se pode estudar o acesso interio r da f b-blica e m De us e d a cristologia bblica ao interrogar filo sfi co, tanto em suas conseq ncias qua nto em suas o rigensl3 .

    A alternativa se o mundo deve ser entendid o a partir de um intelecto criador ou de uma combinao de probabilidades den -tro de algo que em si no possui sentido - tambm hoj e esta alternativa que constitui a pergunta detenninante para nossa com-preenso d a realidade, e a ela no se pod e fu gir. Que~ , ao il:vs, quiser r eduzir a f a um paradoxo ou a um mero sJn1bohslno histrico, deixa de atingir a posio hist rico-re ligiosa da f, pela qual tanto os profetas qua nto os a pstolos co mbate ra m. A uni-versalidad e da f, pressuposta na ta rda m issio nria, s tenl sen-tid o, e s pode ser moralm ente j usfi cada, se nela realtnente for superado o simbolismo das religies e n: v i st~ d e u ma r

  • N a tureza e miss o da te o l og i a

    s(; i ,~-se n~ma frase de IPd 3,13, que na Idade Mdia constitua o t6p 'co c1 ",~SlCO que fornecia a base para a teologia sistemtica c~mo tal: _ EstaI sempre prontos ~~ra vos defender contra quem ped:, lazoes d e vossa es perana ". Aqui o texto grego bem m,IIS e xpressIvo que qualquer t::aduo. A qu em perguntar pelo fogos da espel ana ,. devem os fieIs dar sua apo-Iogia. O Logos pre-Cisa ter sIdo to assImilado por eles que possa transformar-se em apo~logla ; a palavra passa a ser pelos cri stos resposta interro-ga_ao dos homens. A primeira vista isto parece uma fundamen-

    t~ao p~ramente apologtica da teologia e da procura pela ra-z~o ~a r-e. Tem-se q~e poder expli car ao outro por que se cr. A fe nao e pura deClsao, se o fosse ela no a tingiria o outro. Ela quer e pode ser comp rovada. Quer tornar-se compreensvel para o ~utro . EXIge ser um Log0s.' e por isso sempre de novo poder

    ~O l nar-se apo-Iog la. Num nJ vellnals profundo, no entanto esta mte~pr~tao apologtica da teologia missionria, e a conc;pO mlSSlOnan a manlfesta, por sua vez, a natureza interior da f: e la s P? de ser nli~s i~nria quando reahnente ultrapassa todas as tradi-o~s e cOnStItul um apel? ~ raz~o, um voltar-se para a prpria veldade' ,Tem que ser mlsslonn a ta mbm, uma vez que o Ho-mem est~ d,;stmado a reconhecer a realidade e tem que, na sua resposta as uJtlmas COIsas, comportar-se no apenas tradicional-men;e mas tambl~ de acordo com a verdade. A f crist, com sua e~!genCla ITII SSIOnan a, dIstancIOu-se da histria das outras re li -glO:s; esta sua exig ncia provm de sua cr tica filosfica das re-IiglOes, e s a part~r d a pode ser fundamentada. O fato de hoj e o ele~,ento mlSSlonan o estar ameaado de debilitar-se est associa-do li perda de filosofia que caracteriza a atual situao teolgica.

    Mas em Boaven tura amda pode ser encontrada uma outra ~ndamentao da teologia, que primeiro interpre ta numa dire-ao ~nte l ramente diferente, mas que mesmo assim confirma a partIr de dentro o qu e j foi dito antes. O santo sabe que o in tro-d uZll' a filosofia, na teologia nao incontestado. Ele admite que eX,lste um~ vlolenCla da razo, que no se pode harmonizar co m a f .. Mas dIZ que tambm existe uma in terrogao por um outro motivo: Pode ser qu e a f deseje compreender por amor quele li quem ela deu seu consentimento l 5 . O amor procura compre-

    14 . Hoa VC ll lllla, Sento PJ"OQe1lL. qu 2 sed Con tra I Ir" Ihid. , qu 2 ad G.

    24

    ] oseph Rat z in ge r

    ender. Quer conhecer sempre melhor aquele a quem ama. "Bus-ca sua face", como sempre de novo di z Agostinho, baseando-se nos sahnosl6 . Amar querer conhecer, e assim o buscar compre-ender pode se r precisamente uma exigncia do amor. Dito com o utras palavras : En tre amor e verdade existe uma ligao qu e importante para a teologia e a filosofia. A f crist pode dizer de si mes ma: Achei o alnor. Mas o al110r a Cristo e ao prximo a partir de Cristo s pode ter consistncia quando for no mais p ro-fundo de si amor verdade. O fato r missionrio ganha aqui um novo aspecto: O verdadeiro amor ao prximo quer dar ao pr-ximo tambm aquil o que o Homem necessita de mais profundo: conhecimento e verdade . Ns havamos partido mais acima da qu esto da morte como aguilho fi losfico da f; descobrimos ento a qu esto de De us e sua exigncia universal como lugar da filosofi a na teologia. Agora podemos acrescentar, como te rceiro pon to: o am or, como centro do ser-cri sto, do qual "dependem a Lei e os Pro fetas", ao mesmo tempo amor verdade , e s assim se Inantm como gape a Deus e ao Ho me m.

    Observao final: gnose, f i losofia e teologia Por ltimo eu gostari a de voltar mais uma vez ao incio,

    idia dos primeiros j)adres, de que o cristianismo a verdadeira filosofi a. O tto Michel lembrou que a palavra filosofia era evitada pelos gnsticos. A palavra gnose representava para eles uma exi-gncia mais alta. A fil osofi a que sempre permanece interroga-o, esperand o uma resposta que sozinha ela no pode dar, no significava mui ta coisa para el es. Queriam te r um conhecimento claro - conhecimento que poder, com o qual pode ser domina-do o mundo de um e ou tro lado da morte". A gnose passa a ser a negao da fi losofi a , ao passo qu e a f defende a um s tempo o que a filosofia possui de grande e de humilde. No algo mui-to semelhante a isto o que existe hoj e? Da ftlosofia pro priamen te dita, com sua ince rteza ltima, ns estamos fartos. No quere-mos filosofia mas sim gnose, isto , um conhecime nto exato, que possa ser comprovado. A filosofia, em larga escala, est cansada

    16. CC p. ex. En in ps 104,3 Chr XL, p. 1537 . 17 . CC sobre iSlO O. Michel. qHoooep(ct. l n: ThWNT I X 185, nO!..:"1 136.

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  • N :1t u r e z a e m isco;o d 1 ~.. a t e o og ia

    de si p rpria . Ela tambm , afinal de conta ' . o utras disciplinas acadmicas, ter o mesmo ~~ I~ue l sei, CO ffiQO as la nlb m ser "exata" Mas. .d - r qu e e as. uer

    . a exatl ao ser adqui d d sua gTa ndeza' . _ .: 11 a ao cu sto e

    . , pOIS com IStO ela nao pod ' . I ve rdad eiras questes En t t .: b ~ _ e ra ma is evanta r suas sim do indi vidual M H o am el~ nao trata r mais do todo, e .1 . as o ornem nao deve comea ' fi d

    SI ncio sobre aquiJo de qu e no se pode f.al p .. fil l ~a n o e m ,' I '" . . b ar. 0 15 lcan a mos em ~ ~dn cldo s~ l~e o qu e con.stitui verdadeirame nte o nosso se r l8

    I e esta J.o rm a a e xatIdo ' 'd . ( ue n- ' .: . e erguI a a um va lo r to absoluto I ao se pod e maIS perguntar para alm da " " Home m pe rde-se a si )r rio ' , ~ gnose. exata, o t - Ih _ . I P , pOIS enLao suas verdad eiras ques-oes c sao reUradas. J osef Pieper disse . -

    quase apocalptica ' "Pod' . ' um a vez numa vlsao d a histria a raiz d . e rIa pel feItame nte aco ntece r qu e no fim tncia _ e isto ~ t~~as as c01 ~as e a extrema ameaa da ex is-

    . . . que l lzer: o objeto especfi co da fil osofia - s' pudesse se r vista por aqueles que crem " 19 C . . I _o pretendia d escreve r a situao resen te ' . om .ISto e e n~o certamente nao se a plica M. p . _ , a qu al esLa afirmaao

    I .d . as, na vlsao de um fULuro possv I e e conSI e ra um aspecto do tod I .. e , d a IgreJa. a f ' ~ o que lOJe nos hga aos Padres

    . .' . e nao a meaa a filo sofia, mas defend _. . .. eX lgenclas totalit rias da gnose A f d f d . e a contl a as tem necessidade dela. Precisa d eI. e e n e a fil osofi a, porque H omem que t .. a pOI que tem necesSidade do

    111 e ll oga e procura' o I obstculo no . . "" : que para e a constitui um

    . o lJl tell ogar lnas sim o fechar-se - d . ma is faze r l)ercrUnt'lS e q _ . I ' qu e nao eseJa

    ti ( ue nao conSI( era '1 verdad aJ ~1:,:~~~1 f~;~~~!v? L A fl no destri a filos~fia , e la : ~I~~~dec~:

    , e que e a permanece fi e l a si prpria.

    -:-::-:::---I ~ C . . . : om ISto estou aludll1do il frase fina l d ) T ". WII lgt!l1ste in. Lond res/Nov'llorqu 196 1 [ j ( _ r~clal/l,s loglco-phdo.wIJJuCl/s de L. . I r. t!, a t!lllao-lnglsJ ' "Sob -. 1 I Se PO( t: laia 1-. sobre isto tem-se q' r . I I " . le .lql.ll o (e que no

    "

    I" le Ical ca a( o Sem d 'd I mgenslt!i n co rresponde ao ino . 1(6 ' VI a a gu ma a a luso d e

    l ' < 111m. ve 522) da melho l d j1

    glca, como tambm m stiC"} o \,r 'r .. ' r I'a Ia0 I osfica e leo- . " . I genstem se coloca da 11 f

    11I1SIIGI qUilnd o rde l"c-se s leses d 1-' fi l esm a or ma na l l-acl i.lo da I

    . I a 1 0 SO la como a escad ' > d . (CP OIS ( e se haver "sub'd o _ ' I, 1 q ue se eve Joga l' lo ra . , I rOl e .IS - pa ra a lm d elas" (6 54) ' I ..

    10 111 ISIO J li ca rc flll ada la m b ' ' . ;- d . . . , I V as pIeCl.samenle '. .. ' . ll1 a 1 eJel.lo a me tafislca e s . I .. ' ( 1.\ p.1 1 a O 1110 Illl n ve l como ele " . . ua co mp e la LI ansfe ren-r ' ' p

  • Nllturcza e m iss o da teologia

    s() f ( ) ~. Dessa forma convm q . . . . . '.. . ue se tente uma refl exo bsica so-

    b ,

  • Natu reza c m isso da te o log i:1

    ,

    os pCl'lgos a que o dilogo est suje ito: as pessoas podem chegar a ~J 111 consenso porque existe a verdade comum; mas o consenso lI ao pode ocupar o lugar da verdade. Nesse ponto que " levo t' ' . d _. ' Ja nos . ~I a ~ ~ centl o a questao, faamos uma interrupo, para

    conslde l atInas uma segunda caracte rstica do acad mico.

    2. A libeTdade . Da essncia do acadmico, e do seu esforo por compreen-

    dei, tem feito parte d esde sempre a liberdade , Liberdade , agui, slgl1lfica essenCIalmente duas coisas. Em primel'l'o lug' . 'bTd d " . areapos-

    SI I I a e de tudo perguntar, de di zer tudo qu anto na lu ta pe la vel dade IJarecer mereced . d d' d 01 e ser Ito, e ser perguntado e

    pens~do" . At (~q~i ns nos e ncontramos claramente no mbito d~;U1lo que h~Je e pelo menos teoricamente aceito e d efendido p todos. Mesmo assim preCIsamos pergun t'll" Q ue '. fi . ' . que JUSll-1C3 esta "berdade, que e m cer~as circunstncias lo pe rigosa? ~ua~ o.s~u .fundamen~o? E~ t~ n~sco assumido em favor d e qu ?

    ~ un l c~ I esposta sausfatona. e a seguinte: A prp ria verdade, pOI causa dela mesma, pOSSUI to grande valor gue justifica o ~sco, ne~lhuma outra cOIsa ou pessoa seria capaz de justific-lo.

    as aq Ui logo nos vemos envolvidos em um dramtico con fli to com, t~das as estr~tgia s de mudana, ao mesmo tempo que nos

    de~a, amos tambem com a questo dos funda mentos da nossa s?cledade. Tentemos, por isso, descrever com toda exatido pos-slve l este ponto, que Josef Pieper de fin e como segue: "O d~stll1gue (o acadm ico) antes de tudo este estar livre de I:l~~ ao a qmllsquer eventuais finalidades de uso- um estai' I' g

    , . . , . .:: - Ivre que co nsUtlu ~ verdad eira lIberdade acadmica', e que. portanto por defin io se exting I '. . '

    . ue ogo que as C1enClas passam a se r me-:;os objetos d e qua lquer g l:UpO, seja qual for sua organizao"'.

    Pode-se q.lI~l er tomar a hlo~ofi~ a seu servio; mas o que to-mado a se i ViO de alguma coISa J no fil osofia" 6.

    A pergunla pela liberdade est inseparavelmente ligada per-gunta pela verd ade . Q uando a verdade deixa de ser um valor 4. ~~bre est~ Se? cf. J. Ratzinger. Freiheit und Bi ndu ng in der Kin:he RatzlI1g

  • Na t ure za e misso da t e ol o gia

    rcconhece mais nenhum comprolnisso com a verdade - com o pai - , vive sob a cotnpulso de que o que agora de termina o Il omem unicamente o usar e o ser-usado. sendo por isso em ltima anlise uma liberdade de escravo - mesmo que isto s chegue a evidenciar-se mais tarde, e mesmo que dure at esgo-lar-se, a ponto de chegar s bolotas dos porcos e de invejar os porcos por no estarem suj eitos maldio da liberdade. Che-gou-se a esse pOl1to nos postos mai s avanados do desenvolvi -mento moderno, mas o c1aulor ecolgico, contra o Homem como destruidor do ser, no traz sa lvao enquanto a pergunta pela verdade no for novamente co locada. "A verdade vos li-bertar" ao 8,32) - esta palavra do Senhor pode se r compre-endida hoj e de uma forma inteiramente nova na profund ida-de e grandeza de sua exigncia. A verdade ira a lternava do nosso tempo passo u a ser enlre a liberdade do fazer e a liber-dade da verdade. Mas a libe rdade do fazer que no se deixa tolher pela verdade a ditadura dos /ins, e m um mundo de onde a verdade j se encontra ausente, e com isto a escravi zao do H ome m sob a aparncia de libertao. S quando a verda-de ti ver valor em si mesma, e quando ver a verdade for mais importante do qu e todos os xitos e sucessos, s e nto que seremos livres. E por isso a li berdade verdadeira apenas a liberdade da verdade.

    3. O ceniTo: a verdade corno fundamento e medida da liberdade

    Com isto ns chegamos ao verdadeiro ncleo de nossas con-sideraes: liberdade "acadmica" a liberdade para a verdade, e o que a justilica estar a para a verdade, sem ter qu e preocu-par-se com os fin s a alca nar. A mulher de L, que olha para trs, transformada numa esttua de sal; e o Odeu, depois de subir na luz, perde tudo quando procura garantir o xit09

    TenLemos agora apreender com a mxima preciso possvel esLa idia, para que possamos ver com clareza suas ex igncias e implicaes. Parece-me significativo o fato de Romano Gua rdini ha v-Ia fo rmulado uma vez enl conexo com a qu esto judaica, !I. J':s la illl

  • N a ture za e mi ss o da teolog i a

    I rc as guerras e no aps-guerra 12 . Esta frmula, ce rtamente, no diz tudo , mas ela mostra alguns elementos de decisiva importn-cia: perceber a ve rdade um processo que aj usta o Homem ao

    ,

    ser. E o ajuste entre o eu e o mundo. a harmo nia, o ganh a r presentes, o ser purificado. Na medida em que os Ho mens se deixam conduzir e purificar pela ve rdade, eles encontram o ca-minho no apenas para o seu verdadeiro eu, mas tambm para o tu. Pois na verdade eles se tocam, e a in verdade, o u a ausncia de ve rdad e, que faz com qu e se fechem um para o o utro . Cami-nha r pa ra a verdade, de acordo com isso, signifi ca discip lina ; quando a verdade purifica do egosmo, da compul so para a au t.o-s uficincia, quando ela torna o Homem obed iente e confe-re-lhe a coragem da hum ildade, isto sign ifi ca tambm que ela ensina a perceber a pardia da liberdade presente na factib ilidade, e a pardia do di{llogo presente no palavreado supera a confu-so entre ausncia de compromisso e liberdade, tornando-se as-sim fecunda precisamente por ser amada sem ou tras intenes.

    Depois destas conside raes. estamos preparados para dar um ltimo passo. Precisamos ainda colocar a pergunta de Pilatos: O que a verdade? - se bem que de uma forma diferente do qu e fez Pila tos. Hermann Dietzfelbinger lembrou que o que a pe r-gunta de Pila tos possui de opressivo que na realidade ela no uma pergunta, 111as siIn Ullla resposta. Ao que se apresenta com a pretenso da verdade ele diz: Deixe de conversa - o que a verdade? Q ueremos antes ocupar-nos com o concreto. - nesta forma que quase sempre a pergunta de Pilatos fe ita hoje. Mas agora ela tem que ser acolhida com toda ser iedad e: Como sabe-mos que tornar-se verdadeiro significa tornar-se bom, que exis-te a bondade em si? Como sabemos que ela vale por si mesma, sem que precise comprovar-se pelos fi ns? T udo isto s ocorre quando a verdade possui em si mesma sua prpria d ignidade, quando e la subsiste em si mesma e possui mais se r do que tudo o mais; quando ela prpria o cho que me sustenta. Quando refletimos sobre a essncia da verdade, ns chegamos ao concei-to de Deus. No se pode por mui to tempo segurar o ser e a dig-

    12. Cf. L. B. Puntel. Wahrheit. In: 1-1 . Krings, H.1\'1. Baulll g1rlner e Chr. Wild . IIrwdlJ/lrh j)hilosoj)hischer Grundbegriffe /11. Mu nique, 1 974, p. I 649- J 668.

    34

    Joseph Rat zinge r

    nidade da verdade, de que por sua vez dependem a dignidade do Homem e do mundo, se no se ap rende a ver nisto O ser e a d ignidade do Deus vivo. Por isso em ltima anlise o respeito verdade inseparvel daquela atitude respeitosa que ns cha-mamos de adorao. Verdade e cul to esto en tre si numa relao inseparvel - um no pode realmen te prosperar sem o outro, co mo efetivamen Le tantas vezes chegaran1 a sepa rar-se no de-curso da histria.

    4. O culto Com isto, em nossa pesquisa do acadmico e da teoria do

    acadmico, chegamos j a um ltimo ponto de vista. Q ue a pala-vra "Academia" tenha sido de incio o nome de um templo pr-urbano, antes que Plato criasse ali sua escola, pode de in cio no parecer muito significativo para a histr ia da nova institui-o. Mas considerando com mais ateno podere mos perceber aqui uma ligao mais profunda, que cer tamente no deixo u de ser importante para O fundador. Pois do ponto de vistaju rdico a academia de Plato era uma associao de culto. Dessa fo rma, a venerao das musas era uma componen te im portante da vida; existia expressamente o cargo do p reparador dos sacriflci os" . Isto be m mais do qu e uma simples coincidncia externa, possi-velmente uma concesso s estruturas sociolgicas de ento. Em ltima anlise, a liberdade para a verdade, e a liberdade da ver-dade, no pode existir sem que o d ivino seja reconhecido e ve-nerado. O estar li vre da obrigao de se r til s pode se r funda-mentado , e s pode permanece r, se realmente existir o que foi reti rado da propriedade e do proveito do Homem, se existir o direito mais elevado de propriedade cio divino, a intocvel exi-gncia da divindade. "A liberdade da Theol'ia, diz Pieper, repor-tando-se a Plato, "est indefesa e desprotegida - a no ser que esteja especialmente includa na proteo dos deuses"14. O ser livr e da uti lidade, o estar livre dos objetivos do poder, s encon-tra sua garantia mais profunda na reserva do que no est su-

    13. Picper, 1.c., p. 37s. Cf. H. Meinhard t.. Akademie. In : J. Rittcl- (cd.). HistOl1sches Worterbuch der Philosophie J. Basilia/St llugart, 197 1, p. 121 - 124. 14. lbid. , p. 36.

    35

  • Natureza e mis s o da t eo logia

    IJord inado a nenhum poder humano: na Liberdade que Deus I C I Il c d~1 em relao ao Inundo. No mera casualidade que a li berdade da verdade se encontre em Plato, que por primeiro a lormulou filosoficamente, mas tambm que se encontre substan-cialmente no contexto da venerao, do cul to . Onde este no ex iste, aquela deixa de existir. Deixa tam bm de existir, eviden-Lemente , onde as fo rmas de cu lto, apesar de mantidas, so reinterpretadas dentro de um agir simblico meramente social. Mas tudo isso sign ifica que a pseudoliberdade anrq uica sempre est em ao quando se negam as bases da adorao, quando deixa de ser aceita a li gao com a verdade, a ex igncia da ver-dade. Hoje estas falsas liberdades so superpode rosas, e consti-tuem a verdadeira ameaa verdadeira liberdade. Quando nos ocupamos com a salvao do Homem e do Inundo, esclarecer o conceito de li berdade uma das tarels mais importantes.

    36

    II NATUREZA E FORMA DA TEOLOGIA

  • FUNDAMENTO ESPIRITUAL E LUGAR DA TEOLOGIA NA I G REJA

    "Nenhum cristo inteligente h de negar que o cuidado com a palavra de Deus entre os home ns fo i confiado unicamente Igreja"', No se trata aqui de um a fi'ase proveniente de algum Fu ncionrio da cria envolvido na rotina do seu magistrio e que tenha olhos apenas para ver a a utoridade do se u cargo, incapaz de perceber os proble mas na sua totalidade. Esta frase, pelo con-trrio, [o i formulada no ano de 1935, no a uge d a lu ta nacional-socialista contra a Ig reja, por um discpulo de RudolfBu ltmann, que se e ncontrava na linha mais avanada da Jg reja Evanglica Confessante, e que num insistente discurso lembrava Igreja sua responsabilidade pelo ensino da teologia. Estamos f,liando de Heinrich Schlier, que estava longe de com estas palavras pre-tender ocupar-se com teorias acadmicas ou com instrues bu-rocrticas. A tentativa do Estado de fazer do cristianismo luterano U111 cristian ismo alemo, e de co m isto servir-se dele em benef-cio do totalitarismo do partido, abrira-lhe os olhos, assim como a lTIuitos de se us companheiros, para o fato de que a teologia ou est na Igreja e parte da Igreja, ou e nto no existe. Assim esta frase car rega e lTI si um destino: renunciar ao ensi no na universi-dade, que j no era exercido por uma Igrej a que se tornara tm ida e confusa. Mas a teologia, d essa forma isolada, e que se havia retrado sua aparente liberdade acad mica, transfornla-ra-se em j oguete dos poderes dominantes, estando exposta

    I. H. Schlier. Die Verantwoftung der Kirche fr den theologischen Unterrichl. ln: H. Sch li er. Der GeI und die Kche. Freiburg, 1980, p. 241 -250 lEcI. por V. Kubina e K. Lehmann - Ci lao da p. 241, primeira publicao: \II/uppcrtal-B

  • Nat ur eza e m isso da teologia

    illl e rve no do partido2 Ficou claro, com esta situao, que a li be rdade da teologia a vinculao Igreja, e que com qual-q uer o utra espcie de liberdade ela est se traindo a si mesma e a causa que lhe foi confiada. Ficou claro que no pode haver ensino teolgico se no houver Ulll lnagisLrio eclesistico, por-que nesse caso a teologia no te ria outra certeza a no ser a de qualquer cincia hll1nana, isto , a certeza da hip t.ese, sob re a qual se pode d iscutir, mas pela qual ningum h de pr a vida em jogo. Se assim fosse, seria pretenso a teologia querer ser qualquer o ut.ra coisa que no histria, e talvez psicologia ou so-ciologia, ou ainda fil osofia do cristianismo.

    Na poca esta viso se imps com candente clareza, embora no fosse de nenhum modo recon hecida como ev idente pela maioria dos telogos . Passou a ser a linha di visria entre acomo-dao liberal, que por liberalidade logo transfo rmo u-se em ser-vilismo totalit rio, e opo pela Igreja Confessante, que ao mes-mo tempo era uma opo pela teologia ligada confisso, e com isso Igreja docente. Hoj e, numa poca de paz exterior, no to fci l ver os contornos com a mesma clareza. Telogos catli -cos, com certeza, de forma geral no con testa ro a existncia do magist rio'. Nesse ponto os dados da tradio e da ordem ecle-sistica - dife rentemente da tradio reformada - so claros para o catlico. Mas de fo rma geral a necess idade interna e o carte r

    2. Cf. a este respeito o cronograma biogrfico da vida de Schl icr, 1. c.:. , p. 304. Schlier resti tuiu em 1935 a Veuia iPgendi, depois de um pedi do de licena Facu ldade Ecle-sistica ter siclo rejeitado,.I antes fora reje itado um chamaclo para a Un iversid ade de Hall e, bem como a nomeaflO d e Schlier como pro fessor extraordin ri o em Marburgo; uma c ou tra co isa por ele pertence r 19n:ja Con fessan le. Pode servir de int roduo ao pensamen to teo l6gico de Schl ie r , A Schneide l' . Worl GoUes im theofogischen Dmken vou ff. Schliel'. Fran kfu rt, 1981, Uma bem fundamentada I'ecensiio a esse respeito, de P. Kuhn. In: Theologisrhf H CV11e 82, 1986, p . 3 1-;34. Merece a ten-:io tambm J. J Ullltila. Cor/JUs Christi P"eulIlaliclllll - Heinl'ich Sch lie r in ksil}'s ki rkosta , Hclsinki , 1981 [em finlands, com um extenso resumo em alemo]. :1, A situao au, .. 1 da discusso na teologia de lngua a lem torna-se bem visvel na antologia t:ditacla por W. [(em . Die 71zeologie mui d(L~ l...ehmml. F,'e iburg, 1982, im -portant e sobretudo o rico e equilibrado artigo de M. Scckle r . " Kin:hli ches Lehramt 1I 1\ d th col og iseh e Wissenschaft - Ceschi chtli ch e Aspc kte - Pl'ob le m e und I .ilsll tl gsclcmen le", p . 17-62. Cf. tambm M. Seckl er. Die schiljen. W/lde des LehrlulIIses

    Kalho li zi tiil ais Herausforderung, Fre iburg, 1988, p, 105 155 . M. Seckl er. T hcolog-ie a is Glaubenswissenschaft . In: W. Kern , I-I , Pott1l1cycr e M. Seckler. 11f/II//lmch dl;r F'/IlIdalllcn faltluologie IV. Freiburg, 1988, p. 180-24 1,

    40

    ] ose ph Ratzing e r

    positivo do magistrio tambm deixaram hoje de ser evidentes para a conscincia comum da teologia catlica. A autoridade eclesistica aparece como uma instncia al heia, que a partir da lgica cientfica no deveria exjstir. A cincia - assim parece - s pode seguir sua prpria lei. Mas esta lei que nela a nica coisa que pode contar o argumento racional e obj etivo. Que em lu-gar do argumen to e da viso obtida atravs dos argumentos o que decida o que deve ou no deve ser ensinado seja uma auto-ridade, considerado como estando em contrad io com a cin-cia. E isto desacredita a teologia dentro do organismo da uni ver-sidade . O que inlporta no a autoridade, mas sinl os argumen-tos, e, se mesmo assim a au toridade tentar decidi.; isto s poder ser visto como uma pretenso de poder, con tra a q ual necess-rio precaver-se4

    O fato de hoje a teologia catlica tambm pensar assim a colocou numa situao bastante contraditria. Aplica-se a ela mais uma vez, e em maior in tensidade, o qu e Romano Guard ini cons-tatou nos seus professores de teologia na poca da crise moder-nista e pouco depois, a saber, que seu catolicismo era apenas um "liberalismo restringido pela obedincia ao dogma"' . Seu pen-samento claudicava assim para ambos os lados: no conseguia convencer como liberalismo, porque a obed incia ao dogma, suportada a contragosto, o impedia. Nem tampouco conseguia recomendar o catolicismo, que no passava de algelnas, seln nada de prprio, de positivo, vivo e grande. No se consegue penna-nece r por muito tempo numa situao di vid ida como esta. Se a Igreja e a autoridade eclesistica forem para a teologia um fator estranho cincia, ento tanto a teologia quanto a Igrej a esto igua lmente correndo risco. Pois uma Igrej a sem teologia se em-pobrece e perde a viso; mas uma teologia sem Igrej a dissolve-se na arbitrariedade. Por isso a questo da ligao inte rna entre as

    4 . CC a cdtica do magist rio, apesar d e mais uma vez Illodilicada, de P. Eicher. Von den Schwic,'igkeiten brgerLicher Theologie mit d en kalholischen Kir'chenstrukulren. In : W. Kem . L. c., nota 3, p, J 16-151. 5. R. C uardin i. lJerichte be1' mein Leben - Au tobiograph iscb e Aufzeichnun gen (Dtisseldorf, 1984) sobre o telogo moralista d e Bo nn , F. Tillmann: 'l .. ] mas a atitu-de crTica, C0l110 o mostrou a 'linha d e Bonn ' qu e mais tarde esteve em evidncia , no fundo e ra ull1 liberalisll1o restringido pela obedincia em relao ao dogma" (p. 33).

    41

  • Naturel:3 c m i sso da t eo l ogi a

    dllas precisa ser re fl etida desde os fundamentos, precisa ser in-lciramente esclarecida ; no para delimi tar esferas de interesse, lI cm para 11lanter ou para excluir o poder, mas siln em favor da honestidade da teologia, e em ltima anli se da honestidade de nossa prpria f.

    O tema imenso; no pode trata r-se aqui de nenhum estudo cu mpleto, nem de algo que pelo menos aproxime-se disto. Ten-larei apenas ocupar-me con1 alguns pontos de vista que ;;u ud em a levar adiante nossas idias. E eln tudo isto que ro consciente-luente , seno exclu ir, pelo 111enos abordar apenas marginalmen-te a questo do magistrio, porque no h co mo abord-Ia satis-fatoriam ente sem que antes fique esclarecido o que de lilto fundamental: a ntima e essencial conexo entre a Igreja e a teo-logia. Para apresentar iSlo existeml11ltiplos caminhos. No pe ro-do entre as guerras, quando entrou em co lapso o modelo clssi-co-Iiberal, e mais ainda no tempo da luta da Igreja no Terceiro Re le h, esta conexo lo i retomada pe los pensadores teolgicos maiS Impurtantes da poca, sendo por cada um apresentado s ~a maneira prpria. Ta lvez o prneiro a abrir as portas tenha sido o ento docen te Romano Guardini , que pessoahnente havia passado pe la ex pe ri ncia de do is processos intelectuais: o kantismo havia destrudo a f de sua infncia; e a converso veio a representar a superao de Kant, e a superao de Kant o reincio do pensa mento na obedincia a uma palavra proven ien-te de Ul11 inte rlocutor vivo com qu em se est comprometido, a Igreja'. Aps a Primeira Grande Guerra, foi o grande exegeta e historiador evanglico Erik Peterson que na disputa con1 Harnack e Barth mostrou a insuficincia da dial tica e que sua seriedade era apenas apa rente, bem como a insuficincia do liberalismo,

    ~ ncontr~ndo o calninho para o doglna e por ltimo para a Igre-Ja Catlica' . Mas sua maneira tambm Karl Barth, 111alS um a

    (i: I~. GU'lI:dini. L.c., p. 32ss,.6~-72, 83-87. Cf. m eu ensaio: Von der LitUl'gie WI' ( . hnslolo~le - Romano GU(ll'dml~ theologischer Gru nda nsat7. und seine Aussagekrali.. 111 : .1 . Ratzmgel'. Wege .tIlr Wahl"hell- Die bleibende Bedeutung von Romano Cuardini. J> iisseldorf, 1985, p. I ~~-133 . H.B. GerI. Roma/lO G/UmJini. Mainz, 1985, p . 52-76. 7. Os testem un hos m aIS Imporlantes deste caminho estrlo reunidos em : E. Pelt! rson. f'Il1'ologische Traktate. Mun~que, [.951. Sobre a caminhada e a obra de Pcterson, veja o )..\r' 1I 1de lnlbalho de B. POlcluwelss. Enk Peterson - Nelle Sicht au f Le ben ll nd \'Verk. 1,"1'(: ih\l1');, [992.

    42

    ]oseph Ratl:ingcr

    vez em disputa com Harnack, reconheceu que a teologia o u de Igreja ou ento no teologia; o fato de haver denominado sua grande obra de "Dogmtica Eclesistica" [KiTChliche Dogmatih] foi e continua sendo uma profisso de f, e se no fosse essa deciso esla obra no existirias. E por ltimo precisa ser mencionado o no me de Heinrich Schlie r, que na dispu ta com O nacional-socia-lismo, e ao assumir posio conLra uma teologia acadmica claudicante, reconheceu que a teologia necessita da Igreja e da deciso magisterial da Igreja , porque ela existe in teira e exclusi-vamente para "aprender de forma ordenada e expressa" a Pala-vra de Deus9 . Assim como as outras, tambm essa deciso - como j vimos - carregava U111 grande destino: antes de tudo o de na perseguio poltica pensar na renncia ao cargo, caminho este que mais tarde o levou Igreja Cat lica. Seria interessante escla-recer e analisar o tema da eclesia lidade da teologia no pensa-mento dessas quatro grandes figu ras, no que elas tm de contra-ditrio e no que tm de COlTIUm 10 .

    1. O novo sujeito como pressu,jJosto e fundamento de toda teologia

    Mas isto nos levaria lo nge demais. Por isso eu gostaria de te ntar aqui um ponto de partida qu e primeira vista parece no ter li gao com nosso tema, 111as que na realidade estou conven-cido que leva ao fundamento sem o qual nada pode se r entendi-do. Refi ro-me palavra da Epstola aos Glatas, em qu e Paulo, ao mesmo tempo como revolucionria experincia pessoal e como realidade objeti va, descreve o que disti ngue o cristo: "Eu vivo, mas j no sou, Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Esta li'ase encontra- se no final daquel a breve autobiogra fi a es piritual es boada por Paulo frente aos se us le itores - no pa ra se autogloria r, mas sim para lembrar sua prpria histria com Cris-

    K Cf. H . U. \'on Balthasar. Korl Ba/11! - Darslel1ung und Deuwng s/.:: iuc r Theologie. Einsied eln, ~1976. 9. H. Schl ier. L.c., nota I, p. 227. 10. Do universo de lngua francesa ainda teria que ser acrescenlad o, com () mesmo peso, L Bou)'cr. Cf. o fasci nante relrospecto sobre seu caminho C;l ampla apresen-tao de sua viso da lt!ologia no li vro surgido dos dilogos com G. Daix: L. Bo uyer. Das Halldwcr/i df'.~ Theologen . Einsiedeln , 1980.

    43

  • Nature za i! miss o da te ologia

    l o C co m a Igreja e esclarecer a mensagem que lhe foi confiada. SClllprc de novo esta apologia do seu caminho leva, por assim dizer, de fo ra para dentro. Primeiramente so apresentados os ;Icontecimentos externos de sua vocao e de sua caminhada, lH as por fim , nesta nica frase, como que sob a luz de um raio, fica visvel a ocorrncia interior do que aconteceu com ele e que serve de base a tudo isso. Esta ocorrncia interior a um s tem-po inteiramente pessoal e inteiramente objeti va. a mais pr-pna das experincias, mas diz o que a essncia do cristianismo para cada U1U. Seria pouco demais explic-la com estas palavras: "Tornar-se cristo e permanecer cristo tem a converso co mo fu ndamento", apesar de com isto nos encontrarmos intei ramen-te n.a dire~o c~r reta. Mas converso, no sentido paulino, algo mUlto maIs radl~a l do que, digamos, a reviso de algu mas opini-es e ati tudes. E um processo de morte. Dito com o utras pa la-vras: uma mudana de sujeio. O eu deixa de ser um sujeito

    - . . .

    auton0l110, um sLljelto que subsiste eln si mesmo. Ele arranca-do de si prprio e in troduzido em um novo SLUeito. No que o eu SImples mente desaparea, mas de fato ele tem que deixa r-se cair inteiramente, para em seguida ser concebido novamente num

    . .

    eu n1alor, e Juntan1ente com este. .. A id ia bsica de que a converso a entrega da antiga subje-

    tiVIdade Isolada do eu e o voltar a encon tra r-se em uma nova unidade de sujeito em que os limites do eu foram rompidos e dessa forma o contato com a base de toda realidade se torna possve l - esta idia bsica volta mais um a vez na Epstola aos Glatas, em outro contexto e com novas nfases. Pau lo, com au-xli o da oposio entre le i e promessa, se interroga se o prprio Homem pode por ass im dizer fazer-se a si mesmo o u se ele p re-cIsa deixar-se presentear. Ele enfatiza aqui exp ressa mente que a promessa deu-se no sing ular. A promessa no dirigida a uma multido de suje itos um ao lado do outro, mas va le para "a se-mente", para a descendncia de Abrao, no singular (C l 3, 16). No existe mais do que U1n portador da promessa, e fora dele cst.:i o mundo confuso ela auto-realizao, em que as pessoas que-rem concorre r Limas com as outras e co m Deus, mas com isso deixam de encontrar sua ve rdadeira esperan~:a. Mas como have-ria a promessa de ser esperana, se ela s vlida apenas para

    44

    Joseph R atz in gc r

    um nico? A resposta do apstolo a seguinte: "Todos vs que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. J no h judeu nem grego, nem escravo nem li vre, nem ho meol ~lem mu lhe r, pois todos vs sois UlTI em Cristo J esus. O ra, se SOIS de Cristo ento sois verdadeiranlente a descendncia de Abrao, , , herdeiros segundo a promessa" (Gl 3,28). E importante obser-va r que Paulo no diz: vs sois uma s coisa, mas ele acentua: vs sois um. Vs vos tornastes um novo e tInico sujeito com Cristo, e assim - pela fuso dos sujeitos - estais includos na promessa" .

    Este segundo texto importante, porque esclarece o conte-do objetivo, que embora sirva de base para a primeira frmula: "Eu , masj no eu", no to claro para o leito r. A mudana de suj eito de que se trata aqui no pode ser feita por iniciativa pr-pria. Isto no teria lgica, seria uma contradio. Pois havel~ia ~e permanecer na "obra", no impenetrvel fechamento do propno suje ito. A mudana de suj eito envolve um passivo, a que Paul? com razo se refere como morte , como participao no aconteCI-mento da cruz. Esta mudana s pode suceder a algum a partir

    - . -de fora, a partir de um outro. Como a conversa0 CrIsta rompe a fronteira entre o eu e o no-e u, ela s pode ser dada a algum a partir do no-eu, nunca pode completar-se na mera interioridade da prpria deciso. A converso possui estrutura sacramental. O

    . _. ".

    "eu vivo, mas j no eu" no descreve uma expen enCla llustlca pessoal, mas sim a essncia do batismo12 . Trata-se de um pr~c:sso sacraluenta l, isto , de Igreja. O passivo do tornar-se cnstao ex ige o ativo da ao da Igreja, onde a unidade de sujeit.o do fiel se apresenta corporal e historicamente. S a partir daqui que pode ser adequadamente entendida a palavra paulina da Igreja como o "corpo de Cristo" . Ela se identifica com o revestlr-se-de-Cristo o u com o ser-revestido-de-Cristo, onde esta nova veste, que ao mesmo te mpo protege e libe rta o cristo, o corpo do Cristo ressuscitado .

    Q uem l Paulo partindo dessa viso, sempre de novo, a par-tir das mais diferentes abordagens, depara-se co m a luesma VI-

    I I. Para a interpretao de Glatas 2,20: H . Sch He I". Der BrieJ an die Galu/er. Gttingen , 1962, p. 101 - 104 . F. Mussner. Der (;a{alerbriej. Freiburg, 1974, p. 182- 187. Ver tambm os dois comenUil"ios sobre os outros tex tos citados de Glatas. 12. H. Sc.:hliel". L.c., p. 102.

    45

  • Natur ez a e misso da teol og ia

    " 'O b',sica. Na teologia batismal da Epstola aos Romanos ela est li g-ada Ils idias da tradio, isto , aos contedos do conheci-111

  • Nat u reza c mi s s o da t e o lo gi a

    2. Converso, f e pensamento Embora de incio todas essas coisas estejam muito distantes

    de nossas questes correntes sobre o conce ito e os mtodos da teologia , aos poucos as ligaes comeam a tomar forma. Come-cemos com uma aparente banalidade: a teologia pressupe a f. Ela vive do paradoxo de que existe uma ligao entre f e cin-cia. Aquele que pre tender suprimir este paradoxo est supri-mindo a teologia, e deveria tambm ter a coragem de diz-lo. Mas quem basicamente o aceita tem que aceitar tambm as ten-ses nele presentes. Nele transparece a forma particular da ex i-gncia crist da verdade, o que verdadeiramente mostra a essn-cia do cristianismo no conjunto da histria das re ligies. Pois o fenmeno da teologia, no sentido estrito da palavra, um fen-meno exclusivamente cristo, inexistente em outras partes. Nele est pressuposto que na f trata-se da verdade, isto , de um conhecimento que no se refere apenas ao fun cionamento de coisas quaisquer, mas da verdade do nosso pr prio ser; que se trata, portanto, de saber C0l110 deve mos ser para estarmos cer-tos. Pressupe-se que s na f esta verdade se torna acessvel; que a f um novo comeo do pensa r que nos dado de presen-te, e que no pode por ns mesmos ser estabelecido ou substi-tudo. Mas se pressupe ao ll1esmo ten1po que ento esta verda-de escla rece todo nosso ser, e por isso ela fa la taD1bm ao nosso intelecto e quer ser compreendida por ele. Pressupe-se que esta verd ade, como verdade , se dirige razo, precisa se r pensada pela razo para que possa passa r a ser prpria do Homem e a desenvolver plenamente sua fora. Enquanto o mito na Grcia e na ndia qu er apenas difundir mltiplas imagens do verdadeiro, que sempre pe rmanece inapreensvel, a f e,;' Cristo no pode ser modificada e m suas afirmaes bsicas. E verdade que ela no suspende o limi te bsico do Homem frente verdade, isto , no suspende a le i da analogia, mas analogia no o mesmo qu e metfora. Analogia sempre est aberta ampliao e ao apro-fundamento , mas nos limites do humano ela proclama a prpria verdade. Neste sentido, a racionalidade faz parte da essncia do cristianismo, e isto de un1a fonna qu e no ex ig ida por nenhu-ma das outras religies. Quem reprimisse sua marcha esta ri a con trariando uma indispensvel dimenso da te. Nisto est o

    48

    ]os c ph Ratzin ge r

    limite que o magistrio da Igreja precisa observar em scu rela cionamen to com a teologia.

    Mas antes precisamos levar adiante o pensamento esboado a partir de Paulo e a partir de Joo. Agora ns podemos dizer : a f e o pensar fazem parte da teologia. A fa lta de uma ou do ~ulro haveria de dissolv-Ia. Isto significa que a teologIa pressupoe no pensar um novo incio, que no produto de nossa prpria re-fl exo mas provm do encontro com uma palavra que sempre nos antecede 15 O aceitar este novo incio ns o chan1amos de "converso" . COD10 no existe teologia sem f, no existe teolo-gia sem converso. A converso pode te r muitas formas. Esta no precisa ocorrer selnpre em um rato ~o.ntual, como em Agos-tinh o ou Pascal, em Newman ou Guardml. Mas de algu ma for-ma este sim tem que ser assuJ11ido neste novo in cio, tem que realizar-se a mudana do eu para o no-eu. Resulta da, direta-mente, que a chance de un1a teologia criativa tanto maio~- quanto mais a f tiver se tornado experincia real; quanto lnalS a con-verso, em doloroso processo de transformao, tiver obtido evi-dncia interior; quanto mais tiver sido reconhecida como o ca-minho indispensvel para penetrar na verdade do prprio ser. Por isso, nos convertidos, o calninho pode estar ori entado para a f; por isso eles nos ajudam a reconhecer ,melhor e a testemu: nhar a razo da esperana que est em nos (d. IPd 3,15). ,POI isso a ligao entre teologia e santidade no nenhum palavrono sentimental ou pietista, mas resulta da lgica da cO isa e confir-ma-se ao longo de toda a histria. No possvel p ensar-seAta-nsio sem a nova experincia de Cristo do pai do monaqUlsmo Antnio 1 ; Agostinho. sem a paixo do seu caminho rUD10 radicalidade crist; Boaventura e a teologia franciscana do scu-lo [3, sem a imensa e nova presena de Cristo na fi gura de So Francisco de Assis; Toms de Aqu ino, sem a ruptura para o Evan-gel ho e a evangelizao em Domingos, e assilu se po~eria ~o ntinuar ao longo de toda a histria da teologia. A raCiona lidade pura e si mples no basta ainda para dar origem a uma grande

    15. l sto foi mostrado muito claramente por R. Guardini e m seu livrinho D(/~ l1ild l /m/ J esus de-m C:hrislu~ im Neuen Testament. I-I crderbcherei, 1962, p. 138- I 'J~: ..

    J 6. M LI ilO esclareu~dor sobre este assun lo J. Ralda nus. " Dic V ita An lOIl 11 ais .sp 11': 14

  • Nalureza e misso da t eol o gia

    In dogia cri st. No fundo , mesmo figuras to ern.inentes como 1(;l srld , j liche l~ Harnack, lidas a partir das geraes subseqen-Il 'S . permanecem estranhamente vazias do ponto de vista teo-I()gico. E vice-versa, uma piedade lnedrosamente fechada em si pr pria no pode levar a uma declarao em que a f ga-nhe nova ev idncia e dessa forn1a, ultrapassando se us pr-prios linli tes, volte a ser mensageln para os homens qu e bus-cam a verdade.

    3. O caTter eclesial da converso e mas conseqncias pam a teologia

    Nestas co nside raes j est inclu do Ull1 passo a mais. A fe exige converso, d issemos, mas a converso Uln ato de obed i-ncia para com aqu il o que me antecede e que no provm de mim mes mo. E esta obedincia permanece. porque aq uilo que me antecede no se torna parte do nleu pr prio pensar, mas pelo contrrio sou eu que sou incorporado a ele, ele sempre fi ca acima de mim. Pa ra o cristo aquilo qu e antecede no nenhum

    ,

    "algo", mas sim um "ele", ou melhor, um tu. E Cristo, O Verbo , ' Encarnado. E o novo incio, a partir do qual ns pensa mos. E o

    novo eu , onde o limite da subjetividade , os limites entre sujeito e objeto, foram ultrapassados, de tal modo que posso di ze r: eu, e

    - . no entanto nao mais eu. A partir deste ponto abrem-se agora vises para dive rsos la-

    dos. Tento apenas indic-Ias brevemente. A converso no leva a uma relao privada com Jesus, que no fundo seria mais uma vez apenas uma conve rsa consigo mesmo. Ela apropriao ao tipo de doutrina , como diz Paulo; entrar no "ns" da Igreja, qu e encontramos emJoo. S assim a obed incia concreta, a obed incia a que a verdade tem direito. Guard ini , sobretudo, sempre de novo apresentou este ncleo de sua experincia de converso , que tornou-se o centro de sua teologia e um reincio na teologia aps o fracasso do modelo liberal. A palavra de con-verso, qu e passo u a ser para ele a mudana de vida, fo i Mt 10,39: "Quem procura r a sua vida (quem quiser auto-reali zar-se) h de perd-la; e qu em esquecer a sua vida por amor a mim, h de encontr-la". Depois de todas as tentativas frustradas de auto-

    50

    Jose ph Rauingcr

    realizao , esta palavra lhe ficou gravada na alma co m uma evi-dncia humana absoluta. Precisamos pe rder-nos para que nos encon tremos. Mas perder-nos para onde? De certo no para um lugar qualquer. Este perder s pode ter ",,, destinatrio adequa-do: Deus. Mas onde est Deus? A experincia de Guardini diz: "O ' Deus li vre mente acessvel' no existe. Ao contrrio da exi-gncia da busca autnoma de Deus [ .. .J. Ele o desconhecido, que 'habita uma lu z inacessvel' (I Tm 6, 16)"". S o Deus con-creto pode ser diferente de uma nova projeo do prprio eu. S a imitao de Cristo o caminho da "perdio" que leva ao destino. Mas tambm aqui surge novamente uma pergunta: Qual a imagem de J esus que mais que uma imagem? Onde eu o encontro realmente, a Ele, e no apenas idias a respeito dele? Guardini aponta para a pluralidade das imagens de Cristo e cons-tata: "Mas um ocupar-se mais penetrante v novamente aque la inquietante semelhana das diversas imagens de Cristo com aque-le que as proj etou. Muitas vezes como se todas essas fi guras de Cristo fossem auto-retratos idealizados dos que as pensaram"" . E a resposta? Aquele qu e se tornou carne pe rmaneceu carne. Ele co ncreto. "A partir da Igreja de Cristo surge sempre de novo para O ind ivduo a exigncia de dar a prpria alma, para qu e seja novamente concebida em sua novidade e peculiaridade"l9 . O lado concreto de nossa obedincia a obedincia para COln a 19reja. A Igreja o sujeito novo e maior em que passado e pre-sente se tocam, sujeito e objeto se encontram. Ela nossa con-temporan eidade com Cristo. Outra no existe20 .

    A palavra encarnao abre outras vises, deta lhadamente de-senvolvidas por Heinrich Schlier no relato de sua cOll verso2l .

    N~lO posso faze r delas aqui mais que um a breve meno. H em

    17. A expe rincia d a converso descrila em: Berirhte M,a mn Leblt1l, p. 7 1 ss [ver nOla 5, acima]. Guard ini voltava sempre de novo ~I passage m d e Ml 10,39, como moslrou H.H. Ge rI. L c., p. 44s [ver nota 6, aci ma]. No seu (, Ilimo li vro: Die Kirchedes /11'1'1'1/ (vVrzburg, 1965), ele a interprelou mais li ma vez de forma impressionante. A cita($o apresentada encontra-se ali na p. 62. I:;. Vir Kirrl!l'f!es Herrn, p. 63. 19. Ibid .. p. 64. 20. C[ ibid., p. 67-70. 2 1. I-I. Schlier. Kurze RechenschaH. tn : Der Geisl lwd die Kirche, p. 27U-289 [ver no-ta I, acima].

    5 1

  • Nat u rez a e tnlSSao d a t eo l og i a

    primeiro lugar a ligao entre costume e tradio viva. Neste contexto ex iste a plenitude do poder apostlico, que in terpre ta a palavra da tradio, conferindo-lhe clareza. E existe, por lti-mo, a definitiva deciso de Deus por ns. Existe a partir dela, "segundo o Novo Testamento [ ... ], o fato de a f fi xar-se em fra-ses concretas, que exigem dela reconheci mento co ncreto de sua verdade"" . Sendo assim, Schlier pde di zer que tornou-se cat-lico por um caminho protestante - ou sej a, pela sola scrijJIU"m. Quem pde desfrutar de sua amizade sabe qu e ele no perdeu nada de sua herana protestante, mas simplesmente a levo u at s ltimas conseqncias.

    Interrompo aqui a marcha de minhas consideraes, porque o que mais impor'l deve ter fi cado claro: A Igreja no para a teologia uma instfmcia alheia cincia, mas si m a razo de sua existncia, o qu e fa z com que ela seja possvel. E por outro lado a Igreja no um princpio abstrato, mas sim um sujeito vivo e um contedo concreto. Este sujeito por natureza maior do que qualquer pessoa indi vidual , ou mesmo do que qualquer gerao isolada. A f sempre participao em um todo, e precisamente nisto ela guia para a amplido. Mas a Igrej a tambm no um espao esp iritual inapreensvel, no qual qualque r ul"n possa esco-lhe r o que mais lhe agrade. Ela concreta na palav ra com pro-metida da f. E a voz viva que fa la nos rgos da f" .

    4. F, IJregao e teologia No necessrio elaborar aqui mi nuciosamente a teoria do

    magistrio e elas to rmas que dele se seguem ; sobre isso j se tem falado com bastante freqncia. Mas preciso responder ainda a algumas perguntas concre tas que sempre de novo ocorrem den-tro desse contexto. Pois os problenlas encontram-se no terreno co ncre to. Em teoria no h qualquer dificuldade para se reco-nhecer que a teologia, por sua natureza, laz pa rte da Igreja; que a Igreja no apenas uma moldura organizativa, mas si m sua razo ntima e sua fonte direta; que por conseguinte a Igreja no 22. Ibid . p. 279. 23. A idia d a ig reja como sujeito da teologia foi desenvolvida detal haclamente pOI R. Cuardil1i em sua preleo inaugural em Bonn: Anselm VUH Canterbury und das Wesen der Thcolngie. J 11: A'III dem Wege - Versuche. !viainz, 1 g~~.

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    j o seph Ratz i n ge r

    incompetente no tocante ao contedo nem pode ser teologica-mente muda, mas que precisa ter luna voz viva, ter tanlbm a capacidade de falar vinculantemente para o telogo. Na verda-de mais uma vez impe-se aqui um caminho de fuga desta concre tude, que hoje conta claramente com defensores. A Igre-ja, diz-se, recebeu o encargo pastoral ; ela prega aos fiis, mas no ensina aos telogos. Mas esta separao entre anncio e en-si no profundamente contrria essnci a da palavra bblica. Ela apenas repete aquela divi so entre pneum ticos e gnsticos co m que j na Antigidade a chamada gnose procurou criar para si um es pao livre , que na realidade a levo u a d istanciar-se da Igreja e da te. Pois esta divi so pressupe a relao pag entre mito e fil osofia , entre simbolismo reli gioso e razo escla recida, a que a crtica crist se havia oposto, e que como tal identificou-se tambm precisamente com a crtica de um pensamento religioso classista . Realizou a emancipao dos simples, atribu indo-lhes tambm a capacidade de serem fil sofos no verdadeiro sentido ela palavra, isto , de entenderem to bem ou melhor do que os instrudos o que na verdade caracteriza o humano. As palavras de j esus sobre a incompreenso dos sbios e a compreenso dos pequenos (sobretudo Mt 11 ,25 par) so aplicadas precisamente a esta situao: elas justificam o cristianismo co mo uma religio po pular, como uma f em que no existe sistem a algu m de duas classes .

    E de fato: o anncio da pregao ensina co m autoridade; nisto qu e consiste sua natureza. Pois ele no prope uma espcie de lazer, lima distrao religiosa qualquer. A pregao pretende di zer ao Homem quem ele e o que ele tem qu e fa ze r para ser ele mesmo. Quer lhe revelar a verdad e sobre si mesmo, isto . a verdade para a qual ele pode viver e pela qual pode morrer. Ningum morre por ntos desca rtveis; se por alguma razo algum deles provocar dificuldades, pode ser substitudo por ou-tro. E de hipteses no se pode viver; pois a prpria vida no tem nada de uma hiptese, ela uma irrepetvel realidade, na qual baseia-se o destino de uma eternidade''. Mas como poderia

    24. Uma brilhante anlise da civilizao da hi ptese ore reci cl

  • Na tu reza e misso da te o logi a

    a Igrt.;ja ensinar vinculanlemente, se ao mesmo tempo este ensino pCI'manecesse no vinculante para os telogos? A essncia do ma-g isLrio consiste precisamente em que o anncio da f constitu i o padro vlido tambm para a teologia: pois exatamente este anncio que constitui o objeto de sua reflexo. Neste senLido, a f dos simples no algo como uma teologia rebaixada para uma grande massa de leigos, algo como o "platonismo para o povo", mas a relao exatamente o contrrio: a pregao a lnedida da teologia, e no a teologia a medida da pregao. Alis, esta predominncia da f simples tambm corresponde perfeitamente a uma ordem antropolgica bsica: os grandes Lemas da condi-o humana so apreendidos numa percepo simples, funda-mentalmen te acessvel a cada um, e que jamais pode se r supera-da na reflexo. De modo Uln tanto informal se poderia dizer: o

    Cr iadol~ po r assim di zer, procede de uma forma muito demo-,

    crtica. E ve rdade que ele no concede li todas as pessoas faze-rem cincia teolgica; mas o acesso aos grandes conhecimentos bsicos est acessvel a qualquer Utn. O magistrio, neste senti-do, possui algo de um carter democrtico: ele defende a r co-mum, onde no existe diferena de categoria en tre instrudos e . '

    sIm ples. E certo que a Igreja, em seu mnus pastoral, est auto-rizada a pregal~ e no a expor doutrinas teolgicas cientficas. Mas para a teologia o mnus da pregao tambm o mnus magisterial.

    Com isto j ficou respondida lima parte da pergunta levan-tada anteriormente. Havamos dito que aceitar o magistrio, em teoria, no difcil. Mas logo que se passa para a prtica su rge um grave receio. No estaria aqui sendo restringida indev ida-mente a liberdade de pensanlento? No surgiria aqui necessa-riamente uma eso"eita vigilncia, tirando o flego grandeza do pensamento? No termnos que recear qu e a Igrej a ultrapassas-se o quadro do anncio, interferindo tambm na parte cientfi-ca, e dessa forma ultrapassa ndo seus direitos? So perguntas qu e precisam se r levadas a s rio. Por isso est certo que na relafto entre teologia e 111agist rio se procure pr ordem, se procure garanti r espao suficiente para a responsabilidade da teologia. Mas por mais que isto sejaj ustillcado, preciso que sejam obser-vados tambm os lilnites destes questionanlentos. Q uando a

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    Joseph Ratzin g er

    eclesiaJidade vista apenas como uma algema, j se est tI"aba-lhando numa construo errada da teologia. Foi esta a viso que surgiu para Guard ini no encontro com seus professores pessoal-mente ortodoxos e cientificamente adeptos do liberalismo, o que o levou a um recomeo radicalmente novo. Se a teologia v aqui-lo que lhe prprio apenas como um obstculo, como poderia e la produzir frutos? Em teologia, Igreja e dogma devem ser le-vados em conta como fora criad ora, no como algema. E de tato essa "fora criadora" abre teologia suas grandes perspecti-vas25 . ProcurelllOS ver isto no exemplo da exegese, que ai nda ho je considerada como o exemplo clssico de que para o telo-go a Igre ja no passa de um obstcu lo . Mas o que uma exegese que emancipou-se da Igreja realmente capaz de conseguir? Q ual a liberdade de que ela pode desfrutar? Tal exegese trans-forma-se num antiquariato. Ela passa a pesq uisar unicamente coisas passadas, a levantar vrias hipteses sobre a origem dos diversos textos, bem como sobre sua relao com a realidade histrica. Tais hipteses s nos interessam mais cio que outras teorias li terrias porque a Igreja sempre est a, afirmando que esses livros no atestam apenas coisas passadas mas nos falam do que verdadeiro. Alis, a coisa no Elca melhor quando se tenta atualizar a Bblia com filosofias privadas, pois existem filosofias melhores que nos deixam frios. Mas como a exegese torna-se excitanLe quando ousa ler a Bblia corn o LOLalidade e CO IUO uni-dad e! Quando su rge do sujeito nico do povo de Deus, e atravs dele do prprio Deus como sujeito, ela ento nos rala do presen-te. E ento os conhecimentos sobre a diversidade de suas conste-laes hi st ri cas tambm se tornaln fecundos. Precisamos en-

    ,

    to d escobrir a unidade nessa diversidade. As hipteses, ao es fo ro do conhecimento histrico, dado aqui um amplo espao , com a nica restrio de que no seja des truda a uni-dade do todo, que se encontra em um plano dife rente do que poder ia ser denominado o aspecto artesanal dos diversos tex-tos. Encontra-se num plano diferente, mas faz pane da reali-dade li terria da prpria Bblia.

    Gostaria ainda de mencionar mais um rpido exemplo. Quan-do a crtica neotestarnentria comeou a revelar as diferen tes

    25. Cf. Berichte ber mein Leben. L.c. 86 e ouLras.

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  • Natu reza e m i sso da teologia

    c" madas do testemunho de Cristo, abriram-se perspectivas a partir das quais se tornou possvel te rmos uma nova viso de J es us e chegarmos ao conhecimento de coisas que j amais hava-mos imaginado. Mas quando se comea a se parar umas das ou-Lras essas camadas e a identificar a ve rdade com a idade hipot-tica do surgimento de cada uma, a image m de Cri sto se empo-brece cada vez mais, no fi m no restando outra coisa seno umas poucas hipLeses. Como seria estimulante e bonito voltarmos a procurar novamen te a figura de Jesus, no a descrita por esta ou por aquela suposta fo nte, mas sim pelo verdadeiro Novo Testa-lnento . E aqui aparece uma coisa pela qual no espervamos: a frag mentao da Bblia levou a uma nova espcie de interpre ta-o alegrica. O que se l no mais o texto, mas sim as supostas experincias de supostas comunidades, dessa forma criando-se llluitas vezes uma inte rpre tao alegrica extre mamente aventurosa, cOln que no fim a gente siInplesmente est se confIr-mando a si prprio. Por muito tempo ficou-se com a impresso de que o magist rio, isto , o anncio de f da Igreja, foraria a uma superposio dogmtica do texto bblico, impedindo que fosse tranqilamente interpretado do ponto de vista histrico. Hoj e torna-se evidente que s quando se apia na f da Igrej a que a seriedade hi strica do tex to est protegida, torn ando pos-svel uma viso literal que no se identifica com fundamentalismo. Pois sem o suje ito vivo , o u se tem que absolu tizar a letra o u ento ela desaparece na indeterminao.

    Confirma-se assim , mais uma vez, o que j Coi visto an tes, quando nos ocupamos COIn o contexto de converso, f e teolo-gia. J amais os momentos de uma fecunda retomada da teologia surgiram da separao da Igreja, mas sempre de um novo vol-ta r-se para ela. O afasta mento da Igrej a sempre resultou num empobreci mento e nivelamento do pensar teolgico. O grande impulso da teologia ocorrido enUe as duas grandes guerras, que possibili tou o Conclio Vaticano lI, volta mais uma vez a dar em nosso sculo um impressionante teste munho desta ligao. No deve isto, de fo rma alguma, resultar numa espcie de apoteose do magistri o. O perigo de uma estreita e rgida vig ilncia no

    ,

    mera fan tasia. E o que mostra a histria da disputa mode rnista, apesar de os j ulganlentos sUlnrios, comuns em nossos dias, se-rem unilatera is e no fazerem justia seriedade da questo. Na

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    Joseph Ratzin ger

    real idade, abdicar do magisLrio e da disciplina estaria to d is-tante de uma resposta a esta questo quanto o negar a existncia de problemas.

    Pe rmitaln-tne, neste contexto, voltar l1lais urna vez a Heinrich Schlie r, cujos discursos teolgicos dos anos 1935 e 1936 podem ser considerados como representa tivos da lu ta de f dos cristos evanglicos pela preservao da iden tidade crist contra a inter-ve no do poder totalitrio. Mas eles definem tambm a cora-gem do telogo, capaz de convencer a pseudoteologia de sua in verdade e de manter dentro dos limites a falsa ousadia da ali-e nao hertica. Frente a uma situao e m que os rgos o ficiais da Igreja co ntinuavam ainda amplamente e m silncio, com seus receios deixando o campo aberto ao abuso do nome cri sto, ele voltou-se d iretamente para os estudantes de teologia e d isse-lhes: "[ ... ] Reflitam um momento e di gam o que melhor : que a Igre-j a, de forma ordenada e refletida, retire de um telogo, por fal sa doutrina, o oficio de ensinar, ou que o telogo isolado, de ma-neira descomprometida, acuse este ou aquele de falsa doutrina e ad virta contra ele . Aqui s possui cabim ento a opinio liberal, que de nenh um modo existe algo assim como decidir sobre a ve rdade e in verdade de uma dout.r ina, e que por isso toda dou-trina possui um pouco de verdade e deve ser tole rada na Igreja. Mas ns no comparti lhamos dessa viso. Pois ela nega que Deus realme nte tenha decidido entre ns" 21; .

    Olhando-se a partir de hoje, [acil d izer que naquela poca tratava-se realme nte de saber se a Igreja continuaria anuncian-do o Evangelho de Cristo ou se passaria a ser um instnu1len to do anticristo. Tambm fcil dizer que uma aparente liberalida-de servia efe ti van1ente ca usa do anticristo. Mas no momento histrico em que a pessoa te m que agir, sempre existem mil prs e contras. No existe nenhuma prova mate mtica que seja capaz de d ispensa r a deciso, de to rn-la supr[]ua. A evidncia da f

    26. Ass im ele ralou em 1936 na palestra reita d urante o congresso dos estudantes renanos de teologia: Oie Kirchliche Veran twortung des Thcologiestudenten. In : Der Geist und die Kirche. L.c. , p . 225-240 , tao 232. Schlicr foi O primeiro a retomar aqui a idia ela dec iso, man ifes tada na d isputa do perodo p~-conciliar, e a desenvolve- la sistematicamente em seu trabalho bsico: Dns bleibend Katholische-Ein Vcrsuch ber cin Prinzi p des Katholischcn (1970) . In : H. Schl ier. Das Ende der Zeil - Exegcti sche Aufstze Ll nd Vortrage TI I. Freiburg, 197 I , p. 297 -320 .

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  • Na ture za e mi ss o da teol ogia

    no a evidncia da geometria; sempre possvel passar por cima dela. Exatamente por ser assim, existe a tarefa do ofcio apostlico, que depois de cuidadoso exame apresenta a evidn-cia interior da f sob a forma de uma deciso. No resta dvida que importante encontrar formas jurdicas capazes de prote-ger uma adequada autonomia do pensamento cientfico dentro de seus limites e de garantir o necessrio espao para a disputa cientfica. Mas a li berdade de quem ensina individualmente no o nico nem o maior direito a ser preservado aqui. Para a ques-to da prioridade dos bens na comunidade do Novo Testamento existe uma fo rte palavra do Senhor, a cuja seriedade a Igreja no pode se eximir: "Quem corromper a um desses pequeninos que crem, melho r seria se lhe amarrassem urna pedra de moi-nho ao pescoo e o jogassem ao mar" (Mc 9,42). Os "peq ueninos" deste versculo no so as crianas, mas este o nome usado na linguage m dos discpulos de J esus para designar os futuros cris-tos. E quando se rala do escndalo qu e os ameaa no se est fazendo referncia a uma possvel seduo sexual, mas sim ao estmulo que leva perda da f. "Dar escndalo" significa, de acordo com O atual conheciInento da exegese, "perturbar a f" , e con1 isso "levar a perder a eterna salvao"27 . O belTI maior pelo qual a Igreja responsvel a f dos peq uen inos . A medida interior de toda doutrina teolgica precisa ser o respeito a este bem. Disso precisa ter conscincia no s quem 1Z pesquisa par-ticular, mas tambm quem ensina em nome da Igreja. Assunr esta tarefa e no falar em seu prprio nome, mas em nome do sujei to comum q ue a Igreja, inclui a obrigao de o indivduo impor limites a