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Portal Intercom · 2018. 3. 28. · 2 Ffifl Cfl I fl fi – Bˆ ˝fl Coleção Fortuna Critica da INTERCOM Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa Coordenadores:

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1Prefácio

2,2 cm 16 cm16 cm 8 cm8 cm

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2 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Coleção Fortuna Critica da INTERCOMConsultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa

Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz

Vol. 1 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Jornalismo e MidiologiaIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi, org. (2013)

Vol. 2 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Teoria e Pedagogia da ComunicaçãoIury Parente Aragão, Sônia Jaconi, Osvando J. de Morais, org. (2013)

Vol. 3 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Comunicação, Universidade e SociedadeClarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais,

Sônia Jaconi, org. (2013)

Vol. 4 – Fortuna Crítica da Intercom – José Marques de MeloClarissa Josgrilberg Pereira, Eduardo Amaral Gurgel, Iury Parente Aragão,

Osvando Morais, org. (2014)

Vol. 5 – Fortuna Crítica da Intercom – VisionáriosIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,

Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)

Vol. 6 – Fortuna Crítica da Intercom – BaluartesIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,

Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)

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3Prefácio

Fortuna Crítica da IntercomBaluartes

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4 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Coleção Fortuna Critica da INTERCOMConsultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa

Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz

DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2014  2017

Presidência – Marialva Carlos Barbosa (UFRJ)Vice-Presidência – Ana Silvia Lopes Davi Médola (UNESP)

Diretoria Financeira – Fernando Ferreira de Almeida (METODISTA)Diretoria Administrativa – Sonia Maria Ribeiro Jaconi (METODISTA)

Diretoria Científica – Iluska Maria da Silva Coutinho (UFJF)Diretoria Cultural – Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU)

Diretoria de Projetos – Tassiara Baldissera Camatti (PUCRS)Diretoria de Documentação – Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ)

Diretoria Editorial – Felipe Pena de Oliveira (UFF)Diretoria de Relações Internacionais – Giovandro Marcus Ferreira (UFBA)

Diretoria Regional Norte – Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues (UFAM)Diretoria Regional Nordeste – Aline Maria Grego Lins (UNICAP)Diretoria Regional Sudeste – Nair Prata Moreira Martins (UFOP)

Diretoria Regional Sul – Marcio Ronaldo Santos Fernandes (UNICENTRO)Diretoria Regional Centro-Oeste – Daniela Cristiane Ota (UFMS)

Conselho Fiscal

Elza Aparecida de Oliveira Filha (UP)Luiz Alberto Beserra de Farias (USP)

Osvando J. de Morais (UNESP)Raquel Paiva de Araujo Soares (UFRJ)

Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (USP)

Conselho Curador – quadriênio 2013-2017

Presidente – José Marques de MeloVice-Presidente – Manuel Carlos da Conceição Chaparro

Secretária – Cicília Maria Krohling PeruzzoConselheiro – Adolpho Carlos Françoso Queiroz

Conselheira – Anamaria FadulConselheiro – Antonio Carlos Hohlfeldt

Conselheiro – Gaudêncio TorquatoConselheira – Margarida Maria Krohling Kunsch

Conselheira – Maria Immacolata Vassallo de LopesConselheira – Sonia Virginia Moreira

  

Secretaria Executiva Intercom

Gerente Administrativo – Maria do Carmo Silva BarbosaWeb Designer – Genio Nascimento

Assistente de Comunicação e Marketing – Jovina Fonseca

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5Prefácio

Fortuna Crítica da IntercomBaluartes

Vol. 6 – Coleção Fortuna Crítica

Osvando J. de MoraisIury Parente AragãoRoseméri Laurindo

Tyciane Cronemberger Viana Vaz(Orgs.)

São PauloIntercom

2014

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Direção EditorialFelipe Pena de Oliveira

PresidênciaMuniz Sodré (UFRJ)

Conselho Editorial – Intercom

Alex Primo (UFRGS)Alexandre Barbalho (UFCE)

Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP)Christa Berger (UNISINOS)

Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP)Erick Felinto (UERJ)

Etienne Samain (UNICAMP)Giovandro Ferreira (UFBA)

José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal)Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS)José Marques de Melo (UMESP)

Juremir Machado da Silva (PUCRS)Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália)

Luiz C. Martino (UnB)Marcio Guerra (UFJF)

Margarida M. Krohling Kunsch (USP)Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs)

Marialva Barbosa (UFF)Mohammed Elhajii (UFRJ)

Muniz Sodré (UFRJ)Nélia R. Del Bianco (UnB)Norval Baitelo (PUC-SP)

Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP)Osvando J. de Morais (UNESP)

Paulo B. C. Schettino (UFRN/ASL)Pedro Russi Duarte (UnB)

Sandra Reimão (USP)Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB)

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Fortuna Crítica da IntercomBaluartes

Vol. 6 – Coleção Fortuna Crítica

Osvando J. de MoraisIury Parente AragãoRoseméri Laurindo

Tyciane Cronemberger Viana Vaz(Orgs.)

São PauloIntercom

2014

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8 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Coleção Fortuna Crítica Vol. 6 –Fortuna Crítica da Intercom - Baluartes

Copyright © 2014 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM

EditorOsvando J. de Morais

Projeto Gráfico e DiagramaçãoMariana Real e Marina Real

CapaMariana Real e Marina Real

RevisãoCarlos Eduardo Parreira

Todos os direitos desta edição reservados à:Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOMRua Joaquim Antunes, 705 – PinheirosCEP: 05415 - 012 - São Paulo - SP - Brasil - Tel: (11) 2574 - 8477 / 3596 - 4747 / 3384 - 0303 / 3596 - 9494http://www.intercom.org.br – E-mail: [email protected]

Ficha Catalográfica

Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes / Organizadores,

Osvando J. de Morais, Iury Parente Aragão, Roseméri Laurindo, Tyciane Cronemberger Viana Vaz. – São Paulo: INTERCOM, 2014. Coleção Fortuna Crítica; vol. 6 364 p. ; 23 cm

ISBN: 978-85-8208-076-4 Inclui bibliografias.

1. Comunicação. 2. Comunidade. 3. Intercom. 4. História. 5. Cultura. 6. História da Comunicação. 7. Crítica. 8. Biobibliografia. 9. Ex-presidentes. 10. Diretoria. 11. Memória. I. Morais, Osvando J. de. II. Aragão, Iury Parente. III. Laurindo, Roseméri. IV. Vaz, Tyciane Cronemberger Viana. V. Título.

CDD-079.09 CDD-302.23

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9Prefácio

Sumário

Apresentação ..................................................................................... 16Maria Cristina Gobbi

SEÇÃO I – EX-PRESIDENTES

1.1 MARGARIDA MARIA KROHLING KUNSCHCláudia Peixoto de Moura (Organizadora especial)

Referência para Comunicação Organizacional eRelações Públicas ......................................................................... 21Cláudia Peixoto de Moura

Livros Publicados e Suas Edições

Planejamento de relações públicas nacomunicação integrada ................................................................ 25Cleusa Maria Andrade Scroferneker

Universidade e Comunicação na edificaçãoda sociedade (1992) ..................................................................... 28Sidinéia Gomes Freitas

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10 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Relações Públicas e modernidade – novos paradigmas nacomunicação organizacional (1997) ............................................. 32por Maria Aparecida Ferrari

Livros Organizados e Capítulos Publicados

Planejamento estratégico para a excelênciada comunicação............................................................................ 37Paulo NassarRodrigo Cogo

Perspectivas e desafios para as profissões de comunicaçãono terceiro milênio ....................................................................... 41Elizabeth Pazito Brandão

Planejamento e gestão estratégica dasRelações Públicas Comunitárias................................................... 44Celsi Brönstrup Silvestrin

Planejamento estratégico da comunicação ................................... 47Luiz-Alberto de Farias

Relações Públicas na gestão estratégica da comunicaçãointegrada nas organizações ........................................................... 50Ana Lúcia Romero Novelli

Percursos paradigmáticos e avanços epistemológicos nosestudos da Comunicação Organizacional ..................................... 53Luiz Carlos Iasbeck

Os campos acadêmicos da comunicação organizacional e derelações públicas; e Comunicação Organizacional e RelaçõesPúblicas no Programa de Pós-Graduação em Ciências daComunicação da ECA-USP ......................................................... 57João José Azevedo Curvello

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11Prefácio

A comunicação para a sustentabilidade das organizaçõesna sociedade global ...................................................................... 60Ivone de Lourdes Oliveira

A dimensão humana da comunicação organizacional .................. 63Rudimar Baldissera

Comunicação pública e Comunicação Organizacional:em direção à integração ................................................................ 66Heloiza Matos

Artigos Publicados em Edições Especiais dosPeriódicos Científicos Criados

Comunicação Organizacional e Relações Públicas:perspectivas dos estudos latino-americanos .................................. 71Doris Fagundes Haussen

Relações Públicas e Comunicação organizacional:das práticas à institucionalização acadêmica ................................ 74Eugênia Mariano da Rocha Barichello

Produção bibliográfica ................................................................. 77

2.1 CICILIA MARIA KROHLING PERUZZO

Contribuições teóricas e empíricas para um novo pensamentocomunicacional alternativo, comunitário e popular ..................... 82Orlando Maurício de Carvalho Berti

3.1 ADOLPHO CARLOS FRANÇOSO QUEIROZ

Pesquisador e animador intelectual de tempo integral ............... 105Antonio Hohlfeldt

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12 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Para entender e aprendermarketing político ...................................................................... 111Mirna Tonus

O papel da POLITICOM nos caminhos do marketingpolítico no Brasil ........................................................................ 116Mirella Arruda

O global e o local no marketing político:conhecendo as estratégias ........................................................... 120Adriana C. Omena Santos

Em cena a história das campanhas eleitoraisdo período republicano .............................................................. 125Igor Aparecido Dallaqua Pedrini

Arte e reflexão nos 40 anos do Salão Internacionalde Humor de Piracicaba ............................................................. 128Jéssica Amorim

Comunicação pública e política: um livro sobrepersonagens e histórias da mídia ................................................ 131Milena Buarque

Um novo elo na cadeia de ensino e pesquisa sobremarketing político ...................................................................... 134Priscila Nespolo Vanti

Produção bibliográfica ............................................................... 139

4.1 MANUEL CARLOS CHAPARROMarli dos Santos (Organizadora especial)

Na linha do tempo, dias de jornalista e pesquisador .................. 143Marli dos Santos

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13Prefácio

Ética: valor central do jornalismo, segundoManuel Carlos Chaparro ........................................................... 153Antonio Hohlfeldt

A contribuição de Chaparro à ComunicaçãoOrganizacional ........................................................................... 163Wilson da Costa Bueno

O padre, os operários e o jornalista ............................................ 175Dimas A. Künsch

Os fundamentos do jornalismo no blog“O Xis da Questão” ................................................................... 186Nelia R. Del Bianco

Produção bibliográfica ............................................................... 195

5.1 SONIA VIRGÍNIA MOREIRADoris Fagundes Haussen e Roseméri Laurindo(Organizadoras especiais)

Sintonia jornalística e científica ................................................. 199Doris Fagundes Haussen

Viagem através do Brasil ............................................................ 201João Batista de Abreu

Rádio no Brasil:tendências e perspectivas ............................................................ 205Izani Mustafá

O Rádio no Brasil: o fortalecimento dos conteúdose da história na Era da Tecnologia ............................................. 212Luciano Klöckner

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14 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Os desafios de estudar o rádio .................................................... 215Mágda Rodrigues da Cunha

Predição sobre o futuro do rádio no século XXI......................... 221Nelia R. Del Bianco

25 anos de INTERCOM ........................................................... 228Everton Darolt

Rádio em transição: estudo comparado no iníciodo novo milênio ......................................................................... 231Ana Baumworcel

O Pensamento da Comunicação brasileira ................................. 235Carlos Alberto Silva

Um marco na história do rádio em um marco napesquisa acadêmica .................................................................... 239Luiz Artur Ferraretto

Comunicação: ensino e pesquisa ................................................ 245Ben-Hur Demeneck

Radiojornalismo e Repórter Esso ............................................... 250Nair Prata

Enlace disciplinar para compreender a Comunicação ................ 254Miriam Santini

Plural, interdisciplinar e cooperativa .......................................... 259Clóvis Reis

Chamada à ação: um manual para noticiar aEducação no rádio ...................................................................... 263Valci Regina Mousquer Zuculoto

Produção bibliográfica ............................................................... 268

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15Prefácio

6.1 MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE LOPESFrancisco de Assis (Organizador especial)

Travessias híbridas no campo da Comunicação.......................... 271Francisco de Assis

Olhar precursor sobre as audiências populares ........................... 290Maria Aparecida BaccegaMaria Isabel Orofino

Obra pioneira e matricial nos estudos em Comunicação ........... 297Richard Romancini

Para abrir as Ciências da Comunicação:engendramento do campo e reflexividadeepistemológica e metodológica .................................................. 310Roberta Brandalise

Reflexões sobre ficção televisiva .................................................. 325Marcia Perencin Tondato

Vencendo os desafios da construção de uma redeinternacional de pesquisa ........................................................... 337Maria Cristina Palma MungioliLigia Maria Prezia Lemos

Uma metodóloga da utopia cotidiana ........................................ 348Raquel Paiva

Productos y procesos de integración y organizaciónacadémica: diálogos en lengua española ..................................... 353Raúl Fuentes Navarro

Produção bibliográfica ............................................................... 362

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16 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

APRESENTAÇÃO

Fortuna Crítica Intercom:odisseia comunicativa

Maria Cristina GobbiPesquisadora da Unesp

Neste volume 6 da coleção “Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes” resgata a contribuição dos ex-presidentes da In-tercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), fruto de um projeto nascido na Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação, no ano de 2013, sob a coordenação geral do professor José Marques de Melo, seu Diretor-Titular e contou com o apoio da Intercom.O material desenha um conjunto de quesitos, nos perfis dis-ponibilizados, que evidenciam as experiências acadêmico--profissionais de um grupo de pesquisadores que se cons-tituem em referências dentro de suas áreas de atuação. As histórias descrevem trajetórias que evidenciam formas capa-zes de diminuir as distâncias entre a teoria e a prática comu-nicativa, distinguindo a criação coletiva como ação transfor-madora, fruto do exercício de parceria entre pesquisadores e instituições, que é não só desejável como inevitável nas ciên-cias contemporâneas.Inserida no contexto das inquietudes, as experiências resul-tantes das histórias aqui relatadas evidenciam a construção de novos conhecimentos, superando a fragmentação dos sa-beres. São resultados de um olhar transformador, permeado pela combinação teórico-prática, na perspectiva integrado-ra não apenas dos conteúdos, mas e, sobretudo, de pesqui-sadores e instituição. Assim, à ameaça na formação de um

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17Apresentação

campo da Comunicação autônomo, devido ao uso desconectado dos múltiplos conhecimentos é superado com a reflexão constante dos perfilados. Os diversos aportes teórico-metodológicos, resultados das várias pesquisas desenvolvidas ao longo de suas trajetórias intelectuais, estão voltados a um objetivo maior: o en-trecruzamento das ciências, que compõe o campo comunicativo, de modo que este seja transformado e repensado em função de múltiplos espaços de diálogo.

São os perfis de Margarida Maria Krohling Kunsch, Cicília Maria Krohling Peruzzo, Adolpho Carlos Françoso Queiroz, Manuel Carlos Chaparro, Sonia Virginia Moreira e Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Cada pesquisador teve seu trabalho conceituado por diversos outros, oferecendo para a comunidade acadêmico-científica múltiplas análises, diversos olhares, mas sem perder de foco a centralidade das contribuições desses precursores. Contribuíram com suas reflexões: Claudia Peixoto de Moura, Cleusa Maria Andrade Scroferneker, Sidnéia Gomes de Freitas, Maria Aparecida Ferrari, Paulo Nassar, Rodrigo Congo, Elizabeth Pazito Brandão, Celsi Brönstrup Silvestrin, Luiz-Alberto de Farias, Ana Lúcia Romero Novelli, Luiz Carlos Iasbeck, João José Azevedo Cur-vello, Ivone de Lourdes Oliveira, Rudimar Baldissera, Heloiza Matos, Doris Fagundes Haussen, Eugênia Mariano da Rocha Barichello, Orlando Maurício de Carvalho Berti, Antonio Hohlfeldt, Mirna Tonus, Mirella Arruda, Adriana C. Omena Santos, Igor Aparecido Dallaqua Pedrini, Jéssica Amorim, Milena Buarque, Priscila Nespolo Vanti, Marli dos Santos, Wilson da Costa Bueno, Di-mas A. Künsch, Nelia R. Del Bianco, Doris Fagundes Haussen, João Batista de Abreu, Izani Mustafá, Luciano Klöckner, Mágda Rodrigues da Cunha, Everton Darolt, Ana Baumworcel, Carlos Alberto Silva, Luiz Artur Ferraretto, Ben-Hur Demeneck, Nair Prata, Miriam Santini, Clóvis Reis, entre outros.

Os perfis analisados e os textos disponibilizados apontam que se faz ne-cessário estar atento para enxergar a polaridade, sem delimitar fronteiras, mas visualizando os cenários e os atores que nele encenam diariamente seus cotidia-nos comunicativos. E é com esse espírito que a Intercom vem construindo sua história ao longo de seus quase 40 anos de existência. Os caminhos percorridos pela entidade demonstram a luta pela consolidação e sobrevivência de um cam-po multidisciplinar, permeado por muitas diferenças. Por outro, evidencia que as possibilidades desbravadas pela entidade e por aqueles que têm contribuído em sua gestão ao longo desse período têm estimulado a pesquisa e produzido alternativas capazes de permitir o entendimento da Comunicação como um campo científico do conhecimento.

A leitura atenta e crítica do tomo permitem perceber o acercamento entre o campo comunicacional, as indústrias midiáticas e a sociedade, contida nos perfis e nas análises críticas das principais obras tratadas no volume, possibili-

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18 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

tam que todos sejam sujeitos das investigações, balizando referências conceituais que universalizam características comunicativas e subsidiam políticas públicas capazes de atender as necessidades informativas em todos os âmbitos da Co-municação. Através de um determinismo que extrapola os guetos acadêmicos e as miradas pessoais, os resultados das várias contribuições convergem para a amplitude que o processo comunicativo estabelece para ser efetivo. Um espaço amplo, plural e democrático.

Inverno de 2014

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MARGARIDA MARIAKROHLING KUNSCH

Cláudia Peixoto de Moura (PUCRS)(Organizadora especial)

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21Margarida Maria Krohling Kunsch

1.1KUNSCH

Referência para Comunicação Organizacional e Relações Públicas

Cláudia Peixoto de Moura1

Perfil da Homenageada

Identificada com as áreas de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas, Margarida é a diretora da Escola de Comunicações e Artes - ECA, da Universidade de São Pau-lo - USP, em 2013. Sua formação acadêmica teve início no Espírito Santo, em Cachoeiro de Itapemirim, onde cursou o ensino fundamental e o ensino médio, também atuando na cidade como professora do primeiro e segundo graus. Já a graduação em Relações Públicas foi realizada na capital pau-lista, na Universidade Anhembi Morumbi - UAM (1977). Continuou seus estudos na Universidade de São Paulo, ob-tendo os títulos de mestre (1985), doutora (1991) e livre--docente (1996). Kunsch se vinculou a várias instituições de ensino superior como professora. Fez parte da Universidade de Mogi das

1. Professora Titular da Faculdade de Comunicação Social – FAME-COS/PUCRS. Doutorado em Ciências da Comunicação pela Es-cola de Comunicações e Artes – ECA, da Universidade de São Paulo – USP. Pós-Doutorado no Departamento de Filosofia, Ar-tes e Comunicação FAC, da Faculdade de Letras, da Universidade de Coimbra.

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22 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Cruzes – UMC; da Universidade Anhembi Morumbi – UAM; da Faculdade de Comunicação Social e Turismo de Santo Amaro – FCSTSA, na qual coorde-nou o curso de Relações Públicas; da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero – FCSCL; e da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, onde criou a Agência Experimental de Relações Públicas e foi coordenadora do curso de Relações Públicas. Na ECA-USP, iniciou como docente convidada (1986), passando a efetiva com dedicação exclusiva em 1989. Desde 2005, é professora titular, atuando na graduação como coordenadora do curso de Relações Públi-cas por duas ocasiões e como chefe de departamento. Na pós-graduação, já foi presidente da Comissão, vice-coordenadora do Programa e coordenadora de Área. Criou, em 1999, e coordena o curso lato sensu de “Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas”.

Quanto às entidades científicas e associações de classe, Margarida ocupou diversos cargos diretivos, no Brasil e no exterior. Merecem registro a Associação Brasileira de Relações Públicas/Seção São Paulo – ABRP/SP; a União Cristã Brasileira de Comunicação Social – UCBC; a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, na qual foi presidente em duas gestões; a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC, onde assumiu a vice-presidência em dois momentos e a presidência em mais dois períodos; a International Association for Media and Communica-tion Research – IAMCR; a Associação Ibero-Americana de Comunicação - AS-SIBERCOM, sendo cofundadora e vice-presidente; a Associação Brasileira de Agências de Comunicação; a Associação Brasileira de Comunicação Empresa-rial – ABERJE; a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Orga-nizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP, sendo criadora e presidente por duas gestões; a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmi-cas da Comunicação – SOCICOM, na qual é a presidente. Igualmente, atua em instituições públicas de fomento à pesquisa, como colaboradora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (pesquisadora de nível 1B); da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FA-PESP. Também é colaboradora da Scielo – Scientific Electronic Library Online.

Seus projetos de pesquisa estão focados em comunicação organizacional e em relações públicas, abordando questões políticas e estratégicas, de gestão e de planejamento, de sustentabilidade e de humanização, em organizações públicas e privadas, com as perspectivas para o campo acadêmico e a produção científica. Recebeu inúmeras premiações e homenagens, de instituições de ensino supe-rior, de entidades de pesquisadores, de entidades profissionais, de veículos de comunicação. Participou como avaliadora institucional e consultora de vários

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23Margarida Maria Krohling Kunsch

cursos de Comunicação Social no Brasil, em universidades públicas e privadas. Foi presidente da Comissão de Especialistas da Proposta de Diretrizes Curricu-lares Nacionais para os Cursos de Relações Públicas (2010). Kunsch é membro do conselho editorial de diversos periódicos científicos, brasileiros e estrangei-ros. É criadora e diretora da Organicom – Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, e da Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, desde 2004.

Em termos numéricos, participou de mais de 270 bancas de trabalhos de doutorado, de mestrado, de especialização e de graduação, além de mais de 60 comissões julgadoras. Orientou mais de 210 trabalhos de pós-doutorado, dou-torado, mestrado, especialização, graduação e iniciação científica. Também par-ticipou de mais de 190 eventos, nacionais e internacionais, para conferências, palestras, cursos de curta duração, apresentações de trabalhos. Organizou mais de 40 eventos, no Brasil e no exterior, entre congressos, fóruns, seminários, sim-pósios, colóquios e ciclos de estudos. Em sua produção bibliográfica há quase 100 textos de apresentações, prefácios, depoimentos, relatos, editoriais referen-tes a obras diversas de outros autores. Até janeiro de 2013, havia 25 artigos seus em periódicos, 68 capítulos de livros e 36 livros publicados ou organizados. Ou seja, sua trajetória acadêmica revela o compromisso com o ensino e a pesquisa na área, cujas ideias estão consolidadas na comunidade científica.

Suas obras para a constituição da Fortuna Crítica foram selecionadas com base nas produções ocorridas de 1986 a 2012. Treze livros foram considerados, entre aqueles de sua autoria ou organização, e estão registrados em ordem cro-nológica de edição. Os capítulos de livros foram escolhidos de obras organizadas por Kunsch. Igualmente, os dois artigos publicados em edições especiais das duas revistas científicas, citadas anteriormente, fazem parte da seleção devido ao fato de terem sido criadas por Margarida. Assim, quinze referências bibliográ-ficas foram analisadas por pesquisadores da área, que conviveram com a home-nageada em determinadas etapas de sua vida, na ECA-USP, na Abrapcorp, na INTERCOM, na Alaic, na Aberje, e em outros espaços institucionais, indican-do suas temáticas de interesse ao longo do tempo.

Com base nos registros recebidos de vários dos convidados, Margarida Kunsch pode ser definida como um baluarte que guia passos e ilumina caminhos das práticas e da institucionalização dos referidos campos, a partir de sua visão de contexto e de seus conceitos, de suas experiências e de suas contribuições teóricas, de sua sensibilidade e arte de planejar, de seu posicionamento a respeito da gestão e da estratégia de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas.

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MARGARIDA MARIAKROHLING KUNSCH

Livros Publicados e Suas Edições

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Planejamento de relações públicas na comunicação integradaEdições – 1986, 2002 e 20031

por Cleusa Maria AndradeScroferneker (PUCRS)

A possibilidade de comentar a produção bibliográfica de Margarida M. K. Kunsch é um privilégio, especialmente em se tratando de uma obra emblemática como Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. Essa obra, que faz parte da coleção ‘Novas buscas em comunicação’, publicada inicialmente em 1986, é fruto da sua dissertação de mestra-do, realizado na Escola de Comunicações e Artes, da Univer-sidade de São Paulo – ECA-USP, e conta com a apresentação de Cândido Theobaldo de Souza Andrade. Acredita-se ser possível afirmar que esse livro, desde a sua primeira edição, constitui-se em uma referência para a área de relações públi-cas, por introduzir a concepção da filosofia da Comunicação Integrada como um novo paradigma. Considerando que a obra foi publicada em 1986, identifica--se desde já a clareza e a visão da pesquisadora em relação a uma área que ainda estava em busca de reconhecimento e le-gitimação na década de 80. Ao discorrer sobre conceitos de organização como sistema social e planejamento organizacional,

1. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. São Paulo: Summus, 1986 (Novas buscas em comunicação, v.17) foi a primeira edição. Em 2003, foi publicada a 4.ed.ver.atual. e ampl. (Novas buscas em comunicação, v.69).

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Kunsch construiu um arcabouço teórico significativo sobre ‘planejamento de rela-ções públicas’. No último capítulo desse livro, com 174 páginas e organizado em quatro capítulos, apresentava as possibilidades das Relações Públicas no composto da Comunicação Integrada, ancorando as suas conclusões em pesquisa de campo realizada mediante questionário aplicado para o diagnóstico das organizações, em função do planejamento de relações públicas numa Comunicação Integrada.

Em 2003, foi lançada uma nova edição (4ª edição) revista, atualizada e am-pliada da obra Planejamento de relações públicas na comunicação integrada, agora com 417 páginas e nove capítulos. Se a primeira edição já era uma obra de re-ferência, essa nova edição reafirmou-se como leitura obrigatória, especialmente nos cursos de Relações Públicas. Nessa obra, a pesquisadora revisita e amplia conceitos e perspectivas que faziam parte do livro de 1986. Assim, o capítulo so-bre Organização como sistema social foi atualizado e redimensionado, incluindo as Organizações no sistema social global. O tema sobre O indivíduo e as organiza-ções passou a compor esse capítulo, que inclui também uma revisão conceitual sobre organizações e instituições, sobre as tipologias e formatos organizacionais sob a perspectiva de diferentes autores e A nova arquitetura organizacional.

A Comunicação nas Organizações, As Relações Públicas nas Organizações, Planejamento Estratégico direcionado para a comunicação organizacional, Pesqui-sa e auditoria em Relações Públicas foram novos temas incluídos e discutidos nessa edição. É importante reiterar a preocupação da pesquisadora em relação às precisões conceituais e a inclusão de temáticas - que até então não eram encontradas nas [poucas] obras disponíveis sobre relações públicas - que são desenvolvidas e sistematizadas, de forma clara e com fundamentação teórica consistente. A comunicação organizacional e as relações públicas já se configu-ram nessa obra como áreas complementares. Por sua vez, os capítulos referentes ao Planejamento Organizacional, Relações Públicas no composto da Comunicação Integrada foram ampliados, atualizados e renomeados. No que tange à Comuni-cação Integrada, um diagrama é apresentado para explicar as modalidades dessa filosofia, com descrição detalhada das subáreas que a compõe, o que revelou um avanço conceitual, ao materializar em figura, o seu entendimento [atualizado] do Composto da Comunicação Integrada.

Chama-se atenção para o fato de que no livro Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional (1997)2, Kunsch já havia proposto um esquema para visualizar esse composto. Na obra de 2003, essa figura é atuali-

2. Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacio-nal. São Paulo: Summus, 1997.

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zada, sendo apresentada então como um diagrama3. O planejamento, que é o fio condutor da obra e que articula os demais temas, é abordado e detalhado com base em autores de referência, que auxiliam na compreensão da sua relevância para as áreas de relações públicas e comunicação organizacional. Esse é outro aspecto que distingue essa obra, ou seja, a revisão teórica sobre planejamento para fundamentar as abordagens voltadas para o Planejamento estratégico direcionado para a comunica-ção organizacional e para o Planejamento de relações públicas nas organizações.

Essa revisão inclui no capítulo 9 as distinções e especificidades conceitu-ais entre Planos, projetos e programas de relações públicas, possibilitando clareza quando voltados especificamente para o planejamento da comunicação [organi-zacional] e de relações públicas. O detalhamento em quadros síntese para a For-mulação de um plano estratégico de comunicação organizacional, e das Estruturas de um projeto global de comunicação, de um projeto específico de comunicação e de um programa de relações públicas, ainda hoje são utilizados pelos profissionais, professores e alunos das áreas de Comunicação, especialmente de Relações Pú-blicas, para pensar e elaborar um planejamento.

A obra Planejamento de relações públicas na comunicação integrada revelou uma pesquisadora transgressora, no sentido atribuído por Lia Luft (2004). Para essa escritora, pensar é transgredir4, pois “[...] Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem superficial que nos pressiona tanto”. É importante destacar uma fala da Margarida que evidencia essa transgressão assumida e consentida:

Na época, alguns não compreenderam minhas ideias, achando que eu estava desmerecendo a importância das Relações Públicas ao propor a integração das áreas afins da Comunicação Social, por meio de uma filo-sofia e de uma política de comunicação integrada. No entanto, para mim estava muito claro a necessidade de ver as Relações Públicas de uma for-ma mais abrangente e sem um viés regulatório e corporativista que não atendia mais às novas demandas da sociedade (KUNSCH, 2009, p.187).

Ao aceitar as implicações da transgressão, do pensar diferente, suas obras e ações asseguram à Margarida M. K. Kunsch um lugar de destaque como Baluarte.

3. Na obra Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2008, uma nova atualização é realizada, redefinindo as grandes áreas e algumas de suas características.

4. Pensar é transgredir é o título do livro e também de uma das crônicas que fazem parte do referido livro. LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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Universidade e Comunicação na edificação da sociedade (1992)

por Sidinéia Gomes Freitas(ECA-USP)

A título de introdução, a autora apresenta ao leitor as linhas mestras dos capítulos da obra e as preocupações que a le-varam ao desenvolvimento do tema. Destaca questões per-tinentes à democratização do conhecimento e à difusão do produto científico nas universidades. Para o desenvolvimento das questões efetuou pesquisa de campo em universidades nacionais e internacionais. Compara realidades distintas e demonstra as contribuições das atividades de comunicação como facilitadoras da democratização do conhecimento e, principalmente, como difusoras do produto científico. São cinco capítulos intitulados: Repensando o conceito de universi-dade; Produção científica na universidade; Difusão da produção científica na universidade; Comunicação na universidade e Pla-nejamento da comunicação na universidade.O cenário em que se desenvolveu a obra no meio acadêmi-co, notadamente no campo da comunicação, era de ampla discussão e inserção de assessorias ou coordenadorias de co-municação nas universidades. Projetos em desenvolvimento elaborados por profissionais da comunicação eram analisados e discutidos em eventos científicos, justificando a necessidade de se ampliar a pesquisa, correlacionando universidade e co-municação. Assim, Margarida inicia sua obra caracterizando a universidade enquanto organização formal e, com base em Amitai Etizioni, afirma que são os diferentes tipos de contro-

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le e funções desempenhadas na sociedade que as diferencia. Cita ainda Blau e Scott, Katz e Kahn indicando diversidade de visões na literatura. Universidades são organizações normativas, de serviços, organizações de manutenção, organi-zações de adaptação. Um quadro resumo na página 22 ilustra as referências cita-das. Passa, a seguir, de uma visão didática funcionalista para uma visão crítica e uma análise de cenário político do Brasil. Com base em autores como Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Moacir Gadotti, Cristovan Buarque e outros aborda o papel da universidade na sociedade moderna e finaliza concor-dando com Eunice Ribeiro Durhan, que não as considera nem boas nem más, mas necessárias onde duas medidas se impõem: liberar as amarras burocráticas e estabelecer novos sistemas de financiamento. A questão de liberar as amarras burocráticas permanece. Em contrapartida, é possível visualizarmos novos siste-mas de financiamento na pesquisa de campo elaborada por Margarida.

O capítulo 2 destina-se a analisar a produção científica na universidade. Com base em ampla pesquisa de campo nas universidades brasileiras, passa por questões estruturais como a criação de departamentos, a improdutividade de-nunciada pelo jornal Folha de São Paulo (lista dos improdutivos), a dissociação entre ensino de graduação e pesquisa científica, o papel dos órgãos de fomento à pesquisa – Capes e CNPq, o peso das publicações (publicar ou perecer é o lema). O fato é que houve crescimento nas universidades brasileiras (ver quadro 2 acerca do Ensino de Pós-Graduação no Brasil - p.150). Das 29 universidades que responderam ao questionário enviado pela autora, 55,17% disseram que, só em termos, a pesquisa ocupa uma posição de destaque dentro das institui-ções de ensino. Professores e pesquisadores mais experientes afirmarão, sem te-meridade, que são as universidades públicas que oferecem condições mínimas para o desenvolvimento do binômio ensino e pesquisa. Via de regra, ainda que com honrosas exceções, o fomento à pesquisa na iniciativa privada é bastante precário. O que encontramos são grandes conglomerados que funcionam como hipermercados onde a educação, geralmente em nível de graduação, é a merca-doria. E bastante lucrativa.

E quando a produção científica existe, a sociedade nem toma conhecimento. Não é natural a divulgação do conhecimento como fator intrínseco ao desen-volvimento social. E o jornalismo científico, que contribuições oferece para a divulgação científica? São questões tratadas no capítulo 3. Pelo que se percebe há uma dificuldade de ambos os lados nas relações profissionais entre jornalis-tas e pesquisadores. Interesses subjetivos de caráter profissional por parte dos jornalistas e interesses de pesquisadores nem sempre convergem. São os jornais locais ou regionais que oferecem mais retorno para a divulgação científica das universidades. Apenas os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro são utilizados de

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forma nacional. Um dado a destacar é que 24,08% da amostra pesquisada não aproveitam jornais de maior circulação para difundir sua produção científica. Se por um lado o jornalismo científico tem problemas no desempenho de seus pro-fissionais, as universidades também deixam a desejar na sua comunicação com a sociedade. Nas revistas a situação é pior e no rádio e televisão as relações entre universidades e sociedade são totalmente frágeis. As universidades falam mais consigo mesmas e procuram divulgação científica por meios próprios (quando tem), criando um mundo à parte perante a sociedade “civil”. Das 29 universi-dades que responderam ao questionário, a revista científica da própria univer-sidade apresentou um percentual da ordem de 40,13%. Isto não significa que o jornalismo não exista nas universidades, porque nos jornais diários o avanço é significativo. O que mais causa frustração ao profissional de comunicação é que apesar da existência de laboratórios de rádio e TV, em muitos casos bem equipados, as universidades sequer otimizam, para si, os investimentos feitos na formação de seus alunos. Claro que sempre há honrosas exceções. É o caso da Agencia Universitária de Notícias da USP - AUN que adquiriu maior rele-vância com José Marques de Melo. Depois, sob a liderança de Manoel Carlos Chaparro, com o Pré-Pauta, a divulgação científica assumiu maior abrangência e performance adequada a um veículo impresso de divulgação científica. Cha-parro cuidou do comportamento ético que só favoreceu as relações entre jorna-listas e cientistas. Outra iniciativa correta apontada é o trabalho desenvolvido pelo Centro de Divulgación Científica Plaza Houssay, da Universidade de Buenos Aires. A autora também registra a questão da divulgação científica em progra-mas televisivos externos ao meio acadêmico, como o Globo Ciência, o Globo Ecologia e destaca o importante papel da SBPC na divulgação científica. Cita o programa “Uma janela aberta para o mundo”, da Rádio Cultura de Brasília.

O que realmente falta são políticas definidas no que tange à comunicação das universidades com a sociedade. Destarte, a autora passa a discorrer acerca da comunicação nas universidades no capítulo 4 da obra. É neste capítulo que per-cebemos a valiosíssima contribuição da professora na obra aqui analisada. O ca-pítulo começa de forma didática, útil aos programas de graduação, mas adquire substancia quando apresenta sua pesquisa de campo efetuada em duas grandes universidades da Alemanha. Compara a Universidade de Munique e a Univer-sidade Católica de Eichstatt. Com o subtítulo Comunicação e Ciência em duas Universidades alemãs demonstra as políticas de comunicação das universidades, as estruturas de comunicação das assessorias lá existentes e o fato de que ambas contam não só com o apoio do governo como da sociedade. Traçam políticas que abrangem todo o território europeu. Contam com profissionais de diversas habilitações do campo da comunicação e não utilizam a Comunicação Integrada

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enquanto tipo, mas sim como filosofia que norteia as ações comunicativas das assessorias de comunicação das organizações universitárias. No caso da Univer-sidade de Munique, a participação da Sociedade dos Amigos e Divulgadores da Universidade pagam taxa anual para que se mantenham informados acerca de sua divulgação científica. A assessoria de comunicação da universidade integra a Associação dos Agentes de Relações Públicas e Informação das Universidades Europeias - Euprio, indicando políticas macro e nada egoístas. O ministro da Educação da Comunidade Europeia está envolvido, assim como os reitores das universidades. A Universidade Católica de Eichstatt conta com uma associação que apoia financeiramente projetos de pesquisa, colóquios, simpósios, impres-são de trabalhos científicos e dissertações, intercâmbios internacionais, even-tos culturais e até excursões científicas. Para finalizar, a professora deixa como exemplo o trabalho que vem desenvolvendo com tanto brilhantismo e em tão pouco tempo a jovem Universidade de Campinas – UNICAMP, que investiu na área de comunicação de forma contundente. Contava com 30 profissionais de comunicação; dois ou três eventos por dia, abertos ao público em geral; dez profissionais de relações públicas trabalhando na época em que se deu a pesquisa (1992). Uma informação que um profissional de relações públicas não pode deixar de registrar é o fato de que, mesmo na UNICAMP, a comunicação inter-na não utiliza recursos com bom retorno e pouco investimento, como a caixa de sugestões, e não executa seu telejornal. Afinal, políticas de comunicação corretas são traçadas de dentro para fora das organizações.

No último capítulo, a autora fornece as linhas mestras para o planejamento da comunicação na universidade. Apresenta uma proposta para que se efetive as etapas do planejamento, a começar pelas políticas de comunicação que de-vem ser definidas, passando por briefing, auditorias, diagnóstico e a sequência natural do planejamento científico na filosofia da Comunicação Integrada. Sem dúvida uma proposta importante para as organizações universitárias.

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Relações Públicas e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional (1997)

por Maria Aparecida Ferrari(ECA-USP)

A década de 1990 foi pródiga na literatura das relações pú-blicas no Brasil e nos demais países da América Latina. Ra-zões não faltam para explicar esse fenômeno que se iniciou com a abertura política e econômica da maioria dos países da região, o avanço da tecnologia que superou as distâncias geográficas, a instalação do curso universitário de Relações Públicas em praticamente todos os países e um olhar mais atento dos líderes políticos e de empresários de outros con-tinentes para a América Latina com o objetivo de investir e aumentar seus negócios.Nesse período, a modernidade e a globalização passaram a ser fenômenos analisados como “vilões e benfeitores” para expli-car a nova realidade latino-americana que começou a surgir como um espaço político estável e economicamente viável. O restabelecimento das instituições democráticas criou um cenário que impulsionou a sociedade a cobrar seus direitos, seja no relacionamento com empresas por meio de seus pro-dutos e serviços, como pela exigência de um serviço público mais transparente e ético.Estudos da época mostram que as organizações passaram a incorporar a comunicação como uma atividade formal apre-sentada nos organogramas de suas estruturas, mesmo que na prática do dia-a-dia as funções ainda se encontravam mais relacionadas a funções táticas de produção de instrumentos

1.1KUNSCH

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de comunicação, do que as estratégias ligadas à análise de cenários. Apesar do viés tático, a área de relações públicas cresceu e se expandiu nas organizações públicas, privadas e no terceiro setor.

Com a publicação, em 1985, do livro Planejamento de relações públicas na comunicação integrada, Margarida M. K. Kunsch passou a ser a acadêmica bra-sileira que capitaneou o novo ciclo na área das Relações Públicas no país. Sua atuação na academia, a partir de 1977, proporcionou à autora vasta experiência no mundo das comunicações, especialmente das relações públicas, profissão que abraçou desde o início de sua carreira.

Sua trajetória proporcionou, em 1997, a publicação da obra Relações Públicas e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional que pode ser considerada como uma radiografia do momento histórico, uma vez que apre-senta novos paradigmas na comunicação organizacional. Francisco Gaudêncio Torquato do Rego foi o autor do prefácio da referida obra e, sabiamente, ele reforça esse texto quando diz:

[...] hoje, a comunicação empresarial está consolidada, nas estruturas, nas linguagens, na configuração dos veículos, nos programas, bem como na profissionalização dos quadros. O resultado é esta bela radiografia, tão bem pesquisada e definida pela professora Margarida. Trata-se de uma obra que merece estar na bibliografia de todos os cursos de relações públicas e comunicação empresarial.

Cuidadosamente estruturado, o livro está dividido em cinco capítulos. Os três primeiros capítulos são fruto de pesquisas desenvolvidas pela acadêmica que faz uma análise crítica da trajetória das relações públicas no país até a década de 1990. Aqui é importante destacar a relevância dos resultados apresentados sobre a produ-ção científica em relações públicas, de 1950 a 1995, até então inédito na academia. O segundo capítulo traz a discussão sobre o processo histórico da comunicação organizacional no Brasil, assim como os principais conceitos e a visão do mercado. O capítulo três aplica os conceitos apresentados no capítulo anterior e, por meio de pesquisas, trata de “ouvir a voz do mercado”. Como resultado das pesquisas, a auto-ra destaca a substituição de ‘Relações Públicas’ por ‘Comunicação’, como demons-tra na página 87 da obra. Segundo Kunsch, os entrevistados opinaram que “os tempos mudaram e o conceito de comunicação é mais abrangente”. Tal resultado, na época, apontava para as mudanças rápidas ocorridas a partir da década dos anos 1990. Hoje, esse enfoque é questionado, uma vez que, utilizando a classificação lógica, a comunicação deve ser tratada como uma grande área (categoria - gênero supremo) e as relações públicas como uma área (gênero subalterno).

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34 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

No capítulo quatro, em aproximadamente 35 páginas, Kunsch apresenta os novos paradigmas das relações públicas estabelecidos por pesquisadores norte--americanos. Em 1993, Otto Lebinger, professor emérito da Universidade de Boston, ministrou conferência magna durante evento realizado na Pontificia Universidad Católica de Chile, em Santiago, e apresentou pela primeira vez a tipologia dos modelos de prática de relações públicas desenvolvida por James E. Grunig e Todd Hunt (1984). Esse novo paradigma, até então inédito na Améri-ca Latina, foi traduzido e aplicado em organizações brasileiras e chilenas, sendo confirmada a validade do modelo em questão por Maria Aparecida Ferrari, na época orientanda de Margarida M. K. Kunsch. A divulgação da referida teoria foi realçada por Kunsch, quando afirmou em sua obra que “queremos fazer uma reflexão sobre seus principais fundamentos e apresentar novos rumos em deline-amento, que podem contribuir para repensar essa atividade na atual conjuntura”.

Desta forma, a publicação do livro Relações Públicas e modernidade – no-vos paradigmas na comunicação organizacional proporcionou, na época, para os pesquisadores, estudantes e profissionais, acesso a um enfoque absolutamente inovador e que ajudou a caracterizar as práticas comunicacionais nas organiza-ções brasileiras. Completando o capítulo, Kunsch tratou das diferenças entre as relações públicas e o marketing, assunto até então bastante confuso entre os acadêmicos, com a colaboração de outro especialista, Philip Lesley.

O capítulo final proporciona ao leitor um novo caminho da comunicação para a modernidade. Recorre à literatura das ciências humanas, sociais, po-líticas, econômicas e da comunicação para contextualizar a modernidade e a sociedade contemporânea. Nesta reflexão, Kunsch explica que a comunicação será a “mola propulsora” que permitirá viabilizar o processo de mudanças na sociedade atual. Apresenta a atividade de relações públicas como uma estratégia eficiente para as organizações modernas e destaca temas contemporâneos para o comunicador, como o gerenciamento de conflitos e a responsabilidade social. O fecho do capítulo está dedicado a sintonizar a prática das relações públicas em um espaço regido pela integridade e ética. Para tanto, é necessária a formação e a reciclagem profissional como condição sine qua non à legitimação da função de comunicador nas organizações.

Passados mais de 15 anos da publicação de Relações Públicas e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional, o conteúdo da obra continua a inspirar gerações na prática das relações públicas no Brasil. Margarida M. K. Kunsch revela sua veia de pesquisadora e incentivadora da área da comunicação e sua produção acadêmica tem sido acompanhada por sua ativa e permanente participação junto às entidades da categoria, como INTERCOM, Alaic, Confi-bercom, Socicom, Abrapcorp, entre outras.

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35Margarida Maria Krohling Kunsch

Seu legado tem ajudado milhares de estudantes a trilhar o caminho das re-lações públicas, atividade que sempre defendeu nas suas aulas, nos seus livros e nas associações da área. A modernidade pregada por Margarida M. K. Kunsch está em entender as relações públicas mais do que uma técnica, mas como uma função social e mediadora dos relacionamentos.

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MARGARIDA MARIAKROHLING KUNSCH

Livros Organizados e Capítulos Publicados

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37Margarida Maria Krohling Kunsch

Obtendo resultados com relações públicasEdições – 1997, 1999, 2001 e 2004 (1ª. edi-ção); 2006 e 2011 (2ª. edição)

Capítulo: Planejamento estratégico para a excelência da comunicação

por Paulo Nassar (ECA-USP, ABERJE) eRodrigo Cogo (ABERJE)

O que falar sobre mais esta etapa de registro da trajetória de Margarida Kunsch? Talvez seja importante começar pelo sim-bolismo da organização de todo o livro e do postulado pre-sente no artigo, que é tão relevante quanto a sempre precisa elaboração intelectual da pesquisadora. A referência para esta constatação é variada: de uma vez só ela conseguiu reunir e entregar vários postulados que a acompanham desde o início de seus estudos e carreira docente – atentar de maneira visio-nária para temas emergentes sobre comunicação corporativa; estimular, mobilizar e concretizar parceria entre profissionais de múltiplas formações e origens; e promover intercâmbio e sinergia entre os esforços de pesquisadores acadêmicos e pro-fissionais de mercado. E tudo isto embalado numa vontade de ampliar a ação da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em formar pessoas e preparar quadros profissionais de qualidade para atender as necessidades do país. Sem dúvida, foi um empreendimento de pleno êxito: quatro tiragens de uma primeira edição a par-tir de 1997, e até agora duas tiragens da segunda edição em 2006 e 2011, inclusive com revisão dos 20 textos integrantes. Estamos falando de Obtendo resultados com relações públicas.

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38 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Como permanente defensora das relações públicas, Kunsch convidou me-ticulosamente os autores para, com o conjunto das leituras, credenciar relações públicas num cenário de mudanças comportamentais da sociedade, também diante de um certo cansaço de técnicas persuasivas publicitárias. Era a emer-gência de um profissional habilitado a um novo padrão de relações, e não só de consumo. Seria um agente que não abandonava o atendimento de demandas de mercado, mas considerava as aspirações socioculturais entremeadas e não menos preponderantes. De um relações públicas vindo de uma ação parcial, cosmética ou manipuladora, ligado às origens de sua regulamentação no período militar, ela visualiza sua essência que, com postura ética, busca transparência e abertura, caminhando pela transmissão de informações até chegar ao diálogo. Trata-se de uma perspectiva que contempla o caráter diplomático da área, no sentido de postar-se como um grande negociador de entendimentos e ganhos amplos para todos os interagentes.

Apresentado pela própria Editora Cengage Learning como “uma publicação inédita na história das relações públicas no Brasil” (2011), o livro de 275 pági-nas é formatado em três grandes partes: 1) Relações Públicas: conceitos básicos e funções estratégicas – composta por seis capítulos que desenvolvem elementos de reflexão para a prática profissional; 2) Relações Públicas: técnicas e instru-mentos – com mais seis capítulos, discorre sobre práticas do dia-a-dia do profis-sional; e 3) Relações Públicas: mercado de trabalho – reservada para apresentar as possibilidades do mercado de trabalho para a área de relações públicas, pro-missora para quem se modernizar e se dispuser a enfrentar os grandes desafios da sociedade globalizada. De maneira exemplar, Margarida Kunsch demonstra aqui a necessidade do planejamento e da gestão estratégica da comunicação organizacional no contexto da sociedade contemporânea.

Especialmente em seu artigo Planejamento estratégico para a excelência da comunicação, que compõe o capítulo 3 da primeira parte, assinala que o cenário da complexidade nos pontos de vista socioambiental e sociocultural configura a exigência do surgimento de alguma ferramenta de criação e de orquestração de esforços administrativos e comunicacionais nas organizações, para uma oti-mização de recursos e de percepções e para a própria longevidade do negócio.

Transformações significativas no final do século XX são trazidas por ela como justificativas para a adoção de alterações nas estratégias de gestão e de informa-ção e relacionamento. O fenômeno da globalização é um dos pontos ressaltados, integrante de um novo paradigma para entender o mundo. Com ele, aponta uma série de aspectos decorrentes, tais como a desregulamentação dos mercados financeiros, a privatização de empresas públicas, as novas tecnologias de infor-mação e comunicação e a desregulamentação jurídica. Citando Mattelard, a

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autora conforma um postulado essencial do texto: as novas responsabilidades da empresa como ator social de pleno direito, cada vez mais agindo politicamente sobre o conjunto de problemas da sociedade. Mais do que nunca, portanto, o planejamento estratégico fica dado como imprescindível para contemplação do atendimento das necessidades tanto inerentes à operação (impostos, empregos, matérias-primas) quanto àquelas que exercem e concretizam uma escala de valo-res e um entendimento de interdependência com públicos de relação.

Kunsch, na edição revisada, já incorpora um dos autores que seria celebra-do mundialmente tempos depois, ao falar em “sociedade em rede” – Manuel Castells, demonstrando seu olhar preciso sobre as reflexões que estão em anda-mento a respeito do aparato tecnológico de interconexão, que viria a se dar em larga escala nos anos seguintes da obra. Diz ela: “é exatamente no âmbito dessa nova sociedade e de cenários mutantes e complexos que as organizações operam, lutam para se manter e para cumprir sua missão e visão e para cultivar seus valo-res”. E com isto, defende que as organizações, mais do que nunca, não poderão prescindir de uma comunicação viva e permanente sob a ótica de uma política de relações públicas. Não há outro caminho para desenvolver este enfoque sem a transparência, outro ponto abordado na sequência de seu raciocínio.

A autora, então, após perfilar todas as condições propícias para uma co-municação de resultados, passa a postular que a fluidez e a confiança nestes processos se fortalecem mediante a aplicação da metodologia do planejamento estratégico. Aliás, historicamente foi ela quem teceu com mais habilidade os laços indissociáveis entre comunicação e gestão – desde a original concepção da comunicação integrada no final dos anos 80. Margarida envereda constante-mente a este traçado inspirador e antecipatório para o que, tempos mais tarde, todos acharão coerente e indispensável.

Aliás, vem da ótica do planejamento estratégico uma questão altamente ba-dalada, e que ela sempre articulou e ensinou: a absoluta relevância da análise ambiental interna, externa, setorial e de tarefa como partida para quaisquer es-forços posteriores em termos de definição de interfaces comunicativas. O cam-po da inteligência comunicacional, ou do tão atual big data, é uma das sensações da atualidade, e neste artigo já fica esboçado a partir do amparo de autores tradicionais em administração. Este alinhavo entre pensamento estratégico e contextual com a cultura organizacional e com as expressões narrativas e atitu-dinais das empresas e instituições junto a seus stakeholders é o fator de destaque deste seu texto - mais ainda, se observada a época em que foi escrito, sobre o que pouco ainda se falava.

Dedica ainda espaço ao estudo Excellence in public relations and commu-nications management, patrocinado pela Research Foundation da International

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Association of Business Communications - IABC e conduzido por James Grunig. A noção de “comunicação excelente”, inclusive, foi disseminada por Kunsch no Brasil, pontuando características como o valor atribuído à área pelos altos exe-cutivos; o caráter de subsídio para tomada de decisão e não amparo meramente técnico; a presença do comunicador no planejamento estratégico; o uso de pes-quisas para condução e avaliação do trabalho; e a valorização da cooperação em larga escala.

O artigo aqui em foco parte, neste instante, para uma abordagem mais prá-tica, indicando passos para planejar esta comunicação excelente. Mostra, com isto, uma inquietude sempre presente na pesquisadora: não estar satisfeita com a disponibilização do arrazoado teórico, mas sobremaneira desejar ver a aplicação destas formulações no cotidiano das organizações por profissionais da área. Esta é a nossa Margarida Kunsch: uma pessoa cheia de virtudes, uma pesquisadora consistente e uma marca de valor na comunicação brasileira.

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Ensino de comunicação: qualidade na for-mação acadêmica-profissional (2007)

Capítulo: Perspectivas e desafios para as profissões de comunicação no terceiro milênio

por Elizabeth Pazito Brandão (CONFERP)

Há alguns anos, quando eu coordenava um curso de Relações Públicas, uma turma de formandos decidiu, no final do ano, fazer uma árvore de natal enfeitada de margaridas, de tanto que os alunos tinham lido e discutido os textos da Margari-da Kunsch, no decorrer de sua graduação. A árvore ficou na intenção, mas a história é inesquecível porque revela o que Margarida Kunsch representa para a área de comunicação: ela é bibliografia obrigatória, referência e citação permanente em trabalhos científicos, ou seja, um padrão de qualidade. Em resumo: é a pensadora que formou gerações de profissio-nais que, hoje, atuam em todo o Brasil.No entanto, fora dos círculos acadêmicos, creio que sua con-tribuição para o ensino da comunicação, em especial para a comunicação organizacional e as relações públicas, não seja tão conhecida como deveria e seria justo. Margarida Kunsch é educadora e debatedora militante sobre o ensino de comu-nicação. Nos últimos anos, quase todas as iniciativas e deci-sões da área receberam sua influência. Entre a vasta produção da pesquisadora, destaca-se o livro Ensino de comunicação: qualidade na formação acadêmico-pro-fissional, publicado em 2007, pela INTERCOM e ECA-USP, como resultado do I ENDECOM – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação, realizado em maio de 2006, em São Paulo. A obra apresenta os prin-

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cipais textos de um encontro que enfrentou um debate franco sobre a expansão das pesquisas teóricas, a qualidade e a avaliação do ensino de comunicação e a realidade do mercado de trabalho. Temas de constantes discussões. Justamente por isso exigem um olhar provocativo para obter resultados transformadores.

A organização do livro seguiu os temas da programação do evento e está dividida em três partes. Na primeira, os autores discutem a qualidade do ensino superior: seus desafios, as estratégias possíveis e as metodologias de avaliação. A segunda parte analisa a organização do mercado de trabalho de comunicação, as características necessárias ao profissional que busca ser competitivo e as deman-das do setor público e privado para a área. A última parte do livro aprofunda a discussão sobre os padrões de qualidade ao ensino de comunicação e discute as diretrizes existentes e as propostas da comunidade acadêmica para cada área: o jornalismo, as relações públicas, a publicidade e propaganda, o audiovisual e a editoração multimídia.

A ordem e a diversidade de perspectivas apresentadas pelos autores permi-tem ao leitor apreender a multiplicidade de aspectos que precisam ser analisados quando se discute a qualidade do ensino de comunicação. Kunsch, com habili-dade, conduz os textos que exploram os acertos e as fragilidades do ensino supe-rior, as idiossincrasias deste campo de conhecimento, as interfaces e os conflitos com o mercado de trabalho, os desafios cotidianos dos educadores e as reflexões sobre o papel do comunicador na sociedade.

A configuração do campo acadêmico-profissional é o tema do texto de Mar-garida Kunsch para o referido livro. Nele, a autora começa historiando breve-mente a institucionalização do campo no Brasil e o reflexo na multiplicação da produção científica. Apresenta as perspectivas e a expansão do mercado de trabalho e aponta, com precisão, as exigências para um profissional de quali-dade e as tendências do setor, tais como a habilidade para o gerenciamento de crise, a valorização da comunicação interna pelas organizações, o crescimento da ouvidoria e sua identidade com a área de relações públicas, a importância do relacionamento da organização com seus públicos e as oportunidades profissio-nais com o crescimento do terceiro setor. E, mais uma vez, chamou a atenção para a necessidade do profissional pensar a comunicação de forma integrada e responsável, pois “as ciências da comunicação constituem um campo que exige um olhar interdisciplinar” e seus agentes precisam estar “comprometidos com as transformações sociais”.

Marques de Melo afirma, no prefácio, que o evento Endecom deu origem ao livro e representou o retorno da INTERCOM à arena do debate pedagógico, da qual tinha se distanciado nos anos anteriores. A volta foi profícua, pois mais do que a memória de um evento importante, o livro foi o ponto de partida para

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as várias discussões sobre a qualidade de ensino em comunicação que se segui-ram. A abordagem tríplice – os processos pedagógicos, o mercado de trabalho e o posicionamento da academia para os padrões de qualidade – tornou a obra referência obrigatória para os vários cursos de Comunicação que, naqueles anos, reformulavam seus projetos pedagógicos. São também resultados desta arena de debates, as novas diretrizes curriculares de Jornalismo e de Relações Públicas, que ainda estão em avaliação no Conselho Nacional de Educação, mas que já são reconhecidas como marco tanto para a estruturação de novos cursos, como para repensar os currículos de cursos já existentes.

Seis anos após a publicação do livro, muitos questionamentos foram – e continuam sendo – enfrentados com sucesso, como os padrões de avaliação dos cursos e as diretrizes curriculares. Como não são questões acabadas, são proces-sos permanentes de discussão, pois os temas não se extinguem, se aperfeiçoam. Outros problemas permanecem como constantes desafios para a educação e para a construção de um padrão de qualidade ao ensino superior, como as difi-culdades do ensino fundamental e médio em nosso país, tão bem colocadas por Eunice Durham no texto que abre a obra.

Analisado em seu conjunto, o viés crítico do livro, presente em todos os autores, faz com que seu conteúdo continue atual, ainda que alguns temas já tenham sido enfrentados pela comunidade acadêmica. Os desafios permanecem árduos, como a dissonância entre a teoria e a prática, característica inerente a todas as profissões, mas que na comunicação se materializa em uma tensão permanente e aflitiva por conta das Tecnologias de Informação e Comunicação que reconstruíram a mídia, o mercado de trabalho e a forma de se pensar e fa-zer comunicação. Esperemos que Margarida Kunsch já esteja pensando em um novo livro sobre o tema.

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Relações públicas comunitárias: a comunica-ção em uma perspectiva dialógica e transfor-madora (2007)

Capítulo: Planejamento e gestão estraté-gica das Relações Públicas Comunitárias

por Celsi Brönstrup Silvestrin (UFPR)

A coletânea organizada por Margarida Maria Krohling Kuns-ch, em parceria com Waldemar Luiz Kunsch, Relações públi-cas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora, está disposta em quatro partes principais, cada uma delas constituída por textos de diferentes autores, que, de uma forma ou outra, contribuem com reflexões teó-ricas e práticas para o desenvolvimento das relações públicas comunitárias. A primeira, Sociedade, cidadania e comunica-ção, concentra-se em questões sobre a construção da cidada-nia, com ênfase em aspectos da comunicação e no desenvol-vimento social. A segunda, Conceitos e fundamentos teóricos das relações públicas comunitárias, expõe as dimensões concei-tuais da atividade. A terceira, Frentes de atuação e dimensões práticas das relações públicas comunitárias, situa a atuação das relações públicas no campo de ação, em diferentes cenários. Finalmente, a quarta, Estratégias, técnicas e instrumentos das relações públicas comunitárias, trata das especificidades instru-mentais e estratégicas de um contexto cuja exigência princi-pal é promover a participação dos envolvidos, favorecendo o diálogo e dando-lhes “voz”, em busca da transformação de seus contextos existenciais. Vale salientar a importância de todos os conteúdos apresen-tados pelos diversos autores que contribuíram na coletânea, uma vez que cada um deles desenvolveu aspectos fundamen-

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tais sobre o tema central, com base em suas pesquisas e experiências profissio-nais. Porém, na impossibilidade de analisarmos todos os textos neste espaço, destacamos aqui os artigos produzidos por Margarida Kunsch. São eles: Socie-dade civil, multicidadania e comunicação social (I parte), que apresenta concei-tos sobre sociedade civil e cidadania, situando “o papel da comunicação social na valorização da cidadania”, texto no qual a autora questiona a formação de pesquisadores e profissionais da área, atentando para a necessidade de uma pro-fissionalização e de uma qualificação mais críticas e que os capacitem para a promoção de novas formas cidadãs. Em Dimensões e perspectivas das relações públicas comunitárias (II parte), Margarida discorre sobre os aportes teóricos que fundamentam algumas experiências acadêmicas e profissionais de relações públicas comunitárias no Brasil, reportando-se mais uma vez à formação do profissional, ou gestor de comunicação, para atuar nessa realidade social.

A autora, uma das mais importantes pesquisadoras de relações públicas no Brasil, contribuiu significativamente com várias produções bibliográficas para os campos acadêmico e profissional da área, onde o tema planejamento mere-ceu especial atenção em uma das suas investigações científicas que resultou na publicação de um livro intitulado Planejamento de relações públicas na comuni-cação integrada (1986). Com base nesse conhecimento, Margarida incluiu nesta coletânea o artigo Planejamento e gestão estratégica das relações públicas comu-nitárias (IV parte), esclarecendo sobre as principais características do processo de planejamento voltado para as organizações sociais de interesse público, por compreender que também nesse contexto “as relações públicas têm de se pautar por bases científicas”.

Ao mesmo tempo em que reconhece as especificidades das diferentes re-alidades em que o planejamento é desenvolvido, Margarida defende que “os conceitos básicos que fundamentam o seu processo são os mesmos e aplicá-veis a qualquer área ou setor”. Assim, passa a fazer referência aos principais “aspectos conceituais e dimensões do planejamento”, discorrendo sobre os três níveis (estratégico, tático e operacional), entendendo-os como um processo téc-nico, racional, lógico e político, que segue uma filosofia e políticas definidas, em conformidade com a organização. Em seguida, apresenta “o planejamento em função do desenvolvimento social”, enfatizando o uso dos princípios gerais e das técnicas de planejamento pelas organizações populares - as comunidades e as entidades do terceiro setor. A autora parte da convicção de que o sucesso dessas entidades está relacionado com as estratégias de comunicação que elas adotam – as quais devem ser devidamente planejadas, focadas em políticas so-ciais e na adoção de novos paradigmas e de novas metodologias –, considerando as exigências das realidades situacionais em que essas estratégias serão aplicadas.

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Na sequência, no tópico planejamento das relações públicas comunitárias, a autora faz recomendações para uma prática alternativa de planejamento no con-texto das organizações da sociedade civil em que prevalece o interesse público, destacando que o ato de planejar requer participação coletiva. Por último, em possibilidades metodológicas do planejamento das relações públicas comunitárias, aponta caminhos para que as relações públicas, “por meio de suas teorias e no exercício de suas funções administrativa, estratégica, mediadora e política”, con-tribuam eficazmente para o cumprimento das missões dessas organizações.

Na palavra dos dois organizadores, a publicação dessa obra teve como obje-tivo principal reunir textos sobre relações públicas comunitárias, em um esforço para fazer com que o material já produzido até então chegue às salas de aula, ao mercado e à sociedade em geral. Atualmente, é possível afirmar que a obra vem cumprindo essa função, uma vez que os conceitos assimilados criticamente cooperam para o alargamento dos debates acadêmicos sobre o assunto – ao despertar maior interesse sobre o tema entre alunos, professores e pesquisadores – como também fornecem importantes subsídios aos profissionais que atuam nesse cenário.

Cenário este que não se esgota em organizações do terceiro setor ou nas iniciativas de empresas privadas junto às comunidades, mas se amplia junto aos movimentos sociais cada vez mais fortalecidos e legitimados no universo da sociedade civil brasileira. Assim, tais conhecimentos contribuem para a especia-lização de competências e habilidades de acadêmicos e profissionais da área de relações públicas e afins, sugerindo novas posturas metodológicas e desencade-ando outras pesquisas e produções sobre o tema, tanto na graduação como em cursos de pós-graduação, lato e stricto sensu.

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Gestão estratégica em comunicaçãoorganizacional e relações públicas (2008)

Capítulo: Planejamento estratégico da comunicação

por Luiz-Alberto de Farias (ECA-USP)

Um dos principais pontos de pesquisa de Margarida Maria Krohling Kunsch é o planejamento de comunicação. Não é à toa que esse se tornou um elemento referencial quando recorremos às suas obras. O trabalho de pesquisa e de res-gate realizado por Margarida tem ajudado a dar limites (ou a eliminá-los, talvez!) quando se fala de planejamento e das diversas imbricações temáticas e conceituais que se inserem nesse contexto.O texto Planejamento estratégico da comunicação, presente na obra Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas é um convite a algumas importantes refle-xões. Organizado em itens como o pensamento estratégico, a gestão da comunicação integrada e os processos de planejar, todo o material faz relações diretas com áreas-limite da co-municação, como a administração e o marketing.Essas conexões são de extrema relevância, pois quando se refere a planejamento, a autora enfatiza o fato de que “os conceitos básicos que fundamentam o seu processo são os mesmos e aplicáveis a qualquer área ou setor”. Segundo Kunsch, o planejamento é mesmo uma filosofia de trabalho que deve partir da alta gestão, mas não pode estar apartada do todo organizacional com o risco do prejuízo de não se

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entender os objetivos mais importantes de cada instituição – e sendo assim, não os alcançar.

A visão política também é uma importante reflexão da autora, pois estratégia é um campo amplo, de visão de longo prazo e, por isso, deve estar em sintonia com as aspirações políticas de cada empresa. Em seu texto destaca que planeja-mento é um processo que interfere na realidade para transformá-la e construí-la com características que se desejam para a mesma (citando Danilo Gandin).

Nessa significação e ressignificação de situações, objeto e fruto do plane-jamento, Kunsch destaca em sua obra a importância da utilização de técnicas célebres em outros campos, como a análise SWOT (forças e fraquezas, ameaças e oportunidades), a fim de se ter o perímetro para o planejamento ampliado a espaços internos e externos, o que reforça a ideia de Comunicação Integrada, conceito defendido e trabalhado pela autora. A comunicação nas organizações, gerenciada pelas relações públicas deve, então, servir-se de valores que esqua-drinhem a realidade da organização, seja no âmbito dos públicos, seja no dos mercados, seja no das condições gerais.

Para tanto, é necessário também, como destaca a autora, a visão de etapas e de processos no planejamento, que se dividem em estratégico, tático e operacio-nal. O planejamento é um elemento da inteligência corporativa, da maneira de se pensar o todo, sem deixar de lado cada parte.

A trajetória intelectual de Margarida Kunsch é marcada pela revisão dos principais temas que se relacionam às relações públicas e à comunicação orga-nizacional. Pela orientação de trabalhos nos níveis de graduação, lato e stricto sensu, organização de obras, gestão de entidades científicas, reúne intelectuais e produção que dão corpo ao pensamento de uma área que ganha a cada dia importância e espaço nas decisões organizacionais.

Todavia, ainda há longo caminho até que o planejamento da comunicação esteja plenamente inserido no processo macro de decisão dos rumos das orga-nizações. Ainda há a cultura de que se deva “encomendar” às áreas de comuni-cação um planejamento a partir do que se tenha previsto para a organização, sem, contudo, ter-se colocado o planejamento das questões da comunicação. A valorização de conceitos afins e o diálogo que Kunsch desenvolve com outros autores e setores, especialmente a aproximação entre os ditos mercado e acade-mia, endossam-na como um pilar essencial na cultura e na filosofia do planeja-mento em nosso país e no mundo.

Experiências de aplicação conceitual ao mundo corporativo e da utilização de cases ao mundo acadêmico fortalecem as conexões e as parcerias que hoje crescem e permitem que a ciência ganhe maior aplicabilidade e que o mercado possa trazer a espaços acadêmicos as questões do dia a dia para novos caminhos

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serem traçados. O trabalho de Margarida Kunsch tem feito com que essa reali-dade se transforme e ganhe adeptos. A formação de novas correntes de pensa-mento e a consolidação de uma produção sólida capitaneada por ela fazem da realidade um espaço de discussão permanente.

O capítulo Planejamento estratégico da comunicação, da obra organizada por Kunsch, Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações pú-blicas, é fruto de uma síntese do pensamento da autora, de pesquisas realizadas nas últimas décadas que representam mais do que uma área, uma contribuição a diversas áreas de pensamento e de aplicação profissional.

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Relações Públicas: história, teorias e estraté-gias nas organizações contemporâneas (2009)

Capítulo: Relações Públicas na gestão estratégica da comunicação integrada nas organizações

por Ana Lúcia Romero Novelli

Na obra Relações Públicas: história, teoria e estratégias nas orga-nizações contemporâneas, de 2009, Margarida Kunsch reuniu 20 autores brasileiros para traçar um aprofundado relato da situação passada, presente e futura das relações públicas no Brasil. Ao longo de cinco partes estrategicamente definidas, os textos se sucedem no encaminhamento conceitual e prá-tico das várias abordagens pertinentes ao campo das relações públicas.No início, o texto se dedica a apresentar a gênese e o desen-volvimento da área de relações públicas, bem como destacar as características específicas do ensino de relações públicas e de suas entidades de classe no Brasil. Ao encaminhar o pen-samento teórico e conceitual de autores nacionais a respeito das perspectivas das relações públicas, a obra apresenta o pio-neirismo de Cândido Teobaldo de Andrade, a rede teórica de Roberto Porto Simões, a visão crítica sobre a essência das relações públicas sob a ótica de Cicilia Peruzzo, a gestão estra-tégica da comunicação integrada, proposta pela própria Mar-garida Kunsch, e a releitura do conceito de público defendida por Fábio França.Na sequência da obra, os textos assumem caráter prático sem, contudo, perderem de vista a proposta conceitual do estudo. Aspectos como cultura e valores organizacionais, reputação, identidade e memória organizacional são os temas debatidos

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na terceira parte do livro, enquanto a perspectiva estratégica das relações pú-blicas é a tônica da parte quatro, com artigos sobre a questão do poder, comu-nicação dirigida, interconexões com o marketing, a avaliação e mensuração de resultados em comunicação.

A parte final da obra é dedicada à dimensão pública e comunitária das re-lações públicas, apresentando uma perspectiva mais social da atividade, com exemplos e reflexões sobre a aplicação das relações públicas no terceiro setor e no governo. Em seu conjunto, a obra representa o amadurecimento do campo das relações públicas no Brasil com relevante contribuição para o debate sobre o encaminhamento da área a partir de uma perspectiva eminentemente nacional.

No seu artigo, Relações Públicas na gestão estratégica da comunicação integrada nas organizações, Margarida Kunsch procura detalhar um pouco mais sua pro-posta de fundamentar teoricamente as relações públicas a partir de três eixos temáticos. Ela inicia seu relato expondo parte de sua trajetória acadêmica no sentido de justificar as opções conceituais que passa a defender ao longo do presente estudo.

De acordo com a autora, desde 1979, quando ingressou na pós-graduação na ECA-USP, tinha a intenção de buscar novos paradigmas que pudessem sus-tentar as relações públicas frente aos grandes desafios que se colocavam para as organizações contemporâneas. O planejamento como instrumento de ação e a integração das relações públicas com as demais áreas da comunicação social se mostraram propostas viáveis e já revolucionárias naquela época.

O resultado de sua dissertação de mestrado transformou-se no livro Plane-jamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada, de 1986, que é uma das principais referências teóricas da área no Brasil. Segundo Kunsch, essa perspectiva conceitual é sua principal temática de estudo e é a partir dela que tem se dedicado a formar mestres e doutores no Programa de Pós-Graduação da Escola de Co-municações e Artes, da Universidade de São Paulo, ao longo de todos esses anos.

A partir de breve introdução sobre sua trajetória acadêmica, Margarida se dedica ao propósito do artigo e passa a apresentar a sua perspectiva sobre os três eixos temáticos aos quais a área de relações públicas está vinculada: o sub-sistema institucional das organizações, a dimensão estratégica e a comunicação integrada. Inicialmente, destaca a importância do subsistema institucional que é composto pela missão, valores e princípios das organizações, compreendendo a organização a partir de uma visão mais ampla e holística. Está relacionado com o sistema de crenças e valores da organização e com a forma como ela encara seu papel público na sociedade.

Segundo Kunsch, a partir dessa perspectiva, as relações públicas “constituem parte integrante do subsistema institucional e exercem, primeiro, funções essen-

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ciais e específicas, apoiando e auxiliando os demais subsistemas e os processos de gestão de relacionamento das organizações com seu universo de públicos”. Um outro desafio das relações públicas, neste contexto, é contribuir para o cum-primento dos objetivos gerais da organização e suas metas de responsabilidade social.

Margarida Kunsch continua o texto desenvolvendo a ideia de que, para dar o suporte necessário ao subsistema institucional das organizações, a área de re-lações públicas precisa adotar uma perspectiva mais estratégica. Para tanto, re-lembra sua proposta, de 2003, em que as funções essenciais de relações públicas podem corresponder às quatro teorias essenciais da área propostas por Ehling, White e Grunig, no artigo Public relations and marketing practice: que são “fun-ção administrativa – teoria interorganizacional; função estratégica – teoria de administração/gerenciamento; função mediadora – teoria da comunicação; e função política – teoria da ciência política e dos conflitos-resolução”. Para a pesquisadora, estas conexões demonstram o quanto a área das relações públicas pode ser vista a partir da sua interdisciplinariedade.

Ressaltando a perspectiva estratégica das relações públicas, Kunsch enfatiza que cabe à atividade ajudar a organização a se posicionar perante a sociedade. A atividade abre canais de comunicação entre as organizações e os públicos, em busca de confiança mútua, construindo credibilidade, ou seja, fortalecendo sua dimensão institucional. De acordo com Kunsch, as relações públicas devem ser encaradas pelas empresas como função estratégica e com valor econômico, muito distante de uma função periférica e dispensável. Infelizmente, no Brasil, criou-se uma visão distorcida da área, mas é preciso resgatar seu papel de pensar e agir estrategicamente em busca da excelência da comunicação simétrica entre públicos e organizações.

Ao finalizar sua proposta e incorporando a perspectiva da comunicação inte-grada, ela destaca que para obter sucesso é preciso saber planejar a comunicação organizacional de forma integrada, abrindo canais de diálogo e auscultando a opinião pública. Kunsch reafirma “que pensar as relações públicas vinculadas ao subsistema institucional das organizações em uma perspectiva de comunicação integrada pressupõe a necessidade de buscar fundamentos teóricos da teoria institucional, dos estudos organizacionais e das teorias das ciências da comuni-cação, alicerçados por uma perspectiva multidisciplinar, sobretudo nas ciências sociais aplicadas”.

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Comunicação organizacional –volumes 1 e 2 (2009)

Capítulo: Percursos paradigmáticos e avanços epistemológicos nos estudos da Comunicação Organizacional

por Luiz Carlos Iasbeck (UCB)

Margarida Kunsch é dessas pessoas que congregam em torno de si simpatias, força de trabalho e gente disposta a colaborar. Seu poder de liderança está mais que patente nos diversos livros organizados que publicou, reunindo estudiosos e pes-quisadores das mais diferentes áreas e de diversos pontos do país e do exterior. Ela sabe que ciência se constrói com pes-quisa e colaboração. Sabe também que novos sentidos sur-gem dos encontros entre tendências diferentes e divergentes, entre novos e velhos, entre professores e alunos, pesquisado-res e empresários. A importância de tais competências é exponenciada se consi-derarmos que a professora e pesquisadora surge para o mun-do acadêmico de relações públicas, a terceira parte da Comu-nicação Social que, ainda hoje, sofre intensas consequências por localizar-se numa área bastante complexa. Caracteriza-se tanto pelos interesses pragmáticos empresariais quanto por objetivos especulativos de pesquisa intelectual e desenvolvi-mento acadêmico. O trabalho de Kunsch, nos últimos 20 anos, tem sido o de aproximar esses interesses e diminuir os espaços entre as fronteiras que as separam. No texto que ora resenhamos e comentamos, Margarida faz um levantamento criterioso e hábil das principais teorias que constituem a base epistemológica da comunicação organiza-cional. Podemos dizer que essa área dos estudos comunica-

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cionais no Brasil ganhou existência e fortaleceu-se graças aos esforços de Kuns-ch, por instituí-la em estreita colaboração com a área de relações públicas, mas com identidade e fundamentos próprios. São esses fundamentos que ela resume e redireciona no capítulo em questão.

Numa breve retrospectiva histórica, mostra-nos um panorama no qual os estudos comunicacionais nascem nos Estados Unidos, na década de 40, das escolas de Relações Humanas, assim denominadas as correntes de pensamento administrativo que valorizavam os relacionamentos entre empregados. Isto é, na contramão das demais vertentes do pensamento produtivo que privilegiava os processos de produção e os resultados econômicos (o Fordismo, o Taylorismo, por exemplo). A comunicação de negócios e a comunicação industrial aliaram--se às habilidades gerenciais de liderança para engrossar o caldo de relevância dos estudos de comunicação nas organizações.

É na década de 50 que a business communication ganha grandes espaços, alastrando-se na comunicação interna como competência indiscutível dos ge-rentes para comandarem seus subordinados nos processos produtivos. Um dos primeiros estudos acadêmicos da comunicação organizacional, localizados por Kunsch, acontece nessa década: a tese de Keith Davis, na Ohio State University, de 1952. Nesse trabalho, curiosamente, Davis interessou-se em entender a ca-deia de transmissão de mensagens nas empresas, a interferência dos ruídos, dos boatos e das fofocas, ou seja, como o imaginário dos empregados alterava de algum modo a integridade das mensagens de trabalho.

A seguir, muitas teses buscaram explicar a função da comunicação nos pro-cessos de trabalho, no âmbito, sobretudo, dos negócios. Além disso, os cursos realizados por Dale Carnegie, especialista em capacitação gerencial, desempe-nharam importante papel no desenvolvimento da comunicação organizacional, pois ressaltavam sempre a relação entre a eficácia da comunicação e a obtenção de resultados satisfatórios nos processos de produção e nas vendas. De certa forma, Carnegie conseguia sensibilizar os empresários naquilo que para eles era mais sensível: o sucesso empresarial e a consequente obtenção de lucros. Uma relação hoje um pouco esquecida, mas que ainda rende motivação e conscienti-zação do empresariado para com as práticas de comunicação.

As décadas de 60 e 70 foram marcadas, respectivamente, por estudos da co-municação administrativa (Tompkins e Wanca-Thibault) e pela revisão que W. Charles Redding propõe para os estudos da comunicação, ao examinar aspectos relevantes da comunicação interna no contexto mais amplo da comunicação das empresas. A ênfase na produção de sentidos e a relevância do receptor no processo de comunicação ficam patentes em seus postulados. No rastro dessa tendência sur-ge Lee Thayer com sua teoria da recepção, sintonizada com as emergentes ideias do

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marketing. Kunsch apoia-se no trabalho de Linda Putnam e George Cheney para nos trazer, de forma resumida e incisiva, as tradições da pesquisa neste campo: o estudo das mensagens, a ênfase nos canais, os estudos do clima organizacional e das redes formais e informais de comunicação, bem como as pesquisas empíricas acerca das relações chefe-subordinado, no âmbito da comunicação interna.

A década de 80 é marcada pelo funcionalismo e pelo mecanicismo, modos pragmáticos de ver a comunicação voltada para resultados nas organizações. Margarida Kunsch acredita que essas tendências vigoram com força até os dias de hoje, uma vez que os administradores só se sensibilizam para os problemas de comunicação quando eles interferem diretamente nos processos produtivos, dificultando ou impedindo a consecução de metas e resultados empresariais.

Os estudos da cultura e das narrativas, que fazem parte das tendências in-terpretativas da comunicação ocupam também um grande espaço na década de 80. O estudo das organizações a partir de metáforas tais como conduíte, lente, linkage, performance, símbolo, voz e discurso, proposto por Linda Putnam, Nel-son Phillips e Pamela Chapmam são analisados por Kunsch na perspectiva da comunicação humana nas organizações. Margarida acredita que mesmo com os estudos comunicativos sendo levados à linha de produção, são os fatores hu-manos ocorridos nos relacionamentos internos que determinam a qualidade da comunicação de uma empresa.

Nos anos 1990 e 2000, os estudos da comunicação ganham amplas perspec-tivas teóricas e dialógicas. Reforçou-se a epistemologia e voltaram-se os olhos para estudos emergentes e mais direcionados à teoria da comunicação do que às práticas organizacionais.

Após essa retrospectiva dos trabalhos internacionais que aloca no âmbito da comunicação organizacional, Kunsch relaciona habilmente os paradigmas que norteiam esta vertente do conhecimento, partindo dos estudiosos norte--americanos. O trabalho clássico de G. Burrel e G. Morgan (1979) é eleito pela autora como fundamental por inaugurar as perspectivas funcionalistas, inter-pretativas, humanas e estruturalistas radicais no cerne epistemológico. Junta a eles a perspectiva crítica e as elencadas por Putnam: mecânicas, psicológicas, interpretativas e interativas. Ao final, lamenta que apesar dos tantos avanços as organizações ainda assumem retóricas modernas com base em modelos autori-tários do século. E propõe que a perspectiva crítica deva instaurar uma mudança arraigada de hábitos no mundo empresarial.

Sobre os inúmeros conceitos que buscam caracterizar a comunicação or-ganizacional, Kunsch a entende como área integradora das subáreas da comu-nicação social. A perspectiva da comunicação integrada, marca registrada da pesquisadora e objeto de um de seus livros mais conhecidos no Brasil, encabeça

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uma coleção de conceitos outros defendidos por teóricos como o canadense James Taylor, da Escola de Montreal, que busca reunir o pragmatismo norte--americano com o pensamento analítico francês em torno da interpretação e da crítica dos modelos de comunicação. O foco na gestão, típico dos estudos norte-americanos, é aqui relacionado como uma tônica em desaparecimento no rol de tantos novos enfoques: análise do discurso, tomada de decisão, relações de poder, aprendizagem organizacional, globalização e organização, entre outros.

E, com base nas novas tendências dos estudos organizacionais, Kunsch cita Stanley Deetz, para quem a comunicação organizacional pode ser entendida: a) como um departamento de produção de comunicação; b) um fenômeno inerente às organizações; e c) um modo de descrever e explicar as organiza-ções. Sem entrar no mérito dos trabalhos europeus. Margarida passeia ainda por conceitos vindos das experiências holandesas, mexicanas e colombianas, para desembocar nos trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros que, para ela, privilegiam visões amplas e integradas. Diz-se francamente favorável à não frag-mentação dos estudos da comunicação, mas admite que os conflitos na área são produtivos, principalmente aqueles que envolvem outras subáreas como as relações públicas e o marketing.

Margarida Kunsch faz um levantamento dos trabalhos produzidos no Brasil nos cursos de pós-graduação, nos 33 Programas diferentes de stricto sensu, auto-rizados pela CAPES, até 2008. A exaustiva pesquisa é aqui relacionada de modo quantitativo e contextualizada segundo as tendências dominantes nas institui-ções que mantêm linhas de pesquisa em comunicação organizacional e relações públicas. A presença da Abrapcorp, instituição agregadora desses estudos, é aqui enaltecida por Margarida e responsabilizada pela disciplina que hoje rege os trabalhos da área.

Reconhece que os campos científicos das Relações Públicas e da Comuni-cação Organizacional estão instituídos e sedimentados no Brasil com pesquisas significativas. Sugere que deva haver maior divulgação dos trabalhos aqui pro-duzidos, sobretudo no exterior, de forma a agregar e integrar a diversidade de perspectivas e âmbitos de atuação dos profissionais da área. Assim, no contexto da ampla obra organizada por Margarida Kunsch em dois volumes – Comunica-ção Organizacional Vol. 1: histórico, fundamentos e processos; e Comunicação Or-ganizacional Vol. 2: linguagem, gestão e perspectivas – o capítulo ora comentado, que integra o Volume I resume e condensa de algum modo o ideário e realiza o objetivo de integrar ideias, propósitos e conflitos em torno do pensamento comunicacional na área da comunicação organizacional. Um trabalho de fôlego e de importância fundamental para a história da ciência no Brasil.

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Relações públicas e comunicação organiza-cional: campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas (2009)

Capítulo: Os campos acadêmicos da comunicação organizacional e de rela-ções públicas; e Comunicação Organi-zacional e Relações Públicas no Pro-grama de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP

por João José Azevedo Curvello (UCB)

A obra Relações públicas e comunicação organizacional: cam-pos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas, organiza-da por Margarida Kunsch, inaugurou a ‘Série Pensamento e Prática’, patrocinada pela Associação Brasileira de Pesquisa-dores de Comunicação Organizacional e de Relações Públi-cas - ABRAPCORP, para divulgar as contribuições emanadas dos congressos anuais da entidade. Dividida em cinco partes (Comunicação organizacional e relações públicas: perspectivas conceituais e teóricas; Comunicação organizacional e relações públicas no cenário nacional e internacional; Considerações sobre a metodologia dos estudos e das práticas de comunicação organizacional e de relações públicas; A pesquisa brasileira em comunicação organizacional e relações públicas; e Diálogo e in-teração entre a academia e o mercado em comunicação orga-nizacional e relações públicas), a obra traz textos de autores nacionais e internacionais, como Antoni Noguero i Grau, Linda Putnam, James Grunig e Larissa Grunig, Maria Rebeil Corella, entre outros.

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Nesta obra específica, Margarida Kunsch apresenta dois textos, além do Pró-logo: Os campos acadêmicos da Comunicação Organizacional e de relações públi-cas no Brasil (pp.113-136) e Comunicação Organizacional e Relações Públicas no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP (pp.263-284).

No primeiro texto, Os campos acadêmicos da Comunicação Organizacional e de relações públicas no Brasil, Kunsch nos revela um estudo sobre a evolução e a interconexão dos campos desde suas origens no Brasil até a primeira década do século XXI, com destaque para as contribuições dos cursos de graduação e de pós-graduação e das instituições científicas como INTERCOM e Abrap-corp. Estruturado de forma a manter coerência cronológica, o texto registra e valoriza as iniciativas de pesquisadores e de instituições que foram decisivas para o surgimento e a qualificação dos cursos de graduação, dos programas de pós-graduação, das associações, dos grupos de pesquisa, e do periódico Organi-com, que acabaram por aproximar e permitir uma caminhada paralela de dois campos científicos distintos e complementares.

Kunsch confirma, no seu texto, a franca expansão das áreas em processo de legitimação acadêmica e de consolidação institucional, capaz de produzir mais de 160 teses e de 400 dissertações (apenas até 2006). De uma primeira fase, em que predominavam os estudos descritivos e prescritivos, pelo texto de Kunsch é possível saber que, a partir do ano 2000, novas abordagens com perfil mais teórico e analítico começam a se debruçar sobre temas como complexidade, interculturalidade, sistemas sociais, discurso, identidade, imagem em espaços dialógicos e relacionais, marcados por mudanças culturais e tecnológicas. A au-tora destaca, ainda, a crescente produção editorial fortificada pela produção dos novos programas de pós-graduação, pelo aumento do volume de projetos de pesquisa com financiamento público e privado e pelo fortalecimento dos grupos de pesquisa abrigados nas associações científicas.

Margarida Kunsch conclui seu texto ao propor cinco recomendações para garantir um crescimento sustentável aos campos: a democratização do conhe-cimento; a otimização das experiências acumuladas nas práticas sociais e no mercado profissional, como possível fermento para inovação nas reflexões e nos processos de teorização; intercâmbios e acordos entre pesquisadores e universi-dades; a defesa e a valorização de uma cultura acadêmica; e a melhoria da quali-dade de ensino na graduação e nos diversos níveis da pós-graduação.

O segundo texto de Kunsch, Comunicação Organizacional e Relações Públicas no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, apre-senta por meio de um estudo quantitativo analítico, a produção e a contribuição dos pesquisadores vinculados à Escola de Comunicações e Artes, da USP, reco-

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nhecida pela autora como um centro pioneiro e nucleador, de onde saíram mes-tres e doutores que hoje despontam como lideranças em outras universidades brasileiras. A pesquisa destaca, entre outros aspectos, a diversidade de temáticas de pesquisa, o volume de teses e dissertações e a contribuição histórica da USP na constituição científica dos campos. Ela vislumbra que novos avanços advirão de pesquisas de perfil bibliométrico que, certamente, comprovarão a crescente institucionalização dos campos por meio da identificação de autores e de escolas de pensamento mais influentes.

Os dois textos revelam uma das principais características da autora em pu-blicações recentes de sua produção, sobretudo a sua contribuição para a epis-temologia da comunicação, mais especificamente nos campos da comunicação organizacional e das relações públicas. Margarida Kunsch, além de ser reco-nhecida pela sua capacidade agregadora, motivadora e institucionalizadora, tem cada vez mais se dedicado aos mapeamentos históricos, conceituais, teóricos e metodológicos, o que evidencia sua renovada preocupação na sistematização e na caracterização dos campos como científicos. A criação e constituição de cursos de pós-graduação, a organização da Abrapcorp, sua presença à frente de organizações como INTERCOM, Alaic, Confibercom e Socicom, reforçam, ainda, a importância que a autora dá à dimensão institucional das pesquisas e ao papel social dos pesquisadores para a inovação e para a melhoria das práticas profissionais nas organizações sociais.

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A comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações (2009)

A comunicação para a sustentabilidade das organizações na sociedade global

por Ivone de Lourdes Oliveira(PUC-Minas)

O artigo A comunicação para a sustentabilidade das organi-zações na sociedade global, de Margarida M. K. Kunsch, está no livro organizado por ela, A Comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações, publicado em 2009, pela Difusão Editora. Este livro faz parte da coleção ‘Série Pen-samento e Prática’, produzida pela Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Rela-ções Públicas – ABRAPCORP, que tem como finalidade documentar e divulgar as conferências e palestras apresen-tadas nos congressos anuais. Essa obra se refere ao II Con-gresso realizado em Belo Horizonte, no ano 2008, e retrata as reflexões desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e internacionais, e por profissionais, sobre a sustentabilidade e as organizações. A obra traz uma abordagem ampla e eclética, oportuni-zando pensar as questões teóricas sobre a sustentabilidade em sociedades complexas e a sua articulação com a ética, ao mesmo tempo em que se discute a gestão de processos comunicativos e práticas de comunicação para a sustenta-bilidade em empresas brasileiras. Participaram com artigos os professores e profissionais: Alípio Márcio Dias Casali, Ana Thereza Nogueira Soares, Clóvis de Barros Filho, Fabián Echegaray, Gislaine Rossetti, Marcello Vernet de Beltrand e Victor Márcio Laus Reis Gomes, Nemércio Nogueira, Pablo

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Barros Santos, Priscila Borin de Oliveira Claro, Danny Pimentel Claro e Ro-bson Amâncio, Robson de Almeida Melo e Silva, Olinta Cardoso Costa, Rubens Naves, Rudimar Baldissera e dois pesquisadores internacionais convidados, Stanley Deetz, da Universidade do Colorado em Boulder (EUA) e Arlette Bou-zon, da Universidade de Toulose III (França).

Margarida foi palestrante no Congresso e publicou este artigo no livro, que aborda e analisa todo o processo de instauração da sustentabilidade na socie-dade, de forma cronológica. Mostra como ela vai se consolidando conceitual-mente e concretamente no Brasil e no mundo, a partir de ações nos domínios público, privado e do terceiro setor. Analisando o livro, posso afirmar que o artigo da professora é o balizador da obra, porque situa teoricamente o processo que resultou em políticas de sustentabilidade e envolvimento com a temática no mundo.

Primeiramente, situa o Relatório Brundtland e a Rio-92 como constituintes de todo o pensamento sobre sustentabilidade. Descreve os empreendimentos desenvolvidos, explicando que o trabalho da Comissão Brundtland é o alicerce da Rio-92, a qual incentivou a Agenda 21. Esta, por sua vez, busca abarcar e conseguir comprometimentos de países e empresas com as questões da sustentabilidade nos âmbitos global e local.

A partir da fundamentação conceitual desenvolvida, baseada nos autores Al Gore, Almeida, Brown, Boff, Dias, a autora passa a discutir a importância das organiza-ções neste contexto e mostra que frente à globalização e aos cenários em constante mudança elas são compelidas a pensar em sustentabilidade. Assim busca estabelecer articulação entre a sustentabilidade, as organizações e a comunicação, afirmando que “as organizações, pela força da globalização econômica, passaram a assumir mais poderes e ao mesmo tempo são chamadas a exercer novos papéis, sobretudo em relação à responsabilidade social e à sustentabilidade”.

Ao desenvolver esta articulação, a autora trabalha com três pilares conceitu-ais, de forma didática, para melhor elucidar a ideia de sustentabilidade organiza-cional elaborada por ela. São eles: paradigma de uma sustentabilidade integrada; políticas, certificações e ações integradas de diferentes atores; e comunicação para sustentabilidade da comunicação organizacional integrada.

No primeiro pilar ela se fundamenta em Elkington (2001) e descreve a articula-ção entre os três eixos que compõem o conceito de sustentabilidade: o econômico, o ambiental, o social e como as empresas têm se comportado para sobreviverem às crises econômicas da sociedade globalizada, sem se esquecerem da sustentabilidade.

No pilar políticas, certificações e ações integradas de diferentes atores, a pro-fessora toma como referência Almeida (2007) para declarar que a sustentabili-dade tornou-se um tema de repercussão internacional, envolvendo empresas,

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governo e sociedade civil na formulação de políticas de atuação. Por outro lado, afirma que há um movimento também mundial de criação de normas e certifi-cações vinculadas à questão ambiental e à qualidade que as empresas precisam seguir, já que essas certificações estão relacionadas com o seu reconhecimento no merca-do internacional. Menciona ainda a existência de uma política brasileira e dá como exemplo o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) no Brasil, e a elaboração dos relatórios anuais de sustentabilidade.

No último pilar, a professora trabalha a ideia de que a sustentabilidade só se efetiva com a comunicação e a convergência midiática por acreditar que a comunicação pode contribuir para revelar à sociedade que não é possível viver sem pensar no futuro do planeta. Diante desta perspectiva, direciona a discussão para conceitos já desenvolvidos por ela em obras anteriores com o: comunicação organizacional integrada, comunicação institucional, administrativa, interna e mercadológica, relacionando-os com a filosofia e a política de comunicação para a sustentabilidade.

Margarida declara, no artigo, que não é fácil para as organizações considera-rem os três pilares da sustentabilidade, porque precisam atender a vários aspectos diferentes da ordem contábil, econômica, ética, de certificações, da relação com a sociedade e com o ambiente interno. Chama a atenção para a necessidade das organizações se conscientizarem da importância da sustentabilidade, não a tratando como um modismo ou como apenas um dos itens de uma boa reputação.

Conclui o artigo demonstrando preocupação com dois pontos. Primeiro, o compromisso das empresas em desenvolver uma comunicação que conjugue os pilares econômico, social e ambiental da sustentabilidade, ao declarar que “as organizações começam a ver a sustentabilidade como uma forma de se buscar um desenvolvimento mais integral e equilibrado entre o pro-gresso econômico e o social e procuram implantar novas diretrizes nas suas formas de gestão, de produção e de administração de recursos”.

O segundo ponto se relaciona com a forma como as organizações vão en-frentar as tensões que surgem no processo interativo, reconhecendo que o públi-co tem interesses e demandas antagônicos e/ou diferentes dos da empresa. Para a professora, diante da complexidade das relações é preciso ouvir e abrir canais de diálogo com os públicos. Segundo ela, esta postura só será possível com uma comunicação planejada e articulada, promovendo ações integradas de comuni-cação administrativa, interna, institucional e mercadológica.

Desta forma, vários desafios aparecem para a comunicação organizacional integrada que busca trabalhar os princípios da sustentabilidade, fundamentais para o desenvolvimento da empresa e da sobrevivência do planeta.

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A comunicação como fator de humanização das organizações (2010)

Capítulo: A dimensão humana da co-municação organizacional

por Rudimar Baldissera (UFRGS)

O livro A comunicação como fator de humanização das organi-zações é resultado das discussões realizadas no III Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP, realizado de 28 a 30 de abril de 2009, em São Paulo, que teve como tema “Comunicação, Humanização e Organiza-ções”. A Abrapcorp, presidida por Margarida Maria Krohling Kunsch, assumiu esse tema em um contexto de emergência de um paradigma sistêmico e complexo, em que as pesqui-sas da área e as práticas profissionais precisam dar conta dos desafios que afloram da diversidade de ideias e posições, em que a incerteza é potencializada e a comunicação apresenta-se como lugar e meio para o encontro das diferenças.Como um dos resultados do Congresso da Abrapcorp 2009, tem-se essa importante obra organizada por Margarida M. K. Kunsch. Além da introdução, o livro compreende quatorze capítulos, divididos em duas partes, cada qual com sete capí-tulos. A primeira parte, sob a denominação de A organização como espaço de diálogo e construção de significação abarca textos de diferentes autores que refletem sobre a comunicação orga-nizacional sob a perspectiva crítica, questionando, não ape-nas as práticas cotidianas das organizações, mas também os fundamentos epistêmicos que tornam aquelas práticas possí-veis à medida que as conformam, fundamentam e orientam.

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Contando com dois capítulos de importantes pesquisadores internacionais – Dennis K. Mumby e Elizabeth L. Toth – além dos autores nacionais (incluindo o capítulo de autoria da própria Margarida Kunsch), as discussões articuladas nessa parte do livro evidenciam algumas das ideias que embasaram práticas or-ganizacionais (em particular, de comunicação organizacional) caracterizadas por sua apologia à extrema racionalização dos processos e à simplificação do pensamento e da compreensão de mundo, e sua tendência a desconsiderar a interdependência ecossistêmica e a aleijar a presença do humano e as relações de trabalho nas organizações.

A segunda parte, denominada A comunicação como lugar e processo de hu-manização da organização nas relações de trabalho, dá relevo à comunicação no cotidiano organizacional, evidenciando que a comunicação constitui-se em lu-gar para que o humano se realize e, também, em processo para sua expressão e potencialização. Nessa direção, a comunicação é pensada como processo fértil para regenerar os sistemas organizacionais e qualificá-los para o atual contexto de incertezas. Em direção semelhante, a comunicação é pensada como processo que permite a qualificação dos diferentes sujeitos ampliando a qualidade de vida no contexto organizacional.

O texto A dimensão humana da comunicação organizacional, de autoria de Margarida M. K. Kunsch, apresenta-se como importante norte para compre-ender a própria obra e o caráter de fundamento que a noção de “humanidade” exige assumir para as organizações no atual contexto. Nesse texto, a autora, ao discorrer sobre percepções conceituais de comunicação organizacional, afirma a complexidade da comunicação organizacional e a necessidade de se superar as perspectivas reducionistas, fundamentalmente instrumentais, de transmissão de informações e de práticas profissionais. Reafirma a importância de a comunica-ção organizacional ser compreendida em perspectiva integrada (concepção que fundamenta parte importante de sua pesquisa), considerando as organizações holística e complexamente.

Na sequência, inspirada nas reflexões de Dominique Wolton (livro Pensar a comunicação, 2004), Kunsch dá relevo ao poder da comunicação na sociedade contemporânea que possibilita a aproximação das pessoas, das culturas, dos va-lores, mas também critica o excesso de racionalização e aquilo que define como as “discrepâncias do triunfo técnico e econômico dessa mesma comunicação”. A luz dessa compressão, a autora reflete sobre o que denomina de “dimensões da comunicação organizacional”: a instrumental, a estratégica e a humana.

De forma sucinta, a dimensão instrumental configura-se como aquela que simplesmente faz com que as informações sejam transmitidas - a comunica-ção como ‘ferramenta’ para que os processos sejam viabilizados e a organização

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funcione. A dimensão estratégica, semelhante a anterior, relaciona-se à visão pragmática, pois se realiza objetivando a eficácia e os resultados. Essa dimensão, no entanto, exige que a comunicação e o departamento de comunicação sejam percebidos como estratégicos pela organização e suas lideranças.

A dimensão humana, sobre a qual a autora debruça-se com mais profun-didade, é reconhecida como a mais esquecida. Nessa direção, atenta para a co-municação como fundamento da sociedade e que as organizações somente exis-tem em comunicação e pela comunicação. As organizações se auto-organizam em processos comunicacionais. Kunsch destaca que a qualidade de vida dos trabalhadores é melhorada mediante comunicação qualificada e que diante do atual cenário mais relevo e urgência assume a necessidade de se atentar para a humanização das organizações. Porém, denuncia os discursos humanísticos vazios, não comprometidos e distantes da realidade dos trabalhadores. Eviden-cia a necessidade que os indivíduos têm de serem ouvidos, de se realizarem nas organizações.

Constituinte do ser social, a comunicação está em todas as relações, em to-das as esferas, sejam públicas ou privadas. E, no contexto atual, a subjetividade assume relevância e exige que seu lugar nas organizações seja redimensionado – já não pode ser apenas periférico, ou permanecer nas zonas de escuridão. A subjetividade macula todo o pensar e os fazeres humanos. Portanto, também se exerce sobre as percepções que os sujeitos têm da organização, de seus faze-res, de seu lugar, de suas possibilidades de realização, criação e inovação. Essas subjetividades são construídas em contexto. A autora ainda atenta para o fato de que as tecnologias da comunicação e informação estão incidindo sobre essas subjetividades e, em algum nível, transformando-as.

Diante disso, afirma a necessidade de ultrapassar os aportes mecanicistas da comunicação organizacional para dar relevo às interações, aos aportes relacio-nais, de valorização da dimensão humana e social. Essa é a possibilidade de os indivíduos de fato cooperarem, envolverem-se e sentirem-se satisfeitos. Kunsch assevera: organizações saudáveis – humanas – são as mais “criativas, produtivas e admiradas pelos públicos”.

Por fim, importa destacar que esta obra e, particularmente, o texto de Mar-garida Kunsch marcam um importante momento das pesquisas em comunica-ção organizacional no Brasil, revelando maturidade à medida que se afastam dos pequenos casos, para analisar criticamente os fundamentos da área. Além disso, o texto de Kunsch configura-se como texto propositivo, consistente e com potência para alavancar importantes estudos na direção de qualificar a área em termos científicos e, também, de traduzir-se em qualificadas práticas cotidianas.

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Comunicação pública, sociedadee cidadania (2011)

Capítulo: Comunicação pública e Co-municação Organizacional: em direção à integração

por Heloiza Matos (ECA-USP)

A trajetória acadêmica de Margarida Kunsch tem se pautado por uma produção contínua e pela tentativa de enriquecer sua linha de pesquisa original – relações públicas e comunicação organizacional. É surpreendente observar nesse caminhar a sua marca: além de contribuir para ampliar seu próprio cam-po de pesquisa, tem criado oportunidades para que outros pesquisadores (cuja formação acadêmica original se encontra nas ciências sociais, na política, e mesmo em outras áreas da própria ciência da comunicação) se integrem num grande es-paço de interlocução e troca de conhecimento.Este artigo vem analisar exatamente um caso exemplar dessa agregação de conhecimentos: os trabalhos apresentados no IV Congresso Brasileiro de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas - ABRAPCORP, em 2010, publicados um ano depois no livro Comunicação pública, sociedade e cidada-nia – obra organizada por Margarida Kunsch. O desafio que se configura é analisar a articulação entre a proposta do livro, que é “contribuir para a produção de conhecimento sobre as disputas e convergências em torno de interesses públicos e privados”, e os conceitos e processos da comunicação pública – justamente desenvolvidos nos artigos da referida coletânea. Kunsch inicia por reconhecer que a comunicação pública abrange diversos campos de conhecimento e práticas profis-sionais, salientando o papel das relações públicas e da comu-

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nicação organizacional neste processo, ao considerar que “as instituições públi-cas e privadas desenvolvem ações estratégicas dirigidas a públicos específicos, com instrumentos específicos, (mas) em defesa do interesse público”. Esta ten-são entre público e privado é um desafio fundamental da comunicação pública, uma área cujo domínio sempre foi considerado muito mais de natureza gover-namental. Mas que poderia incluir igualmente, por que não dizer, as organiza-ções privadas. Eis o ponto de inflexão que acaba provocando uma reafirmação (ou reconsideração pelos teóricos) do campo da comunicação pública – inflexão que pode ser observada nos artigos da coletânea.

Na abertura do referido congresso (Abrapcorp 2010) demonstrei apoio à proposta de Margarida Kunsch, quando propus a seguinte questão: se a comu-nicação pública é um campo que considera o interesse público, por que excluir desta tarefa as organizações privadas? Se esperamos delas ações de responsabili-dade social, por que impedi-las de agirem como comunicadores públicos?

As respostas a estas ponderações animam os trabalhos apresentados no con-gresso, refletindo o nível dos debates e as posições de vários autores sobre as aproximações (e divergências) entre os campos das organizações públicas-e--privadas e o estágio atual dos conceitos e processos da comunicação pública, não somente no Brasil, mas também na Itália (Rolando), na França (Almeida), e na Colômbia (Jaramillo). Há uma riqueza de pesquisadores brasileiros, que vêm ampliando e aprofundando o campo da comunicação pública no país. Por exemplo: Duarte, Haswani, Weber, Maia, Novelli, entre outros.

É importante notar que a comunicação pública vem sendo reconhecida como área de estudo desde a metade dos anos 80 (apenas), mas só floresceu, de fato, no período da redemocratização, e, durante alguns anos, seguiu restrita ao entendimento de comunicação governamental. O enfoque era, sobretudo, na importância da comunicação do governo com a sociedade, por meio do planejamento e do acompanhamento das ações comunicativas pelas assessorias de comunicação do Estado.

Na virada do século até os dias atuais, houve um expressivo desenvolvimento graças a uma nova geração de pesquisadores, especialmente pela aproximação dos estudos de comunicação pública com teorias e autores fundamentais da comuni-cação, tais como Habermas, Arendt, entre outros. É preciso mencionar os autores deliberacionistas e as contribuições de grupos de trabalho em instituições cientí-ficas renomadas, como INTERCOM, Compós, e Anpocs – para citar algumas.

Portanto, é neste último decênio que se forma uma massa crítica, tanto no Brasil como em outros países, capaz de sustentar a produção de pesquisas cien-tíficas e a publicação de obras que se tornam referência nos novos estudos sobre comunicação pública e comunicação política. Neste período, a comunicação

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organizacional e as relações públicas se consolidam igualmente como campo de estudos e pesquisas, e o grande mérito de Kunsch foi justamente perceber as potenciais sinergias entre sua área de domínio e a comunicação pública, o que resultou, primeiro, no Congresso de 2010, e, depois, na publicação da coletânea em 2011, objeto deste artigo.

Diante do exposto, poder-se-ia perguntar: quais as contribuições que os ar-tigos dessa coletânea vêm aportar a ambos os campos de pesquisa? Quais as principais releituras das teorias da comunicação (e de outros campos da ciência) que vêm agregar novidades e lançar outros olhares sobre a comunicação pública? Quais perspectivas a privilegiar nessa aproximação entre comunicação organiza-cional e comunicação pública? Enfim, o que há de novo nesse horizonte?

Sabemos não haver espaço aqui para responder a todas essas questões, mas enunciá-las há de servir certamente como sugestão para outros pesquisadores (graduandos, pós-graduandos, mestres, doutores, etc.) e profissionais envolvi-dos com as expectativas do público, tratado não apenas como “consumidores”, mas também como “cidadãos”. Um olhar sobre os fundamentos teóricos e as práticas de comunicação pública indicados nos artigos da coletânea pode ajudar a esclarecer parte das questões enunciadas. Para uma abordagem dos autores, proponho uma descrição sucinta conforme se aproximam (ou se distanciam) na caracterização, por exemplo, do papel do Estado, do governo, da sociedade e dos cidadãos, incluindo, em alguns casos, as organizações privadas.

Matos, Duarte e Weber, embora se orientem por diferentes perspectivas teó-ricas, observam a comunicação pública de dentro para fora, ou seja, partindo do Estado (ou governo) em direção à sociedade, e buscam na visibilidade da mídia (e em outras formas de comunicação) a perspectiva de evolução da democracia.

Weber faz distinção, por exemplo, entre comunicação de Estado, comuni-cação política, comunicação pública e comunicação institucional. Afirma que as estratégias de visibilidade se apoiam na busca de credibilidade, e propõe a democracia deliberativa online como um nível mais avançado de comunicação pública.

Já Duarte mostra que o conceito de comunicação pública se baseia nos se-guintes objetivos: mais poder para a sociedade; mais comunicação e informa-ção; menos divulgação; mais diálogo, participação; e menos dirigismo. E, ao apontar o desinteresse do cidadão em relação à política (em parte devido à de-sinformação e ao descrédito com a gestão pública), propõe quatro eixos para a comunicação pública: transparência, acesso, interação e ouvidoria social.

Por sua vez, Matos indica algumas tendências nos estudos de comunicação pública, e ressalta a ausência de interação entre as teorias e os dados empíricos que sustentam os conceitos de comunicação governamental e comunicação pú-

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blica. E vai além para verificar as relações entre a teoria do reconhecimento e os movimentos sociais, pontuando algumas conquistas para a implementação de políticas públicas, como, por exemplo, as cotas para deficientes, negros, etc.

Haswani avança a presença de atores públicos e privados como ativadores das relações entre o Estado e a sociedade, analisando a derrocada do Estado--previdência, o welfare-state, o welfare-society (em que a sociedade assume a responsabilidade de discutir e deliberar as causas coletivas), e, finalmente, o welfare-comunity (cuja missão é a de ativar formas de inclusão social).

Um dos convidados internacionais, Rolando, afirma que a comunicação pública visa “diminuir a distância entre instituições e cidadãos, em torno da aplicação das leis e o acesso aos serviços e estruturas (estatais), promovendo desta forma os interesses coletivos”. Considera como uma comunicação pública inovadora, além do diálogo entre o público e o privado, o estabelecimento de um pacto para o desenvolvimento: com base na economia do conhecimento, no envolvimento das empresas com a responsabilidade social, na gestão de novos direitos da cidadania, na inclusão de todos os cidadãos.

A proposta de Jaramillo destaca a advocacy como um conceito de mobili-zação social. O autor colombiano conceitua a comunicação pública como “a construção de propósitos comuns com o objetivo de produzir significados se sentido compartilhado em assuntos de interesse comum.” E explica que, mesmo quando os indivíduos se expressam de forma individual, geram sentidos quando compartilham imaginários, interações e se organizam em movimentos sociais. Quanto às condições para uma comunicação pública, diz tratar-se de “sujeitos coletivos”, cujas ações se referem à construção do que é público, ou seja, uma modalidade de comunicação inclusiva, participativa e democrática.

Finalmente, a contribuição de Maia discute as controvérsias para processar e reconhecer o interesse público. Para a autora, “é o debate, conduzido democra-ticamente entre os concernidos que é o meio apropriado para estabelecer o que pode ser reconhecido como interesse público ou bem comum”.

Deste breve survol dos posicionamentos e processos de comunicação pública contidos na obra coordenada por Margarida Kunsch, é possível concluir que a articulação entre os conceitos de público e privado em torno do interesse públi-co pressupõe uma continuidade, além de um aprofundamento, dos debates em torno da comunicação pública, para atingir uma comunicação verdadeiramente inclusiva, participativa e democrática.

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MARGARIDA MARIAKROHLING KUNSCH

Artigos Publicados em Edições Especiais dos Periódicos

Científicos Criados

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Revista Alaic, ano V, nº8-9 (2008)Edição comemorativa aos 30 anos de existên-cia da ALAIC

Artigo: Comunicação Organizacional e Relações Públicas: perspectivas dos estudos latino-americanos

por Doris Fagundes Haussen (PUCRS)

A produção científica de Margarida Kunsch tem trazido ex-pressiva e diferenciada colaboração aos estudos de comunica-ção. No artigo Comunicação Organizacional e Relações Públi-cas: perspectivas dos estudos latino-americano, a autora aborda um recorte especial ao apresentar uma visão panorâmica des-te campo na América Latina. Através de um estudo biblio-métrico são analisados os papers apresentados nos congressos bianuais da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC, no período de 1998-2008.Construído em três partes, o artigo apresenta aspectos con-ceituais sobre os fundamentos que diferenciam e delimitam as duas áreas de conhecimento, traz a percepção que a autora tem sobre estas áreas na América Latina e apresenta o referi-do estudo bibliométrico sobre os textos participantes do GT Comunicación Organizacional y Relaciones Públicas.Ao longo do texto é destacada a constituição das relações pú-blicas e da comunicação organizacional como áreas de co-nhecimento inseridas no âmbito das Ciências da Comunica-ção e das Ciências Sociais Aplicadas. Neste sentido, possuem, segundo a autora, “um corpus de conhecimento com lite-ratura específica, teorias reconhecidas mundialmente, cursos de pós-graduação, pesquisas científicas, constituindo-se, por-

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tanto em campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas” (p.229).Uma questão central identificada por Margarida Kunsch é a necessidade

de se aprofundar os conceitos que diferenciam os campos de comunicação or-ganizacional e de relações públicas. Após uma série de considerações, a autora conclui que a “Comunicação Organizacional deve ser entendida, sobretudo, como um fenômeno que ocorre nas organizações com toda uma complexidade de processos. Relações Públicas lidam com a gestão desses processos”. E mais:

para compreender e aplicar os fundamentos das Relações Públicas é necessário, também, conhecer o aspecto abrangente da Comunicação Organizacional e das áreas afins. [...] E, neste contexto, a Comunica-ção Organizacional, como campo acadêmico de estudos, dará subsídios teóricos para fundamentar a prática da atividade na administração dos relacionamentos entre organizações e públicos, além, é claro, do suporte de outras ciências (p.230).

A autora, no entanto, faz a ressalva de que considera equivocada a visão dos que acham, devido à expansão do campo da comunicação organizacional, que este veio tomar o lugar das relações públicas. E conclui: “Somos de opinião de que o crescimento da Comunicação Organizacional, com toda a sua abrangência, provoca um repensar dos paradigmas tradicionais de Relações Públicas e desafia a busca de fundamentos teóricos mais consistentes” (p.231). Encerrando esta parte, salienta as inúmeras entidades de relações públicas nacionais existentes na região.

Após fazer as considerações mais amplas sobre os conceitos, a autora se de-bruça sobre a questão na América Latina, os trabalhos pioneiros e os centros de estudo mais destacados. Neste contexto, o papel da Escola de Comunicações e Artes, da USP, é salientado, com a criação, em 1966, do curso superior de Relações Públicas e, em 1972, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, que contemplava essas duas linhas de pesquisa. Embora reco-nhecendo a falta de uma relação sistematizada sobre os demais cursos de pós--graduação da região, Margarida Kunsch destaca a contribuição da Escuela de Ciencias de la Comunicación, da Universidad de San Martín de Porres, em Lima (Peru), com a criação do Mestrado (1996) e do Doutorado (2005) em Relações Públicas.

Na última parte do texto, a autora apresenta o estudo bibliométrico realiza-do, destacando a importância desta técnica para conhecer e analisar a produção intelectual de determinado grupo de pesquisadores e que possibilita “não só conhecer fontes bibliográficas utilizadas, bem como estabelecer comparações entre estudos semelhantes realizados num mesmo contexto” (p.232). A seguir,

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a autora apresenta os procedimentos metodológicos usados e os oito itens ana-lisados, entre eles o idioma, a nacionalidade dos autores, a temática, o tipo de pesquisa, o total de artigos com apresentação de referências bibliográficas, e a autoria do material consultado nas referências bibliográficas. Através de tabelas, os resultados são apresentados, ficando muito claro o levantamento realizado.

Em suas considerações finais, a autora destaca a necessidade das universi-dades latino-americanas abrirem mais espaço nos cursos de Pós-Graduação em Comunicação para que as áreas de comunicação organizacional e de relações públicas possam avançar na pesquisa, contribuindo, assim, “por meio de uma produção inovadora, com as transformações de paradigmas de suas práticas nas instituições públicas, organizações privadas e do terceiro setor” (p.239).

O artigo de Margarida Kunsch traz, desta forma, uma contribuição impor-tante não só para esta área de interesse, mas para a sociedade em geral que tem a oportunidade de entrar em contato com a geração de conhecimento que está sendo desenvolvido nas universidades e centros de Comunicação da América Latina, no que se refere à comunicação organizacional e às relações públicas. A larga trajetória intelectual da pesquisadora, bem como a qualidade da sua produção, contribuem, mais uma vez, para aprofundar e ampliar os estudos nesta área.

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Revista Organicom, v. 6, n. 10/11 (2009)Dossiê sobre as bases conceituais de comuni-cação organizacional e de relações públicas – I e II Congresso Abrapcorp

Artigo: Relações Públicas e Comunica-ção organizacional: das práticas à insti-tucionalização acadêmica

por Eugênia Mariano da RochaBarichello (UFSM)

Margarida Maria Khroling Kunsch, com sua sabedoria e ex-periência, investiga incansavelmente os campos da Comuni-cação Organizacional e das Relações Públicas. Mais do que isso, é uma organizadora desses campos acadêmicos, um ba-luarte que guia passos e ilumina caminhos.No texto Relações Públicas e Comunicação organizacional: das práticas à institucionalização acadêmica dedica-se ao entendi-mento das relações, interações, intersecções e sobreposições entre essas práticas profissionais e ao processo de institucio-nalização desses campos nas universidades, os quais incluem, cada vez mais, as investigações realizadas nos Programas de Pós-Graduação. Ao questionar “Quais seriam as diferenças e semelhanças? Como se processam as interfaces? Quais seriam as interco-nexões entre os estudos e as práticas?” (p.50), a pesquisadora reflete sobre a evolução dos dois campos, tanto em relação às práticas profissionais como à institucionalização acadêmica. Na classificação dos conhecimentos (CAPES, CNPq), ambos se inserem na grande área das Ciências Sociais Aplicadas e,

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segundo a pesquisadora, grandes avanços epistemológicos têm sido alcançados até agora: “[...] dos estudos dos canais, mensagens, fluxos, redes audiências, en-tre anos 1950 e 1970, passando pelos estudos interpretativos a partir de 1980, até a multiplicidade de enfoques na primeira década de 2000”.

Em relação às limitações conceituais, argumenta que precisam ser mais bem fundamentados os conceitos que diferenciam e organizam os campos de comu-nicação organizacional e de relações públicas. Conceitua comunicação organi-zacional:

como fenômeno inerente à natureza das organizações e aos agrupamen-tos de pessoas que as integram, a Comunicação Organizacional envolve os processos comunicativos de todos os elementos constitutivos das or-ganizações. Nesse contexto faz-se necessário ver a comunicação inserida nos processos simbólicos e com foco nos significados dos agentes envol-vidos, dos relacionamentos interpessoais e grupais, valorizando as práti-cas comunicativas cotidianas. (p.54).

E entende as relações públicas:

como parte integrante do subsistema institucional das organizações cabendo-lhe o papel fundamental de cuidar dos relacionamentos públi-cos dos agrupamentos sociais que podem ser configurados a partir de diferentes tipologias e características estruturais. Envolvendo das orga-nizações públicas às empresas privadas e aos segmentos organizados da sociedade civil. (p.54)

A interface entre os dois campos, diferentemente do que ocorre em outros países, é uma característica brasileira, pois aqui seus objetos teórico-empíricos se conectam, tanto nas práticas profissionais quanto na institucionalização aca-dêmica. Nos Programas de Pós-Graduação e nos cursos de graduação existem e coexistem aproximações, diferenciações, interconexões e, sobretudo, é fomenta-do o diálogo entre as duas áreas em um contexto cada vez mais complexo.

Este texto de Kusnch capitaneia os números 10 e 11 de 2009, edição espe-cial da revista Organicom, composta por artigos sintéticos, porém teoricamente densos, sobre as relações entre comunicação organizacional e relações públicas, que traz autores como Maria Helena Weber e Rudimar Baldissera (UFRGS), Claudia Peixoto de Moura e Cleusa Maria Andrade Scroferneker (PUCRS), Marcio Simeone Henriques (UFMG), Ivone Lourdes Oliveira (PUC-Minas), Elizabeth Saad Corrêa, Maria Aparecida Ferrari, Paulo Nassar e Sidnéia Gomes

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Freitas (USP), Wilson da Costa Bueno (UMESP), Luiz Carlos Iasbeck e João José Azevedo Curvello (UCB), Adriana Machado Casali, Celsi Brönstrup Sil-vestrin e Waldyr Gutierrez Fortes (UFPR), Marcio Simeone Henriques e Maria do Carmo Reis (UFMG), Fabianna Pereira Bluhm Alves e Sebastião Amoêdo (UFRJ), Valéria de Siqueira Lopes e Guilherme Grandi (Cásper Líbero e USP), Eugenia Mariano da Rocha Barichello (UFSM) e Daiana Stasiak (UFG).

Representam 13 instituições que possuem Programas de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) reconhecidos pela CAPES e, em suas linhas e grupos de pesquisa, contemplam o estudo das práticas dos campos de comunicação organizacional e de relações públicas, contribuindo para o seu desenvolvimento teórico-metodológico, numa pujante demonstração da institucionalização aca-dêmica da área.

Ao finalizar ressalto a capacidade analítica e a liderança de Margarida Kuns-ch, organizadora dos campos de comunicação organizacional e de relações pú-blicas, áreas que se interconectam e se complementam. Ela conhece o trabalho dos pesquisadores e os põe a dialogar, em uma incansável labuta que acompa-nho, com muita admiração, há mais de duas décadas.

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Produção bibliográfica1

Livros publicados/organizados ou edições

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). La comunicación en Iberoamérica: políticas científicas y tecnológicas, posgrado y difusión de conocimiento. 1. ed. Quito - Equador: Editorial Quipus, 2013. v. 1. 428p.

KUNSCH, Margarida M. K.; MARQUES DE MELO, J. (Orgs.). Comunicação ibero-americana: sistemas midiá-ticos, diversidade cultural, pesquisa e pós-graduação. 1. ed. São Paulo, SP: ECA-USP, 2012. v. 1. 494p.

QUEIROZ, A.; KUNSCH, Margarida M. K. (Orgs.). Gau-dêncio Torquato. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2012. v. 1. 275p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação públi-ca, sociedade e cidadania. 1. ed. São Caetano do Sul, SC: Difusão Editora, 2011. v. 1. 293p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). A comunicação como fator de humanização das organizações. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2010. v. 1. 253p.

1. Fonte: currículo Lattes de Margarida Maria Krohling Kunsch, consultado em jun.2014.

1.1KUNSCH

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78 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Relações públicas: história, teorias e estratégias nas organizações contemporâneas. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2009. v. 1. 512p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional - Vol. 1 - Histórico, fundamentos e processos. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2009. v. 1. 408p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional - Vol. 2 - Lin-guagem, gestão e perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2009. v. 1. 376p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). A comunicação na gestão da sustenta-bilidade das organizações. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2009. v. 1. 263p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional e relações públicas: campos acadêmicos e aplicados de perspectivas múltiplas. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2009. v. 1. 352p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Gestão estratégica em comunicação or-ganizacional e relações públicas. 2. ed. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2009. v. 1. 310p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2008. v. 1. 308p.

KUNSCH, Margarida M. K.; KUNSCH, W. L. (Orgs.). Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora. 1. ed. São Paulo, SP: Summus Editorial, 2007. v. 1. 372p.

KUNSCH, Margarida M. K; ALFONSO, A.; SAINTOUT, F. (Orgs.). 70 años de periodismo y comunicación en América Latina: memoria y perspectivas. 1. ed. La Plata - Argentina: Universidad Nacional de la Plata, 2007. v. 1. 345p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Ensino de comunicação: qualidade na formação acadêmico-profissional. 1. ed. São Paulo, SP: ECA-USP / INTER-COM, 2007. v. 1. 213p.

KUNSCH, Margarida M. K. Relações públicas e modernidade: novos para-digmas na comunicação organizacional. 4. ed. São Paulo, SP: Summus Edito-rial, 2006. v. 1. 158p.

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79Margarida Maria Krohling Kunsch

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Obtendo resultados com relações públicas. 2. ed. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning, 2006. v. 1. 275p.

KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de relações públicas na comuni-cação integrada. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2003. v. 1. 424p.

KUNSCH, Margarida M. K.; LOZA, I. S.; TORRICO VILLANUEVA, E. (Orgs.). Ciencias de la comunicación y sociedad: un diálogo para la era digi-tal. 1. ed. Santa Cruz de la Sierra: UPSA / Alaic, 2003. v. 01. 184p.

KUNSCH, Margarida M. K.; FISCHMANN, R. (Orgs.). Mídia e tolerância: construindo caminhos de liberdade. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2002. 184p.

KUNSCH, Margarida M. K.; LEDO ANDIÓN, M. (Orgs.). Comunicación audiovisual: investigación e formación universitarias. 1. ed. Santiago de Com-postela: Universidad de Santiago de Compostela, 1999. v. 1. 487p.

KUNSCH, Margarida M. K.; TORQUATO, G.; SALLES, M.; PERISCI-NOTTO, A. Estudos Aberje - 1. São Paulo, SP: Associação Brasileira de Co-municação Empresarial (Aberje), 1998. v. 1. 80p.

KUNSCH, Margarida M. K.; DENCKER, A. F. M. (Orgs.). Produção cien-tífica brasileira em comunicação na década de 1980: análises, tendências, perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Edicon / INTERCOM, 1997. v. 1. 382p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Obtendo resultados com relações públi-cas. 1. ed. São Paulo, SP: Pioneira, 1997. v. 1. 247p.

KUNSCH, Margarida M. K. Relações públicas e modernidade: novos para-digmas na comunicação organizacional. 1. ed. São Paulo, SP: Summus Edito-rial, 1997. v. 1. 156p.

KUNSCH, Margarida M. K.; DENCKER, A. F. M. (Orgs.). Comunicação e meio ambiente. 1. ed. São Bernardo do Campo, SP: INTERCOM / Editora Metodista, 1996. v. 1. 218p.

KUNSCH, Margarida M. K.; MIGNOT-LEFEBVRE, Y.; BOLAÑO, C. (Orgs.). Os processos de globalização e mundialização: tecnologias, estra-tégias e conteúdo. 1. ed. Aracaju, SE: INTERCOM / Sfsic / UFS, 1995. v. 1. 316p.

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80 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

KUNSCH, Margarida M. K.; PERUZZO, C. M. K. (Orgs.). Transformações da comunicação: ética e técnicas. 1. ed. Vitória, ES: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1995. v. 1. 161p.

KUNSCH, Margarida M. K.; MIGNOT-LEFEBVRE, Y. (Orgs.). France--Brésil: recherches récentes en sciences de la communication / França-Brasil: pesquisas recentes em ciências de comunicação. 1. ed. Créteil - França: Sfsic / INTERCOM / Université Paris XII, 1994. v. 1. 160p.

KUNSCH, Margarida M. K.; BRAGA, G. M. (Orgs.). Comunicação rural: discurso e prática. 1. ed. Viçosa, MG: Editora da Universidade Federal de Vi-çosa, 1993. v. 1. 173p

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Indústrias culturais e os desafios da integração latino-americana. 1. ed. São Paulo, SP: INTERCOM, 1993. v. 1. 163p.

KUNSCH, Margarida M. K. Universidade e comunicação na edificação da sociedade. 1. ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1992. v. 1. 196p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). O ensino da comunicação: análises, ten-dências e perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Abecom / ECA-USP / Felafacs, 1992. v. 1. 228p.

KUNSCH, Margarida M. K.; MORALES, O. T. (Orgs.). Alaic-92: o congres-so de Embu-Guaçu. 1. ed. São Paulo, SP: ECA-USP, 1992. v. 1. 48p.

KUNSCH, Margarida M. K.; MARQUES DE MELO, J. (Orgs.). Sumários do I Congresso da Alaic. São Paulo, SP: Alaic / ECA-USP, 1992. v. 1. 110p.

KUNSCH, Margarida M. K.; FERNANDES, F. A. (Orgs.). Comunicação, democracia e cultura. 1. ed. São Paulo, SP: Ediçoes Loyola, 1989. v. 1. 140p.

KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação e educação: caminhos cruzados. 1. ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1986. v. 1. 504p.

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CICILIA MARIA KROHLING PERUZZO

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82 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Contribuições teóricas e empíricas para um novo pensamento comunicacional alternativo, comunitário e popular

Orlando Maurício de Carvalho Berti1

Breve Perfil de Cicilia Peruzzo

Cicilia Maria Krohling Peruzzo, ou Cicilia Peruzzo como é reconhecida internacionalmente, nasceu no dia 6 de junho de 1950 na cidade de Domingos Martins, interior do estado do Espírito Santo, bem próximo da capital capixaba, Vitória. Ela é uma das filhas mais novas de João Pedro Krohling e Maria Margarida Thomaz Krohling. Cicilia Peruzzo passou a infância na localidade rural de Rio da Prata, em Guarapari (ES), também nas proximidades da capital Vitória, numa fa-mília de muitos irmãos. No início da adolescência retornou a Domingos Martins para realizar estudos primários. Depois passou temporadas de estudo nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e Vila Velha (ES). Fez o Ensino Médio em São Paulo

1. Doutor e mestre em Comunicação Social pela UMESP – Universi-dade Metodista de São Paulo (em São Bernardo do Campo – SP). Foi bolsista da FAPEPI – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí. Em ambos os trabalhos de Pós-graduação Stricto Sensu foi orientado pela professora Cicilia Peruzzo. Fez estágio doutoral na Universidad de Málaga (em Málaga, Espanha). Professor, pesqui-sador e extensionista da UESPI – Universidade Estadual do Piauí (campus de Teresina – PI). E-mail: [email protected]

2.1PERUZZO

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(SP) onde fixou residência para também trabalhar. A ida para a maior cidade do Brasil ocorreu por conta das perspectivas profissionais e educacionais que no Espírito Santo estavam escassas.

Foi na capital paulista que a jovem Cicilia Peruzzo começou a enveredar pela área dos estudos superiores comunicacionais, graduando-se em 1977 no curso de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas – na Universidade Anhembi-Morumbi.

A entrada de Cicilia Peruzzo no mundo da Comunicação Social foi meio por uma coincidência do destino.

Ela relata2 que ao decidir fazer um curso superior não tinha muita certeza de qual área seguir. Cicilia Peruzzo contou que gostaria de fazer um curso que não precisasse muito de Matemática (área geralmente não muito simpática aos que trilham o caminho das Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas). Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas –, nesse primeiro mo-mento de buscas acadêmicas, foi o curso que mais coincidiu com o que a então estudante secundarista Cicilia Peruzzo queria naquela fase da vida.

A professora diz ainda que a escolha pelo curso de Relações Públicas não foi por influência de sua irmã, a professora Margarida Maria Krohling Kunsch (atualmente um dos maiores nomes acadêmicos da área na América Latina, professora e pesquisadora da USP – Universidade de São Paulo), mas sim por uma coincidência do destino.

Cicilia Peruzzo e Margarida Kunsh foram contemporâneas de curso de Rela-ções Públicas na Universidade Anhembi Morumbi (na capital paulista) e trilha-ram caminhos parecidos no sentido de estudos da área (principalmente na pri-meira década de carreira acadêmica da professora Peruzzo). As irmãs Krohling tiveram e têm vivências de graduação e pós-graduação Stricto Sensu em Comu-nicação Social e na militância acadêmica na área comunicacional na Améri-ca Latina. As duas destacadas irmãs-docentes-pesquisadoras-relações públicas ainda são conhecidas internacionalmente pela liderança, criação e protagonis-mo de grupos de pesquisa da INTERCOM3 – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – e da Alaic4 – Asociación Latinoamericana

2. Entrevista concedida originalmente ao autor deste texto em 29 de setembro de 2010, com atualizações sistemáticas entre os anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 entre várias conversas em congressos, orientações de Doutorado e discussões acadêmicas.

3. www.intercom.org.br

4. www.alaic.net

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de Investigadores de la Comunicación (Associação Latino Americana de Pesqui-sadores da Comunicação) e na Compós5 – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. As duas também foram presidentes da IN-TERCOM (que é uma das maiores sociedades científicas de Comunicação do Mundo). Cicilia Peruzzo comandou a entidade entre 1999 e 2002 e Margarida Kunsh comandou em dois períodos: entre 1987 e 1989 e 1991 e 1993.

A formação superior de relações públicas, iniciada meio por acaso, começou a apaixonar a professora Cicilia nos seus primeiros meses de vida acadêmica quando a mesma começou a observar os processos de comunicação na empresa Eli Lilly do Brasil, onde trabalhava. Naquela empresa viu que poderia contri-buir com novas perspectivas críticas relacionando pressupostos teóricos das re-lações públicas com sua prática numa grande empresa multinacional. Somente após essa aproximação é que a atuação na Academia interessou a professora, que antes tinha ambições profissionais de trilhar uma carreira de mercado, apesar das vocações sociais.

O início da carreira acadêmica (docência e pesquisa) se deu por influência do esposo da professora, o sociólogo Dilvo Peruzzo (com quem casou no meio da década de 1970). O professor Dilvo Peruzzo obteve aprovação em concurso para docência na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), forçando o casal a se mudar e ter uma nova vida na capital capixaba.

O casamento com um docente e a volta ao Espírito Santo instigaram a pro-fessora Cicilia Peruzzo a fazer concurso para ministrar aulas na UFES, logrando aprovação. Em março de 1978 a professora iniciava sua carreira como docente de ensino superior.

Das primeiras aulas no curso de Comunicação Social da UFES nascia uma das figuras acadêmicas mais respeitadas atualmente na área de Comunicação do Brasil e uma das responsáveis por mudar a área de Comunicação Comunitária na América Latina. As mudanças são dadas não só por uma professora que tem bons e importantes escritos, mas por uma educadora com ampla noção do papel social do pesquisador. Essa última qualidade é o grande diferencial da professora Cicilia Peruzzo frente a todas e todos os outros docentes que atuam na área da pesquisa em Comunicação Social.

Cicilia Peruzzo é mãe de três filhos: Janaína, Ernani e Maíra, e desde julho de 2010 é avó de Luca, nascido no Canadá. A maternidade teve início pratica-mente ao mesmo tempo que as primeiras aulas de ensino superior na UFES e no início do seu mestrado. A nova fase do ciclo de avó coincide com a finaliza-

5. www.compos.org.br

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ção de sua última grande conquista acadêmica: o pós-doutorado – terminado no ano de 2009 na UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México, na Cidade do México (capital mexicana) em que foi aluna do professor Jorge González Sanches.

A Entrada na Vida Acadêmica

Início dos estudos sistematizados na área da Comunicação Social até o protagonismo como orientadora de dissertações e teses e escritora de trabalhos emblemáticos na área

Em março de 1978 Cicilia Peruzzo iniciou sua carreira na docência de ensi-no superior como professora da UFES – Universidade Federal do Espírito Santo – em Vitória, capital capixaba. Iniciava também sua carreira como pesquisadora acadêmica.

Até hoje a professora Peruzzo é lembrada como uma docente comprometi-da, dedicada e socialmente ativa. Vários de seus projetos em comunidades da Grande Vitória ainda rendem bons frutos e trazem discussões sociais e ações acadêmicas, principalmente no campo da extensão universitária.

A docente começou a atuar em cursos de Comunicação Social ministran-do as disciplinas “Pesquisa de Opinião e Pesquisa Mercadológica” e “Relações Públicas” para alunos do curso de Comunicação Social – habilitação em Jorna-lismo. Com o passar do tempo assumiu disciplinas como “Comunicação Co-munitária”, “Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação”, “Mídia Local e Regional” e “Comunicação e Comunidade”, depois voltando estudos para áreas afins dessas disciplinas. Essas subáreas dos estudos comunicacionais terminaram acompanhando a professora até a sua fase de docente em programa de Mestrado e Doutorado em Comunicação Social.

A necessidade de uma qualificação maior e, principalmente, vislumbrar no-vas perspectivas acadêmicas e sociais, via pós-graduação Stricto Sensu (mestra-do), levou a professora Cicilia Peruzzo a ingressar no ano de 1979 na primeira turma de mestrado em Comunicação do então IMS – Instituto Metodista de Ensino Superior (hoje UMESP – Universidade Metodista de São Paulo).

No final da década de 1970 do Século passado o inovador programa de mestrado em Comunicação do IMS era apenas um dos quatro programas de pós-graduação em Comunicação do País. Funcionava na região metropolitana de São Paulo conhecida por ABCD, em São Bernardo do Campo – SP, berço das lutas operárias e sindicais do Brasil. Um dos nomes do Mestrado em Co-

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86 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

municação do então IMS era o professor José Marques de Melo, já à época conhecido por ser uma sumidade no campo científico comunicacional e que se firmava como um dos maiores articuladores latino-americanos na área de Comunicação Social.

A possibilidade de ingressar em uma pós-graduação Stricto Sensu foi dada pelo interesse pessoal de qualificação, já que havia ingressado na carreira docen-te, e também pela coincidência do esposo da professora fazer o doutorado na mesma época em São Paulo (SP). Os dois mudaram de Vitória para a capital paulista no intuito de viabilizar o prosseguimento dos estudos.

Cicilia Peruzzo foi a primeira aluna do curso do Mestrado de Comunicação do Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS) a apresentar dissertação, ge-rando sua primeira contribuição à Comunicação em sentido nacional e iniciais reflexões ao Pensamento Comunicacional Latino Americano.

Vindo de Vitória (ES), onde atuava como professora do Curso de Co-municação Social da UFES – Universidade Federal do Espírito Santo, a entrada no mestrado significou um desafio especial: deixar para trás uma vida arrumadinha, para cursar uma pós-graduação, numa época em que a titulação não significava promoção nem aumento de salário nas uni-versidades federais do País e trocar uma cidade pacata e praiana por São Paulo, que dispensa adjetivos (PERUZZO, 2003, p. 23).

A revista científica Comunicação & Sociedade, edição número 07, destaca que a primeira defesa de mestrado em Comunicação Social do Instituto Meto-dista de Ensino Superior ocorreu no dia 15 de dezembro de 1981. Cicilia Peru-zzo trazia o trabalho Relações Públicas no Modo de Produção Capitalista, da área de concentração em Metodologia da Comunicação. O trabalho foi aprovado com conceito máximo. A banca examinadora foi constituída pelos professores doutores José Marques de Melo (orientador), Onésimo de Oliveira Cardoso, ambos do Centro de Pós-Graduação do IMS/UMESP, e José J. Queiroz, da PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A professora destaca a importância da pós-graduação em Comunicação So-cial e ainda o fato de ser incentivadora da qualificação acadêmica:

Cursar uma pós-graduação naquela época representou o contato com o novo, ou seja, com as teorias e metodologias explicativas das estruturas e da dinâmica da sociedade, além dos processos de pesquisa. Significou, ainda, a possibilidade de tentar entender a realidade e o movimento da sociedade, relacionando prática e teoria. Se saliento essa passagem é por-

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87Cicilia Maria Krohling Peruzzo

que quero chamar a atenção para sua importância também no contexto atual do ensino pós-graduado (PERUZZO, 2003, p. 31).

O trabalho de mestrado teve tão boa qualidade e foi considerado tão ousado que meses depois foi publicado em forma de livro. Até hoje, passados mais de 30 anos, o livro ainda é reeditado pela editora Summus (conhecida publicadora de livros da área de Comunicação Social – sediada em São Paulo) e é considera-do mais do que básico na área dos estudos de Relações Públicas.

Segundo também foi publicado na revista Comunicação & Sociedade, núme-ro 07, o trabalho da professora Cicilia Perruzo foi considerado

um estudo pioneiro, que introduz o método dialético na compreensão das Relações Públicas e procura avançar na análise das práticas comu-nicativas que lhe são peculiares, como produtos simbólicos onde trans-parece o conflito entre as classes sociais na sociedade burguesa. [...] Por ser um trabalho original, a tese foi aceita para publicação sob a forma de livro pela Cortez Editora, que fez o lançamento em março de 1982 (COMUNICAÇÃO & SOCIEDADE, 1982, p. 175).

Esse trabalho foi bem crítico para a época, principalmente porque o Brasil ainda passava por um período de redemocratização após os traumas da ditadura civil-militar, saindo de quase duas décadas de domínio ditatorial, com censura e repressão a ideias mais socializantes.

Anos depois a professora Cicilia Peruzzo tomou conhecimento que chegou a ser cogitado de ser denunciada ao Conselho de Ética do Conselho Regional de Relações Públicas (CONRERP)6, pelos questionamentos feitos por ela na dissertação. As reações contra o trabalho teriam ocorrido porque a professora questionava e desvendava o papel das relações públicas no sistema capitalista.

Atualmente discussões do tipo são plenamente aceitas e até tidas como maioria, por reconhecer o status do capitalismo e suas perspectivas do lucro e suas tentativas de manipulação e influência dos meios de Comunicação Social.

A professora relatou que após a defesa da dissertação prontamente recebeu convite para publicar o trabalho. Um representante da editora tinha sido convi-dado pelo orientador José Marques de Melo para analisar o trabalho. Até hoje o livro oriundo da dissertação da professora Cicilia Peruzzo é estudado na maioria

6. Entrevista concedida ao autor deste trabalho em 29 de setembro de 2010 e dados re-compilados em entrevistas e conversas posteriores entre 2011, 2012, 2013 e 2014.

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88 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

dos cursos de Relações Públicas do Brasil e é basilar em boa parte das ementas de disciplinas.

Após o mestrado, a professora retornou para o Espírito Santo para continu-ar suas atividades docentes na UFES, ampliando seus horizontes acadêmicos, principalmente para uma visão mais socializante, necessária e reflexiva do papel da Comunicação Social.

Procurando ainda mais ampliar seus conhecimentos, em março de 1987 ingressou no programa de doutorado da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP – Universidade de São Paulo. Durante quase todo o tempo de douto-rado alternou viagens rodoviárias entre São Paulo (SP) e Vitória (ES), além do ofício de ser esposa e mãe de três filhos pequenos.

Em dezembro de 1991 defendeu sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) com o título A Participação na Comunicação Popular, orienta-da pela professora Anamaria Fadul.

Este trabalho acadêmico, pelo caráter inovador e discursivo (assim como ocorreu na dissertação da professora Cicilia Peruzzo), rendeu o livro: Comuni-cação nos Movimentos Populares – a Participação na Construção da Cidadania, publicado pela editora Vozes em 1998. O livro já teve várias tiragens e também é um clássico na área de Comunicação Social no Brasil. Essa é uma das obras base para estudos de comunicação popular, alternativa e comunitária no Brasil e adotada em praticamente todos os cursos de Comunicação Social brasileiros em que se estuda comunicação popular, alternativa e comunitária.

A professora Cicilia Peruzzo se aposentou da Universidade Federal do Espíri-to Santo em 1997. Entre aquele ano e 1998 foi convidada a lecionar disciplinas ligadas à Comunicação Comunitária e à Comunicação e Educação na FAESA – Faculdades Integradas São Pedro, mantida pela Associação Educacional de Vitória – AEV, também na capital do Espírito Santo. Assim como na UFES, realizou vários trabalhos de extensão e pesquisa envolvendo comunidades da grande Vitória e deixando uma herança de bons trabalhos e muita ação social comunicacional.

Meses depois retornou a São Paulo para fixar residência e encarar até en-tão seu maior desafio acadêmico: trabalhar em um programa de pós-graduação Stricto Sensu, nível de Mestrado. E não era qualquer mestrado, era justamente o lugar em que havia sido a primeira aluna do Programa de Pós-graduação. Ini-ciou essa nova fase coordenando o mestrado interinstitucional que a Metodista desenvolveu com Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

No segundo semestre de 2009 a professora Cicilia Peruzzo concluiu seu pós--doutorado na UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México – (na

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cidade do México, México) com trabalho de atividade livre de pesquisa em parceria com o Labcomplex – Laboratorio de Investigación y Comunicación Com-pleja – da própria UNAM.

O trabalho de pós-doutoramento teve colaboração do catedrático mexicano Jorge A. González Sanches, um dos maiores nomes de Comunicação Social da América Latina. Cicilia Peruzzo fez pesquisas de campo no interior e na capital do México, lincando essa pesquisa com a Cibercultur@ e suas relações com a comunicação popular e comunitária no Brasil.

Vivências na pós-graduação Stricto Sensu em Comunicação Social

Em 17 de abril de 1998, Cicilia Peruzzo começou a integrar o quadro do-cente da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo (em São Bernardo do Campo – SP) uma das instituições que deu berço à formação acadêmica dos líderes populares e sindicais da região do ABCD Paulista (área fabril e principal lugar das lutas do então sindicalista Luís Inácio Lula da Silva).

Foi a partir de seu ingresso como docente na UMESP, ou Metodista, que a professora Cicilia Peruzzo aumentou seu reconhecimento nacional e interna-cional, principalmente por dar os primeiros passos para sublinha de pesquisa Comunicação Comunitária e Local, no Mestrado e Doutorado em Comuni-cação Social. A mesma universidade já tinha uma sublinha de pesquisa na área de Comunicação Alternativa, fortalecida pelos estudos e vivências trazidas pela sublinha inaugurada pela professora Cicilia Peruzzo e seus respectivos discípu-los, muitos deles vindos de outras regiões do País e até de outros continentes.

A entrada da professora Cicilia Peruzzo no Póscom da UMESP ocorreu, principalmente, para coordenar um mestrado interinstitucional em Comunica-ção daquela IES com a UPF (Universidade de Passo Fundo – no Rio Grande do Sul), como mencionado anteriormente. Durante dois anos a professora Peruzzo percorreu, ao menos uma vez por mês, o trajeto São Bernardo do Campo – Pas-so Fundo.

Em 17 de dezembro de 19967 Cicilia participou de sua primeira banca de mestrado, como convidada externa, no curso de Pós-graduação da UMESP ava-liando o trabalho: A Importância da Assessoria de Comunicação Social no Hospital Universitário Público – Proposta para uma comunicação integrativa, de Luiz Al-berto Malta de Barros.

7. Informações do sítio do Programa de Pós-Graduação da UMESP: http://www.metodis-ta.br/poscom.

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Já sua primeira banca como membro da UMESP ocorreu em 05 de abril de 1999. Sua banca de estreia como orientadora de mestrado ocorreu em 04 de agosto de 1999 com a dissertação: Vídeo Pastoral e Gêneros Comunicacionais: Estudo Com-parativo Entre as Produtoras Verbo Filmes e Paulinas Vídeo, de August Alfons Duka.

A primeira banca de doutorado8 a participar na UMESP foi em 19 de março de 2002, onde avaliou a tese: Comunicação e Mobilização Social: a Agenda 21 de Vitória – ES, de Desirée Cipriano Rabelo.

Sua primeira tese orientada foi defendida em 13 de dezembro de 2002, quando Adriana Azevedo Paes de Barros, se tornou doutora com o trabalho: O Projeto Rádio-Escola: a Rádio Comunitária Irradiando Cidadania.

Em 1999 a professora passou a coordenar a sublinha de pesquisa no Progra-ma de Pós-Graduação na UMESP, denominada Mídia Local e Comunitária, já tendo orientado até o meio do primeiro semestre de 20149: 40 dissertações (trabalhos de Mestrado) e 15 teses (trabalhos de Doutorado).

Como professora do Póscom (Programa de Pós-Graduação em Comunica-ção) da Metodista ministra as disciplinas10 “Metodologia da Pesquisa em Co-municação” para o Mestrado (sendo responsável pela formação metodológica dos mestrandos do Programa); “Comunicação e Comunidade”; “Mídia Local, Regional e Comunitária”.

A professora também colabora academicamente ministrando aulas e coorde-nando trabalhos de conclusão de cursos e pesquisas no curso de graduação de Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo (um dos melhores do País), bem como nos cursos de Publicidade e de Rádio e Televisão.

É constantemente vista nos corredores e outros espaços sociais, sempre sor-ridente, sempre aberta a ouvir e nunca de cara fechada.

A presidência da mais importante instituição acadêmica de Co-municação do País – outro divisor de águas

A professora Cicilia Peruzzo foi a oitava pessoa a ocupar a presidência da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comu-

8. Informações do sitio do Programa de Pós-Graduação da UMESP: http://www.metodis-ta.br/poscom.

9. Dados constantes até 20 de maio de 2014 através do Currículo na Plataforma Lattes da professora Cicilia Peruzzo. Endereço: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visuali-zacv.jsp?id=K4787837E2

10. Segundo Currículo Lattes da professora. Disponível em: www.cnpq.br

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91Cicilia Maria Krohling Peruzzo

nicação11 –, uma das mais atuantes e maiores instituições científicas do Mundo em termos de congregação de pesquisadores em Comunicação e também de incentivo à produção científica reflexiva.

A INTERCOM está sediada na capital paulista e desde 2007 funciona em sede própria. Ela é

uma instituição sem fins lucrativos, destinada ao fomento e à troca de co-nhecimento entre pesquisadores e profissionais atuantes no mercado. A entidade estimula o desenvolvimento de produção científica não apenas entre mestres e doutores, como também entre alunos e recém-graduados em Comunicação, oferecendo prêmios como forma de reconhecimento aos que se destacam nos eventos promovidos pela entidade. Fundada no dia 12 de dezembro de 1977 em São Paulo, a Intercom preocupa-se com o compartilhamento de pesquisas e informações de forma interdiscipli-nar. Além de encontros periódicos e simpósios, a instituição promove um Congresso Nacional – evento de maior prestígio na área de pesquisa em Comunicação [...] entre pesquisadores e estudantes do Brasil e do exterior. [...] A instituição ainda é responsável pelo lançamento de livros e revistas especializados em Comunicação, além da busca por parcerias com entidades de mesmo objetivo, institutos e órgãos de incentivo à pesquisa brasileiros e estrangeiros (INTERCOM, 2010, p.01).

O cargo de presidenta da INTERCOM foi ocupado pela professora Cicilia Peruzzo entre setembro de 1999 e setembro de 2002. Entre 1993 e 1995 ela foi vice-presidenta da instituição, na gestão do professor Adolpho Queiroz.

A gestão da professora Cicilia Peruzzo na presidência da INTERCOM des-tacou-se pela interdisciplinaridade, pluralidade e democracia.

Em termos de gestão o trabalho da professora é autoavaliado, de acordo com Moreira e Peruzzo (2002, p. 117-119), como atuante: no fortalecimento da pesquisa, no campo do ensino, no campo das políticas públicas comuni-cacionais, das relações internacionais com associações congêneres ou afins, do

11. Antes da professora Cicilia Peruzzo também foram presidentes da Intercom os pesqui-sadores: José Marques de Melo (1977-1983), durante três mandatos; Anamaria Fadul (1983-1985); Gaudêncio Torquato (1985-1987); Margarida Maria Krohling Kunsh (1987-1989 e 1991-1993); Manuel Carlos da Conceição Chaparro (1989-1991); Adolpho Carlos Françoso Queiroz (1993-1995); Maria Immacolata Vassallo Lopes (1995-1997); José Salvador Faro (1997-1999) (MOREIRA; PERUZZO, 2002, p. 21).

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92 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Portcom – Portal de Livre Acesso à Produção em Ciências da Comunicação, da digitalização e disponibilização em rede de produção científica acumulada da INTERCOM, publicações impressas e em CD-ROM, realização de congressos anuais e simpósios regionais de pesquisa, relacionamento com organizações pú-blicas, serviços aos sócios e gerenciamento.

A professora Cicilia Peruzzo destaca, no Relatório da Gestão da INTER-COM (2002), que durante seu mandato ocorreram ações em três grandes eixos: o fortalecimento das atividades na esfera nacional, o fortalecimento das ativida-des na esfera internacional e o fortalecimento da própria INTERCOM.

Segundo Vanessa Portes (2005, p.01), a professora Cicilia Peruzzo destacou que os aspectos negativos de sua gestão na INTERCOM possam ser identi-ficados no que se refere à falta de interesse dos associados em participar mais ativamente da vida da entidade.

Na entrevista, a professora fez uma avaliação da gestão dizendo notar-se participação sempre aquém do esperado, por exemplo, na escolha dos temas dos congressos, nas votações quando das eleições da diretoria, na aquisição das publicações da INTERCOM e no pagamento da anuidade. Já nos eventos da INTERCOM, a participação dos sócios foi imensa.

Cicilia Peruzzo ainda hoje tem forte e destacada ligação com a INTERCOM, sendo membro do Conselho da entidade e editora responsável pelo principal pe-riódico científico da instituição, a Revista da INTERCOM, uma das publicações científicas na área de Comunicação no Brasil mais acessadas e respeitadas.

Outro ponto forte na participação da presidência e diretorias da INTER-COM foi o incentivo à publicações, fato que fortalece o tom de socialização da fortuna comunicacional deixada pela professora Cicilia Peruzzo entre escritos publicados em jornais, revistas científicas e artigos em anais dos eventos promo-vidos pela entidade.

A Fortuna Crítica de Cicilia Peruzzo

Contribuições ao pensamento comunicacional brasileiro e mundial – obras e atuações políticas e sociais

A professora Cicilia Peruzzo academicamente caracteriza-se e destaca-se no campo da comunicação social brasileira em três grandes aspectos: como educa-dora, como militante e como exemplo de pesquisadora a ser seguido.

Quem não a conhece poder achá-la fechada, mas é pura timidez. Justamen-te por ser tão tímida e exemplo de simplicidade, prefere não chamar atenção,

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93Cicilia Maria Krohling Peruzzo

mesmo quando é a estrela principal de um evento ou de alguma fala. É uma po-tência em conhecimento e sempre está disposta a ajudar. Essa é Cicilia Peruzzo que, antes de ser um grande nome, é um grande ser humano, super-exemplo acadêmico. São esses pontos que constroem o que há de mais precioso na For-tuna Acadêmica dela.

Como educadora ela não se preocupa apenas em lecionar, em passar assun-tos. Mesmo tendo um conhecimento privilegiado e uma visão de mundo ex-tremamente aguçada. Não usa esses conhecimentos especiais em prol da e com arrogância, mas sim, em prol de mais simplicidade acadêmica, o que a torna tão aprendiz quanto seus milhares de aprendizes.

O papel de educadora também é válido na forma de acompanhar seus orien-tandos. Não os têm como escravos, não os obriga a nada e muito menos os trata com arrogância. Os orientandos são quase filhos, mas não filhos de uma mãe-acadêmica permissiva, mas de uma mãe que sabe acolher nos momentos certos e que, até nas horas de broncas e de irresponsabilidades dos orientandos e aprendizes, sabe ser simples, educada e motivadora.

Como militante destaca-se por não querer só ficar em salas teorizando ou apenas ligada a uma teoria muitas vezes sem nexo. Vai a campo, faz questão de estar junto com o que chama de sujeitos-objeto. Não dispensa convites para ir aos lugares mais complicados.

Assim como já relatado em textos anteriores, nos chamou muito atenção os dois convites que fizemos à professora Cicilia para conhecer o Sertão do Piauí (ambos foram aceitos).

Mesmo enfrentando temperaturas de quase 50 graus e viajando desconfor-tavelmente, aceitou viagens de milhares de quilômetros, justamente para estar a par de uma sociedade tão pouco estudada ou tida sempre como coitados pela maioria dos que fazem a Academia. Como militante procura também acom-panhar de perto os movimentos sociais e entender, em sua essência, através do estar no campo, as faces e interfaces desses seres sociais.

E como exemplo de pesquisadora, procura enveredar pelo lado teórico da Comunicação, compartilhando novas teorias, novas leituras. Na parte do en-tendimento do campo e das interfaces é líder de um dos mais socializantes grupos de pesquisa em Comunicação do País, o Comuni – Núcleo de Estudos em Comunicação Comunitária e Local – veiculado à Universidade Metodista de São Paulo, que tende a montar uma verdadeira comunidade emergente de investigação, com compartilhamento e vivência coletiva de projetos em prol de uma comunicação socializante.

Em 2014 o Encontro Nacional de Comunicação Comunitária, organizado pelos membros do Comuni, completou dez anos de existência.

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94 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

A professora relata que vê a comunicação comunitária com uma série de dilemas muito interessantes, principalmente na perspectiva dos processos participativos com dinâmicas comunitárias e as redes. O avanço tecnológico e as possibilidades de inten-sificação nas redes podem trazer consequências positivas para a comunicação comu-nitária. Mas, a professora alerta: não estar somente na rede, mas participar do local!

No desafio da dimensão teórica da participação nos movimentos populares, pois a participação pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.

A professora Cicilia Peruzzo tem suas ideias transpassadas do ambiente brasi-leiro e latino-americano, sendo estudado também em universidades dos Estados Unidos, Canadá e Europa.

Duas grandes importantes obras internacionais que refletem comunicação e participação citam Cicilia Peruzzo com destaque e instigam a autora como um nome que pensa adequadamente as interfaces entre comunicação e participa-ção. Ela é destaque no livro Communication and Human Values – Participatory Communication for Social Change (editado na Índia) em 2006, de Jan Servaes, e no Globalization, Development and the Mass Media, de Colin Sparks (de 2007 e editado em vários países do Mundo).

Recentemente a professora tomou conhecimento que seus textos eram es-tudados em uma universidade na Finlândia. Também foi bem aceito um texto seu (Organizational communication in the third sector: an alternative perspective) publicado no periódico Management Communication Quartely, da Sage12. É uma obra de circulação mundial, distribuída para mais de mil universidades.

Por outro lado, em 2010 a professora Cicilia Peruzzo foi convidada a falar na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal sobre o Canal da Cidada-nia, um sinal de reconhecimento aos seus trabalhos de reflexão sobre televisões comunitárias no Brasil. Foi uma das poucas pessoas ligadas à Academia a ser ouvida para esse tipo de conquista social.

Ela tem outros importantes assentos em entidades ligadas aos movimentos sociais e à comunicação e geralmente é escutada ou é solicitada no sentido de dar opiniões sobre rumos de movimentos sociais e populares na América Latina.

A obra de Cicilia Peruzzo em si. Uma fortuna além de escritos. Uma preciosidade de exemplo de entender o campo

Até o meio do primeiro semestre de 2014 a professora Cicilia Peruzzo tinha publicado 59 artigos completos em periódicos, e escrito e/ou organizado 19

12. Ver: <http://mcq.sagepub.com/cgi/reprint/22/4/663>

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95Cicilia Maria Krohling Peruzzo

livros, alguns deles adotados em boa parte das escolas de Comunicação do País. Além disso, tinha outros quase 70 artigos publicados em livros, muitos deles publicados em outras línguas como o inglês e o espanhol.

TABELA I – LIVROS DE AUTORIA E/OU ORGANIZAÇÃO DA PROFESSORA CICILIA PERUZZO

NOME DO LIVROAUTORIA OU

ORGANIZAÇÃOEDITORA

CIDADE DA EDIÇÃO

ANO DE EDIÇÃO

Community radio stations(Brasil) (seção da Encyclopedia of so-cial moviment media)

Organizadora SagePublications

CalifórniaEstados UnidosLondres

InglaterraNova Déli

Índia

2011

Trazos de una otra comunicación en Amé-rica Latina

OrganizadoraEditorial

Universidad del Norte

Barranquila-Colômbia 2011

Televisão comunitária: dimensão pública e participação cidadã na mídia local

Autoria indivi-dual Mauad Rio de

Janeiro 2007

Vozes cidadãs: aspectos teóricos e análises de experiências de comunicação popular sindical na América Latina

Organizadora Angellara São Paulo 2004

Comunicação nos mo-vimentos populares: a participação na cons-trução da cidadania

Autoria indivi-dual Vozes Petrópolis

2004 (a 3ª

edição)

Relações Públicas no modo de produção capitalista

Autoria indivi-dual Summus São Paulo

2004 (a 4ª

edição)Retrato do Ensino em Comunicação no Brasil

OrganizadoraINTERCOM/

UnitauSão Paulo/

Taubaté 2003

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96 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Comunicação para a cidadania Organizadora INTERCOM/

UNEBSão Paulo/ Salvador 2003

Mídia, regionalismo e cultura Organizadora UMESP /

UPF

São Bernardo do Campo / Passo Fundo

2003

Sociedade da Infor-mação e novas mídias: participação ou exclusão?

Organizadora INTERCOM São Paulo 2002

A Mídia impressa, o livro e as novas tecno-logias

Organizadora UNIDERP / INTERCOM

Campo Grande / São Paulo

2002

Comunicación y mo-vimientos populares: cuales redes?

Organizadora EditoraUnisinos São Leopoldo 2002

Comunicação e Multi-culturalismo Organizadora

INTERCOM / Univer-sidade do Amazonas

São Paulo / Manaus 2001

Comunicação e cultu-ras populares Organizadora

INTERCOM / CNPq / FINEP

São Paulo / Brasília 1995

Transformaçõs da comunicação:ética e técnicas

OrganizadoraINTERCOM

/ FCAA / PMV

Vitória 1995

FONTE: Currículo Lattes da Professora Cicilia M. K. Peruzzo: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787837E2#Livroscapitulos

A professora Cicilia Peruzzo tem forte participação em bancas de mestrado e doutorado nos programas em Comunicação pelo Brasil.

Academicamente transita pelas correntes e ciclos mais paradoxais e “bélicos”, principalmente por seu jeito conciliador e pelo respeito às suas ideias relacio-nadas a Relações Públicas, Comunicação Comunitária, Alternativa e Popular.

É mais que raro algum acadêmico tê-la visto brava ou desconcertada.

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97Cicilia Maria Krohling Peruzzo

Esmiuçamento das Principais Obras de Cicilia Peruzzo

A obra Comunicação nos Movimentos Populares – a Participação na Constru-ção da Cidadania é fruto de uma adaptação da tese: A Participação da Comuni-cação Popular, de autoria da professora Cicilia Peruzzo e apresentada na Escola da Comunicação e Artes da USP – Universidade de São Paulo, em 1991, sob orientação da professora Anamaria Fadul.

O livro13, editado pela editora Vozes (primeiramente em 1998), está em sua quarta edição e até hoje é referência nacional nos quesitos discursivos e inspira-dores comunicacionais sobre: participação popular nos meios de comunicação, comunicação popular, comunicação e cidadania e ainda são reflexivos para as áreas de comunicação comunitária, comunicação e cidadania, instigando tam-bém a área de comunicação alternativa.

O professor Luiz Eduardo Wanderley14, no prefácio da obra, faz as seguintes considerações:

O prisma analítico selecionado – de estudar a participação popular nos processos de produção, planejamento e gestão da comunicação – contri-bui para um conhecimento ampliado da problemática e para um avanço nas questões que a afetam. Ademais, ao centrar seu foco na comunicação no âmbito dos movimentos populares, de atuação reconhecidamente fe-cunda na dinâmica democratizadora latino-americana das últimas déca-das – ainda que se reconheçam os limites de seu raio de ação e uma perda da visibilidade política anterior nos últimos anos –, ela colabora para a compreensão da natureza dos mesmos e para aspectos expressivos de sua constituição e de seu sentido na conjuntura dos anos setenta e oitenta, bem como na década em curso (WANDERLEY, 1998, p. 17).

A professora, comentando sua própria obra, destaca:

Este trabalho versa sobre uma temática que não é muito visível para a sociedade, ao menos para o conjunto da população. É exatamente por

13. Este é uma das 12 obras publicadas e lideradas pela autora. Sendo que dessas obras duas são de autoria individual e outras 10 são organizações, enfatizando as áreas de estudo da professora ou referentes à política de Comunicação na Intercom.

14. Luiz Eduardo Waldemarim Wanderley é livre-docente na área de Sociologia, professor titular e ex-reitor da PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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98 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

isso que achamos importante divulgá-la, pois não se pode negar que a participação popular na comunicação é uma questão da maior relevân-cia, relacionada que está à cidadania ou, melhor dizendo, à ampliação dos direitos dos cidadãos (PERUZZO, 1998, p. 23).

Além dessa obra de maior magnitude no trabalho de Cicilia Peruzzo, ela ainda é reconhecida nacionalmente também pela obra Relações Públicas no Modo de Produção Capitalista (editado pela Summus), que está em sua quarta edição.

Segundo Vanessa Portes (2005, p.01), a professora Cicilia Peruzzo afirma que é sempre um desafio se trabalhar nas áreas de Comunicação Comunitária e Relações Públicas, visto que ambas requerem muito estudo e acompanhamento das suas manifestações na realidade concreta.

A professora da Universidade Metodista de São Paulo ainda afirmou para Vanessa Portes (2005, p.01) que o papel do pesquisador no âmbito da demo-cratização da comunicação massiva é o de desenvolver pesquisas críticas com o objetivo de desvendar os processos de produção de conteúdos que visam, acima de tudo, não o aumento de pontos nas pesquisas de audiência, mas a melhoria da qualidade das mensagens com vistas ao desenvolvimento social.

Cicilia Peruzzo destaca que é também ter a capacidade de apreender e trazer à tona os canais de comunicação alternativos, comprometidos com a informa-ção de interesse público, que não são majoritários e nem têm o alcance da mí-dia comercial no Brasil. Trata-se de um tipo de pesquisa que possibilita captar as inovações e os avanços gerados pelas práticas comunicativas, em que novos emissores passam a ser os protagonistas principais.

A obra da professora Cicilia Peruzzo também abre a possibilidade de regis-trar as insatisfações da sociedade diante das distorções da grande mídia, tanto pela concentração da propriedade, como pelos conteúdos condicionados por interesses mercadológicos e político-ideológicos.

O livro da professora capixaba Comunicação nos Movimentos Populares con-firma como obra importante para os estudos hoje de comunicação comunitária e local na América Latina e é apontado pelo professor José Marques de Melo (2003, p.106) como uma das obras de maior representação no Pensamento Co-municacional Latino-Americano, principalmente porque é uma obra dentre as categorias15 do PCLA de Comunicação Utilitária, com potencialidade política

15. MARQUES DE MELO (2003, p. 95-106) aponta quatro tendências entre as obras do Pensamento Comunicacional Latino-Americano. São elas: Memória Histórica, “com eixo caracterizado pela memória do campo, as fontes existentes são pouco sistemáti-

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99Cicilia Maria Krohling Peruzzo

da mídia no fortalecimento da cidadania e ainda, incentivando a ocorrência de opções coletivistas, valorizando os movimentos sociais.

O professor José Marques de Melo (2003) caracteriza a professora Cicilia Pe-ruzzo, entremeio a pesquisadores como: Erick Torrico, Carmen Gómez Mont, Margarida Kusch, Bárbara Delano e Rossana Reguillo como partícipes do grupo da nova geração (ou quarta-geração), segundo classificação do próprio professor.

É nesse importante depoimento que provamos a inserção das pesquisas de Cicilia Peruzzo nessa região. Mas, como o próprio professor Marques de Melo cobra a socialização das pesquisas e os diálogos, prova-se o intercâmbio do tra-balho da professora com esses autores, sempre buscando em suas pesquisas e obras, principalmente em sua obra mais importante: Comunicação nos Movi-mentos Populares, interação com os membros dessa escola.

Cicilia Peruzzo16 destaca que os autores que mais se identifica são: Karl Marx, Antonio Gramsci, Norberto Bobbio, Bertold Brecht, Martin Buber, Ma-nuel Castells, Cornelius Castroriadis e André Gorz.

Já entre os latino-americanos o pensamento da autora em suas obras está mais consonante com o paraguaio Juan Diaz Bordenave, o uruguaio Mário Ka-plún, o boliviano Luis Ramiro Beltrán, o brasileiro Paulo Freire (de quem foi aluna no doutorado), o brasileiro Pedro Demo, o equatoriano Jorge Merino Utreras, o colombiano Gilberto Gimenez e a brasileira Regina Festa (pesquisa-dora egressa da Pós-Graduação da UMESP).

cas, caracterizando-se muito mais pela natureza exploratória ou documental” (p. 95); Comunicação Bélica, onde o eixo é “amalgamado por estudos que projetam no cená-rio continental o espectro da guerra fria, denotando múltiplas facetas, nem sempre convergentes. O filão mais significativo reproduz na ecologia midiática o paradigma da ‘luta de classes’” (p. 97); Comunicação Utópica, onde tal utopia comunicacional “estriba-se no projeto republicano que, desde os movimentos pela independência (sécu-lo XIX), vem catalisando os corações e mentes das suas vanguardas políticas” (p. 100); Comunicação Utilitária, onde: “a centralidade adquirida pela mídia nas democracias latino-americanas (em construção ou consolidação) vem provocando uma enxurrada de estudos sobre esses novos fenômenos e seus protagonistas. Sua marca registrada é, contudo, a da perplexidade diante dos fenômenos” (p.104), sendo que ainda podem ser agrupadas nos seguintes grupos conteudísticos: o uso da mídia nas campanhas elei-torais, a presença da política na agenda midiática, a globalização da política através das redes telemáticas, a potencialidade política da mídia nos processos de integração regio-nal, a potencialidade da mídia no fortalecimento da cidadania (aí sendo categorizado o trabalho de Cicilia Peruzzo).

16. Entrevista por e-mail a este pesquisador em 18 de junho de 2007.

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100 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Entre esses autores citados, todos os latino-americanos aparecem no trabalho de Cicilia Peruzzo, com especial destaque para Mário Kaplún e Jorge Merino Utreras, que ganham subcapítulos no livro especialmente para dialogar sobre suas obras e contribuições latino-americanas, principalmente na área de partici-pação popular através da mídia, notadamente a radiofônica.

Um dos pontos-fortes de influência da carreira e produção da professora fo-ram as influências de seus orientadores no mestrado (José Marques de Melo) e doutorado (Anamaria Fadul), dois ícones da Escola Latino-Americana de Comu-nicação. A influência de Marques de Melo foi ponto forte, desde o início de sua carreira acadêmica e de pesquisa, a instigá-la no conhecimento, na prática, no uso, na reflexão e nas melhorias do pensamento dos autores latino-americanos.

Os debates de Cicilia Peruzzo com a ELACOM são fortes em seu livro, sendo que, nas páginas 123 e 129 do seu mais importante livro, reconhece ca-tegoricamente esses pensadores.

Como maiores desafios de vida a professora Cicilia Peruzzo ela aponta como manter-se atualizada em uma área como a da Comunicação, que vive em cons-tante mudança e ainda saber compreender e lidar com alunos muito jovens, principalmente na graduação; tentar provocar o aluno para uma abordagem de temas tidos como periféricos, mas de interesse público, e não apenas aque-les predominantes nos estudos da Comunicação; saber respeitar a diversidade de pensamento e as ironias dos pares em relação às suas opções teóricas, entre outros.

Em termos gerais, o trabalho da professora Cicilia Peruzzo tem espaço ga-rantido hoje na discussão das áreas de Comunicação Comunitária, Comunica-ção Alternativa, Comunicação Popular, Comunicação Cidadã e Comunicação e Democracia. Pensamentos hoje difundidos no País, e que refletem uma latino--americanidade e identificação forte com os preceitos dos balizadores do Pensa-mento Comunicacional Latino-Americano.

Referências

BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. As contribuições de Cicilia Peruzzo ao pensamento comunicacional latino-americano. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, Anais do XII CELACOM – Colóquio Internacional da Escola Latino-americana de Comunicação, 2008. Disponível em: http://encipecom.metodista.br/mediawiki/images/a/a7/03_-_As_constri-buicoes_de_Cicilia_Peruzzo_-_Orlando.pdf>. Acesso em: 10.abr. 2014.

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101Cicilia Maria Krohling Peruzzo

CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Currículo do Sistema Lattes da professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo. Brasília. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787837E2>. Acesso em: 01.mai.2014.

Entrevista eletrônica sobre vida, carreira, estudos e obras da professora Ci-cilia Peruzzo. Mensagem recebida por: <[email protected]> em 18 jun. 2007.

IMS: primeira tese de mestrado em Comunicação. Revista Comunicação e Sociedade. São Bernardo do Campo: Cortez, número 07, março de 1982.

INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comu-nicação. Apresentação da Intercom. Disponível em: <http://www.portalin-tercom.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=263&Itemid=85>. Acesso em: 24 nov. 2010.

INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comuni-cação. Relatório de Atividades da Diretoria – Gestão 1999 – 2002. São Pau-lo: INTERCOM. Relatório fornecido pela diretoria da INTERCOM, 2002.

JACOBSON, Thomas L; SERVAES, Jan; WHITE, Shirley (edits.). Commu-nication and human values – participatory communication for social charge. New Delhi: Sage, 1996.

MARQUES DE MELO, José. História do pensamento comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.

MOREIRA, Sonia Virgínia. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling (orgs.). Inter-com 25 anos. Duas décadas e meia de história. Olhar Interno: depoimentos dos ex-presidentes. Olhar Externo: depoimentos de representantes de instituições estrangeiras. 1977-2002. São Paulo: INTERCOM, 2002.

PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Comunicação nos movimentos popula-res – a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998.

PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Relações públicas no modo capitalista. São Paulo: Summus, 1986.

PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Tempo de ousadia: reminiscências da primeira mestre. Comunicação & Sociedade: Revista do Programa de Pós-Gra-duação em Comunicação Social. São Bernardo do Campo: UMESP, n.40, 2003.

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102 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

PORTES, Vanessa. Entrevista com a professora Cicilia Peruzzo. São Paulo: Jornal da INTERCOM. Ano 1, número 6, 06 de dezembro de 2005.

SPARKS, Colin. Globalization, development and the mass media. London, New Delhi, Singapore, Thousand Oaks: Sage, 2007.

Produção bibliográfica17

Livros publicados/organizados ou edições

PERUZZO, Cicilia M. K. Community radio stations (Brasil) (seção da Encyclopedia of social moviment media). 1. ed. California, London, New De-lhi: Sage Publications, 2011. v. 1.

PERUZZO, Cicilia M. K.; TUFTE, T.; Vega Casanova, J. (Orgs.). Trazos de una otra comunicación en América Latina. 1. ed. Barranquilla, Colombia: Editorial Universidad del Norte, 2011. v. 1. 362p.

PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação comunitária (verbete da Enciclopé-dia Intercom de Comunicação). 1. ed. São Paulo: Soc.Bras.de Estudos Interdis-ciplinares da Comunicação, 2010.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação local (seção da Enciclopédia Intercom de Comunicação). 1. ed. São Paulo: Soc. Bras. de Estudos Interdisci-plinares da Comunicação, 2010. v. 1.

PERUZZO, Cicilia M. K. Televisão comunitária: dimensão pública e parti-cipação cidadã na mídia local. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. v. 1. 197p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Vozes cidadãs: aspectos teóricos e análises de experiências de comunicação popular sindical na América Latina. São Paulo: Angellara, 2004. v. 1. 372p.

PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação nos movimentos populares: a parti-cipação na construção da cidadania (3ª edição). 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. v. 1. 342p.

17. Fonte: currículo Lattes de Cicilia Maria Krohling Peruzzo, consultado em jun.2014.

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103Cicilia Maria Krohling Peruzzo

PERUZZO, Cicilia M. K. Relações Públicas no modo de produção capitalis-ta. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2004. v. 1. 141p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Retrato do Ensino em Comunicação no Brasil. São Paulo/Taubaté: INTERCOM/Unitau, 2003. v. 1. 357p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação para a cidadania. São Paulo/Salvador: INTERCOM e UNEB, 2003. v. 1. 294p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Mídia, regionalismo e cultura. São Bernar-do do Campo: UMESP e UPF, 2003. v. 1. 343p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Sociedade da Informação e novas mídias: participação ou exclusão? São Paulo: INTERCOM, 2002. v. 1. 139p.

PERUZZO, Cicilia M. K. A Mídia impressa, o livro e as novas tecnologias. Campo Grande -SP: Editora da UNIDERP /INTERCOM, 2002. 176p.

PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicación y movimientos populares: cuales redes? São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2002. 359p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação e Multiculturalismo. São Paulo/Manaus: INTERCOM/Unv.do Amazonas, 2001. 408p.

PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação nos movimentos populares: a parti-cipação da construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. v. 01. 342p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação e Culturas Populares. São Paulo: INTERCOM/CNPq/FINEP, 1995. v. 1. 206p.

PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Transformações da comunicação: ética e técnicas. Vitória: INTERCOM. FCAA/PMV, 1995. v. 1. 161p.

PERUZZO, Cicilia M. K. Relações públicas no modo de produção capitalis-ta. 2. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1986. v. 1. 141p.

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ADOLPHO CARLOS FRANÇOSO QUEIROZ

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105Adolpho Carlos Françoso Queiroz

Pesquisador e animador intelectual de tempo integral1

Antonio Hohlfeldt2

Uma homenagem pressupõe a gente saber para quem e por quê. Para quem, nós sabemos: trata-se do professor Doutor Adol-pho Carlos Françoso Queiroz, como se encontra em sua car-teira de identidade, graduado em 1980, pela Universidade Metodista de Piracicaba; com Mestrado em 1992, pela Uni-versidade de Brasília, e Doutorado em 1998, pela Universi-dade Metodista de São Paulo.Quanto ao por quê, eu poderia, simplificadamente, dizer: porque ele é amigo de todos nós, e nós, que temos um grande carinho por ele, queremo-lo homenagear. Academicamente, contudo, isso não basta. Recordemos, pois, sua trajetória,

1. Comunicação apresentada na mesa redonda Grupo de São Ber-nardo: 10 anos de doutorado de Adolpho Queiroz, coordenada pelo Prof. Dr.Paulo Bessa, no âmbito do simpósio comemorativo aos 30 anos de fundação da ALAIC, promovido pela Cátedra UNES-CO/Universidade Metodista de São Paulo, no dia 19 de novem-bro de 2008, em São Bernardo do Campo (SP).

2. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da FAMECOS/PUCRS, Pós-Doutor pela Universidade Fernan-do Pessoa, Porto; presidente da INTERCOM – Sociedade Brasi-leira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

3.1QUEIROZ

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106 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

que ele mesmo indica como tendo sido os campos da docência, da investigação e da mídia3, a que eu acrescentaria o do assessoramento político. Ele produziu uma quantidade significativa de reflexões, de conhecimento e de aquisições nos campos por ele escolhidos para a sua atividade, como é raro se encontrar em nosso país.

Poder-se-ia, por exemplo, consultar seu Currículo Lattes. Foi, aliás, um ca-minho que percorri. Ali vai se verificar toda a sua produção acadêmica. Mais que isso, o conjunto de alunos que, da graduação ao doutorado, fizeram seu aprendizado junto às suas palavras, representado através de monografias, disser-tações de mestrado, teses de doutorado. Mas o que me chamou mais a atenção foi o exame de sua bibliografia. De 1995 para cá, encontrei dois livros propria-mente de autoria de Adolpho Queiroz: A TV de papel4 e, mais recentemente, Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia5. Isso não significa, con-tudo, que ele tenha produzido pouco. No caso deste último livro, ele mesmo diz que aquela obra “sintetiza o esforço de anos de trabalho, em conjunto com colegas, alunos e ex-alunos” (2005, p. 9). É nesta pequena informação que se encontra, contudo, o principal motivo de uma homenagem mais do que me-recida a ele. Quando combinamos essa afirmação: “em conjunto com colegas, alunos e ex-alunos” com os dados contidos no seu Currículo Lattes encontra-mos dezenas de obras de que ele participa com algum artigo ou estudo, mas das quais ele é o animador e o coordenador, provavelmente o idealizador. E então se revela, como uma iluminação, o que tem sido, ao longo dos anos, a sua grande atividade: a formação de jovens estudantes, a disseminação de conhecimento e a animação da atividade intelectual.

Por certo, o pesquisador Adolpho Queiroz tem, ele mesmo, importantes contribuições já dadas à academia, das quais a menor será certamente, o sempre ter defendido o nível profissional do marketing político e a importância de seu ensino e discussão nos bancos acadêmicos.

Mas o professor fez mais que isso: ele se preocupou em atuar em atividades diferentes, desde a assessoria a administrações públicas e a eventuais campanhas políticas, trazendo sempre sua reflexão teórica e ética para a experiência prática,

3. QUEIROZ, Adolpho – Apresentação. In QUEIROZ, Adolpho (coord.) – Marketing po-lítico brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, São Paulo, INTERCOM/Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação. 2005, p. 9.

4. QUEIROZ, Adolpho – A TV de papel, Piracicaba, UNIMEP. 1990.

5. QUEIROZ, Adolpho – Marketing politico brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, op. cit.

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107Adolpho Carlos Françoso Queiroz

devolvendo-a, contudo, mais tarde, para a sala de aula onde ele de fato exerce toda a sua bem-querença.

Nesta grata tarefa de escrever sobre Adolpho Queiroz, fiz, a partir do seu currículo, um recorte em relação a alguns de seus trabalhos mais recentes. Que-ro, seguindo provavelmente sua própria perspectiva, sintetizá-los em algumas linhas fundamentais. A primeira delas é a experiência mais antiga, no âmbito da Universidade Metodista, desde 1995, de discussões e assessoria num projeto chamado Imprensa e eleições em Piracicaba, em que seus alunos foram incen-tivados a participar de campanhas eleitorais, organizando e criando todas as fases dos diferentes momentos de campanhas eleitorais, num procedimento re-comendável em que se alia a teoria à prática, e de cuja experiência ele guarda, ainda, precioso acervo: “além destes trabalhos de pesquisa aplicada, o acervo do projeto também inclui fitas de vídeo e áudio de campanhas municipais realiza-das”, revela ele6. Alia-se, assim, teoria e prática, numa experiência por vezes raras em nossa universidade, levando os alunos a aprenderem na prática e a refletirem teoricamente sobre a experiência vivida.

Outro momento importantíssimo, e esse com maiores desdobramentos é o projeto que, desde 1997, ele realiza no Programa de Pós-Graduação, intitulado Memória das campanhas presidenciais7.

Retomando referenciais teóricos como os livros de Serge Tchakoutine e Je-an-Maria Domenach, a que acrescenta o pequenino mas obrigatório livro de Nelson Jahr Garcia, Adolpho Queiroz delimita com clareza o espaço de suas preocupações. Destacando que, no Brasil, o marketing político ganhou enorme desenvolvimento ao longo e após o processo chamado de abertura política pos-terior à Ditadura de 1964, ou seja, a partir de 19808, ele vem desenvolvendo, ao longo dos anos - sempre promovendo a seu lado alunos e pesquisadores - belos e exemplares estudos sobre o uso dos slogans, a eventual presença de resquícios

6. QUEIROZ, Adolpho – A dimensão científica do marketing político. In QUEIROZ, Adolpho – Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, op. cit., p. 39.

7. QUEIROZ, Adolpho – Um campo multidisciplinar e O marketing político nas elei-ções presidenciais do Brasil. In: QUEIROZ, Adolpho. Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, op. cit., ps. 11 e 43 e ss.

8. QUEIROZ, Adolpho – A evolução do conceito de marketing político no continente latino-americano. In: MELO, José Marques de et GOBBI, Maria Cristina (Org.). Pen-samento comunicacional latino-americano: Da pesquisa-denúncia ao pragmatismo utópico. São Paulo, Universidade Metodista de São Paulo/Cátedra UNESCO de Co-municação, 2004, p. 179 e ss.

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fascistas em nossa publicidade, a cobertura do chamado Pittagate, assim como a da morte do ex-governador paulista Mário Covas ou o desdobramento de denúncias em torno de Roseana Sarney; a introdução de novos procedimentos a partir da campanha eleitoral presidencial de 2002; a invasão do Iraque, a co-bertura pela mídia mas, mais que isso, o uso da mídia pelas forças em litígio; o programa social Fome Zero do Governo Lula; a importância da televisão para as campanhas políticas; a introdução da rede mundial de computadores; o papel da imprensa e da radiofonia do interior do país em campanhas eleitorais, etc.9

O mais importante disso tudo, porém, para mim, é o projeto em si a res-peito das campanhas presidenciais. Lendo-se os relatos que ele tem produzido, verifica-se que se vai constituindo, pouco a pouco, um acervo admirável e eu diria fundamental sobre a memória das campanhas presidenciais, e isso desde a primeira eleição democrática, a de Prudente de Morais, até as campanhas mais recentes que envolveram o antigo líder metalúrgico e sindicalista Luís Inácio Lula da Silva. Ora, para um país como o nosso, em que a memória é quase sempre a primeira vítima do fascínio que sentimos pela novidade, trata-se de um projeto fundamental, tanto do ponto de vista profissional, pois pode servir de exercício de aprendizagem e reflexão para os responsáveis pelas atuais cam-panhas; quanto nos ajuda a entender a própria identidade brasileira, traduzida através de um de seus momentos-chave da política, que é o período eleitoral.

Com mais de 600 cursos sobre Propaganda e Publicidade em funcionamen-to no Brasil10, não deve escapar a nossa atenção que, hoje, atividades como o marketing político, a publicidade em geral e a assessoria política ganharam repercussões imensas na sociedade brasileira. Deve-se acrescentar, como refle-te Adolpho Queiroz que, para isso, vêm contribuindo as diferentes iniciativas acadêmicas, com a constituição de entidades como a Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), desde 1991, a formação da COMPOLÍTICA – Associação Nacional dos Pesquisadores em Comunicação e Política (2006), além de espaços existentes para discussões no âmbito da INTERCOM – Socie-dade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e a COMPÓS – Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. O

9. Todos estes estudos encontram-se no volume já mencionado Marketing político brasi-leiro, sendo que Pittagate, uma leitura da propaganda ideológica na Folha de São Paulo também pode ser lido em RAMOS, Roberto (Org.) – Mídia, textos & contextos, Porto Alegre, EDIPUCRS. 2001, p.57 e ss.

10. QUEIROZ, Adolpho – Marketing político In: MELO, José Marques de (Org.) O cam-po da comunicação no Brasil, Petrópolis, Vozes. 2008, p. 198 e ss.

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próprio Adolpho Queiroz colabora diretamente nesta legitimação, na medida em que, desde o início da década de 2000, promove o POLITICOM – Con-ferência Brasileira sobre Marketing Político, hoje já com seis diferentes edições.

Se vale a observação de Gaudêncio Torquato segundo a qual o primeiro documento ocidental que se teria a respeito de alguma orientação sobre o que hoje constitui, lato sensu, o marketing eleitoral, seria uma carta de Quinto Tú-lio Cícero (64 a.C.) enviada a seu irmão, o tribuno romano imperial Cícero, devemos reconhecer que esta é uma das preocupações mais constantes de toda e qualquer sociedade: ela é importante porque entre política e comunicação te-mos uma matéria-prima comum, que é o imaginário. A comunicação – diálogo entre partes antagônicas para que venham a atingir consensos – é o meio através do qual o marketing político se desenvolve na disputa que faz, socialmente fa-lando, junto a diferentes comunidades, em torno das imagens circulantes sobre determinada realidade, através de diferentes procedimentos, um dos quais os símbolos. Ora, esta disputa é essencialmente democrática, porque, fora dela, caímos nas sociedades hierarquizadas e policialescas, em que o poder da força, pura e simplesmente, define o que pode ou não, o que deve ou não, ser pensado ou circular na sociedade. Lembremos inclusive que, mesmo em sociedades dita-toriais, como foram as experiências do nazi-fascismo ou da União Soviética, ou, perto de nós, o Estado Novo getulesco ou a Ditadura pós-1964, nem mesmo estes regimes hierarquizados deixaram de buscar certa legitimação através de campanhas de marketing que buscaram desenvolver e incutir junto à sociedade imagens favoráveis ao regime.

Para Adolpho, assim, o estudo sobre o marketing político não é mera curio-sidade ou voluntarismo, mas significa, em última instância, sua própria contri-buição à democratização brasileira, na medida em que não apenas dissemina princípios e conceitos, mas estuda-os e mesmo desenvolve-os, praticamente, nos diferentes momentos que vão do exercício da cátedra ao assessoramento de campanhas eleitorais.

Isso não significa, necessariamente, um fechamento a outras questões vin-culadas à comunicação social. É o caso de uma área próxima ao marketing, a Publicidade. São importantes pesquisas de Adolpho Queiroz aquelas realizadas sobre o pioneiro da publicidade em São Paulo (e no Brasil), João Castaldi e sua primeira agência de publicidade, a Eclética11; assim como uma aparentemente

11. QUEIROZ, Adolpho. Primórdios da publicidade e o pioneirismo de João Castaldi. In GOMES, Neusa Demartini (Org.). Fronteiras da publicidade – Faces e disfarces da linguagem persuasiva, Porto Alegre, Sulina. 2006, p. 15 e ss.

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destituída de importante observação sobre a presença e a influência da maço-naria na história da imprensa brasileira12; as reflexões sobre as atuais campanhas eleitorais – sobretudo presidenciais – em face de campanhas anteriores brasilei-ras ou da prática histórica de reis como Luiz XIV, a respeito da promoção de sua própria imagem, com isso buscando não só a historicização quanto a legitimi-dade de sua presença no poder13; ou o levantamento da propaganda na China, país que cada vez mais se apresenta diante de nossa atenção14.

Muito mais se poderia referir. Eu paro por aqui, mas quero reenfatizar o que procurei trazer a este despretensioso documento: Adolpho Queiroz é um pesquisador meticuloso, curioso e disciplinado; é um profissional vencedor; é um professor que já dispõe, hoje, de uma espécie de árvore genealógica através de alunos e ex-alunos. Mas o que mais valoriza a figura de Adolpho de Queiroz, ao longo de todos esses anos, é que ele entendeu, como poucos, que o trabalho intelectual não é apenas ou sobretudo uma atividade isolada e individualista. Pelo contrário: se é verdade que, talvez aquele momento de idealizar um projeto nasça de um recolhimento necessário, em que o sujeito mergulha dentro de si mesmo, não menos verdade é que as grandes ideias nascem justamente do convívio com os pares, do pensamento expresso e repartido em voz alta com os colegas, e que, sobretudo a animação cultural, o estímulo a projetos dos alunos e a disposição de participação em trabalhos de outros colegas é o que, de fato, anima a vida cultural. E isso, Adolpho Queiroz tem sabido realizar como pou-cos em sua vida.ria, que ele mesmo indica como tendo sido os campos da cigear.ba; com Mestrado em 1992, pela Universidade

12. QUEIROZ, Adolpho. Utopias e desencantos. In: MELO, José Marques de; GOBBI, Maria Cristina et SATHLER, Luciano (Org). Mídia cidadã. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo/ Cátedra UNESCO de Comunicação/ World Association for Christian Communication.2006, p. 173 e ss.

13. QUEIROZ, Adolpho. De Debret a Nizan: A construção da imagem pública dos gover-nantes. In: BARBOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comunicacional brasileiro: As contribuições da INTERCOM (1977 – 2007) – O sonho intenso. São Paulo, INTERCOM. 2007, p. 145 e ss.

14. QUEIROZ, Adolpho et allii. Propaganda política na China: História e questões con-temporâneas. In: PINHO, J. B. (Org.). Comunicação brasileira no século XXI – IN-TERCOM: Ação, reflexão – A clava forte, São Paulo, INTERCOM. 2007, p. 33 e ss.

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Para entender e aprender marketing político

Mirna Tonus1

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Marketing Político Brasileiro: ensino, pesquisa e mídia. INTERCOM: São Pau-lo, 2004. 178p.

O marketing político pode nos remeter quase que automática e meramente a um processo eleitoral, mas, se olharmos com atenção, é muito mais que isso. É o que nos revela o livro Ma-rketing político brasileiro: ensino, pesquisa e mídia, coordenado por Adolpho Queiroz, que vai da construção do campo, a partir de sua bibliografia, suas polêmicas e perspectivas, sua dimensão científica e sua aplicabilidade a campanhas políti-cas, até sua relação com a mídia, seja ela televisiva, impressa ou digital, passando pela questão da propaganda ideológica, evidenciada em casos que se tornaram emblemáticos no país.Na obra, que conta com produções individuais e coletivas, compartilhadas com seus alunos e orientandos, o autor cons-trói uma base dividida entre as três partes delineadas acima, para quem pretende enveredar por esse caminho ou se inte-

1. Doutora em Multimeios, docente no curso de Comunicação So-cial: habilitação em Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Fede-ral de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected].

3.1QUEIROZ

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ressa no assunto. Algo mais que necessário em um tempo em que não há mais espaço para amadores no espaço de acirradas disputas eleitorais e de construção político-ideológica.

Uma entrevista de Adolpho Queiroz a Selma Rocha, enquanto repórter da revista Vogal, de Taubaté, SP, compõe o primeiro capítulo da primeira parte − Marketing político −, intitulado Um campo multidisciplinar. Nas respostas do autor, é possível notar a complexidade do campo, como ele diz, “um guarda--chuva aberto”, que o configura como uma atividade de planejamento estraté-gico que envolve a propaganda ideológica, a publicidade eleitoral e a imagem pública. Abordando questões relativas a campanhas eleitorais no Brasil, à ética e à evolução do marketing político no país, o texto da repórter apresenta uma interessante síntese do pensamento de Queiroz nesse campo.

Um inventário da literatura da área constitui o segundo capítulo − O ma-rketing político na bibliografia latino-americana − no qual o autor apresenta os estudos pioneiros no Brasil e na América Latina, publicados no final da década de 1960, bem como as demais obras que se desenvolveram ao longo das décadas seguintes − manuais e obras de compreensão histórica nos anos 1980 e práticas e profissionalização em 1990 − até chegar às produções deste século, entre as quais o autor destaca as de Venício Lima, Neusa Demartini Gomes e Albino Canelas Rubim.

Nesse capítulo, Queiroz já delineia o que chama de “a dimensão científica do marketing político”, compondo um capítulo em separado, mas que se constitui a partir da bibliografia abordada por ele, e destaca a importante contribuição da internet, nos anos 1990, para a difusão do conhecimento sobre a área, mediante sites especializados, e das sociedades científicas, as quais abriram espaço para temas relacionados ao marketing político.

Já no terceiro capítulo da primeira parte − Polêmicas e perspectivas do ma-rketing político brasileiro − o autor reporta e analisa falas e debates impactan-tes que aconteceram durante o Maxivoto, primeiro Encontro Internacional de Marketing Político, realizado em 2002, em São Paulo. O destaque ficou para as polêmicas levantadas por Dick Morris, ex-assessor de Bill Clinton, a relação entre política e construção de marcas exposta pela socióloga Silvia Cervellini, do Ibope, e a articulação entre Nizan Guanaes e Duda Mendonça, na mesa de encerramento do referido evento, que Queiroz, ao presenciar as discussões, con-siderou como um “debate necessário para profissionais e pesquisadores”.

O capítulo seguinte − A dimensão científica do marketing político − é dedi-cado ao conteúdo e aos resultados da disciplina Propaganda Política no curso de Comunicação Social da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), onde Adolpho Queiroz atuou durante muitos anos. Constituída por alunos

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que se organizavam em agências ou atuavam isoladamente, a experiência con-sistia no atendimento a candidatos reais e na pesquisa aplicada, o que resultou em um acervo não só dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos, mas também de produções áudio e videográficas das campanhas municipais realizadas e de materiais de campanha utilizados. Tal aproximação acadêmica com a realidade profissional sinaliza a importância e a necessidade da intersecção entre reflexão teórica e aplicação prática para a construção de um campo de pesquisa como o do marketing político.

Já no capítulo O marketing político nas eleições presidenciais do Brasil, o pe-núltimo da primeira parte da obra, Adolpho Queiroz apresenta outro projeto seu, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP): “pesquisa sobre a trajetória dos presidentes da República do Brasil na ótica da propaganda política”. Ao listar as dissertações de marketing político desenvolvidas na referida linha de pesquisa, o autor expõe os resultados da pesquisa, que, segundo ele, conseguira “responder adequadamente ao desafio de intensificar as ações para o aperfei-çoamento de conceitos como o de marketing político, propaganda ideológica, publicidade eleitoral e imagem pública”.

Essa última, aliás, é objeto do sexto e último capítulo da primeira parte: Imagem pública: o slogan em campanhas políticas, elaborado por Queiroz junto a Patrícia Ozores Polacow e Fernanda Porreca Trielli e originalmente publicado na revista Publicidade, do Centro Universitário de Valinhos. O texto apresen-ta parte dos resultados obtidos no projeto de pesquisa mencionado no quinto capítulo, abordando cronologicamente os slogans nacionais e, ainda, aqueles utilizados em campanhas na região de Piracicaba. Como concluem os autores, “nos níveis locais e regionais, os estudos da área ainda são modestos, sinal de que existe muito espaço para pensar e refletir sobre tais questões”, indicando o grande potencial de investigação, não somente sobre slogans, mas das campa-nhas político-eleitorais desenvolvidas no país.

A segunda parte do livro − Propaganda ideológica − apresentada conceitu-almente a partir da definição de Nelson J. Garcia em O que é propaganda ide-ológica, reúne artigos relacionados às pesquisas coordenadas pelo coordenador da obra. No primeiro texto − Reflexos fascistas na propaganda política do Brasil −, Queiroz faz um paralelo entre a propaganda política brasileira em diversos períodos com as ações propagandísticas realizadas por Benito Mussolini. Ao observar que “os exemplos das várias formas de autoritarismo sobrevivem com maior realce perante a história do que propriamente as ações democráticas mais contagiantes e generosas”, o autor nos faz refletir sobre a relação da propaganda com os regimes estabelecidos mundialmente ao longo da história.

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Já em Pittagate num jornal de causa (Queiroz em coautoria com Roberto Gondo Macedo, Victor Kraide Corte Real), Estratégias de propaganda política: reflexões sobre as eleições brasileiras (Queiroz com Antonio Peres, Gilson Alberto Novaes, João Carlos Picolin, Letícia Maria Pinto da Costa e Ricardo Costa), Morte de Covas: o imaginário de um povo na mídia (Queiroz com Ezequiel Ribei-ro dos Santos, Maria Auxiliadora Mendes do Nascimento, Maria Clécia Bento de Oliveira, Maurício Guindani Romanini, Paulo César D’Elboux e Rosângela Marçolla), Roseana Sarney, que era de vidro e se quebrou (Queiroz com Alfredo Dias D’Almeida, Celso Antonio Meneghetti e Patrícia Sheila Monteiro Paixão), As eleições presidenciais de 2002 nas entrelinhas das revistas (Queiroz com Herbert Rodrigues de Souza, Kleber Carrilho, Lívio Sakai, Milton Pimentel Martins, Nahara Cristine Mackovics, Valdir Abdallah e Victor Kraide Corte Real) e A invasão do Iraque num jornal de guerras e Fome Zero: uma peça de marketing governamental” (Queiroz com André Gustavo Brandão, Bruno Ricardo Garrido Marola e Greice Kelly Pereira), o pesquisador e seus orientandos apresentam um extenso e profundo trabalho de pesquisa com base em coberturas da imprensa, configurando verdadeiros “cases” que ajudam a compreender a relação entre esta e a propaganda ideológica.

A produção jornalística da Folha de S. Paulo no caso Pitta; a cobertura da morte de Covas pelas revistas Veja, IstoÉ, o jornal Folha de S. Paulo, bem como suas versões on-line, e os sites do Portal UOL e do PSBD; a abordagem de O Estado de São Paulo e da Folha de S. Paulo sobre o caso Sudam, envolvendo Roseana Sarney; os textos publicados pelas revistas Veja e IstoÉ no período pré--eleitoral de 2002; a cobertura da Guerra do Iraque pelo jornal O Estado de São Paulo; e, finalmente, a abordagem de diversos veículos sobre o programa Fome Zero compõem a lista de objetos de pesquisa que receberam um olhar aprofundado e crítico dos autores. Além de tabelas, que sistematizam o aspec-to quantitativo do trabalho, essa segunda parte da obra apresenta importantes reflexões sob o ponto de vista da propaganda ideológica. Uma verdadeira aula.

A terceira parte do livro − Marketing político e mídia − versa sobre essa rela-ção tantas vezes criticada, mas que se configura em uma das maiores forças de uma campanha, independentemente do meio. Positiva ou negativa, essa força é o ponto central do capítulo A televisão nas eleições: vilã ou heroína? no qual Adolpho discute o posicionamento da Rede Globo, seja no famigerado debate, cuja edição favorecera a eleição de Fernando Collor de Mello, seja no movimen-to Diretas Já, bem como em outros momentos importantes da história política do Brasil.

Já no capítulo seguinte − Os jornais interioranos nos processos eleitorais −, es-crito por Waldemar Luiz Kunsch a partir do registro de uma palestra e de duas

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obras sobre a imprensa em Santa Bárbara D’Oeste e Piracicaba2, o autor discute, sob o ponto de vista do discurso, a “presença política influenciadora” da mídia nessa região do interior paulista, o que nos leva a pensar no que pode acontecer em cada rincão deste país em termos políticos.

Por último, nos dois capítulos finais − Propaganda eleitoral online, de Quei-roz e Comunicação partidária no universo virtual (Queiroz em coautoria com Débora Tavares, João Carlos Picolin e Ricardo Costa) aborda-se a apropriação da internet nas situações descritas no título.

No que tange à propaganda eleitoral, o autor discute o avanço tecnológico, a democratização e a desterritorialização, a comunicação partidária na internet e a possibilidade do plebiscito eletrônico, como bem destaca ao afirmar que “o que se vislumbra com o espaço virtual e seu tangenciamento com a política é o nascimento de um princípio pelo qual se reforçaria o conceito da democracia e, especialmente, se promoveria o surgimento de plebiscitos eletrônicos capazes de nortear a ação dos partidos, dos governos e de seus representantes, no que poderíamos chamar de uma sintonia fina com a sociedade”.

Já no último capítulo, os autores apresentam como seis partidos, três brasi-leiros e três canadenses3, utilizavam a internet em 2002, analisando “as caracte-rísticas desta comunicação digital e de seus reflexos na comunicação partidária nos dois países”.

Do somatório das três partes, podemos dizer, sinteticamente, que se trata de uma obra referencial, seja para o ensino, seja para a pesquisa sobre marketing político.

2. Gilson Alberto Novaes organizou o livro Eleições e imprensa em Santa Bárbara D’Oeste – 1950-1996. O livro Imprensa e eleições em Piracicaba, organizado por Paulo Roberto Botão, Adolpho Queiroz e Maria Beatriz Bianchini Bilac também foi utilizado como base para o capítulo mencionado, segundo o autor.

3. Foram analisados os sites dos seguintes partidos: Partido da Social Democracia Brasilei-ra (PSDB); Partido da Frente Liberal (PFL); o extinto Partido Verde (PV); Green Party of Ontario (GPO); Liberal Party (LP); New Democratic Party (NDP).

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O papel da POLITICOM nos cami-nhos do marketing político no Brasil

Mirella Arruda1

QUEIROZ, A. C. F.; MACEDO, R. G.; REAL, V. K. C. (Orgs.). Estratégias de Propaganda Política: reflexões sobre eleições brasileiras. São Bernardo do Campo: Editora Meto-dista / Cátedra UNESCO de Comunicação, 2010.

Organizada por Adolpho Queiroz, Roberto Gondo Macedo e Victor Kraide Corte Real, Estratégias de propaganda política: reflexões sobre as eleições brasileiras conta com 194 páginas que discutem, através de relatos de pesquisadores dos quatro can-tos do país, aspectos importantes sobre as eleições brasileiras e a intervenção do marketing político neste processo.A publicação apresenta-se na forma de e-book e está dispo-nível na internet através do site: <http://issuu.com/encipe-com2/docs/eleicoesbrasileiras>. Realizada pela Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político (POLITICOM) com base nos trabalhos apresentados na VII Conferência Brasileira de Marketing Po-lítico (ocorrida, em Itu - SP, no ano de 2008), a obra conta com o prefácio de José Marques de Melo, um dos maiores especialistas em comunicação, que ressalta: “eis mais uma

1. Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]

3.1QUEIROZ

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produção importante para refletirmos sobre os caminhos da comunicação e do marketing político no país” (2010, p.8).

Além de ter dado base a esta obra, a VII Conferência teve importante papel na formação e surgimento da POLITICOM, que assumiu, desde então, ares de sociedade científica. Assim lembra Marques de Melo, reconhecendo o trabalho pioneiro de Adolpho Queiroz: a POLITICOM “a partir do projeto de pesquisa idealizado pelo Prof. Dr. Adolpho Queiroz, na Universidade Metodista de São Paulo, ganhou novos alentos com o apoio decisivo da Cátedra UNESCO de Comunicação para o Desenvolvimento Regional” (2010, p.8).

Definindo os pesquisadores deste trabalho como idealistas e competentes, José Marques frisa que a publicação é uma forma de “recontar parcelas da his-tória da evolução do conceito do marketing político no nosso país com seus levantamentos, pesquisas e constantes debates” (2010, p.8). Os organizadores da obra também enfatizam o caráter incentivador que está presente neste estudo que deve “servir de estímulo ao debate e alento à pesquisa que se pretende para o campo do marketing político no nosso país” (2010, p.11).

Dividida em cinco partes: Estratégias de propaganda política: reflexões sobre as eleições brasileiras levanta, em primeiro lugar, a propaganda política em jor-nais, revistas e internet. Já num segundo momento, abre-se a discussão sobre a propaganda no âmbito da televisão e do rádio. Na terceira e quarta partes, as contribuições são sobre a propaganda política e as ações regionais e nacionais. Finalizando, na última parte, a obra debate a propaganda política e suas ferra-mentas estratégicas.

Inicia-se a primeira parte da obra, com o artigo de Maria Cleidejane e Denis Porto intitulado Política e tecnologia: duas realidades na campanha de Barack Obama. Nele, os autores discutem a consolidação e utilização da internet na campanha política americana. Já Jimenez et al trazem como mote a Revista Veja: a ascensão e queda de uma pré-candidata, debatendo a pré-candidatura de Rose-ana Sarney à sucessão presidencial de 2002.

Ainda nesta parte da obra, Roberto Gondo e Wanderon Fábio debatem as posições defendidas por Fernando Henrique Cardoso em sua coluna no jornal Folha de São Paulo no ano de 1984 com o artigo Um lugar de construção do ‘mu-dancismo’: Fernando Henrique Cardoso na Folha de S. Paulo. Por último, tem-se Maurício Romanini com o título Imprensa e internet: a miopia do TSE, em que se amplia o debate sobre o marketing político e a internet e, ainda, sobre a im-prensa e a legislação eleitoral.

Na segunda parte, tem-se O espaço público mediatizado no portal institucional da RADIOBRÁS durante a cobertura das eleições 2006, artigo em que Débora Burini e Jeferson J. Ribeiro estudam o conteúdo do portal da RADIOBRÁS,

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mais especificamente da Agência Brasil, analisando as eleições de outubro de 2006. Os políticos de Deus: a programação televisiva neopentecostal como ferra-menta de marketing político, de autoria de José Guibson, analisou os programas televisivos neopentecostais que vêm sendo usados como ferramentas de ma-rketing político para agregação de eleitores. Por último, Comunicação pública, interesse público e cidadania política: um estudo da TV ALESP no Estado de São Paulo, assinado por Paulo Cezar e Roberto Gondo, trata do papel das emissoras públicas de comunicação no Brasil, mais especificamente do caso da Televisão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

A terceira parte da obra é a que concentra a maior quantidade de contribui-ções. Nela, estão presentes: Uma mulher de força na política limeirense. Um estu-do sobre a trajetória política e as estratégias de comunicação popular de Elza Tank, de Carlos Fernando, Samia Cruanes e Victor Kraide. Apresentam a história de Elza Sophia Tank Moya, uma influente política da história limeirense que, tra-balhando com o marketing político e fazendo uso de elementos da comunicação popular, acabou se destacando no cenário político local.

Também na terceira parte desta obra está o artigo Projeto Cimento Social no morro da Providência e a pré-eleição na capital fluminense. Nele, Plínio Marcos discute o projeto do senador Marcelo Crivella em que se propõe a revitalização de casas no Morro da Providência no Rio de Janeiro. Há ainda o texto Itu a cidade onde tudo é grande. A construção de um mito a partir da comunicação po-pular, de Anne Karoline e Victor Kraide. Os autores analisam a história de Itu e do personagem humorístico Simplício, idealizado por Francisco Flaviano de Almeida.

Para finalizar a terceira parte desta publicação, tem-se: Coligações: reflexão da aliança ‘informal’ entre PSDB e PT em Belo Horizonte, assinado por Sander Neves, em que se analisam as coligações partidárias, que têm ganhado cada vez mais força no cenário político nacional. Por fim, o artigo Democracia e transmis-são de ideias e ações políticas: uma experiência em Piracicaba, de Fábio Rogério, Francisco Negrini e Pedro Paulo, no qual os autores abordam o programa de melhoria do relacionamento entre o Poder Legislativo de Piracicaba e a socie-dade civil.

A quarta parte da publicação contou com a colaboração de Rita de Cássia com o texto Lula, o presidente que tem a cara do povo no qual a autora elabora uma análise das estratégias comunicativas usadas pelo candidato em sua propa-ganda eleitoral de 2006. Panke et também na quarta parte apresentam o tema O discurso sobre o programa Bolsa Família como estratégia pós-eleitoral do governo Lula, enfatizando as estratégias comunicativas presentes nos discursos de Lula durante seu primeiro mandato. Finalmente, o último artigo desta quarta parte

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é de autoria de Kátia Regiane e Roberto Gondo. Eles discutem As conotações político comunicacionais no discurso de Monteiro Lobato em sua obra e em suas tra-duções. O trabalho discorre sobre as traduções de Monteiro Lobato e Carlos La-cerda no período de 1920 a 1970 e os impactos políticos que causaram à época.

Na última parte da obra, Fabio Ciaccia, André Gustavo e Pedro Paulo es-crevem, respectivamente, os artigos: Propaganda ideológica e cultura, que busca apontar a existência da propaganda ideológica em diferentes momentos da po-lítica brasileira; O universo das marcas. Em busca de uma marca forte. Como se destacar no meio de tantos signos, no qual se faz uma análise da imagem de marca da campanha política de Vitor Lippi, candidato à Prefeitura de Sorocaba-SP no ano de 2008; e, finalizando este e-book, apresenta-se Uma proposta metodológica de uso da pesquisa amostral para a elaboração de marketing político pré e pós--eleitoral, pesquisa que proporciona uma proposta de construção do marketing político através do uso de pesquisa amostral.

Para finalizar esta resenha, se pode afirmar que a obra oferece com maestria um apanhado de pesquisas que ampliam a discussão do marketing político tan-to em termos teóricos (levando-se em conta as correntes e teorias nela apresen-tadas), quanto em termos práticos (vistos a partir dos inúmeros estudos de caso oferecidos). Adolpho Queiroz, Roberto Gondo Macedo e Victor Kraide Corte Real mostraram-se propulsores importantes de um movimento inevitável de valorização do tema.

Se na época de Abraham Lincoln, citado no início deste texto, já se tinha a noção de que uma cédula eleitoral tem mais força que um ‘tiro de espingar-da’, é possível concluir que, em pleno século XXI, esta força vem aumentando continuamente. Enquanto comunicadores, devemos estar preparados para este novo momento da comunicação política e, mais do que isso, preparados para os ‘tiros de espingarda’ que estão por vir. Analisada esta obra, só nos resta pedir que venham rapidamente as próximas contribuições

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O global e o local no marketing político: conhecendo as estratégias

Adriana C. Omena Santos1

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CARNIELLO, M. F.; MACEDO, Roberto Gondo; COSTA, Letícia Maria Pin-to da; OLIVEIRA, Edson de Araujo Querido. Marketing político: estratégias globais e regionais. Rio de Janeiro: Ofi-cina de Livros, 2010. 288p.

Já em sua apresentação, o livro Marketing político: estratégias globais e regionais deixa claro a diversidade de temáticas e abordagens necessárias para discutir as estratégias de marke-ting na contemporaneidade. Tal reflexão é feita a partir dos textos apresentados no VIII Congresso Nacional da Socieda-de Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunica-ção e Marketing Político (POLITICOM) que aconteceu na Universidade de Taubaté, em 2009 e que teve como tema o papel do rádio na propaganda política.Os autores afirmam, na introdução, que a proposta era “co-nhecer um pouco mais de perto a produção dos acadêmicos e dos profissionais sobre essa temática tão pouco estudada em

1. Doutora em Ciências da Comunicação, docente no curso de Co-municação Social e Coordenadora do Programa de Pós-Gradua-ção em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected].

3.1QUEIROZ

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nosso país e, do ponto de vista da comunicação política, talvez inédita: o rádio político”. O livro divide-se em três partes: I. Estratégias de propaganda políti-ca no rádio; II. Estratégias de comunicação persuasiva em eleições municipais; III. Estratégias de comunicação política diante da história e da modernidade. Segundo os autores, o livro cumpre um papel de produção e difusão do conhe-cimento novo e tal divisão buscava dar conta do tema do congresso e tratar das particularidades e demais temas que chamam atenção dos pesquisadores que trabalham com comunicação e política.

A primeira parte contém cinco artigos. O primeiro - Jingles eleitorais no rádio brasileiro - de Carlos Manhanelli, traz como contribuição a conceituação de jingles como peças publicitárias musicadas compostas sob encomenda e feitas para atin-gir eleitores. O mesmo artigo esclarece que “não há como conceituar as músicas de caráter político como jingle, já que só existem jingles eleitorais ou comerciais, que elevam as qualidades que apresentam em suas letras”. O segundo - No ar, o programa da ‘Rádio Lula presidente’ - de Cristiane Soraya Sales Moura, apresenta uma análise de conteúdo e dos elementos de linguagem radiofônica utilizados no Horário Política de Propaganda Eleitoral (HGPE) da campanha presidencial de 2006 e esclarece a relação entre os temas abordados no rádio e os recursos sonoros, além das produções simbólicas que puderam ser observadas nas expressões, nos gêneros musicais e demais elementos dos programas radiofônicos.

Também na primeira parte o artigo Propaganda política no rádio: inventário de fontes bibliográficas, de Adolpho Queiroz, Thybor Malusá Brogio e Juliana Victorino Leone, faz uma revisão bibliográfica nacional da produção sobre rá-dio e política na tentativa de inventariar os temas relativos ao uso de rádio nas campanhas eleitorais. Já o artigo Persuasão musical: os jingles eleitorais na campanha para a prefeitura de Curitiba, em 2008, de Luciana Panke, Antonella Iacovone e Thaíse Mendonça - traz resultados de um estudo que transcreve e analisa linguagem e conteúdo da produção para abordar o potencial persuasivo dos jingles durante o HGPE em rádio e TV nas eleições municipais. O último artigo desta parte, Circo eleitoral nas eleições de 2008: o esvaziamento do horário eleitoral gratuito no rádio de Márcia Vidal Nunes e Isabelle Azevedo, afirma que as campanhas de rádio se tornaram simulacro das campanhas políticas, com base nas análises de como as técnicas de marketing político foram aplicadas na campanha municipal de Fortaleza em 2008, buscando descobrir se o discurso publicitário se sobrepõe ao debate político com a população.

A segunda parte do livro é a mais longa, composta de sete artigos. Na contra-mão do marketing político, de Letícia Maria P. da Costa, discorre sobre o padrão de propaganda política de TV nas eleições municipais na cidade de Taubaté em 2004 e afirma que os mitos políticos não são construídos ou derrotados pelos

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modelos de marketing político já que estão intrinsecamente ligados às crenças dos indivíduos. No artigo Publicidade eleitoral municipal: incomunicação, desin-formação e saturação, Neusa Demartini Gomes aborda o “enfoque das eleições municipais como contribuição para o desenvolvimento da cidadania”. A autora analisa elementos do modelo básico da comunicação e esclarece que o eleitor tem recebido uma comunicação saturada e marcada pela incomunicação.

No artigo Opinião pública no jornal da cidade de Taubaté: o colunismo nas eleições de 2008, Jaime P. Lemes, Ivan Martínez V. Souza e Monica Franchi Car-niello apresentam uma análise qualitativa do conteúdo das colunas opinativas sobre política publicadas pelo Jornal da Cidade de Taubaté, durante o período eleitoral de 2008 e afirmam que a sessão de opinião não tem enfoque definido, promovendo a imagem de diferentes candidatos. No artigo TV e personalização da política: uma análise do HPEG na disputa pela Prefeitura de Juiz de Fora, em 2008 - de Paulo Roberto Figueira leal e Rafael do Nascimento Grohmann - são apresentados dados da observação de como as candidaturas à prefeitura de Juiz de Fora (MG), em 2008, “tentaram construir personagens políticos, montando campanhas cujo centro estaria bem mais na imagem pessoal do candidato do que em propostas partidárias com conteúdos ideológicos densos”. O artigo Jor-nalismo e política: leitura crítica do discurso dos jornais Agora e Diário de S. Paulo - de José Augusto Nascimento Reis e Renata Boutin Becate - apresenta dados de uma pesquisa que por meio da análise sobre a neutralidade em dois veículos de mídia impressa na cidade de São Paulo em 2004, buscou observar na mídia “de que forma a leitura pode ser orientada e, sobretudo, desvelar marcas de inten-cionalidade inerentes a qualquer discurso”.

O artigo seguinte, A mídia e as representações políticas no cenário da disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte, em 2008 − de Luiz Ademir de Oliveira, Paulo Henrique Caetano, Douglas Caputo de Castro e Wanderson Antônio do Nas-cimento, faz uma análise dos aspectos discursivos e políticos das manchetes publicadas no jornal Estado de Minas em 2008. Para os autores os dados “re-velaram que a imprensa é um ator importante na construção e na definição dos cenários políticos eleitorais” e o jornal evidenciou em suas práticas discursivas favorecimento a uma das candidaturas. Apresenta as primeiras iniciativas nesse sentido e aborda como o poder então estabelecido ecoara na configuração dos cursos. De acordo com o autor, aos jornais não interessava, naquele período, empregar jornalistas graduados, oriundos de classes menos favorecidas. Basta-vam os intelectuais da elite para preencher as páginas, obviamente, reforçando as relações de poder existentes.

O último artigo da segunda parte, Marketing político em campanhas eleitorais proporcionais: um estudo de estratégias na eleição de 2008, em Mauá, de Kelly

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Cristine Chasci, Débora Alves Pereira e Roberto Gondo Macedo, apresenta da-dos de uma pesquisa com ênfase nas ações de marketing político e eleitoral realizada com base em entrevistas realizadas com quatro candidatos a vereador no município de Mauá, em 2008. Segundo os autores a amostra “aponta o planejamento de marketing político - pré-eleitoral, eleitoral e pós eleitoral - como parte de um processo evolutivo contínuo, fundamental para o sucesso na carreira de um político”.

A terceira parte do livro também traz cinco capítulos. O primeiro deles, Mito, simbolismo e outros ingredientes do marketing político, de Daniel Galindo e Rose Mara Vidal de Souza, afirma que as campanhas eleitorais “estão conectadas diretamente com mitos, arquétipos e estereótipos, presentes na construção e na manutenção da imagem dos atores sociais envolvidos em uma competição, cujo objetivo é ser aceito pela maioria”. Para os autores “a compreensão e a preensão dessas contribuições teóricas ampliam o poder da persuasão, envolvimento e sedução marcado nas mensagens emitidas sobre os eleitores, confirmando suas identificações com os candidatos”. O artigo C.T.I. Jornal e a política do estado Novo, de Fábio Ricci e Moacir José dos Santos, aborda o posicionamento da Companhia Taubaté Industrial (CTI). Os resultados da pesquisa indicam que a CTI não contestava a estrutura política do Estado Novo, mas percebia que alguns pontos implicavam na perda de vantagens adquiridas com sua instalação em Taubaté. O artigo A internet na política brasileira: sites de deputados federais paulistas - de André de M. Quitério - apresenta os dados de uma pesquisa so-bre os sites de deputados federais paulistas, sob os paradigmas de McLuhan e da hipótese do agendamento, já que os sites promovem influência na agenda parlamentar dos candidatos e materializam o fenômeno da personalização da política.

Ainda na terceira parte o artigo Marketing eleitoral 2.0: o uso das novas mí-dias e da internet no processo de persuasão - de Carlos Fernando Bosco, Cristiane Peixoto Nabarretti e Marcelo Prada Branco de Miranda - apresenta reflexões sobre o conceito de web 2.0 e a utilização das novas mídias, das redes sociais e da internet como características do marketing 2.0. Os autores analisam o caso Obama nas eleições de 2008 e afirmam que a rede social foi a chave para a cam-panha, mas os principais personagens foram os indivíduos ligados a internet como voluntários aparados pelo ferramental e a metodologia da rede. E no últi-mo artigo Eleições de 2010: a internet engessada, Maurício Guindani Romanini discorre sobre um tema bastante contemporâneo, o uso da internet nas eleições, e após reflexões afirma que “o TSE precisa acompanhar o avanço dos meios de comunicação e fazer uma legislação que contemple os anseios da população, sem atrapalhar o jogo político.”

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A melhor maneira de definir a obra analisada está registrada em sua apresen-tação, na qual os autores afirmam estarem certos de que com o livro cumpriram o papel de produção e difusão do conhecimento novo para os que se interessam pelo marketing político no Brasil. Trata-se, portanto, de uma obra que atende ao que se propôs, popularizar a ciência, oferecendo a divulgação do resultado de diferentes pesquisas na área.

O livro, apesar de em sua maior parte estar relacionado com um momento e tema específicos, as eleições municipais, mostra-se bastante plural e atual diante dos enfrentamentos contemporâneos da área. Ressaltamos que em um momen-to em que os meios de comunicação ocupam cada vez mais papel destacado nas eleições o livro oferece uma vasta possibilidade de exemplos, reflexões e propos-tas acerca do assunto.

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Em cena a história das campanhas eleitorais do período republicano

Igor Aparecido Dallaqua Pedrini1

QUEIROZ, Adolpho (org.). No espaço cênico da propa-ganda política: Mídia, comunicação e marketing político nas campanhas presidenciais brasileiras. Taubaté: Papel Bra-sil, 2011. 332p.

O livro No espaço cênico da propaganda política: Mídia, comu-nicação e marketing político nas campanhas presidenciais brasi-leiras tem duas faces históricas. Por um lado, aborda e recons-trói o período republicano do país pelas vias das campanhas eleitorais dos presidenciáveis. Pelo outro, reúne dez anos de pesquisa no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).Inseparáveis, as facetas revelam o percurso metodológico do organizador e seus orientandos na recuperação, análise e re-flexão de campanhas eleitorais, esmiuçando os arsenais mi-diáticos e estratégicos da propaganda política nacional. São dezenove capítulos divididos cronologicamente em quatro

1. Publicitário. Doutorando em Educação pela UFU – Universidade Federal de Uberlândia e Mestre em Ciência da Informação, UNESP--Marília. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da FAI – Faculdades Adamantinenses Integradas e UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected].

3.1QUEIROZ

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partes. A introdução, seguindo a metáfora do universo cênico, intitula-se Abrin-do as cortinas. É apresentada, sumamente por meio de dois textos. No primeiro evidencia-se o papel pioneiro da cidade de São Paulo e o desenrolar histórico em âmbito nacional da propaganda, chegando até o início do século XXI, contex-tualizando no emaranhado histórico a propaganda política. O segundo é con-ceitual e busca evidenciar a propaganda e o marketing político, relacionando-os com o âmbito acadêmico, traçando os principais polos e linhas de pesquisa.

Na Ribalta: o republicanismo como bandeira política, é o título da primeira parte e faz uma análise das campanhas eleitorais de Deodoro da Fonseca, Pru-dente de Moraes e Campos Salles. Embora seja um período em que a oralidade era uma característica marcante das campanhas da época, os autores usaram como metodologia a pesquisa histórica e de campo, o que possibilitou articular a bibliografia existente, além da pesquisa de documentos, cartas e cartões dos presidenciáveis, bem como matérias jornalísticas da época. Outra característica do período é a de fortalecimento da imprensa como ferramenta propagandista.

A parte dois, Na boca de cena: sob os holofotes da imprensa são analisadas as cam-panhas de Rodrigues Alves, Afonso Penna, Arthur Bernardes e Washington Luís. Os jornais da época Correio da Manhã (RJ), Estado de S. Paulo (SP) e Diário de Minas (MG) são as fontes mais utilizadas para entender a dinâmica das campa-nhas. Embora o presidente Epitácio Pessoa tenha participado da inauguração do rádio no Brasil em dezembro de 1922, é Washington Luís, três anos depois, quem vai se beneficiar do meio radiofônico como apoio ideológico para a campanha.

A parte três, No palco: em cena os primeiros atos de profissionalismo, discorre sobre as campanhas de Eurico Dutra, Getúlio Vargas e Jânio Quadros. Os textos abordam a profissionalização da propaganda e marketing político, seja no caso de Vargas, que se utilizaria do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para fortalecer a sua imagem; seja no uso da comunicação popular por Jânio Quadros, tida como uma das campanhas eleitorais mais fascinantes do país; ou ainda Dutra que inaugura a pesquisa de opinião pública nas campanhas, por meio do IBOPE.

A última parte, No pano de fundo: a propaganda ideológica, como sugere o título, analisa − ainda que não houvesse campanhas eleitorais durante o período militar − a ideologia imbuída na imprensa e na mídia nos governos dos generais--presidentes: Castello Branco, Emílio Médici e Ernesto Geisel.

Por conta do tema, há um salto histórico que analisa a propaganda e a con-trapropaganda nas campanhas eleitorais de Fernando Collor de Mello e a cam-panha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002, que o levaria à presidência.

O epílogo, Fechando as cortinas: uma revisita do roteiro, traz uma ferramenta fundamental para leitura contextualizada de cada parte. Dessa maneira, deveria

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ser o primeiro capítulo a ser lido, não desmerecendo a sua função de resumir toda a coletânea, mas por seu caráter norteador.

É fundamental fazer menção ao quadro de Ações estratégicas das campanhas nas últimas páginas da obra. Construído a partir de artigos, dissertações e teses do programa de Pós-graduação da UMESP, trata-se de um arsenal histórico de ferramentas utilizadas na propaganda e marketing político brasileiro.

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Arte e reflexão nos 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba

Jéssica Amorim1

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CIASI, L. H. (Orgs.). Balas não matam ideias: 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (1974/203). Rio Claro: Gráfica Nova Editora RC, 2013. 134p.

A publicação Balas não matam ideias – 40 anos do Salão Inter-nacional de Humor de Piracicaba 1974/201, organizada pelo professor pós-doutor em Comunicação Adolpho Queiroz e pela estudante do curso de Publicidade e Propaganda do Ma-ckenzie, Letícia Ciasi, traz, junto com as obras artísticas, uma série de análises inteligentes e interpretativas de jornalistas, mestres e pesquisadores que ajudam o leitor a entender os fatores políticos, econômicos e sociais nos trabalhos gráficos apresentados. A história dos 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba contada através das charges, cartuns e quadrinhos reunidos mostra também um pedaço da história brasileira. Ditadura, milagre econômico, educação, comunicação, segu-rança, entre outros temas tomaram forma através dos traços de 76 artistas, entre eles Laerte Coutinho, Angeli, Luiz Ge-

1. Estudante de Graduação do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

3.1QUEIROZ

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raldo Ferrari, Chico Caruso, Marcos Coelho Benjamin e muitos outros que expressam fatos por meio do humor, provocando reflexões sobre a história do nosso país.

Foram quase 400 vencedores, nos 40 anos do Salão de Humor, que também é internacional, difundido em países como China, Cuba e Argentina. Queiroz, junto com Ciasi, oferecem uma amostra do que foi esse evento e sua contribui-ção para o fim da ditadura, no passado, eleições diretas e, agora, sobre proble-mas contemporâneos como a corrupção, um mal que envergonha o Brasil.

Não se esquecendo do Salãozinho de Humor, que neste ano chega a sua 11ª edição, com trabalhos de crianças e adolescentes de sete a 14 anos, destaca-do nos primeiros textos por Rosangela Camolese, secretária municipal de Ação Cultura e por Adolpho Queiroz. Homenagem ainda nos textos do jornalista e um dos fundadores do Salão, Zélio Alvez Pinto e pelo prefeito de Piracicaba, Gabriel Ferrato. Nas páginas seguintes, os cartuns e as charges tomam a cena. A primeira é de Laerte Coutinho, de 1974, analisada por Queiroz. O cartum foi vencedor do I Salão de Humor de Piracicaba. O período trata dos dez anos de vigência do Golpe de Estado, um marco na história política nacional. O prêmio foi dado pela arte ter sido inspirada na famosa fábula de Hans Christian Andersen. No cartum, um menino feito de prisioneiro grita: “O rei estava ves-tido”, enquanto em sua volta, torturadores esperam. Os torturadores, no caso, representam os integrantes do regime militar.

Em 1976, dois trabalhos são apresentados: uma charge de Chico Caruso, comentada por Antonio Hohlfeldt e uma obra de Marcos Coelho Benjamin, com as impressões de Nelia Del Bianco. As artes exprimem traços de um perío-do onde a liberdade do cidadão era cerceada pelas grandes instituições (polícia, governo, igreja).

No decorrer da história do Salão Internacional de Humor e, consequente-mente, da história do país, muitos temas são abordados. A fome aparece nos traços de Fausto Prates. Educação e desigualdade de oportunidades são expostas na arte de Rubens Kiomura, em 1980. Assim, o livro avança pelos anos 80, 90 e 2000 trazendo aos olhos do público assuntos como doenças sexualmente trans-missíveis, segurança, tecnologia, futebol, política internacional, saúde, religião, consumo, meio ambiente e muitos outros.

Além dos cartuns e das charges, há as caricaturas e histórias em quadrinhos que marcaram presença no Salão de Humor, ganhando também a atenção e o riso das pessoas em exposições fora de Piracicaba. Jânio derretendo na arte de Márcia Pereira Braga, em 1985, é analisado por Adriana Omena dos Santos. Com a conotação de que estava bêbado a ponto de derreter, os traços também evidenciam a personalidade do político autor da famosa frase: “bebo porque

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é liquido. Se sólido fosse, comê-lo-ia.” As folhas seguintes abrem espaço para os traços exaltados de Dunga e Tim Maia. Chico Buarque, Raul Cortez, Frida Khalo também não escapam dos artistas. Técnicas de Arte e narrativas do ho-mem e do mundo surgem nas histórias em quadrinhos.

No último texto do livro, a arte gráfica e a vida do cartunista ucraniano Yuri Kussobokin são homenageadas por Adolpho Queiroz. Com uma carreira admirável e um trabalho de sucesso, Yuri foi o maior vencedor do Salão Interna-cional de Piracicaba, entre o final dos anos 80 e início dos anos 2000. Na obra apresentada, vencedora em 1995, um de seus personagens carrega uma arma com notícias, tratando assim do excesso de violência estampados nos jornais. Outros trabalhos do artista são mencionados. São obras premiadas e que muito contribuíram para os 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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Comunicação pública e política: um livro sobre personagens e histórias da mídia

Milena Buarque1

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BEDIN, M. A. Pro-paganda política: estratégias, personagens e história das mí-dias. Capivari: Editora EME, 2013.

Em 2013, pelas editoras EME e Manhanelli Editorial, Adol-pho Queiroz – juntamente com a estudante de jornalismo Mariana de Andrade Bedin – organizou Propaganda Políti-ca, estratégias, personagens e história das mídias. Dividido em três partes (Estratégias, Personagens e História das Mídias), com prefácio de Carlos Manhanelli, presidente da Associa-ção Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), o livro traz uma série de artigos e estudos sobre a comunicação pública e política no Brasil.Além da organização e apresentação, Adolpho Queiroz, ex--presidente da INTERCOM e presidente de honra da POLI-TICOM, assina seis dos nove textos reunidos no livro, como autor, em coautoria ou orientação. A obra procura recompor sua atividade como pesquisador, suas “andanças por vários espaços institucionais – programas de pós-graduação, cursos de graduação em jornalismo, associações científicas, através

1. Estudante de Graduação do Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

3.1QUEIROZ

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de comunicações científicas proferidas ao longo dos anos de 2011 e 2012”. Nas palavras de Manhanelli, “a comunicação pública procura sair da mesmice que a propaganda apresenta, mas com o mesmo objetivo da persuasão”.

Em Estratégias apresenta-se o artigo Dos Cravos à Rede – Um Estudo sobre o Marketing Político em Portugal realizado pelo autor, em parceria com o presiden-te da POLITICOM Roberto Gondo Macedo. Fazem uma análise comparativa dos estudos sobre comunicação política em Portugal. O segundo bloco, Perso-nagens, traz o texto Linguagens e Esfera Pública na Sociedade em Rede: Sociedade Civil, Tecnologia, Linguagem e Política, de autoria dos professores pesquisadores Fred Izumi Utsunomiya e Mariza de Fátima Reis, ambos da Universidade Pres-biteriana Mackenzie. O artigo busca analisar as redes sociais e suas relações com a esfera pública.

No terceiro bloco, História das Mídias, o artigo Manifestações no Século XXI – O Facebook aborda o principal meio de comunicação na mobilização de rein-cidentes e manifestantes, de autoria do professor Celso Figueiredo Neto em parceria com o estudante de jornalismo Lincoln dos Prazeres; pega o gancho de manifestações ocorridas em 2010 e 2011 em todo o mundo para fazer uma profunda relação com a rede social Facebook. Já os professores Rodrigo Au-gusto Prando, Maria de Lourdes Bacha e Angela Schaun, em A Construção da Identidade e Imagem da Marca do Intelectual que se Tornou Político: Um Estudo sobre a Trajetória de FHC, se propõem a analisar a construção da imagem do ex--presidente Fernando Henrique Cardoso como intelectual político. Os artigos Humor Engajado: Charges do Jornal O Pasquim no Período da Ditadura Militar no Brasil, das estudantes de jornalismo Manuela Parisi Malachias e Mariana de Andrade Bedin, e Revista VEJA e a Política Nacional: Uma análise de 15 capas ao Longo de seus 40 anos, dos também estudantes de jornalismo Diego Felix, Jéssica Amorim e Milena Buarque, contaram com a orientação do professor Adolpho Queiroz durante o curso de Jornalismo Político da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Práticas da Comunicação Política em Contextos de Democracias Con-solidadas: Aspectos Evolutivos Pós-Redemocratização Chilena e Brasileira, realizado pelo autor, juntamente com o professor Roberto Gondo Macedo, traz para o debate uma abordagem inteligente de dois países latinos, relevantes por suas referências econômicas, semelhanças em alguns aspectos políticos, eleitorais e nos perfis de seus habitantes. Os autores analisam o contexto latino-americano, os processos de redemocratizações e suas práticas de comunicação política.

Com o título bem-humorado de Dilma, com que Roupa? o mestrando em Comunicação Fernando Ramirez Martins Junior e Adolpho Queiroz tentam identificar “pontos colocados em pauta na mídia durante a corrida eleitoral” sobre a roupa da atual presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher no comando

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do país. O artigo, com uma temática original, apresenta observações sobre mu-danças de estilo e a importância da imagem no marketing político.

Por fim, Adolpho Queiroz, um dos fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, assina sozinho a autoria de Rir faz bem, rir faz pensar: A Contribuição Histórica do Salão de Humor de Piracicaba, que traz uma análise sobre o compromisso do Salão de Humor, desde agosto de 1974, com a arte e a democracia, com a pluralidade e com as lutas políticas por um país mais igualitário e justo.

Assim, Propaganda Política, estratégias, personagens e história das mídias apre-senta um panorama diversificado e inteligente de vários casos que podem ser enquadrados dentro do que se classifica como marketing político. São persona-gens, aspectos, escolhas, períodos históricos que evidenciam a importância de se pensar em estratégias para e na comunicação política. O livro amplia o debate ao trazer os papéis do humor, da moda, de escolhas editoriais, de redes sociais e da relevância de se construir uma marca e imagem quando o assunto se dá no campo da comunicação política.

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Um novo elo na cadeia de ensino e pesquisa sobre marketing político

Priscila Nespolo Vanti

No Brasil, a utilização do marketing profissional como ins-trumento para a catação de votos é um fenômeno recente. A temática da propaganda política ganhou notoriedade es-pecialmente após a redemocratização do Brasil nos anos 80, após duas décadas em que os brasileiros viveram sob a tutela do Regime Militar.De modo sistemático, segundo Barel (1997, p. 205), somen-te a partir das eleições de 1982 é que o marketing passou a ser utilizado nas campanhas eleitorais, embora as ditaduras de Getúlio Vargas e dos militares tenham se amparado na comunicação, via propagandas políticas e exaltação à imagem dos líderes, para angariarem o popular. O Brasil, ainda con-forme o mesmo autor, só despertou para o marketing elei-toral / político profissional em 1899, na eleição presidencial daquele ano. Desde então, a profissionalização da comunicação política tem crescido muito. Nas últimas eleições, de modo especial nas presidenciais, tem se observado que o trabalho dos con-sultores políticos foi indispensável para o êxito dos eleitos. Com isso, abriu-se um novo campo para a atuação da acade-mia e diversas universidades passaram a realizar estudos que abordam o tema. Na vanguarda entre os pensadores do marketing político e defensor do estudo e documentação do tema se encontra

3.1QUEIROZ

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o professor doutor Adolpho Queiroz, que no Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo desenvolveu por anos um projeto de pes-quisa ligado à recuperação da história das eleições presidenciais da óptica da propaganda política.

Envolvido com a criação ou acompanhando de perto a atuação de outros profissionais, na busca de aproximar o mercado profissional ao setor acadêmico, Adolpho tem seu nome sempre lembrado no campo da comunicação política. Exemplo disso é sua participação na Associação Brasileira de Consultores Po-líticos (ABCOP) e na Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político (POLITICOM), da qual foi presidente.

Também fruto desta inquietação, o curso de Pós-Graduação lato sensu em Comunicação e Marketing Político da Universidade de Taubaté (Unitau) já pode ser considerado segundo elo desta cadeia. O programa foi pensado, desen-volvido e é coordenado pela professora doutora Leticia Maria Pinto da Costa, em parceria com Adolpho Queiroz, seu orientador no Mestrado e Doutorado em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo.

Profissionalização do Marketing Político

O pressuposto geral da discussão sobre a profissionalização das campanhas e da comunicação política é a passagem de modelos. De acordo com Gomes (2004, p. 72), por um lado um modelo de campanha conduzido por políticos e pessoas com filiação partidária, baseada em sua maior parte em trabalho vo-luntário, idealista e amador; de outro lado, o modelo contemporâneo em que se verifica uma forte especialização de tarefas, sobretudo as associadas com o trabalho de comunicação de massa, um crescente uso de especialistas e uma grande tendência ao gerenciamento ou centralização das iniciativas e atividades.

Os campos profissional e acadêmico no entorno da comunicação e do ma-rketing político foram ensejados de um desenvolvimento muito grande advindo da redemocratização do Brasil nos anos 80. De acordo com Queiroz (2008, p.198), se nos dias mais difíceis da Ditadura Militar era impossível conjugar possibilidades de pesquisa e atividade profissional no campo, depois dela cres-ceu em interesse, proporção e competência o espaço brasileiro de observação, análise e inovação no campo da propaganda política.

Além de exportador de mão-de-obra qualificada para a realização de cam-panhas eleitorais na América Latina, Europa e África, o Brasil possui hoje um repertório acadêmico de excelente nível, por conta de suas ações no ensino da graduação e pesquisas de pós-graduação.

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Queiroz (1998, p. 138), em um relato sobre o desenvolvimento das ações no campo acadêmico com defesas de teses e dissertações aponta a ampliação de uma imensa rede de revistas para a publicação de temas políticos, o desenvolvimento acentuado de ações com relação ao ensino da temática nos cursos de graduação de publicidade e propaganda, além das contribuições oriundas do próprio meio.

A realização constante de eleições em todos os níveis – presidentes da Re-pública, senadores, governadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores especialmente, mas também a profusão de processos eleito-rais internos em sindicatos, associações de classe e/ou comunitárias, clu-bes sociais e recreativos, entre outras atividades, tem possibilitado um in-tenso engajamento profissional neste campo. (QUEIROZ, 1998, p.139)

Desde então, a cada novo momento, profissionais de comunicação e pes-quisadores são estimulados a colaborar, quer seja na produção do material para campanhas eleitorais, quer seja no resgate da história, na pesquisa e na interpre-tação destes fenômenos eleitorais à luz das Ciências da Comunicação. Temos assistido ao avanço das contribuições oferecidas pelos programas de pós-gra-duação em Comunicação – especialmente – para o desenvolvimento de teses, dissertações e artigos científicos sobre esta temática.

O Segundo Elo da Cadeia

No universo da criação e interpretação dos fenômenos eleitorais, o professor Adolpho Queiroz se destaca. Como ele mesmo relembra, desde 1998, quando obteve o título de doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, passou a conduzir o já citado projeto de pesquisa que procura recuperar a memória das eleições presidenciais brasileiras sob a ótica da propaganda políti-ca. Desde então passaram por suas mãos diversos estudos que mostraram de que forma estratégias comunicacionais foram utilizadas em campanhas eleitorais, reunindo contribuições de pesquisadores de diversas universidades brasileiras (QUEIROZ, 1998, p. 201).

Dentre estes pesquisadores que passaram por sua orientação no programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo se encontra a professora doutora Leticia Maria Pinto da Costa. Após a conclusão de seu doutorado em Comunicação, contagiada e incentivada por seu orienta-dor, levou ao cabo a proposta de levar à universidade em que se graduou e lecio-nava um novo elo para a cadeia de ensino e pesquisa sobre marketing político

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137Adolpho Carlos Françoso Queiroz

iniciada por Queiroz. Com seu auxílio, planejou e desenvolveu a proposta do curso de pós-graduação lato sensu em Comunicação e Marketing Político da Universidade de Taubaté, que teve sua primeira turma em 2009.

Além de Letícia Maria, também passaram pela pós-graduação em Comu-nicação da Universidade Metodista de São Paulo outros professores que hoje integram o corpo docente do curso de Comunicação e Marketing Político da Universidade de Taubaté (Unitau).

O Legado do Politicom

A Unitau, por meio da pós-graduação em Comunicação e Marketing Políti-co, obteve em 2009, ano de sua primeira turma, um importante feito no campo do ensino e pesquisa na área: foi sede do VIII Congresso Brasileiro de Marke-ting Político (POLITICOM), com o tema O rádio na propaganda política.

Fundada em outubro de 2008, durante a VII Conferência Brasileira de Ma-rketing Político, realizada na Faculdade Prudente de Moraes, em Itu/SP, a Socie-dade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político (POLITICOM) tem procurado incentivar as discussões sobre propa-ganda política nos seus encontros anuais. 

Desde 2002, quando foi criado como Seminário Brasileiro de Marketing Político, sob os auspícios da Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional e pelo Programa de Pós-Graduação em Comuni-cação, a Sociedade tem conseguido anualmente ou por meio de outras ações, produzir conhecimento novo sobre marketing e propaganda política.

Por meio de seus Grupos de Trabalho sobre propaganda política no rádio, na televisão, nos jornais/revistas, na internet, nos trabalhos de conclusão de curso ou através de temas gerais, a POLITICOM reúne hoje um grande acervo de contribuições sobre o campo. Sua diretoria tem procurado também estreitar li-gações com pesquisadores do Brasil, por meio das diretorias regionais que, a mé-dio prazo devem produzir congressos e seminários similares ao evento nacional.

O VIII POLITICOM, que reuniu 150 pesquisadores de todo o país, teve como coordenador acadêmico o professor Adolpho Queiroz e como coordena-dores executivos os professores da Unitau Marcelo Tadeu dos Reis Pimentel, Edson A. de Oliveira Querido, Monica Franchi Carniello e Letícia Maria Pinto da Costa.

Além de conferências como as da professora doutora Sonia Virgínia Morei-ra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considerada uma das principais pesquisadoras da radiocomunicação no Brasil, e do professor mestre Carlos Ma-

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nhanelli, presidente da ABCOP, foram realizadas a apresentação de pesquisas e de projetos relacionados ao marketing político nos vários meios de comunicação.

O evento contou ainda om o lançamento de livros sobre o tema e, pela primeira vez, premiou o melhor trabalho apresentado no grupo temático de Projetos Experimentais por meio do “Prêmio Sérgio Arapuã Andrade”.

Ter sediado a VIII edição do POLITICOM não apenas trouxe à Unitau os principais pesquisadores da comunicação e do marketing político, como in-centivou seus alunos da pós-graduação em Comunicação e Marketing Político a mergulharem no mundo da pesquisa e apresentar trabalhos nos Grupos de Trabalho do congresso.

Com a interiorização da formação de profissionais especialistas na comuni-cação política, a Universidade de Taubaté contribui para o aprimoramento do trabalho realizado pelo setor, além de insuflar novos profissionais a adentrar o campo da pesquisa. Desta forma, observa-se que, mais uma vez, o trabalho do professor Adolpho Queiroz não fica restrito e, cada vez mais, se propaga entre os estudiosos e profissionais da área da comunicação e do marketing político.

Referências

BAREL, Moisés Stefano. O marketing eleitoral/político e a ABCOP: história e profissionalização da comunicação política no Brasil. In: QUEIROZ, A.; MA-NHANELLI, C.; BAREL, M.S. (orgs.). Marketing Político: do comício à internet. São Paulo: Associação Brasileira de Consultores Políticos, 2007.

GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004.

QUEIROZ, Adolpho (1998). Voto, mídia e pesquisa, propaganda política no Brasil. Comunicação e Sociedade, n. 30, 2º sem., p. 105-140. São Bernardo do Campo: UMESP.

QUEIROZ, Adolpho. Marketing Político. In: MELO, José Marques. O campo da Comunicação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2008.

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ. Site: www.unitau.br. Informações disponí-veis em 22 de fevereiro de 2013.

VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE MARKETING POLÍTICO (POLI-TICOM). Site: www.unitau.br/politicom. Informações disponíveis em 22 de fevereiro de 2013.

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139Adolpho Carlos Françoso Queiroz

Produção bibliográfica1

Livros publicados/organizados ou edições

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso  (Org.). Comunica-ção Política. Londrina: Syntagma Editores, 2014. 272p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; AMORIM, J; BU-ARQUE, M. Opinião pública e eleições. BAURU: UNESP, 2013. v. 1. 190p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MOLINA, V. (Org.); FAVARO, J. E. (Org.); CIASI, L. H. (Org.); VBE-DIN, M. A. (Org.); MIGLIARI, P. B. (Org.); QUEIROZ, A. C. S.  (Org.). Panorama da comunicação e das teleco-municações no Brasil. 1. ed. BRASÍLIA: IPEA, 2013. v. 4. 376p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BEDIN, M. A. Pro-paganda politica: Estratégias, personagens e história das mí-dias. 1. ed. CAPIVARI: EDITORA EME, 2013.

1. Fonte: currículo Lattes de Adolpho Queiroz, consultado em jun.2014.

3.1QUEIROZ

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140 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); CIASI, L. H. (Org.). Balas não ma-tam ideias: 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (1974/203). 1. ed. RIO CLARO: GRÁFICA NOVA EDITORA RC, 2013. v. 1. 134p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; VIEIRA, R. C. A mobilização social no contexto politico e eleitoral. 1. ed. CURITIBA: UNIVERSIDADE FE-DERAL DO PARANÁ, 2013. v. 1. 198p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Crisálida: o libertar da imaginação cria-dora. 1. ed. Taubaté: Cabral, Editora e Livraria Universitária, 2013. v. 1. 272p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso  (Org.);  MACEDO, Roberto Gon-do (Org.). Caminhos do campo comunicacional no Brasil e Argentina - III Colóquio Brasil/Argentina - INTERCOM. 1. ed. SÃO PAULO: INTERCOM, 2012. v. 1. 440p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). No espaço cênico de propagan-da política: mídia, comunicação e marketing político nas campanhas presiden-ciais brasileiras. 1. ed. Taubaté: Papel Brasil, 2011. v. 1. 600p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); SCHAUN, Angela. (Org.). Me-mória, Espaço e Mídia. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco, 2010. v. 1. 255p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CARNIELLO, M. F; MACEDO, Ro-berto Gondo; COSTA, Letícia Maria Pinto da; OLIVEIRA, Edson de Araujo Querido. Marketing político estratégias globais e regionais. 1. ed. Rio de Janeiro: Oficina de Livros, 2010. v. 1. 288p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso  (Org.); ARAUJO, Denise Castilhos de (Org.); MACHADO, Maria Berenice (Org.). História, Memória e Reflexões sobre a Propaganda no Brasil. 1. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2008. v. 1. 304p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MELO, José Marques de (Org.). Unidade e Diversidade na Comunicação. São Paulo: Intercom, 2008. 66p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; MACEDO, Roberto Gondo. A Propa-ganda Política no Brasil Contemporâneo. 1. ed. , 2008. v. 1. 502p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MANHANELLI, C. (Org.); BA-REL, Moisés Stéfano (Org.). Marketing Político: do Comício à Internet. 1. ed. São Paulo: ABCOP, 2007. v. 1. 215p.

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141Adolpho Carlos Françoso Queiroz

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). Na Arena do Marketing Políti-co. 1. ed. São Paulo: Summus, 2006. v. 1. 338p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); GONZALES, L. (Org.). Sotaques Regionais da Propaganda. 1. ed. São Paulo: Arte e Ciência, 2006. v. 1. 340p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso  (Org.). Propaganda, História e Mo-dernidade. 1. ed. Piracicaba: Editora Degaspari, 2005. v. 1. 303p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Marketing Político Brasileiro: ensino, pesquisa e mídia. 1. ed. INTERCOM: São Paulo, 2004. v. 1. 178p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); OLIVEIRA, Dennis de (Org.). Jornais Centenários de São Paulo. 1. ed. Piracicaba: Editora Degaspari, 2002. v. 1. 192p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); NEGRI, A. C. F. (Org.). A His-tória da Imprensa em Santa Bárbara d›Oeste. 1. ed. Santa Bárbara d’Oeste: Editora Socep, 1998. v. 1. 160p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BOTAO, P. R; BILAC, M. B. B. (Orgs.). Imprensa e Eleições em Piracicaba. 1. ed. Piracicaba: UNIMEP-FAP, 1996. v. 1. 99p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); ALMEIDA, Fernando Ferreira de (Org.). Comunicação e Mudanças Sociais. 1. ed. Piracicaba: Ponto Final/INTERCOM, 1994. v. 1. 141p.

QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. A TV de papel. Piracicaba: Editora da Unimep, 1990. 130p.

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MANUEL CARLOS CHAPARRO

Marli dos Santos (UMESP)(Organizadora especial)

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143Manuel Carlos Chaparro

Na linha do tempo, dias de jornalista e pesquisador

Marli dos Santos1

Manuel Carlos Chaparro é considerado um dos renovadores no contexto do pensamento comunicacional brasileiro2, suas contri-buições têm sido compartilhadas e discutidas em muitas escolas de jornalismo, bem como em empresas públicas e privadas no Brasil e em outros países. Seus relatos, comentários e reflexões foram compartilhados nos livros que escreveu, nos artigos publi-cados em periódicos científicos, nas reportagens que fez para jor-nais portugueses e brasileiros, nas colunas para a grande imprensa no Brasil e em Portugal, bem como na internet, por meio do seu blog O xis da questão, em média com 300 acessos diários.

1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comuni-cações e Artes da Universidade de São Paulo (2004) e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (1998). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Co-municação Social da UMESP.

2. José Marques de Melo criou uma nomenclatura para classificar pesquisadores, conforme suas contribuições no campo da Comu-nicação. São os precursores, desbravadores, inovadores, renova-dores. Em evento realizado na FAPESP – Fundação de Ampa-ro à Pesquisa no Estado de São Paulo, “50 anos de Pesquisa em Comunicação”, alguns precursores, desbravadores, inovadores e renovadores foram homenageados. (FAPESP, 2013).

4.1CHAPARRO

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144 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Na linha do tempo que vem a seguir foram reunidos alguns períodos mar-cantes na trajetória do jornalista, professor e pesquisador Chaparro, que passa-ram necessariamente pela prática e a teoria do jornalismo. O dossiê produzido por ocasião de seu 70º aniversário e publicado no segundo semestre de 2004 na Revista PJ:Br – Jornalismo Brasileiro3, foi atualizado pela mesma autora. As fotos são do arquivo pessoal do professor.

Dias de Menino

Chaparro nasceu em 04 de março de 1934, em Tramatal, Portugal. Aos 8 anos, já dava sinais de que o texto seria essencial para se expressar no mundo. Tor-nou-se escriba de seus colegas de escola na segunda série do curso primário (atual segundo ano do ensino fundamental), a escrever “bilhetinhos de iniciação amoro-sa”, como ele mesmo revela no documentário autobiográfico, produzido em 2013.

Adolescente, teve de ficar internado no Sanatório do Outão, dos 12 aos 16 anos, por causa de uma doença que lhe impedia de andar. A biblioteca do lugar, rica na oferta de livros clássicos, era a sua fonte de saber e inspiração: leu tudo o que podia da literatura universal. Foi também nesse período que revelou a sua aptidão para o jornalismo. Com mais dois colegas criou um jornal, O Esca-rumba, que fazia críticas e incomodava as freiras, responsáveis pelo atendimento aos pacientes daquele hospital. Logo a publicação foi censurada.

3. A Revista PJ:Br é coordenada pelo Grupo de Estudos “Pensamento Jornalístico Brasi-leiro”, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, criado pelo professor emérito José Marques de Melo. Atualmente, conforme consta no expediente da publicação, tornou-se uma produção aberta, de caráter coletivo, porém ainda co-ordenada pelo mesmo núcleo (PJ: BR, 2013). O dossiê de Manuel Carlos Chaparro foi publicado originalmente na revista PJ:Br no 2º semestre de 2004 e atualizado em setembro de 2013 pela mesma autora.

Chaparro aos 9 anos

E aos 14 anos (esq.), no Sanatório de Outão, per-to da cidade de Setúbal, em Portugal

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145Manuel Carlos Chaparro

Dias De Repórter E Militância Em Portugal (1953-1961)

Chaparro iniciou sua vida de repórter muito jovem. A primeira entrevista ocorreu em 1953, ainda como colaborador do jornal Juventude Operária, da Juventude Operária Católica. O entrevistado era nada menos que o recordista mundial na travessia do Canal da Mancha, Batista Pereira. Como o encontro ocorreu em um café famoso, cerca de 50 pessoas estavam presentes.

Atrás da notícia e no meio do povo. No Diário Ilustrado integrou a equipe de repórteres, de 1958 a 1961.

Em reportagem investigativa, uma mulher assassinada. O corpo foi en-contrado amarrado a uma pedra em um poço, mas não se sabia a sua identidade. O fato mobilizou a população da aldeia Vale de Nogueira, nos arredores de Lis-boa, e depois o país inteiro. As testemunhas mostraram ao repórter Chaparro o local e o tamanho da pedra, quase 15 quilos. O colega de redação, Antonio Feio, também participou das investigações.

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Chaparro entrevista Oto Glória  (sequência abaixo), técnico que levou a seleção de futebol de Portugal a um de seus maiores feitos: o 3º lugar na Copa da Inglaterra, em 1966. No Brasil, Glória tornou a Portuguesa campeã paulista em 1973.

Despedida de Lisboa. O abraço dos colegas do Diário Ilustrado, do amigo Antonio Feio (em pé, de óculos). Chaparro deixou Portugal (1961) em busca do sonho da liberdade de expressão, cerceada nos tempos da ditadura salazarista.

A militância no Juventude Operária, jornal ligado ao movimento da JOC - Juventude Operária Católica (1953-57).

Com Barata... ...a caminho de Roma. Lisboa

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147Manuel Carlos Chaparro

Durante a militância na JOC, participava de reuniões em diversos países europeus, como França e Itália.

O repórter é o entrevistadoFontana de Trevi, Itália

A JOC foi uma das experiências mais decisivas na formação do cidadão e do jornalista Manuel Carlos Chaparro. Abaixo, grupo de militantes no Conse-lho Mundial da JOC.

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148 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Dias de Repórter no Brasil (1961-1967)

A convite de Dom Eugênio Salles, então bispo da Arquidiocese de Natal, , para assumir o cargo de editor do jornal A Ordem, deu início à sua trajetória no jornalismo brasileiro. Abaixo, os colegas e a velha máquina de escrever.

Arquivo Pessoal

Como correspondente, atuou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “Jornal do Brasil” e na revista “Visão”.

Momentos de reconhecimento público. Foram quatro Prêmios ESSO, to-dos na década de 60, resultado de grandes reportagens que abordavam aspectos sociais, culturais e econômicos do Nordeste brasileiro. Atuando no jornal “A Or-dem”, da Arquidiocese de Natal, ganhou três premiações. Em 1962, foi menção honrosa com a reportagem “Simbaúba, terra lendária”; 1963, Prêmio Regional pela autoria de “Terra rica em gente pobre”; outro Prêmio Regional por “Guerra à jangada”, em 1964. Já no Jornal “Diário de Pernambuco”, ganha o Prêmio Esso de Informação Econômica, pela reportagem “As dez mãos do Artesão”, 1966.

Arquivo Pessoal

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149Manuel Carlos Chaparro

Arquivo Pessoal

Na Sudene, a experiência da Assessoria de Imprensa. Convidado pelo en-genheiro agrônomo João Gonçalves de Souza, alto funcionário da OEA - Orga-nização dos Estados Americanos, montou e coordenou a Assessoria de Impren-sa da Sudene - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, em 1964, após a experiência como editor do jornal da Arquidiocese de Natal, A Ordem, e como correspondente da revista Visão e do Jornal do Brasil. Quando deixou a estatal, voltou à imprensa diária, atuando como repórter do Diário de Pernam-buco e Jornal do Commercio.

Dias de Empresário

Em 1967 Chaparro chegou a São Paulo, como secretário de redação e editor de planejamento do projeto Suplementos Especiais da Folha de S. Paulo. Grandes temáticas da realidade brasileira foram abordadas, entretanto questões internas o fizeram pedir demissão do jornal. Em 1968, num lance de criativi-dade, cria a Proal - Programação e Assessoria Editorial, para fazer história no jornalismo empresarial brasileiro.

Dia de reunião na Proal Torquato Gaudêncio (ao centro) era parceiro de Chaparro (o primeiro à direita), criador da Proal

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150 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Na Proal, ao lado de Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, então pro-fessor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ao centro, nas duas primeiras fotos), criou jornais e revistas para grandes empresas, como a General Motors do Brasil, Pirelli, Sabesp, Philips, Cetesb, Firestone e outras. Os Cadernos Proal surgem como reflexão teórica sobre a prática do jornalismo empresarial. As reuniões de avaliação com clientes e jornalistas da grande imprensa também foram uma experiência diferenciada.

Como criador e diretor de redação da Proal, Chaparro trouxe a experiên-cia do jornal diário impresso, abordando assuntos até então considerados tabus pelas empresas, como os acidentes de trabalho. Em contato constante com os clientes, conhecia o universo e as necessidades de cada um.

Dias de Professor e Pesquisador

Em 1979, tornou-se aluno do curso de Jornalismo da ECA/USP - Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, para refletir sobre a prática jornalística. Formou-se em 1982. Enveredou pelo campo da pesquisa, ingressando no mestrado, em 1983. Em 1984 participou de concurso público,

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151Manuel Carlos Chaparro

para integrar o quadro de docentes da mesma instituição. De 1989 a 1991 presidiu a INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Tornou-se doutor em 1994. No ano seguinte, lançou o livro Pragmática do Jornalismo, resultado da tese de doutorado. Depois do pós-dou-torado na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, desenvolveu projeto de livre-docência, publicando a seguir Sotaques d´Aquém e d´Além Mar – percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro, em 1998.

Em 2001, Chaparro lança Linguagem dos Conflitos, coletânea de artigos e crônicas sobre a atualidade, porém “em jeito” de reflexão (somente em edição portuguesa). Três anos depois, em 2004, Imprensa na Berlinda (2004), em coau-toria com Wilson Martins e Norma Alcântara, sobre as assessorias de imprensa/comunicação e seu papel como fonte organizada. Em 2006 lança o livro-repor-tagem biográfico Padre Romano – Profeta da Libertação Operária.

No início dos anos 2000, Chaparro também tornou-se colunista do portal Comunique-se. Acumulou na sua experiência de uma vida inteira, desde os 8 anos quando era escriba da turma do segundo ano primário em Portugal, a relatar e comentar a realidade em páginas e páginas da imprensa portuguesa e brasileira, inclusive no Diário Popular, como crítico de Televisão, e no semaná-rio português O Ribatejo, além de criar diversas publicações laboratoriais como docente na ECA/USP, como Jornal do Campus, São Remo, Reproposta (voltado à terceira idade), entre outros.

Dias Futuros

No blog O xis da questão o professor continua a ensinar, mas para uma pla-teia bem maior. No espaço virtual pratica e ensina jornalismo. Uma sala de aula

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bastante frequentada, com cerca de 300 acessos diários. No conteúdo do blog é possível assistir às aulas em vídeo, baixar arquivos de textos teóricos, artigos e outros materiais que ele disponibiliza generosamente para os internautas.

Em 2012 resolveu aprender música, e agora também toca seu teclado. Sua trilha sonora é Coimbra do choupal (música de Raul Ferrão e letra de José Ga-lhardo). Ele diz que a música vai inspirá-lo a ser mais criativo no texto. Como não cansa de repetir, a palavra é a sua grande aliada. E dela se nutre, para parti-lhá-la com sotaques e sabedorias por onde passa.

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153Manuel Carlos Chaparro

Ética: valor central do jornalismo, segundo Manuel Carlos Chaparro1

Antonio Hohlfeldt2

O que me levou a ser jornalista foi esta descoberta ter-rível de uma classe operária em Portugal, que por falta de informação não tinha consciência da sua dignidade e não entendia o mínimo dos problemas que a afeta-vam, portanto não tinha capacidade de luta. E eu imaginei certa vez que se eu fosse jornalista eu poderia ajudar a reduzir este problema, para manter informada a classe operária3.

1. Comunicação apresentada à mesa “A Intercom e a Memória das Ciências da Comunicação-Homenagem a Manuel Chaparro” do XXXVI Congresso da Intercom, na UFAM, em 05/09/2013.

2. Presidente da Intercom, pesquisador do CNPq; professor do Pro-grama de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS.

3. CHAPARRO, Manuel Carlos, no “Discurso de jornalista e Dr. Prof. Manuel Carlos Chaparro, em agradecimento ao Prêmio Averroes”, em São Paulo, em 14/04/2012. Disponível em: <ht-tps://luanacopini.files.wordpress.com/2012/04/discurso-chapar-ro.pdf>. Acessado em 16/08/2013.

4.1CHAPARRO

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154 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

No dia 14 de abril de 2012, o professor e jornalista Manuel Carlos Cha-parro recebeu o Prêmio Averroes4 e, em sua fala de agradecimento, expressou o pensamento que se tornou a epígrafe desta minha intervenção. Acho que ela explica o conjunto de ações que marcaram a vida do jornalista, do professor e do pesquisador acadêmico que hoje está sendo aqui relembrado, inclusive por ter sido Presidente da INTERCOM. O quanto ele fez pela entidade foi muito bem analisado, recentemente, pelo seu fundador e hoje Presidente de Honra, José Marques de Melo, em intervenção realizada em 20045.

Esta mesa, contudo, tem tarefa diversa: ela pretende discutir a contribuição acadêmica do homenageado. Por isso, decidi partir daquela passagem que tomei como epígrafe, para discutir duas obras de Manuel Carlos Chaparro, Pragmática do jornalismo6 e Sotaques d`aquém e d´além mar7.

Recupero rapidamente alguns dados biográficos, mas apenas aqueles que me interessam para a leitura que quero propor. Valho-me, para tanto, de ex-celente artigo de Daiane Rufino8. Chaparro foi membro da JOC – Juventude Operária Católica Portuguesa. Tornou-se jornalista em 19559, muito jovem, portanto, e em 1961 aceitou convite para viajar ao Brasil, buscando escapar

4. A pedido do Hospital Premier/ Grupo MAIS, o Prêmio Averroes foi concebido em 2008 pelo escritor ítalo-brasileiro José Luiz Del Roio, Senador da República Italiana, membro do Parlamento do Conselho da Europa em Strassburgo e do Parlamento da União Europeia Ocidental em Paris. Dirigido a intelectuais que se distinguem por sua permanente disponibilidade humanística.

5. MELO, José Marques – Depoimento no seminário acadêmico “Sotaques do Jorna-lismo. Contribuições de Manuel Carlos Chaparro aos fazeres e dizeres jornalísticos”, coordenado pela Profa. Dra. Marli dos Santos, durante o XXVIII Congresso da Inter-com, na PUCRS de Porto Alegre, no dia 31/08/2004. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_d.htm>. Acessado em 16/08/2013. Trata-se da edição eletrônica da Revista PJ:Br, edição 4, 2º semestre de 2004.

6. CHAPARRO, Manuel Carlos – Pragmática do jornalismo. Buscas práticas para uma teoria da ação jornalística, São Paulo, Summus. 1994.

7. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, São Paulo, Summus. 2008. A edição original portuguesa é de 1998.

8. RUFINO, Daiane – “Manuel Carlos Chaparro e a busca de um jornalimo social” in Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, São Bernardo do Campo, Univer-sidade Metodista de São Paulo, Ano 14 n.14, p. 131-141 jan/dez. 2010.

9. Manuel Carlos Chaparro nasceu em 1934.

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155Manuel Carlos Chaparro

à ditadura salazarista do Estado Novo. Atendia, assim, a um convite do Bis-po Dom Eugenio Sales, de Natal, e vinha integrar-se à equipe do jornal da diocese, A Ordem, que ajudou a transformar num dos melhores do Nordeste brasileiro. Chaparro conheceu, de perto, a miséria e a injustiça dos coronéis da caatinga, e por isso, mais adiante, passa a integrar a assessoria de comunica-ção da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que então volta a ser administrada por civis, após o golpe de 1964. Ali permaneceu durante dois anos.

Manuel Carlos Chaparro sempre desenvolveu um jornalismo de investiga-ção e de debate, o que o levou a ganhar, por quatro vezes, em diferentes catego-rias, o Prêmio Esso de Jornalismo. Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e, já em São Paulo, Folha de São Paulo, são algumas das redações pelas quais ele passa. Em 1979, aos 45 anos de idade, experimentado e calejado no jornalismo, decide-se pela universidade. Faz vestibular, entra para a Escola de Comunicação e Artes da USP, forma-se e ei-lo a dar aulas, a partir de 1984. Mas não para: faz Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado e defende tese de Livre Docência. Aposenta-se em 2001, mas para quem pensou que ele iria se aquietar, enganou--se. Hoje em dia, edita o blog O Xis da Questão (www.oxisdaquestao.com.br), onde continua refletindo, jornalística e filosoficamente, sobre a realidade brasi-leira e o jornalismo. Uma de suas séries de artigos mais interessante foi gerada, recentemente, a partir das manifestações de rua iniciadas em junho do corrente ano e os modos de sua cobertura jornalística pelas mídias brasileiras, dos jornais à televisão.

Na leitura que pretendo propor, aqui, esta perspectiva biográfica vincula--se diretamente à gênese e às preocupações que encontramos em Pragmática do jornalismo e em Sotaques d´aquém e d´além mar, tal como tentarei de-monstrar.

Pragmática do jornalismo

Logo na introdução da obra, Chaparro enuncia três preocupações que o levaram a tais estudos: a) como se manifestam, se escondem ou se simulam os propósitos que motivam e as intenções que controlam as mensagens jorna-lísticas, na imprensa diária brasileira? b) que interesses estão conectados a tais propósitos e que princípios éticos inspiram as intenções ordenadoras da ação jornalística? c) que influência a explicitação ou a não explicitação das intenções exerce na vontade do leitor, no que se refere à decisão de ler ou não ler, aceitar ou rejeitar a mensagem? (p. 13).

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Para desenvolver seus estudos, Chaparro apoia-se na perspectiva da pragmá-tica, assim como a entende Teun van Dijk. Chaparro tem clareza no fato de que a linguagem jornalística é uma prática marcada por intenções e interesses (tal como o reconhecera Max Weber a propósito das instituições em geral). Ora, a imprensa capitalista é uma instituição: ela precisa ter lucro, através de uma atividade que é a publicação jornalística. Mas esses interesses geram contradi-ções que nem sempre a empresa consegue resolver. Fugindo, contudo, ao ma-niqueísmo, nosso professor também se dá conta que, em muitos outros casos, o problema não é financeiro, ainda que continue sendo político (no sentido de que se relaciona com o poder). Por exemplo, o editor do jornal, naquele dia, sentiu-se prejudicado com alguma decisão de uma empresa pública e decide pautar o assunto, desde que o enfoque do tema seja contrário a essa empresa. Por fim, o problema pode não ser nem financeiro nem político, mas apenas de (falta de) responsabilidade: o jornalista não apurou devidamente o aconteci-mento, não fez as perguntas que precisaria fazer, não prestou atenção a alguns detalhes, tinha pressa, não estava suficientemente preocupado com o que fazia, sua responsabilidade não lhe aparecia assim tão evidente.

Lembrando, em parte, algo da teoria da ação comunicativa de Jurgen Haber-mas que, aliás, ele cita em várias passagens, Chaparro mostra que a função do jornalista necessita de uma plena consciência para bem realizar-se: consciência de que a informação por ele redigida e divulgada na página do jornal produz - ou não produz – efeitos e reações entre leitores. Se mal apurada e redigida, talvez não consiga mobilizar o leitor como deveria, indignando-o, por exemplo. Ou, de outro lado, traçará um quadro pessimista de algo que foi apenas casual e momentâneo, com evidentes prejuízos para alguma das partes envolvidas no acontecimento.

Por isso, na segunda parte do livro, “Pragmática viva”, Chaparro parte para uma análise prática de uma série de situações que ele selecionou cuidadosamen-te. Na terceira parte, e a partir de uma experiência concreta, que foi sua parti-cipação na reforma experimentada pelo jornal Folha de São Paulo, ele procura mostrar como uma excelente ideia foi parcialmente desqualificada, resultando num manual de redação que, para além do tom autoritário e impositivo que acabou adotando, de pouco ou nada serve, pois o jornal e os jornalistas as-sumiram uma espécie de autossuficiência que os leva a resistir ferozmente às eventuais correções de suas informações, constituindo o que ele denomina de “patologia complexa” (p. 105).

Fechando seu trabalho, Manuel Chaparro retoma van Dijk, destacando o conceito de jornalismo daquele pesquisador: “o ato de fala próprio do jornalis-mo é o de asseverar (do latim asseverare – afirmar com certeza, segurança)”. (p.

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113). Distinguindo entre intenção e propósito ele destaca a importância hierár-quica do propósito, para resumir sua perspectiva teórica e prática:

1) Sendo o jornalismo um processo social de ações conscientes, contro-ladas ou controláveis, esse processo só se concretiza se os fazeres jorna-lísticos (envolvendo o uso de técnicas para a produção de uma expressão estética) forem cognitivamente controlados por intenções inspiradas nas razões éticas que dão sentido social a esse processo. 2) Porque as ações são conscientes e têm consequências sociais relevantes, o jornalista é responsável moral pelos seus fazeres.3) Se a intenção controla conscientemente o fazer, então determina os procedimentos técnicos e inspira as buscas e as soluções estéticas.4) A intenção é, portanto, liga abstrata que funde ética e técnica, na busca de uma estética significativa para o processo.5) Dado que a razão ética primordial do jornalismo é a de viabilizar, asseverando, o acesso ao direito de informação, a estética significativa a ser alcançada pelo jornalismo é o do relato veraz – isto é: o relato do que em verdade foi visto, ouvido e sentido pelo mediador.6) A ação jornalística se esgota no seu ato de asseverar, quando a mensa-gem é lida. Os efeitos derivados, em forma de comportamentos ou novas ações sociais, fazem parte da esfera criativa e livre do receptor, inserido em suas próprias circunstâncias sociais e seus interesses. Os comporta-mentos e as ações sociais derivadas dos atos comunicativos do jornalismo realimentam o processo social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética e moral da sociedade10.

Essa simples passagem serviria para animar um curso de ética do jornalismo, por certo, como é sua intenção, inclusive no que tem a ver com uma tendência contemporânea, iniciada aparentemente após o episódio das Diretas Já, em que a mídia pretende denunciar, processar, julgar e condenar a pretensos sujeitos de acontecimentos sociais de relevância. Chaparro deixa bem claro que a responsa-bilidade do jornalista é asseverar, isto é, informar com segurança e fidelidade, o acontecimento, sem emitir juízo de valor e, sobretudo, sem ultrapassar sua pró-pria função jornalística. Esta é a sua responsabilidade ética e moral, nada mais. Qualquer outra cabe ao cidadão que o jornalista também é, mas não enquan-to jornalista. Dito de outro modo: “denunciar à sociedade o comportamento

10. CHAPARRO, Manuel Carlos – Pragmática do jornalismo, op. cit., p. 116.

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corrupto e imoral de um presidente da República é dever do jornalismo e do jornalista; derrubá-lo é prerrogativa do povo organizado” (p. 121).

O livro seguinte de nosso autor, Sotaques d´aquém e d´além mar, tem uma carreira significativa. Foi primeiro editado em Portugal, em 1998, com um belo prefácio de Mário Mesquita. Dez anos depois, foi publicado no Brasil. O que propõe o autor, desta vez? A quebra dos velhos paradigmas que separam jorna-lismo informativo e jornalismo opinativo. Mais que isso, apresenta uma cons-tatação, em 1998, que eu viria a repetir em 2008: o jornalismo português e o brasileiro desconhecem-se reciprocamente. (p. 25). Quando a eles acrescentamos o jornalismo que passei a denominar de jornalismo de colônias de expressão portuguesa11, transformadas, todas elas, após os acontecimentos de 1974 e 1975, em nações independentes, a situação piora muito, e só não é pior, porque muitos dos pesquisadores e profissionais daquelas nações têm viajado para Portugal ou para o Brasil a fim de se aprimorarem em seus estudos. O projeto de Manuel Carlos Chaparro, neste livro, de uma história comparada do jornalismo lusitano e brasileiro, que eu saiba, é pioneiro. Como estou procurando seguir o mesmo caminho, tomo-o como modelo e referência. Efetivamente, Chaparro desdobra, pelas páginas de seu trabalho, uma história cronológica e paralelística da impren-sa de ambos os países, evidenciando as tendências que ambas experimentavam ou sofriam. Desta sua perspectiva avulta, com evidente clareza, o quão semelhante são tais histórias: de um lado, porque os personagens centrais – quer dizer, os reis, são os mesmos: Dom João VI, Dom Miguel, Dom Pedro I, etc. Por outro lado, porque as ideologias em choque igualmente são as mesmas, aliás, não apenas em Portugal e no Brasil, quanto no restante da Europa e também no restante da América Latina. Portanto, deve-se dizer que não só é possível, quanto é absolu-tamente necessário que uma história abrangente da imprensa em Portugal inclua o Brasil e vice-versa: mais, que uma história da imprensa de Portugal e do Brasil incluam as histórias da imprensa da Europa continental e da América hispânica. Neste caso, não se pode nem deve deixar de lado quer as colônias de Portugal, quer as colônias de Espanha. Eis um projeto fantástico a ser ainda perseguido pelos historiadores. Dele, temos apenas alguns ensaios. Ao final desta primeira

11. HOHLFELDT, Antonio – “Imprensa das colônias de expressão portuguesa: Primeira aproximação”, in Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, Ano 30, n. 51, p. 135-154, jan./jun. 2009. Valhi-me, como indico no artigo, de expressão cunhada por Salvato Trigo, aplicada à literatura angolana e que estendi à imprensa das mesmas regiões em que ocorreu a colonizaçao portuguesa desde o século XV.

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parte do trabalho, Chaparro registra duas diferenças significativas (lembremo--nos da data da obra, 2008, a partir de um texto original de 1998): “no Brasil, ao contrário do que ocorre em Portugal, os grandes jornais pertencem a conglo-merados familiares” e acrescenta, logo em seguida: “outra diferença [...] está na relação de forças entre redações e empresas”. O autor reconhece que, “no Brasil, não existem Conselhos de Redação, nem Estatutos Editorais, nem negociações sobre quem vai ser o próximo diretor. A lógica e as razões de mercado impõem-se ao jornalismo diário brasileiro, para lhe garantir sucesso”.(p. 105).

Evidentemente que o passar do tempo obriga a rever estas duas observações: no primeiro caso, lembrar que, atualmente, os conglomerados familiares brasi-leiros correspondem, de certo modo, aos conglomerados multinacionais, sobre-tudo franceses e espanhóis, que adquiriram boa parte da mídia portuguesa. Por outro lado, quanto aos Conselhos de Redação, parte desta experiência portu-guesa, que também ocorre na França, perdeu-se, devido à reviravolta sofrida nas últimas décadas, em que os títulos mais tradicionais e referenciais da imprensa de Portugal, ou desapareceram, ou foram vendidos para outros controladores, nos moldes do já observado acima12.

Não obstante estas atualizações, e porque é a partir destas observações que se inicia a segunda parte do livro, deve-se destacar que elas continuam absoluta-mente corretas e vigentes. O autor pretende comparar os textos jornalísticos de Portugal com os do Brasil. Parte de uma classificação anteriormente apresentada por José Marques de Melo13, distinguindo entre jornalismo informativo (nota, notícia, reportagem e entrevista) e jornalismo opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta). Em seguida, propõe uma periodização que, sem ser apenas histórica ou vinculada exclusivamente à evo-lução da imprensa brasileira, acaba se refletindo sobre as práticas da imprensa, notadamente quanto aos objetivos que ele tem em vista, e que ele denomina de político-cultural14. A partir daí, faz uma seleção dos jornais a serem tomados como corpus do estudo. O mesmo processo ele realizará com os jornais portu-gueses, mas com uma variante. Depois de estudar detidamente a prática dos jor-nais brasileiros, Chaparro limita-se a compará-la com a dos jornais portugueses.

Assim, ele faz os seguintes registros sobre a imprensa brasileira:

12. Ver, a respeito, LIMA, Helena – A imprensa portuense e os desafios da modernização, Lisboa, Horizonte/Centro de Investigação Media e Jornalismo. 2011.

13. MELO, José Marques – A opinião no jornalismo brasileiro, Petrópolis, Vozes. 1994.

14. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., p. 112.

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1. A alteração mais significativa nas formas discursivas do jornalismo brasileiro ocorreu entre 1985 e 1994, com o crescimento dos cha-mados espaços de “serviço” dos jornais. Isso significa que, neste pe-ríodo, o jornal ficou mais atento aos (pseudo)interesses do leitor;

2. Cresceram significativamente o que ele denomina de resumos di-dáticos sobre os acontecimentos, o que, na perspectiva da agenda setting, chamamos de efeito enciclopédia das matérias, de que os editores estão bastante cientes. Aqui, mais uma vez, destaca-se a perspectiva de levar em conta os interesses (ou a pretensa ignorân-cia?) dos leitores;

3. Há certa relação entre a liberdade política e as formas discursivas dos jornais: maior liberdade, maior área opinativa;

4. O artigo e a reportagem são as espécies discursivas mais presentes no jornalismo brasileiro;

5. A importância da notícia decresceu durante o período ditatorial e tornou a crescer após o final da ditadura;

6. A coluna marca fortemente a identidade do jornalismo brasileiro;7. A entrevista teria um caráter híbrido quanto à intencionalidade e

aos efeitos de seus conteúdos;8. A crônica é outra forte identidade do jornalismo brasileiro;9. A história em quadrinhos firmou-se nas páginas dos jornais brasilei-

ros, crescendo gradativamente;10. Acontecimentos de grande impacto alteram significativamente as

rotinas dos jornais brasileiros;11. Os textos de reportagens, notícias, entrevistas, artigos e colunas

mostram que cresce a hibridação entre jornalismo informativo e jornalismo opinativo15.

A partir deste levantamento exaustivo, Chaparro propõe, então, que se con-siderem dois tipos de gêneros, o comentário e o relato, cada um deles subdivi-dido em outros conjuntos:

Relato: espécies narrativas (notícia, reportagem, entrevista, coluna) e es-pécies práticas (roteiros, indicadores econômicos, agendamentos, previ-são do tempo, consultas e orientações úteis);

15. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., entre as pági-nas 119 e 136.

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161Manuel Carlos Chaparro

Comentário: espécies argumentativas (artigo, coluna, carta) e espécies gráfico-artísticas (caricatura e charge)16.

Ele parte, então, para a comparação entre a imprensa brasileira e a portugue-sa, chegando aos seguintes resultados:

1. As formas discursivas da imprensa diária brasileira são mais diversi-ficadas em relação à imprensa diária portuguesa. Tal conclusão indi-caria uma adesão mais decidida da imprensa brasileira aos padrões da imprensa capitalista;

2. Pelos mesmos motivos, o espaço de serviço também é maior na im-prensa brasileira que na de Portugal;

3. Ainda em decorrência da primeira observação, o propósito de conquista do leitor está mais explícita na imprensa brasileira do que na lusitana;

4. O gênero relato é maior na amostra brasileira, mas não chega a ser significativo;

5. Os jornais portugueses são mais editorializados do que os brasileiros;6. A Coluna, marca forte da imprensa brasileira, praticamente inexiste

na imprensa portuguesa;7. Também os editorais são mais importantes na imprensa brasileira do

que na portuguesa; 8. O artigo, em relação ao Comentário, e a Reportagem, em relação ao

Relato, são os gêneros mais presentes em ambas as imprensas;9. A chamada action story, segundo a classificação de Carl Warren,

praticamente desapareceu na imprensa de ambos os países, o que poderia indicar que, cada vez mais, os repórteres já não saem mais às ruas em busca dos acontecimentos17;

10. O espaço ocupado pela publicidade tem crescido significativamen-te, sobretudo em termos brasileiros.

16. Idem, op. cit., p.178.

17. WARREN, Carl – Gêneros periodísticos informativos, Barcelona, ATE, 1975. A afirma-ção deve ser observada sob dois aspectos: de fato, e ao menos no Brasil, tem-se acusado os jornalistas de se tornarem demasiadamente burocráticos, cumprindo suas pautas a partir da redação, através do telefone ou da internet. Por outro lado, verifica-se que, nos jornais europeus, e em alguns brasileiros, a grande reportagem, ou o chamado jornalismo investigativo tem sido valorizado, pois seria ele que faria a diferença com o jornalismo da internet, do rádio e da televisão.

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O autor conclui seu trabalho destacando, mais uma vez, o princípio que é central em toda a sua obra e sua vida, e que por isso mesmo levou-me a refe-rir alguns dados biográficos, porque entendo que eles marcam esta perspectiva crítica por ele adotada, e assim quero concluir, enfatizando o que ele próprio enfatiza:

Lá atrás escrevi: ‘A boa reportagem é sempre resultado da existência e da relação solidária, bem articulada, de três precondições: um bom repórter, um bom assunto, um bom motivo’. Do bom repórter e do bom assunto, o que importa dizer está dito. Quanto ao bom motivo, basta uma frase: sem razões éticas, não haverá bom repórter, nem bom assunto, nem boa repor-tagem, porque todas as razões do bom jornalismo têm de ser razões éticas18.

A atualidade de ambos os livros aqui mencionados, por isso mesmo, conti-nua absoluta, justamente porque ambas as obras reconhecem a importância da ética como a principal norteadora da ação jornalística. Este é um princípio que não se aprende nos cursinhos de atualização que as próprias empresas gostam de ministrar aos candidatos a futuros postos de jornalista nas redações contem-porâneas. É por isso que precisamos dos cursos universitários de jornalismo, como, aliás, já o reconhecia o próprio Joseph Pulitzer, no distante ano de 1913. Aquelas razões persistem, muito mais ampliadas, pela presença compulsiva das chamadas novas tecnologias da informação e da comunicação, perspectiva, aliás, que continua sendo valorizada, dentre outros, por Nelson Traquina, em Portu-gal, e José Marques de Melo, no Brasil.

18. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., p.231.

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A contribuição de Chaparro à Comunicação Organizacional

Wilson da Costa Bueno1

A carreira acadêmica e profissional do professor e jornalista Manuel Carlos Chaparro representa contribuição relevante à Comunicação Organizacional brasileira. Seus estudos e pes-quisas, suas reflexões e sua atuação nas redações e nas orga-nizações, evidenciam uma ousadia intelectual, marcada pelo tom provocativo, pela desconstrução de verdades tidas como definitivas e pelo compromisso com a postura ética que, se-gundo ele, deve pautar as relações entre as empresas, os meios de comunicação e a sociedade. Este artigo revisita sua trajetó-ria, resgata seu empenho em reorganizar conceitos e propor teorias, e sua incansável disposição para olhar a comunicação e o jornalismo além de suas competências técnicas.

O Perfil de um Provocador

Assumir a incumbência de analisar a contribuição acadêmica e profissional de Manuel Carlos Chaparro, ainda que a partir de um foco particular – a Comunicação Organizacional ou

1. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação So-cial da UMESP, jornalista, tem mestrado e doutorado em Comu-nicação (USP).

4.1CHAPARRO

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mais especificamente o Jornalismo Empresarial e a Assessoria de Imprensa – é, ao mesmo tempo, uma tarefa complexa, agradável e desafiadora. A trajetória do professor Chaparro é longa (ele atua como jornalista há mais de 55 anos, dos quais mais de 50 no Brasil), sua produção é ampla e diversificada e sua personali-dade forte o encaminha quase sempre para o enfrentamento de temas complexos com uma perspectiva inovadora, resultado de uma ousadia intelectual, de uma experiência consolidada, de uma reflexão profícua e de uma indiscutível lucidez.

Chaparro não apenas tem se obrigado a estabelecer rupturas com visões esta-belecidas, muitas vezes repetidas sem o devido questionamento ou a necessária atualização, mas se propõe a incomodar os teóricos e práticos “de plantão”, bus-cando insistentemente deslocá-los de sua zona de conforto. Por princípio, tende a não ser complacente com aqueles que constroem ou reproduzem análises su-perficiais no universo da comunicação e do jornalismo brasileiros e os inquieta com sua fala e pena afiadas. Como norma, privilegia fatos em detrimento de versões, revisita conceitos e estratégias tradicionais, não se satisfaz com avalia-ções e cenários superficiais e descarta conclusões que se pretendem definitivas.

Parodiando Euclides da Cunha, é possível dizer que o professor Chaparro é, antes de tudo, um provocador. Mas um provocador que se empenha em justi-ficar as suas críticas, muitas vezes ácidas, que não teme expressar ideias ou opi-niões que conflitam com o consenso porque as respalda em estudos e pesquisas. Trata-se de um acadêmico que jamais deu as costas ao mercado profissional, e que tem buscado alinhar teoria e prática com invejável competência.

Sua carreira de jornalista teve início em 1957, em Lisboa, mas tem víncu-lo indissociável com o jornalismo e a comunicação de nosso país, para onde migrou em 1961. De lá para cá, trabalhou, como repórter, editor e articulista, em periódicos (jornais e revistas) de prestígio, sendo contemplado, em quatro oportunidades, com o prêmio Esso, a nossa mais cobiçada láurea jornalística.

Diferentemente de boa parte dos velhos jornalistas, Chaparro não ignorou a importância da formação acadêmica e, em 1982, com quase 50 anos, obteve o seu diploma de bacharel em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Mas não parou por aí: 15 anos depois já era livre-docente da USP, depois de ter concluído o seu mestrado e doutora-do. Ainda mais: dois anos após a sua graduação, ele já integrava o corpo docente da ECA/USP, da qual se aposentou em 2001.

O jornalista e professor Chaparro tem 5 livros publicados, um deles em coautoria com Wilson Martins e Norma Alcântara, intitulado Imprensa na Ber-linda (2004), outro deles um livro-reportagem (Padre Romano - Profeta da Li-bertação Operária, 2006) e três especificamente sobre Jornalismo: Pragmática do Jornalismo (1994), Sotaques d’aquém e d’além-mar - Percursos e gêneros do jorna-

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lismo português e brasileiro, em 1998 (título da edição portuguesa que, na edição nacional, de 2008, teve como título Sotaques d’aquém e d’além-mar – travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos) e Linguagem dos Conflitos, 2001, este também publicado em Portugal.

Atualmente, Chaparro se dedica ao seu espaço virtual - O Xis da Questão, originalmente um blog, criado em 2007, e que sofreu ampla remodelação em 2012, com a incorporação de uma estrutura de site, onde analisa e comenta temas atuais e relevantes da comunicação e do jornalismo, mas também da reali-dade brasileira de maneira geral. A sua contribuição à área não está limitada, no entanto, à sua participação bem sucedida na grande imprensa ou na academia. Chaparro destacou-se ainda pela sua militância na Juventude Católica Operá-ria, tendo sido repórter e redator do jornal Juventude Operária que combatia a ditadura de Salazar, em Portugal, e, já no Brasil, pela edição do semanário A Ordem, também vinculado à Igreja Católica, voltado para os temas e problemas da região nordestina.

O jornalismo empresarial e a comunicação organizacional foram – e con-tinuam sendo, ainda que de maneira não prioritária – objeto da atenção de Chaparro, que a eles se dedicou de maneira intensa por mais de duas décadas de sua vida profissional, entre os anos de 1964 e 1989. O seu relacionamento com essas áreas e sua contribuição, teórica e prática, constituem o foco desse nosso artigo e serão detalhados mais adiante.

O Jornalismo Fora das Redações

A aproximação entre o jornalismo e a gestão das organizações ocorreu, para o professor Chaparro, a partir de 1964, quando convidado a coordenar a asses-soria de imprensa da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SU-DENE), em Recife, onde permaneceu até 1996. Depois de uma breve passagem pelo Diário de Pernambuco e pela Folha de S. Paulo, ele retomou seu contato em 1968 com a comunicação empresarial, cuidando de projetos de comunicação com os públicos internos e externos da Ultragaz.

Chaparro iniciou, então, a partir desta data, uma ampla e intensa convivên-cia com o jornalismo empresarial ou institucional e com o trabalho de relacio-namento com a mídia, que culminou com a fundação, no final da década de 60, da Proal – Programação e Assessoria Editorial S/C Ltda., agência de que era sócio e que ganhou enorme destaque nos anos seguintes pela realização de trabalhos para grandes empresas (Philips, GM, Siemens, Pirelli, outras). Merece menção ainda o lançamento dos Cadernos Proal, uma publicação que fez escola

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por cerca de uma década, com foco no jornalismo empresarial, ainda hoje re-visitada para o resgate da história da Comunicação Empresarial em nosso país.

Este período de intensa participação na área empresarial revelou a postura do jornalista português e o seu compromisso com a ética, que o iriam acompanhar ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional. Na SUDENE, por exemplo, rompeu de vez com uma prática nefasta que ainda pode ser encontrada em inú-meros ambientes do mercado: o jornalismo “chapa branca”, que se apoiava na figura do “jeton”, remunerações e privilégios adicionais concedidos por órgãos públicos, que serviam ao mesmo tempo para favorecer determinados jornalis-tas e para degradar a profissão. Logo que assumiu a assessoria de imprensa da entidade, Chaparro proibiu o “jeton” e as matérias pagas, rompendo com uma lamentável tradição jornalística. Em extenso depoimento a Camilo Antônio de Assis Barbosa (2008), ele recorda desse momento e dessa postura não ética dos jornalistas brasileiros que mereceram imediatamente o seu repúdio:

Na fachada o jornalismo brasileiro era de diários, sem censura. Mas, na prática, era vendido. Quase não existia um trabalho de denúncia, de in-vestigação. Tive um colega com 13 empregos públicos e o pessoal achava isso sinônimo de esperteza. Na SUDENE, minha primeira atitude foi cortar e proibir o jeton. (p.91)

Ainda na SUDENE, implantou uma iniciativa pioneira para a época: conso-lidou a organização como fonte jornalística, promovendo a construção de acer-vos e banco de informações. Com isso, ela capacitou-se para oferecer subsídios para a construção de reportagens jornalísticas, projetando-se como parceira dos veículos e dos jornalistas em particular. Essa preocupação com a capacitação das organizações como fonte, que inclui a formação de competentes “porta-vozes”, marcará inclusive a produção acadêmica do professor Chaparro e está sobretudo consubstanciada em sua dissertação de mestrado, que tem como título A notícia (bem) tratada na fonte – Novo conceito para uma nova prática de Assessoria de Imprensa (1987), sob a orientação de Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, seu professor e que tinha também sido seu sócio na Proal.

A concepção de assessoria de imprensa advogada pelo professor Chaparro era particularmente avançada para a época e se respaldava em três pressupostos bási-cos, que norteiam o seu primeiro trabalho na pós-graduação. São eles (1987, p.3):

A assessoria de imprensa deve assumir, como único público, os jornalis-tas profissionalmente atuantes nos meios de comunicação social, respei-tando-lhes o direito de decidirem sobre o quê e como deve ser divulgado.

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A assessoria de imprensa, enquanto atividade jornalística, só deve divul-gar informações de interesse público, fazendo-as chegar, plena e oportu-namente, aos jornalistas que têm a responsabilidade de definir os conte-údos e as intenções dos meios de comunicação social.

A assessoria de imprensa deve atuar nas instituições ou organizações como extensões das redações, facilitando – jamais obstruindo – o acesso às informações de interesse público.

Em sintonia com a maneira pela qual contempla o fazer jornalístico de ma-neira geral, ele insistia na tese de que a assessoria de imprensa não poderia redu-zir-se a uma instância meramente tática ou operacional: “[...] é uma atividade jornalística, tanto nas exigências técnicas quantas nas implicações éticas. Mais: tem que ser um trabalho reservado a jornalistas decentes...” (1987, p.7). Neste sentido, ainda que não condenasse a prática do release, Chaparro tinha restri-ções importantes para os procedimentos usuais da atividade de relacionamento com a mídia que, muitas vezes, confundia equivocadamente jornalismo com propaganda e, como jornalista tradicional, incomodava-se com o que chamava de “promiscuidade entre Relações Públicas, Publicidade, Propaganda, Marketing e Jornalismo” (1987, p.18). Ele julgava, inclusive, que a assessoria de imprensa não deveria ser uma prática extensiva a todas as organizações, mas postulava de maneira contundente: “a assessoria de imprensa deve restringir-se a organizações ou entidades que, por suas finalidades e ação, tenham a aptidão e o dever de gerar fatos – portanto, informações – de relevância social, política e/ou científica.”

Com uma perspectiva que reproduzia o embate, ainda vigoroso a essa época e que não se extinguiu por completo em nossos dias, entre os jornalistas e os relações públicas, Chaparro ia mais além em suas considerações:

Enquanto atividade de divulgação de informações de interesse público, a atividade jornalística de assessoria de imprensa deve libertar-se das raízes que a ligam, originariamente, às áreas de Relações Públicas. E romper, também, as amarras que, em tempos mais recentes, a atrelaram às fun-ções e aos propósitos do marketing e do “lobby”. (1987, p.21-2)

No capítulo I da sua dissertação, com o sugestivo subtítulo de Um produto do capitalismo selvagem, ele aprofunda essa reflexão, buscando resgatar a histó-ria das Relações Públicas a partir de alguns autores que tiveram a iniciativa de relatá-la, como os brasileiros Cândido Teobaldo de Souza Andrade e Hebe Wey, e os franceses Jean Chaumely e Denis Huisman, para concluir que a própria

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prática e filosofia das Relações Públicas assumiram novos contornos ao longo do tempo. Já nessa época, antecipando-se a uma visão moderna que, pouco a pouco, ganharia força mesmo entre os jornalistas, reconhecia que as Relações Públicas não estavam necessariamente associadas a deslizes éticos ou ausência de profissionalismo, de alguma forma contemplando uma nova realidade para essa emergente competência em comunicação.

Também, em sua dissertação, Chaparro resgata a origem e a consolidação do trabalho de assessoria de imprensa no Brasil pelo fortalecimento das estruturas de comunicação nas organizações e chama a atenção para o vínculo obrigatório entre o Jornalismo (que inclui, a seu ver, a assessoria de imprensa) e o interesse público, que pode, simplificadamente, ser traduzido pelo “dever de informar”.

O direito à informação, na perspectiva de Desantes, entre outras razões, se baseia no fato de que “a liberdade da inteligência tem necessidade da notícia para ampliar seu horizonte”. Mais: “a notícia está na base do processo decisório”.Portanto, em relação às instituições que produzem decisões, saber e atos que interferem com o interesse público, existe um dever de informar. Eis, pois, o objeto e o sentido de atuação da Assessoria de Imprensa: lidar, nessas instituições, com a informação de interesse público, assegurando--lhe fluxos e qualidade para que chegue plena, atual e verdadeira aos meios de comunicação. (CHAPARRO, 1987, p. 86-87).

Chaparro, porém, não abre mão da exclusividade da assessoria de imprensa para os jornalistas, mantendo um tom que marcou boa parte deste primeiro período de crescimento da comunicação empresarial em nosso país. Nas conclu-sões de sua dissertação, ele é contundente: “assessoria de imprensa é uma ativi-dade jornalística. Como tal: 1) deve ser profissionalmente confiada a jornalistas devidamente habilitados.” (1987, p.144).

No que diz respeito ao press-release, ele não apenas postula mas pratica uma nova forma de relacionamento com a mídia, tanto explicitada em sua disser-tação de mestrado como em sua atuação profissional junto à Coordenadoria de Atividades Culturais (CODAC), órgão ligado à administração central da Universidade de São Paulo (USP). Chaparro institui o chamado “Pré-pauta”, ou seja, um boletim destinado aos jornalistas que trazia informações atuais e relevantes sobre a produção científica, cultural e de extensão da universidade. A proposta do “Pré-pauta” era privilegiar a informação de qualidade e estimular o relacionamento com as redações e teve, de imediato, ampla aceitação pela im-prensa, não apenas porque favorecia a produção de notícias e reportagens tendo

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a USP como fonte, mas porque estabelecia uma nova forma de interação, pau-tada por critérios jornalísticos e não propagandísticos, como foi (e em muitos casos ainda tem sido) a proposta dos releases encaminhados aos veículos e aos profissionais de imprensa.

O “Pré-pauta”, além de sua instância técnica – disseminação de informações qualificadas e de interesse público – incluía o que Chaparro denominava de al-guns “procedimentos padrão”, todos eles comprometidos com uma perspectiva ética, que não admitia qualquer forma de pressão sobre os jornalistas, respeitava a sua autonomia sobre a publicação ou não de informações e pregava o pronto atendimento às redações. Nas palavras de Chaparro (1987, p.98), esses procedi-mentos poderiam ser assim explicitados:

1) Jamais solicitar dos jornalistas usuários a divulgação ou aproveitamen-to de qualquer matéria proposta pelo “Pré-Pauta”.2) Fazer a intermediação entre as redações e as fontes somente a pedido dos jornalistas, quando tal procedimento for do seu interesse.3) Atender prontamente, e sem cobranças de aproveitamento, as solici-tações da imprensa.

A contribuição de Chaparro para uma nova proposta ou mesmo para uma teoria da assessoria de imprensa pode ser avaliada pelo fenômeno que ele carac-teriza como o da “revolução das fontes”.

No cenário novo da informação, a instantaneidade e a abrangência ilimi-tada da difusão eliminaram os intervalos de tempo entre o momento da materialização dos fatos e sua divulgação em forma de notícia. E esse é um detalhe de extraordinária importância, se levarmos em conta a com-binação de duas variáveis: (1) com a eliminação do intervalo entre o fato e seu relato, a notícia passou a fazer parte do acontecimento; (2) formata-do como notícia, o acontecimento ganha eficácia de ação discursiva, para confrontos e efeito imediatos. A notícia tornou-se produto abundante nas relações humanas globaliza-das. Inundou as redações. Porque hoje noticiar é a forma mais eficaz de interferir no mundo. (2002, p. 49)

Esse novo cenário, explica ele, faz emergir uma nova realidade, em que as pessoas, enquanto fontes, são substituídas pelas organizações, que, em função disso, buscam capacitar-se (e capacitar os seus porta-vozes) para desempenhar a contento esse papel estratégico.

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As fontes deixaram de ser pessoas que detinham ou reti-nham informações. Passaram a ser instituições produtoras ostensivas dos conteúdos de atualidade – fatos, falas, sabe-res, produtos e serviços com atributos de notícia. Pensam, agem e dizem pelo que noticiam, exercitando aptidões que lhes garantem espaço próprio nos processos jornalís-ticos, nos quais agem como agentes geradores de notícias, reportagens, entrevistas e até artigos. (2002 p. 49).

Vale ressaltar, no entanto, que, ao que parece, ao longo do tempo, Chaparro acaba flexibilizando a sua rígida percepção sobre o primado do interesse público para o trabalho de relacionamento com a mídia, reconhecendo que esta ativida-de jornalística particular – a assessoria de imprensa – tem algumas singularida-des, porque, inevitavelmente, em função das intenções das fontes institucionais, ela tangencia a propaganda.

Da época de sua dissertação, quando se mantinha absolutamente compro-metido com o interesse público visto de maneira estrita, a ponto, como vimos, de expressar que as organizações não afinadas com o interesse público não de-veriam praticar a assessoria de imprensa, a escritos mais recentes, sua posição tornou-se menos rígida ou ficou mais clara. Ele começa a aceitar a negociação saudável, ética, entre os interesses públicos e privados, talvez incorporando dis-cursos e práticas recentes que promovem a aproximação de muitas organizações com a chamada autêntica responsabilidade social.

Admitindo a importância das fontes empresariais para o jornalismo moder-no e a necessidade que as organizações têm de incrementar a sua participação no debate de temas atuais pelos meios de comunicação, ele propõe agora um diálogo entre o interesse público e o interesse particular, já não vistos como antagônicos. Ele se indaga sobre a existência a esse respeito de um conflito au-têntico entre as duas partes (imprensa e instituições) e conclui (2002, p.50):

Penso que não. Trata-se de um falso conflito. Porque não se deve cair na sim-plificação de ver no interesse público o valor que se opõe ao interesse particu-lar. Essa seria a lógica moralista, como se de um lado estivesse o bem, do ou-tro, o mal. O que se opõe a um interesse particular é outro interesse particular. E o jornalismo não tem como, nem por que, temer ou desprezar os interesses particulares; além de legítimos, está neles a engrenagem dos conflitos de atu-alidade, dos quais o jornalismo ocupa-se, com as ferramentas do relato veraz e do comentário independente. Sem os discursos e as ações dos interesses particulares em conflito, o jornalismo não teria o que noticiar...

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Em algumas entrevistas, como a concedida a Paulo Nassar e a Vítor Baltasar e publicada em uma das revistas da ABERJE – Associação Brasileira de Comu-nicação Empresarial, reconhece que tanto o jornalismo empresarial como o das redações tem suas limitações e chega a admitir que as condições de trabalho, em algumas organizações, são melhores do que as existentes nas redações, levando--se em conta, por exemplo, atributos com a da eficácia e da humanização (NAS-SAR; BALTASAR, 2000, p.8).:

Na verdade, o jornalismo empresarial está mais perto das pessoas, é mais eficaz na realização de uma comunicação humanizada e está sujeito a rigores críticos bem mais severos do que na grande imprensa porque fala de realidades que os públicos conhecem muito bem. É muito mais difícil e arriscado mentir num jornal de empresa do que num jornal ou revista da grande imprensa.

Essa perspectiva crítica em relação à imprensa era menos acentuada por oca-sião de sua dissertação de mestrado, talvez porque o seu foco eram os jornalistas das assessorias e suas práticas nem sempre saudáveis (matérias pagas, “jeton”, prevalência do jornalismo “chapa branca” etc.). De qualquer forma, sua pers-pectiva em relação a estas duas atividades não se modificou e tem se mantido alinhada à obrigatoriedade de uma postura ética irrepreensível.

É verdade que o foco da produção e do interesse do professor Chaparro se desviou, nos últimos anos, para outros territórios, em direção, como indica José Marques de Melo (2004), a uma teoria da ação jornalística, explicitada em seu doutorado, e ao esforço, academicamente reconhecido, de contribuir para a te-mática dos gêneros jornalísticos, presente em sua livre docência e em obras pu-blicadas no Brasil e em Portugal. Mesmo assim, ele, ainda que com menos frequ-ência do que em décadas anteriores, não abriu mão de pensar e escrever sobre a Comunicação Organizacional. Particularmente, não tem ignorado as mudanças profundas que vêm impactando a comunicação das organizações, em particular com a emergência das redes e mídias sociais, nem tem se descuidado de revisitar conceitos que, como denuncia, são assumidos como “modismos de rótulos”.

Merece, neste sentido, particular destaque um de seus textos, que sintetiza palestra proferida no Seminário Banco do Brasil e que trata da chamada “comu-nicação integrada”. Nele, Chaparro (2010, p.1-2) explicita um novo conceito para caracterizar essa expressão: “ comunicação integrada é saber estratégico e um poder criador para o dizer pragmático das organizações, no uso competente das linguagens de comunicação em cenários competitivos do mundo globali-zado”. Ainda que possamos admitir que o conceito, explicitado dessa forma,

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e o texto que lhe dá suporte não permitem que cheguemos a uma proposta operacionalmente clara, que indique como tornar a comunicação integrada nas organizações, é importante perceber que ele se refere a atributos básicos da co-municação corporativa em nossos dias: o saber estratégico, o dizer pragmático, a questão das linguagens ou discursos, a competição acirrada e a globalização como processo inevitável.

A comunicação, como acentua Chaparro, não pode permanecer refém de uma perspectiva meramente tática, mas deve afirmar-se como estratégica e isso significa estar colada aos negócios, à cultura e à gestão das organizações, dispor de metodologias competentes de avaliação, incorporar o planejamento e o espí-rito investigativo. Ele, apoiado em Castells, refere-se às mudanças paradigmáti-cas das noções de tempo e espaço no mundo moderno e entende a comunicação contemporânea como um processo que deve dar conta de uma realidade: “os embates no espaço dos fluxos passaram a ter natureza estratégico-discursiva”. Propõe, ainda recorrendo a Castell, a atenção e a obediência a três verdades que irão fundamentar a chamada comunicação integrada.

A primeira delas ensina que “as ações concretas de comunicação [...] exigem o controle de um novo saber estratégico, capaz de potencializar resultados em função de objetivos” (2010, p.5). A segunda fixa duas competências essenciais e complementares: “a competência de gerar conteúdos e a de socializá-los nos espaços dos fluxos e na intemporalidade do tempo”. (2010, p.5).

Finalmente, Chaparro (2010, p.6) postula uma terceira verdade que resume a sua proposta para uma comunicação integrada comprometida com a cidadania:

no exercício do poder de gerar e socializar conteúdos relevantes, jamais se deve perder a perspectiva de que somos responsáveis, moral e eticamente, pelo nosso agir comunicacional. A responsabilidade pode ser resumida em uma frase simples (talvez até simplista), que me atrevo a dizer aqui: o nosso poder, a nossa competência, as nossas artes jamais devem servir para enganar os outros, seja pelo jornalista, pelo relações públicas ou pelo publicitário, em qualquer dos ramos da comunicação social por meio dos quais agimos e interagimos nos processos sociais. A mentira é, inevitavel-mente, a fraude da comunicação social.

Numa época, em que muitas organizações (e os comunicadores que a ela servem) optam por maquiar o discurso institucional, descolando-o da realidade, preferindo lançar mão de posturas não éticas para o processo (felizmente cada vez menos exitoso) de limpeza de sua imagem, as lições do professor Chaparro merecem ser lembradas. Parodiando o seu blog, é importante dizer que a ética, a transparência e o profissio-nalismo, características de sua íntegra trajetória, são, efetivamente, “o xis da questão”.

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Referências

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CHAPARRO, Manuel Carlos. Jornalismo da fonte. O Xis da Questão. 2012. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/admin/arquivos/arti-gos/2012_7_31_14_33_11_43153.pdf. Acesso em 30/06/2013>.

CHAPARRO, Manuel Carlos. Comunicação integrada: um saber estratégico para o dizer pragmático das organizações. In: A importância social da informa-ção. XV Seminário Banco do Brasil. Brasília: Banco do Brasil, 2010. p.53-60. Disponível em: <http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/XVSeminarioCo-munica.pdf>. Acesso em 01/07/2013.

CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além-mar – travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos. São Paulo, Summus, 2008.

CHAPARRO, Manuel Carlos. Padre Romano – Profeta da Libertação Operária. São Paulo:Hucitec, 2006.

CHAPARRO, Manuel; MARTINS, Wilson; ALCÂNTARA, Norma. Imprensa na berlinda. São Paulo: Celebris, 2004.

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CHAPARRO, Manuel Carlos. Cem anos de Assessoria de Imprensa. In: DU-ARTE, Jorge (org). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia: teoria e prática. São Paulo:Atlas, 2002, p. 33-51.

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CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do Jornalismo. Buscas práticas para uma teoria do texto. São Paulo: ECA/USP, 1993. Tese de doutorado.

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MELO, José Marques de. O percurso jornalístico de Manuel Carlos Chaparro, da práxis à teoria. Revista PJ:BR – Jornalismo Brasileiro. São Paulo:ECA/USP, 2004. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_d.htm>. Acesso em 30/06/2013.

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RUFINO, Daiane. Manuel Carlos Chaparro e a busca de um jornalismo social. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/AUM/article/viewFile/2509/2471>. Acesso em 25/06/2013.

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O padre, os operários e o jornalista

Dimas A. Künsch1

Mas há alguém que quando a criança [o livro] era apenas um embrião assumiu com garra de pai, de parteiro, de autor, enfim, a responsabilidade de fazê-la vir à luz, o jornalista Manuel Carlos Cha-parro, português de origem, com passagem marcan-te pelo Recife, nos anos 60, quando conheceu pes-soalmente o Pe. Romano e com ele colaborou, por sinal, na produção de escritos que marcaram época no cenário da vida e da luta operária nesta cidade.

Agradecer é preciso...Em Padre Romano: profeta da libertação

operária, p. 9

1. Professor de graduação e de pós-graduação e coordenador do Pro-grama de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação da Facul-dade Cásper Líbero. Doutor em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected].

4.1CHAPARRO

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CHAPARRO, Manuel Carlos. Padre Romano: profeta da libertação operária. São Paulo: Hucitec, 2006.

“A infiltração comunista e a miséria do meio operário exigem um sacerdote que se consagre de maneira especial à evangelização deste meio.” Assim se ex-pressava o arcebispo D. Carlos Coelho, em carta de 13 de abril de 1962, por meio da qual era formalizado o convite ao sacerdote suíço Romain Zufferey – o padre Romano – a trabalhar na Arquidiocese de Olinda e Recife, no acompa-nhamento dos operários cristãos.

Atento aos fatos do Nordeste de então, que conheceu tão de perto quanto possível, vivendo e militando por lá, o autor de Padre Romano: profeta da liberta-ção operária, o jornalista e professor Manuel Carlos Chaparro, observa, em nota de rodapé: “neste trecho da carta de D. Carlos Coelho se manifesta o medo do comunismo, síndrome da época que prejudicava a percepção da fome e da sede de justiça que marcavam o sofrimento do povo” (CHAPARRO, 2006, p. 50).2

Em plena Semana da Pátria do ano de 1962, no dia 4 de setembro, Romano desembarca no aeroporto dos Guararapes, vindo de Belém do Pará. “Chega de calça e paletó, vestido de homem”, observa Chaparro. “Parece pouco, mas, naqueles tempos, era algo revolucionário. O bispo lhe concedera licença prévia para tais liberdades. Bastava vestir batina quando celebrasse a missa.”

Os anos passam. No dia 7 de junho de 1977, bem no meio dos preparati-vos para aquela que teria sido a segunda viagem à sua pátria em mais de duas décadas de trabalho pastoral no Brasil, Romano recebe uma intimação. Na data e hora marcadas (11 de julho, às 9h), deveria comparecer à Superintendência Regional da Polícia Federal em Pernambuco “para ser notificado de instauração de inquérito”. O suíço, que há tempo fizera do Brasil sua nova pátria, tinha se tornado “nocivo e perigoso à conveniência dos interesses nacionais”, como expressou o delegado João de Deus Cardoso, chefe da Dops/SR/DPF/PE, num informe do dia 9 de novembro de 1976. “Fosse apenas uma publicação do Par-tido Comunista, e não haveria razões para maiores preocupações”, podia-se ler em outro informe, do mês anterior (12 de outubro de 1976):

Mas é a Igreja, através de movimentos dirigidos por seus sacerdotes, que está difundindo o comunismo. A Ação Católica Operária – ACO, orga-nizada e dirigida pelo Pe. Romain Zufferey, com sede na rua Gervásio

2. Passo a citar daqui em diante de forma livre trechos da obra. Simplificando os procedimentos, faço também justiça ao gênero livro-reportagem, que merece ser lido em seu todo.

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177Manuel Carlos Chaparro

Pires, 404 – Recife, estabelecida com a Livraria Diálogo, juntamente com os órgãos de propaganda política da Arquidiocese de Olinda e Reci-fe [...], é hoje a organização mais ativa na difusão de livros, publicações, panfletos e ideias amotinadoras defendidas pelos “progressistas católicos”.

Os órgãos de repressão, no caso específico do último informe citado, sen-tiam-se horrorizados com o livro 100 anos de suor e sangue, a história de vida do operário Manuel do Ó, considerado por eles “mais uma cartilha da subversão, que ensina e difunde as técnicas comunistas para os movimentos paredistas; um panfleto que empana as conquistas do sindicalismo democrático no Brasil, apenas porque não foram obtidas com o derramamento de sangue”.

Em suma, o padre estrangeiro, cuja vinda para o Brasil o arcebispo de Olin-da e Recife de então saudara vivamente no contexto de suas preocupações com a infiltração comunista e a miséria dos operários, tinha virado comunista. Dos piores. É o que pensavam os órgãos repressivos, que o vinham vigiando há bas-tante tempo. E pensar assim, todo mundo sabe, nos tempos da Ditadura, não significava pouco. Nem nada de bom. Iriam expulsá-lo do país. Rapidamente, com o respaldo da lei. A Lei de Segurança Nacional.

Opção pelos operários vinha de longe

Romano não era alguém de quem se pudesse dizer que “se converteu” ao povo, aos pobres, aos operários, depois de ter visto como andavam as coisas nesse pedaço de mundo em que decidiu viver e trabalhar como sacerdote e mi-litante cristão. E as coisas andavam de fato mal no Nordeste brasileiro nos anos em que lá trabalhou – foram 23 ao todo, até a sua morte, em fevereiro de 1985.

A “conversão” se deu antes, na Suíça. Ao desembarcar no aeroporto de Re-cife, em 1962, aos 51 anos de idade (nasceu no dia 23 de dezembro de 1910), Romano tinha a exata noção do que queria. A fé em Jesus Cristo e o seguimento de seu Evangelho já o tinham levado, bem antes, a se apaixonar pelas causas dos operários. Ao chegar, a língua portuguesa era um bicho quase completamente desconhecido para ele. Entendia pouco, e os interlocutores entendiam menos ainda o que ele falava. Mas Romano tinha urgência. Nem bem dois meses ha-viam passado desde a sua chegada, e lá estava ele, em São Paulo, participando do II Encontro Nacional da Ação Católica Operária, de 1º a 4 de novembro de 1962. O evento, como lembra Chaparro, foi “importante, decisivo para a con-solidação da ACO, como movimento de âmbito nacional. A fundação da Ação Católica Operária deu-se, de fato, em 1962”.

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O filho de Alexandre Zufferey e Marie Favre, o quinto de nove irmãos, sabia o que significava ser operário, na época, em seu próprio país. O pai era um dos três mil operários da usina de Chippis, de fundição de alumínio, no cantão su-íço de Valais. Chaparro escreve, sobre a família de Romano:

[O pai] também trabalhava de sapateiro, além de cuidar do pedaço de terra onde plantava trigo, centeio, legumes e hortaliças, além de criar gado de pequeno porte. Havia também uma vinha. Além de cuidar das coisas da casa, a mãe, Maria Favre, trabalhava na terra como agricultora. Na família operária, três dos irmãos trabalhariam na construção civil, como pedreiros; o caçula, Alexandre, seria operário da fábrica; duas das irmãs, Catherine e Marie, se casariam com operários. Lucie, doente desde crian-ça, colocaria as minguadas forças a serviço de uma comunidade de idosos.

A mãe sonhava para o filho Romain um futuro como mecânico, enquanto o pai gostaria de vê-lo trabalhando no campo. Alheio a esses sonhos, aos 18 anos, o jovem Romain entrou para o seminário. Ordenado padre em 1937, elegeu como epígrafe do santinho da ordenação a seguinte frase do Evangelho de Lucas (12,19): “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso”. Outra frase, não menos densa em seu conteúdo para a prática cristã, acompanhava a primeira: “Deus é amor” (I Jo 4,16).

Não quis assumir paróquia. Preferiu a vida menos cômoda do serviço aos trabalhadores e operários de sua terra. Foi designado capelão do canteiro de obras da barragem de Moiry e da usina de Chippis:

Aí morou e conviveu com 2.500 trabalhadores. Assistente espiritual da Ju-ventude Operária Católica (JOC), depois da Ação Católica Operária (ACO) e do Movimento Popular das Famílias (MPF), foi o primeiro padre da sua época, no Valais, a consagrar o seu ministério ao serviço da Classe Operária, numa região onde a Igreja sempre esteve a serviço das famílias ricas.

“Ele nasceu e cresceu vendo as famílias sobreviverem da agricultura e do trabalho na fábrica”, conta Roland, contemporâneo e amigo de Romano, em um dos muitos depoimentos recolhidos na Suíça e no Brasil para a produção do livro. Andava de fusquinha pela cidade, como nunca antes ninguém tinha visto acontecer. Alugou um quarto e não parava nunca, “a ponto de o episcopado suíço tremer de medo com o envolvimento dele nas lutas dos trabalhadores”, afirma Laurent Sottas, um dos militantes da ACO suíça de então. “Quem se juntava a Romain era malvisto pela Igreja oficial.”

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179Manuel Carlos Chaparro

“Entre 1935 e 1940, a JOC foi censurada pela Cúria, que queria levar o movimento para dentro das paróquias, no atrelamento à Igreja”, acrescenta An-dré Devanthéry, outro militante operário cristão. Romano discordava. Teve que intervir junto ao bispo, recebendo dele a “garantia de que poderia continuar o seu trabalho em paz”. Uma paz, aliás, que Romano, num certo sentido, nem buscava. No melhor espírito evangélico, pensava em “lançar fogo sobre a terra”, como Jesus. André continua:

[...] eles tinham medo da independência daquele padre que não fazia distinção entre pessoas. Só ele era assim, inconformado com a injustiça, com as agressões à dignidade do trabalhador. A Igreja, ao contrário, en-sinava e recomendava a resignação. O bispo, em particular, era contra o envolvimento de padres com os trabalhadores.

“Nós éramos muito malvistos pela Cúria”, completa Paul Adam, que encon-trou Romano na JOC, em 1948:

O bispo nos chamou para uma reunião, com a presença de Romain, e eu acabei radicalizando, dizendo que só falaria com quem me entendesse. Então o padre Romain entrou no meio da conversa, numa tentativa de conciliação, mas sem renunciar à nossa defesa. [...] O bispo acabou nos expulsando, e eu, num daqueles arroubos comuns aos jovens, o ameacei: “Não se atreva a mexer com o nosso padre!”.

“Romain sempre foi o mesmo padre, no Brasil e na Suíça. Nunca se afastou dos mais oprimidos, aos quais se doava, e pelos quais lutava, com intensa since-ridade”, garantem os Adams, Agnes e Paul, um casal de amigos do Movimento Popular das Famílias, que tem Romano como um de seus fundadores. “Romain nos marcou com sua fidelidade ao compromisso com os mais pobres, na bar-ragem de Moiry e na usina de Chippis. Já era, e sempre foi, um homem de es-querda. Depois, passamos a admirá-lo ainda mais, por se ter tornado o primeiro padre suíço a ser enviado pela ACO ao Brasil”, testemunha Jean Queloz, um antigo secretário-geral da ACO suíça.

Chaparro, o jornalista, lê à luz de sua fé cristã a decisão de Romano de deixar a Suíça para entregar a vida aos operários no Brasil:

Diz a sabedoria dos mais velhos que, quando o homem chega aos cin-quenta anos, idade da síntese, estágio privilegiado da visão, pode aconte-cer de Deus o chamar para alguma nova missão. E quando novos cami-

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nhos se assumem, novo homem surge. Assim aconteceu com Abraão, em Ur, na Caldéia. Convocado para ser o pai de um povo, povo numeroso, tão numeroso quanto as estrelas do céu ou a areia do mar, Abrão deixou de ser, para se chamar Abraão. Assim aconteceu, também, com o padre Romain Zufferey – que viria para o Brasil em 1962 e aqui se tornaria padre Romano. Ou simplesmente Romano.

“Com apenas um mês de andanças, conversas, observações e estudos, já era capaz de discernir o que de mais importante estava em jogo, naquelas semanas de agitada campanha eleitoral”, aponta Chaparro. Romano escreve a amigos na Suíça:

Pernambuco, sobretudo o Recife, está dividido entre duas orientações: Cleofas, representando o capitalismo e todos aqueles que têm medo de mudanças, e Arraes, homem do povo, representando o progresso e a es-perança. Onde estão os cristãos? O PDC – Partido Democrata Cristão, escolheu votar em Cleofas, por medo do comunismo. Realmente, os cris-tãos têm dificuldade em se colocar na “Linha da Esperança” do povo. Os cristãos têm fé, mas raramente têm a coragem da esperança.

Tempos de Vaticano II, de Teologia da Libertação, de Ditaduras...

Padre Romano chega ao Recife numa época de muita ebulição na sociedade, nos ambientes cristãos, no mundo. Trazia da Suíça o espírito de solidariedade aos trabalhadores, na esteira do pensamento de um jovem padre belga, Jose-ph Cardijn. Na década de 20, Cardijn fundou a Juventude Operária Católica (JOC), que acabou com o tempo se desdobrando em vários movimentos da Ação Católica Especializada, espalhando-se por todos os continentes. Ganha força e faz sucesso no movimento o método Ver, Julgar e Agir.

De 1962, o ano da chegada de Romano ao Brasil, a 1965, reuniam-se os bispos em Roma para o Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII para ser um “novo sopro do Espírito Santo”, numa Igreja carente de mudanças. Em 1964, no ano do golpe militar que lançaria o Brasil em vinte longos anos de ditadura, chega a Pernambuco, como novo arcebispo de Olinda e Recife, D. Hélder Câmara, mais que uma pedra, um prego de todo tamanho na bota dos militares, uma voz das mais incômodas, Brasil e mundo afora. Vinha do Rio de Janeiro, com a fama de nove anos antes ter contribuído decisivamente para a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.

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181Manuel Carlos Chaparro

Na América Latina acossada por ditaduras horríveis, ganham espaço os mo-vimentos populares, as Comunidades Eclesiais de Base, a Teologia da Libertação – e é impossível não perceber em tudo isso, numa parte difícil de dimensionar, o protagonismo do Nordeste, das arquidioceses de Natal e de Olinda e Recife, de Romano e... de Manuel Carlos Chaparro.

Jornalista desde meados dos anos 50, Chaparro começou exatamente como re-pórter e editor do jornal da Juventude Operária, em Lisboa. Militante cristão, filho de operários, não resistiu ao convite do então bispo de Natal, D. Eugenio Sales, para editar o jornal da diocese, A Ordem. Escapa às amarguras da ditadura salazarista em sua pátria. Num Brasil em movimento, chega a Natal, em 1961, com a alma repleta de bons propósitos e consciente de sua missão como jornalista e como cristão.

Um dos marcos desse momento de fervor cristão e social se dá em 1968, na cidade colombiana de Medellín, onde se reúnem em conferência os bispos lati-no-americanos com a intenção prioritária de atualizar os conteúdos do Concílio Vaticano II para o subcontinente. Não conseguem ficar surdos ao “clamor dos pobres”. A opção preferencial pelos pobres se transforma numa espécie de leit-motiv da ação social da Igreja católica – e de outras Igrejas cristãs que se abrem aos imperativos dos “sinais dos tempos”. Sem espaços políticos de atuação, os movimentos sociais, muitas vezes com os cristãos à frente, empurram-se porta das igrejas adentro, arrastando consigo dirigentes eclesiásticos tantas vezes mais que acostumados ao bem-bom das sombras da caverna.

No início dos anos 70 é lançado o livro Teologia da Libertação, do sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, o pai de um modo novo de fazer teologia, com o olhar no céu e com mãos e pés bem firmes no chão da realidade. Gutiérrez, um militante da ACO, passou pouco antes pelo Brasil para encontros com operários e dirigentes cristãos, no final dos anos 60. Integrantes desse movimento, sobre-tudo da Juventude Operária Católica (JOC), tinham fundado, no início dos anos 60, a Ação Popular (AP). O Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, só fez aumentar os horrores da repressão.

A vitalidade da ACO e dos movimentos cristãos de base nesse período se faz notar, particularmente, em três obras que marcaram época “em momentos de vigorosa intervenção da ACO na discussão pública brasileira e nordestina”, como escreve Chaparro. Todas com a participação direta do padre Romano. Em 1967, é lançado o manifesto Nordeste: desenvolvimento sem justiça – de que Chaparro foi o redator principal. Três anos depois (1970) é a vez de Nordeste: o homem proibido. E, no ano seguinte, sai pela editora Vozes, de Petrópolis-RJ, o livro Manuel do Ó: 100 anos de suor e sangue, sobre a história sindical nordestina a partir da biografia do líder anarquista Manuel do Ó, um sindicalista pernam-bucano do início do século.

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Em 1973, os bispos do Nordeste rompem o silêncio:

Assinado por D. Hélder Câmara e pelos demais bispos da região, foi lançado o documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, um texto contundente e ousado, com vigor de grito de alerta e protesto, contra a situação a que estavam submetidos os trabalhadores. O documento exa-cerbou ainda mais as iras do sistema contra a única entidade que ainda ousava manifestar-se contra os abusos da repressão. A sede da ACO foi invadida e vasculhada pelos agentes dos órgãos de segurança.

Padre Romano acompanha presos e torturados. Oferece conforto às famílias. Resiste e chama à resistência. Há muito tempo previa que os militares poderiam expulsá-lo do Brasil. Em carta de 30 de abril de 1972 ao núncio apostólico D. Umberto Mozzani, o representante diplomático do Vaticano no Brasil, escreve: “enquanto os militantes que acompanhei até hoje estão dando o testemunho maior, eu, o assistente, me sinto ameaçado de expulsão. E é isso que não posso aceitar”. Pedia ao núncio “o favor” de usar a sua influência para impedir que essa expulsão se realizasse. Não pedia clemência, misericórdia, uma ajudinha para es-capar aos riscos. Queria continuar no Brasil: “creio que a minha condição deve continuar sendo a mesma que a dos militantes, quer dizer, ser preso, julgado e punido no Brasil mesmo, conforme as leis do País”. Insistia, por diversas vezes, na carta: queria ter “a possibilidade de uma solidariedade com o povo até o fim”.

O processo de sua expulsão, em 1977, levantou uma onda de protestos, no Brasil e fora do Brasil. “Tudo o que decidimos pode ser resumido numa palavra: lutar”, lembra Roberto Arraes, na época repórter fotográfico do Jornal do Commercio, um militante que acompanhou Romano naqueles momentos angustiantes de visitas à sede da Polícia Federal. Rádio, jornal, televisão, a missa, a vigília, o movimento. Em 2 de outubro de 1977 se soube da suspensão oficial do inquérito.

“Venho agradecer aos amigos a solidariedade manifestada no momento em que sofri a ameaça de expulsão do Brasil, por ter assumido, em nome da Justiça e do Evangelho, um compromisso de fidelidade com a Classe Operária”, es-creveu Padre Romano numa carta aos amigos: “não quero ofender nem acusar ninguém, quero apenas proclamar a minha alegria de poder continuar no Brasil, no meio do povo de quem gosto de verdade e que, pelas suas reações amigas, provou que não me considera tão estrangeiro quanto foi dito.”

“Não se trata de me defender, mas, sim, de defender o que tenho no meu coração, o amor pelos trabalhadores do Nordeste e a vontade de continuar com eles a luta para se libertarem”, deixou registrado em outro texto. “O processo

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da minha expulsão do Brasil vem do Ministério da Justiça, mas não da justiça, nem do povo.” Romano morreu em 13 de fevereiro de 1985, de “insuficiência respiratória”, como diz o atestado de óbito. Já não vinha bem de saúde há alguns anos, tendo passado por maus momentos por causa de uma embolia. Reclamava de cansaço. Descansava? Nem morto. No ano de sua morte, ele imaginava de novo poder rever sua gente na Suíça e matar as saudades das montanhas que tanto amava. Não deu certo, de novo. Até parece que o Brasil não queria largar mão dele. Foi enterrado no cemitério de Santo Amaro, em Recife.

Ser sepultado no Brasil era um de seus desejos, expresso numa carta à amiga Lorena de Araújo, companheira de lutas na ACO desde 1962: “amo muito a minha terra, mas desejo ser enterrado na terra brasileira, esperando que minha presença aqui sirva de estímulo aos militantes, na luta pela libertação da Classe Operária brasileira”.

O Livro e o Jornalista

“Deixou como herança ao movimento operário os muitos militantes que ajudou a formar e os ensinamentos da palavra e do testemunho”, lê-se num texto de 1987, intitulado “História da ACO”. “Alguém um dia certamente os reunirá em livro, para que continuem a gerar frutos.” Esse alguém não poderia ser outro que o jornalista, professor e doutor Manuel Carlos Chaparro, a quem o Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC), “a ACO de ontem”, agradece em uma das primeiras páginas de Padre Romano: profeta da libertação dos ope-rários:

Mas há alguém que quando a criança [o livro] era apenas um embrião assumiu com garra de pai, de parteiro, de autor, enfim, a responsabilida-de de fazê-la vir à luz, o jornalista Manuel Carlos Chaparro, português de origem, com passagem marcante pelo Recife, nos anos 60, quando conheceu pessoalmente o Pe. Romano e com ele colaborou, por sinal, na produção de escritos que marcaram época no cenário da vida e da luta operária nesta cidade.

Padre Romano: profeta da libertação operária é diferente das outras obras que compõem a bibliografia assinada por Manuel Carlos Chaparro. Trata-se de um livro-reportagem. Feito no capricho. Nele se aliam a paixão pelo jornalismo, o relato humano e a responsabilidade ética e cidadã. O texto bem escrito, o trabalho sério com as fontes, os depoimentos recolhidos no Brasil e na Suíça,

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as cartas. Histórias tão simples e saborosas, absolutamente humanas, como a do “pé-de-boi”. É o próprio Padre Romano quem narra, no espaço aberto pela mediação jornalística:

Um outro acontecimento importante foi a minha separação do jipe azul. Ele foi um companheiro de grande valor, fiel, através dos buracos de nos-sas estradas e da lama de nossas ruas. Mas tornou-se extremamente caro devido ao alto consumo de gasolina, cujo preço aumenta sem parar. O jipe azul começava, também, a exigir revisões e consertos, sem resultados satisfatórios. Minhas reservas financeiras foram absorvidas pela compra e reparação da casa da ACO. Por isso decidi-me a encarar o aspecto eco-nômico. Embora sentimentalmente tenha sentido alguma coisa, troquei o jipe por um “pé de boi”. É o nome dado aqui ao VW popular. Ele é de extrema simplicidade. Consultei dirigentes e militantes, para saber qual seria a reação dos trabalhadores. Disseram-me que, a esta altura, eles já me conheciam o suficiente para compreender a compra do automóvel. Decidi-me, pois, pelo “pé de boi”. O “pé de boi” já encontrou o seu lugar de confiança no meio da equipe. Com ele, será possível andar num bom passo e perseverar, tão longe vá o nosso caminho. Teremos alguns problemas no inverno, na água e na lama. Mas quando o “pé de boi” se recusar, nós nos lembraremos dos “nossos”. Eles são mais teimosos...

O texto traz também, em suas linhas e entrelinhas, a fé do jornalista. A fé cristã moldada na militância em Portugal e nas cidades brasileiras de Natal e Recife, no Movimento de Educação de Base (MEB), nas aproximações distintas com o método Paulo Freire, nos movimentos sociais, na pastoral operária. E também a fé no jornalismo e em seus significados sociais e políticos.

O homem quatro vezes agraciado com o Prêmio Esso de Jornalismo, por exemplo, quando colhe o depoimento do jornalista Roberto Arraes, tão amigo e próximo de Padre Romano nos dias em que tentavam expulsá-lo do Brasil, levanta com leveza e naturalidade a questão que mexe com ele, lá no fundo de sua alma:

– Quer dizer que os jornalistas se tornaram aliados...– E como – responde o interlocutor. – Em grande parte graças aos jorna-listas, o processo de expulsão de Romano manteve-se na mídia nacional, como assunto relevante, durante o tempo necessário. Diria, até, que a solidariedade dos jornalistas foi surpreendente. Eles se tornaram amigos

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e admiradores do padre Romano. Ficaram cativados pelo jeito de ser daquele missionário suíço tão fortemente identificado com a causa ope-rária nordestina e brasileira. Na crise, sob ameaça, Romano cresceu como apóstolo e como ser humano. Os jornalistas descobriram, na plenitude, o Romano humilde e forte, lúcido nas convicções humanistas, fiel à missão que o trouxera ao Brasil.

“Manuel Carlos Chaparro é um Jornalista com J grande, um Pesquisador com P grande, um Docente com D grande, um Brasileiro com B grande, um Português com P grande e, afinal, um Homem com H grande”, escreve Jorge Pedro Sousa, professor associado e pesquisador da Universidade Fernando Pes-soa, Porto, Portugal.3

Chaparro, doutor em Ciências da Comunicação, professor de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP desde 1984 e aposentado em 2001 como Professor Associado (Livre Docente) da mesma USP, lembra com sauda-des e reconhecimento de sua entrada brasileira pelo Nordeste, nos tempos de Pe. Romano, do jornal A Ordem de Natal, do Jornal do Commercio e do Diário de Pernambuco de Recife, da militância, dos quatro Prêmios Esso que recebeu, de tanta coisa:

Guardo dessa época como lembrança mais acalentada a certeza de que é possível fazer jornalismo comprometido com valores, quaisquer que sejam as condições materiais. Guardo, também, um amor e uma fideli-dade radical ao Nordeste, ao seu povo e à sua cultura. Foi um enorme privilégio ter entrado no Brasil pelo Nordeste e ter conhecido a realidade brasileira pela perspectiva nordestina.4

Foi um privilégio para ele, como foi e continua sendo um privilégio para o Jornalismo e para o Brasil. Quem duvidar, vá atrás de conhecer tudo quanto disse, ensinou e fez Chaparro. Aqui, o espaço é pouco para tanta coisa.

3. Em “Contributos de Manuel Carlos Chaparro ao jornalismo português... e não só”. Re-vista Pj:Br Jornalismo Brasileiro. Edição 04 – 2º semestre 2004. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_e.htm>. Acesso em 3/10/2013.

4. Depoimento a Antonio Fausto Neto, em “Percursos de reconhecimentos”. Revista PJ:BR Jornalismo Brasileiro. Edição 04 – 2º semestre 2004. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_e.htm>. Acesso em 3/10/2013.

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Os fundamentos do jornalismo no blog “O Xis da Questão”

Nelia R. Del Bianco1

Novas formas de produção da notícia decorrentes dos usos e apropriações das tecnologias digitais. Processos de conver-gência digital que resultam em conteúdos multimídia exigin-do perfil profissional multitarefa. Inserção de novos atores sociais na produção de conteúdos em plataformas digitais capazes de criticar e participar. Redes sociais sendo utilizadas como ferramentas de apuração de notícias e meio de partici-pação e de colaboração entre usuários e jornalistas. Estas são apenas algumas das inúmeras transformações que têm mar-cado o jornalismo na contemporaneidade e que impactam nas formas tradicionais de produção da notícia, no relacio-namento com o público, na organização dos veículos e na identidade profissional. Diante dessas mudanças estruturais, impulsionadas pelos fe-nômenos de convergência tecnológica, o jornalismo parece vivenciar momentos de incertezas: como produzir jornalis-mo de qualidade diante do encurtamento dos prazos para

1. Professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), doutora em Ciências da Comunicação pela Uni-versidade de São Paulo, pesquisadora sênior e cofundadora do Observatório de Radiodifusão Pública na América Latina. Email: [email protected]

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se fazer uma boa apuração? Como conciliar as demandas por velocidade com a produção de qualidade? Como manter o compromisso com a independência e o interesse público quando, por vezes, tornam-se fluidas no digital as fronteiras entre jornalismo, entretenimento e publicidade? Como selecionar informações confiáveis, críveis, originais e esclarecedoras em meio à profusão de dados pro-duzidos por uma variedade enorme de fontes disponíveis na Internet?

Com base em dados obtidos numa ampla pesquisa sobre a profissão e seus valores, os americanos Kovach e Rosenstiel (2004:31), chegaram à conclusão que a tecnologia está enfraquecendo o jornalismo de verificação e investigação independente a partir do momento em que a Internet passou a oferecer acesso fácil a matérias, relatórios, dados e informações de segunda ou terceira mão. Segundo eles, os jornalistas passaram a gastar mais tempo tentando sintetizar uma massa de informação recolhida da web, correndo o risco de se tornarem mais passivos, recebendo mais do que procuram saber. O espaço virtual estaria se convertendo em um novo modo de conhecimento do mundo exterior e das pessoas. São mudanças que, no limite, ameaçam os fundamentos do jornalismo como a disciplina da verificação, a independência engajada com a missão de informar com veracidade e correção, e o compromisso com o interesse público.

No Brasil, o blog do professor Manuel Carlos Chaparro, O Xis da Questão (www.oxisdaquestao.com.br) tem cumprido o papel de fortalecer os valores e princípios que guiam a produção do jornalismo de qualidade em tempos de mudanças. Criado em 2007, o blog é um espaço público de debate acadêmico e profissional no qual o professor da ECA-USP analisa diariamente a narrativa da mídia sobre os acontecimentos, questiona práticas e métodos de construção das notícias, destaca “o saber de quem faz” e, ainda, oferece aulas em vídeo e textos sobre os conceitos básicos do jornalismo.

Para Chaparro é no tempo e no espaço da atualidade que o jornalismo atua e se realiza:

Atualidade é um ambiente de conflitos entre sujeitos interessados, legi-timamente organizados, que agem de forma mais ou menos competente na sociedade. São partidos e líderes políticos, empresas e empresários, go-vernos e governantes, organizações não governamentais, universidades, sindicatos, clubes, associações de todos os tipos, artistas, intelectuais, es-pecialistas – todos com capacidade de produzir fatos e falas noticiáveis.2

2. Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/sinteses.asp>

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O ponto central das análises do professor é a ação dos jornalistas nos proces-sos da atualidade e vice-versa. Segundo ele, seria impossível compreender, ana-lisar e discutir o jornalismo de hoje sem considerar a velocidade dos conteúdos gerados pelas fontes. A crise do jornalismo está na revolução das fontes:

Os sujeitos institucionais do mundo globalizado (ainda chamados de “fontes” nos envelhecidos glossários da cultura jornalística), são entes sociais pragmaticamente falantes: em ações planejadas e coordenadas, sa-bem dizer; sabem o que dizer; sabem quando, onde, como dizer. E agem no espaço público da Notícia como usuários competentes da linguagem jornalística, assumindo-se produtores de conteúdos relevantes, materia-lizados em acontecimentos, fatos e falas noticiáveis. Assim, pelas formas discursivas e pelas redes difusoras do jornalismo, dizem pelo que fazem. E fazem pelo dizem. É a revolução das “fontes”.3

E o que fazer diante da revolução das fontes? A resposta do professor é simples e pragmática: “não perder a vocação e o dever do desvendamento”. Significa que hoje não basta relatar, dizer o que aconteceu. É preciso “penetrar a superfície organizada da atualidade” e sair dessa esfera da aparência que se encontra controlada pelas fontes interessadas e revelar contextos e conflitos, ensina Chaparro. A respeito da revolução das fontes na atualidade, Manuel Chaparro estabeleceu um diálogo ima-ginário muito interessante com o jornalista americano Brent Cunningham, editor executivo da Columbia Journalism Review, vinculada à Escola de Jornalismo da Columbia University. Em 2010, Brent publicou um artigo em O Estado de S. Pau-lo intitulado “O jornalismo muda, o leitor precisa segui-lo”4 defendendo que não pode mais existir mais consumo passivo de notícias. “Os cidadãos precisam pensar como jornalistas porque desempenham cada vez mais o papel de zeladores da infor-mação, tanto ao criar e publicar conteúdo original na rede quanto ao retransmitir notícias e informações criadas por outros”, analisou Brent. Ao comentar o artigo, como jornalista que atuou durante anos na imprensa, Chaparro discorda democra-ticamente em uma série de três posts publicados na seção com sugestivo nome de “Postigo do Diálogo” ao dizer que não se melhora o jornalismo apenas educando os leitores, é necessário também contar com a contribuição de boas fontes:

3. Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/sinteses.asp?pag=2

4. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-jornalismo-muda-o--leitor-precisa-segui-lo,550502,0.htm

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Embora pouco se fale delas, as fontes fizeram uma revolução. E a crise é esta, Brent, e boa, recheada de contradições: o discurso jornalístico perdeu autonomia, porque em vez de agendar, é agendado. E seduzi-do por acontecimentos que já nascem com recheios elaborados para o relato jornalístico. [...] O jornalismo não ficou à margem do processo, nem perdeu importância. Ao contrário: jamais foi tão importante para o sucesso dos processos sociais. Acontece que as fontes sabem mais da atualidade do que as redações, porque a produzem, em ritmo alucinante, de forma intencional, interessada. E lhe impõem uma lógica de conflito que atribui novos papéis ao jornalismo, exigindo dele, como linguagem e ambiente do relato e da análise, uma vocação de compromisso com valores. Porque os conflitos da atualidade devem ter boas razões de ser. As razões dos valores éticos. [...] E sem investigação jornalística independen-te não há como atribuir, ao que acontece, significados intelectualmente honestos e perspectivas de interesse público”.5

Em seu blog, o professor Chaparro promove uma profícua discussão sobre o papel e o impacto das fontes na produção jornalística contemporânea. Cada vez mais profissionais e competentes, as fontes geram e distribuem relatos e dis-cursos, agem para que acontecimentos gerados por elas conquistem o status de notícia. Ação que desafia jornalistas a construírem relatos independentes frente à profusão de discursos intencionais e interessados. De fato, o trabalho dos jornalistas, na visão do pesquisador, não se dá mais no restrito espaço físico das redações tradicionais:

As fronteiras que separam fontes e redações não existem mais. O jorna-lismo tem hoje a amplitude da própria atualidade, numa imbricação de circuitos e fluxos pelos quais as informações correm soltas, já elaboradas ou em processo de elaboração partilhada, e as interações se realizam com grande eficácia, principalmente pelas redes imateriais da Internet.6

Pesquisadores concordam que a construção da notícia se dá num campo de produção de sentido caracterizado pela luta concorrencial entre diferentes ato-

5. Conversa com Brent Cunningham sobre as novas complexidades do Jornalismo (1, 2 e 3). Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9

6. O berço da Notícia já não está nas redações tradicionais. Seção Cortes & Recortes. Dis-ponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas-integra.asp?col=12&post=589

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res e campos da sociedade. Para Bourdieu (1997, p. 106-7), o jornalismo é um campo que possui uma lógica específica, propriamente cultural, que se impõe aos jornalistas por meio de restrições e controles cruzados, cujo respeito funda as reputações de honorabilidade profissional. Por essa ótica complexa, a ação dos jornalistas é frequentemente moldada não somente pelas ideias e valores da cultura profissional, mas também pela interação com a organização do trabalho, as rotinas produtivas e os constrangimentos historicamente institucionalizados. A contribuição de Chaparro é acrescentar a essa visão clássica da produção da notícia a nova condição existencial das fontes, como sujeitos sociais institu-cionalizados que conquistaram certa autonomia no campo ao difundirem seus discursos, relatos e versões pela Internet, utilizando-se da linguagem jornalís-tica. O desafio dos jornalistas é manter a incansável missão de investigar com independência:

A cultura jornalística deve, pois, acolher e tirar proveito da qualidade informativa das fontes. Mas há também que resistir às seduções dessa competência, cujo efeito danoso é a preguiça das redações para o traba-lho indispensável de investigar, comparar, aferir, aprofundar, elucidar, debater com independência – em favor do sucesso dos conflitos que in-teressam à sociedade e ao seu aperfeiçoamento. 7

Embora faça alertas significativos sobre a necessidade de compreensão do impacto dessa revolução das fontes na produção da notícia, Chaparro vê os jornalistas como agentes possuidores de certo grau de autonomia em relação aos poderes constituídos. Embora sejam sujeitos no domínio de operações lógicas produtivas, eles fazem a mediação da estrutura organizacional jornalística com as ações objetivas, a realidade social e a própria subjetividade. A constatação da subjetividade, inseparável a toda e qualquer atividade de conhecimento, tende a produzir outras soluções teóricas que ajudam a compreender a construção social da realidade. Os fatos não são a realidade exclusivamente objetiva, são construções humanas, e como tal, possuem um componente subjetivo intrínse-co (MEDISTCH, 1999, p. 221-229).

Admitindo a subjetividade como uma faceta do processo de construção da notícia, Chaparro questiona os limites da autonomia dos jornalistas. Um bom

7. Conversa com Brent Cunningham sobre as novas complexidades do Jornalismo (1, 2 e 3). Seção Postigo do Diálogo. Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9

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191Manuel Carlos Chaparro

exemplo está em seu artigo “Jornalismo sobre o fio da navalha”, no qual dialoga com seu ex-aluno, Cláudio Augusto, editor de política de O Estado de S. Paulo. O professor propõe uma reflexão ao experiente profissional sobre os limites en-tre fazer denúncia e defender causas, por mais nobres que sejam:

Porém, a razão principal da nossa conversa, Cláudio Augusto, é a de propor-te uma rápida reflexão sobre os riscos de, no nosso ofício, atra-vessarmos os limites do bom jornalismo, quando lidamos com desafios como esse a que te entregaste nas últimas semanas: o de, em favor da ética e em razão dos valores da sociedade, denunciar malandros e malan-dragens da nossa política.O risco de que falo, Cláudio Augusto, é o de se pular do campo do jorna-lismo independente, fiel ao dever de informar com veracidade, para o cam-po sempre tentador de defender ou propor causas mais ou menos nobres.Tenho até neste blog um texto sobre o chamado “jornalismo de causas”, e nele escrevo que essa é uma “prática discursiva em que se usam as artes e as técnicas do jornalismo para fazer algo que está mais próximo da propa-ganda que do jornalismo” – entendendo-se propaganda como linguagem cujo fim específico é o de realizar ações de convencimento, para a adesão a ideias, doutrinas ou campanhas.8

Ainda que o jornalista entenda que deva defender valores democráticos, co-brar lisura e correção na atuação de políticos e gestores públicos, não pode cair na tentação de tornar-se mensageiro de causas. E isso, pela simples razão de que o jornalismo exige “virtudes essenciais da veracidade e da independência que possam as ações, as falas e os embates dos protagonistas da atualidade, que não são os jornalistas”, como explica Chaparro.9

Jornalismo como Linguagem Narradora Confiável

Uma das discussões frequentes no blog O Xis da Questão é sobre o jorna-lismo como construção narrativa, prática discursiva que se caracteriza por um

8. Jornalismo sob o fio da navalha. Seção Postigo do Diálogo. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9&pag=2>

9. Jornalismo de Causas? Seção Postigo do Diálogo. Disponível em: <http://www.oxisda-questao.com.br/colunas-integra.asp?col=9&post=361>

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discurso reportado para uma terceira pessoa. Entende Chaparro que a prática do jornalismo é o exercício do uso da linguagem como forma de agir e interagir socialmente. Nesse ofício que se realiza pela linguagem, o professor defende que o jornalista vá além do relato e procure explicar o significado dos fatos:

Esse é, a meu ver, o papel do Jornalismo, nas suas aptidões de linguagem narradora e argumentadora: relatar, valorar e difundir os fatos da atua-lidade, não pelo que são, mas pelo que significam. E ao atribuir valor e significado aos fatos e às falas dos respectivos protagonistas, o Jornalis-mo dá expressão pública ao agir discursivo dos sujeitos sociais, em seus movimentos, convergentes ou divergentes, de afirmação e/ou defesa de ideais, interesses e projetos. Nesses movimentos dos sujeitos sociais, e em suas ações, luta-se por poder, dinheiro, espaço, prestígio, mercados, ideias, bens e mentes. Há os que lutam para que as coisas mudem, e os que lutam para que as coisas não mudem – e tudo converge para o espaço e a eficácia socializadora da Notícia.10

Ao ter como eixo em suas análises a questão da linguagem, Chaparro discute sobre a necessidade de preservar o jornalismo em suas razões de ser “como lin-guagem socialmente confiável”:

No exercício do seu poder, e enquanto linguagem e espaço público dos conflitos que interessam à sociedade, o jornalismo está vinculado à ver-dade cultural dos valores humanistas universais e a compromissos essen-ciais com o bem comum11.

A essência do processo de construção da notícia está na confirmação dos fatos, na busca da veracidade e exatidão, contextualização da informação apresentada de forma clara e objetiva. Embora haja uma convenção clássica que orienta estruturar o texto da notícia de forma a destacar o que é mais importante, no uso da lingua-gem o jornalista não pode perder a criatividade. O conselho está numa resposta bem humorada a uma estudante de jornalismo de Mato Grosso que o questiona sobre a pertinência do uso da pirâmide invertida como estratégia narrativa:

10. Giovanna pergunta: vale a pena ser jornalista? <Disponível em http://www.oxisdaques-tao.com.br/colunas.asp?col=9>

11. Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/sinteses.asp?pag=3>

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193Manuel Carlos Chaparro

[…] no jornalismo online a pirâmide invertida é uma forma eficaz de noticiar. Usa-a sem medos. Mas sem jamais sacrificar a criatividade. E em favor da criatividade, não te esqueças: quando “o mais importante” está lucidamente definido, e adquire força de ápice narrativo, em torno do “mais importante” se ordenará o texto, esteja ele no começo, no meio ou no final do relato.

Rigor e criatividade andam juntas na construção da confiabilidade, na visão de Chaparro:

Confiabilidade, virtude de essência no Jornalismo, só será conquistada e preservada pela combinação de escolhas e práticas assentadas sobre três grandes marcos discursivos de coerência, o primeiro dos quais o víncu-lo com a Ética. Os outros dois marcos geradores de Confiabilidade no discurso jornalístico, são: a) Rigor e Criatividade no uso dos recursos técnicos e estilísticos da linguagem jornalística, tendo em vista a sua vo-cação interlocutória; e b) Constância e Valorização Estética nas variáveis da Veracidade e do Conflito.12

Em Tempo...

Dizem que um professor nunca se cansa de dar aulas. O blog O Xis da Ques-tão é uma prova disso. Nele o professor Chaparro expõe suas ideias, comenta sobre os acontecimentos da atualidade, dá aulas em vídeos gravados em casa sobre os fundamentos do jornalismo. Como diz a sua ex-orientanda, a profes-sora da Universidade Metodista de São Paulo, Marli dos Santos, o blog é uma forma que ele encontrou para continuar ativo como docente, como jornalista e como pesquisador. Como uma extensão da sala de aula, o professor dialoga com profissionais, estudantes, leitores e fontes sem incorrer no risco de falar apenas para a academia. Seu auditório é ampliado e para alcançar os diferentes públicos tem o cuidado de fazer adequações discursivas necessárias.

A leitura do blog revela várias possibilidades de recorte temático que possi-bilitariam análises interessantes, notadamente sobre o escopo teórico conceitual das aulas de jornalismo. Para este artigo, o recorte escolhido foram as mudanças

12. Sínteses número 11. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/sinteses.asp?pag=2>

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estruturais na produção da notícia e necessidade de fortalecer os fundamentos e princípios que guiam o jornalismo de qualidade. Uma discussão que é a es-sência da crise do jornalismo contemporâneo. Em chinês, crise pode ser uma oportunidade. É num momento desfavorável que emerge a chance de renascer. Manuel Chaparro já apontou o caminho: ser fiel aos princípios que fizeram do jornalismo essencial nas sociedades democráticas ao fornecer sentido e significa-do para o que acontece no mundo.

Referências

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo – o que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003.

MEDITSCH, Eduardo. A rádio na era da informação. Coimbra: Minerva, 1999.

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195Manuel Carlos Chaparro

Produção bibliográfica1

Artigos completos publicados em periódicos

CHAPARRO, M. C. C. A comunicação organizacional e a imprensa: como melhorar o seu relacionamento. Revista Co-municação Empresarial, v. 11, n.41, p. 42-45, 2001.

CHAPARRO, M. C. C. O jornalismo na estratégia dos con-flitos. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo, v. 21, p. 19-31, 1999.

CHAPARRO, M. C. C. O jornal, o jornalismo e os jornalis-tas. Revista de Estudos de Jornalismo – PUCCAMP. Cam-pinas, v. 2, n.2, p. 19-31, 1999.

CHAPARRO, M. C. C. O Nó da Cegueira Branca. O Riba-tejo. Santarém, Portugal, 1995.

CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo Científico No Brasil. Chasqui - revista latinoamericana de Comunicación. Quito, v. 1, n.45, 1993.

1. Fonte: currículo Lattes de Manuel Carlos Chaparro, consultado em jun.2014.

4.1CHAPARRO

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196 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

CHAPARRO, M. C. C. La Evolución de Los Géneros Periodísticos En El Dis-curso de La Prensa Brasileña. Brazilian Communication - Research Yearbook 2. São Paulo, v. 1, p. 87-94, 1993.

CHAPARRO, M. C. C. La evolución de los generos periodísticos en el discurso de la prensa brasilena. Brazilian Communication - Research Yearbook 2. São Paulo, v. 2, p. 87-94, 1993.

CHAPARRO, M. C. C. Um modelo jornalístico de divulgação da ciência. Re-vista Brasileira de Comunicação. São Paulo, v. 62/63, p. 129-134, 1990.

CHAPARRO, M. C. C. De la ciencia al pueblo por la via periodística. Revista Arbor - Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. Madri, v. 534-35, p. 43-58, 1990.

CHAPARRO, M. C. C. Mil dias mal explicados. Revista Brasileira de Comu-nicação – Intercom. São Paulo, v. 60, p. 153-155, 1989.

CHAPARRO, M. C. C. O uso das técnicas jornalísticas sem os limites da ética. Cadernos de Jornalismo e Editoração - CJE/ECA/USP. São Paulo, v. 10, n.24, p. 39-46, 1989.

Livros publicados/organizados ou edições

CHAPARRO, M. C. C. ALCÂNTARA, Norma S; GARCIA, Wilson. Impren-sa na Berlinda - A Fonte Pergunta. São Paulo-SP: Celebris, 2005. 416p.

CHAPARRO, M. C. C. Linguagem dos conflitos. 1. ed. Coimbra - Portugal: Minerva Coimbra, 2001. 211p.

CHAPARRO, M. C. C. Sotaques d’áquem e d’além mar - percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro. 1. ed. Santarém - Portugal: Jortejo Edi-ções, 1998. 165p.

CHAPARRO, M. C. C. Pragmática do Jornalismo. 1. ed. São Paulo: Sum-mus, 1994. 132p.

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197Manuel Carlos Chaparro

Capítulos de livros publicados

CHAPARRO, M. C. C. Conflito equivocado. In: Boanerges Lopes; Roberto Fonseca Vieira. (Org.). Jornalismo e Relações Públicas - Ação e Reação - Uma perspectiva conciliatória possível. Rio de Janeiro-RJ: Mauad, 2004, p. 7-9.

CHAPARRO, M. C. C. Um livro para marcar época (Apresentação). In: Nor-ma Souza de Alcântara. (Org.). A Fonte Pergunta - Uma entrevista com a Imprensa. São Paulo: Voice Agência, 2003, p. 27-33.

CHAPARRO, M. C. C. Cem Anos de Assessoria de Imprensa. In: Jorge Duar-te. (Org.). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia. São Paulo: Atlas, 2002, p. 33-51.

CHAPARRO, M. C. C. Fronteiras alargadas. In: Boanerges Lopes. (Org.). Abaixo o nada a declarar. Rio de Janeiro: Zabelê, 1998.

CHAPARRO, M. C. C. Veracidade, dever maior. In: Dirceu Lopes Fernandes; José Coelho Sobrinho; José Luiz Proença. (Orgs.). Edição em jornalismo im-presso. São Paulo: ECA-USP/Edicom, 1998.

CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo Na Fonte. In: Alberto Dines. (Org.). Jor-nalismo brasileiro: no caminho das transformações. 1ed. São Paulo: Banco do Brasil, 1996.

CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo na fonte. In: Alberto Dines; Mauro Malin. (Orgs.). Jornalismo Brasileiro: no caminho das transformações. Brasília: Ban-co do Brasil, 1996.

CHAPARRO, M. C. C. Cartas de leitores. In: José Marques de Melo. (Org.). Gêneros jornalísticos na Folha de S. Paulo. São Paulo: FTD/ECA, 1992, p. 63-74.

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SONIA VIRGÍNIA MOREIRA

Doris Fagundes Haussen (PUCRS)Roseméri Laurindo (FURB)

(Organizadoras especiais)

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199Sonia Virgínia Moreira

Sintonia jornalística e científica

Doris Fagundes Haussen1

A trajetória intelectual e profissional de VirgíniaSonia Vir-gínia Moreira revela com clareza duas características do seu perfil: a jornalista e a pesquisadora. Desde que se mudou para o Rio de Janeiro, aos 17 anos, vinda de Campo Grande onde nasceu e viveu a sua infância e adolescência, VirgíniaSonia Virgínia optou pelo Jornalismo2. Durante a realização do curso na Universidade Gama Filho começou a estagiar na Rádio Jornal do Brasil onde posteriormente seria contratada como repórter. Nesse mesmo período (anos 70/80), foi co-mentarista da Rádio Roquette Pinto, repórter free-lancer na sucursal do Rio de Janeiro da Revista Isto É e, também, no jornal A República, editado por Mino Carta, por um período breve. Participou, também, da equipe de redação da Revista da Comunicação, distribuída gratuitamente nas Escolas de Comunicação do país e patrocinada pela Coca-Cola. Nela,

1. Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universida-de de São Paulo. Professora titular da PUCRS.

2. Os dados relativos ao perfil da autora foram retirados do texto de VOLPATO, Marcelo de Oliveira (2010). O pensamento jornalísti-co de Sonia Virgínia Moreira. Trabalho apresentado no “GT Pen-samento comunicacional latino-americano”, do XIII Colóquio Internacional sobre a CELACOM.

5.1MOREIRA

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VirgíniaSonia Virgínia foi Chefe de Redação e, ainda, correspondente nos Es-tados Unidos, onde trabalhou no Serviço Brasileiro da Voz da América, em Washington. Posteriormente, entre 2001 e 2008 foi assessora chefe de Comu-nicação Social da Controladoria Geral da prefeitura do Rio de Janeiro.

Sua atividade como pesquisadora iniciou com a realização do Mestrado na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, em 1981, como bolsista da Rotary Foundation, tendo, em sua dissertação, abordado a atuação dos cor-respondentes sul-americanos baseados em Washington e Nova York. Em 1986 prestou concurso para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro onde leciona até hoje. O doutorado viria a ser realizado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em 1999, sob a orientação da professora Doutora Anamaria Fadul.

Na INTERCOM, VirgíniaSonia Virgínia participou da criação do GT Rá-dio e Mídia Sonora, em 1991, impulsionou a atuação dos colóquios Binacio-nais e veio a ser a presidente da entidade na gestão 2002-2005. Além disso, foi Diretora de Relações Internacionais e criou o GT Geografias da Comunicação, tendo incentivado a criação do INTERCOM Júnior em 2004. Na Revista Bra-sileira de Ciências da Comunicação foi editora e, atualmente, integra o Conselho Curador da instituição.

A produção científica de VirgíniaSonia Virgínia, desde o seu início, teve o rádio como foco, a partir da sua própria experiência profissional no meio. Com a publicação de Rádio Nacional. O Brasil em sintonia, juntamente com Luiz Carlos Saroldi, em 1987, inaugura uma produção que tem sido contínua, até o momento. Pode-se dizer que até o ano de 2000, quando publicou O rádio chega ao século XXI: tecnologia e leis nos Estados Unidos e no Brasil fruto de sua tese de doutorado, sua produção voltou-se especificamente para esta mídia. A partir dessa data, VirgíniaSonia Virgínia ampliou o interesse da sua produção em di-reção às “geografias da comunicação”, após ter criado um Grupo de Trabalho na INTERCOM com este nome. Esta opção pode ser constatada observando-se os títulos de suas obras analisadas na presente publicação. Até o início dos anos 2000 VirgíniaSonia Virgínia publicou oito obras relativas especificamente ao veículo de comunicação. A partir dessa data, mais oito foram publicadas, orga-nizadas em conjunto com outros autores, abordando temas mais abrangentes da área da Comunicação.

O perfil de VirgíniaSonia Virgínia revela, portanto, uma coerência entre a jornalista e a pesquisadora, o que fica aparente na sua atuação tanto como pro-fissional da Comunicação como de professora, pesquisadora, autora e editora de obras que têm contribuído para o desenvolvimento da área.

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201Sonia Virgínia Moreira

Viagem através do Brasil

João Batista de Abreu1

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Palanque – fazendo po-lítica no ar. Rio de Janeiro, Mil Palavras, 1998, 172p.

A pesquisa para elaboração do livro, realizada entre 1992 e 1997 retrata a história política através do rádio no Brasil, desde os anos 1920 até o período de Fernando Henrique Cardoso – auge do neoliberalismo – incluindo as políticas de comunica-ção nos vários períodos da República e as mudanças tecnológicas ocorridas ao longo de 80 anos. Em seis capítulos, a autora traça um painel dos principais momentos do veículo de massa que re-volucionou a comunicação ao promover a inclusão social de uma gama infinita de brasileiros que, até então, não tinham acesso a jornais e revistas, seja por problemas financeiros, seja pela bar-reira do analfabetismo.

Se alguém tivesse que escolher um meio de comunicação para contar a história do Brasil no século XX, o veículo mais re-comendado seria certamente o rádio. Antes que me acusem

1. João Batista de Abreu é professor associado do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Vice--coordenador do Programa de Mestrado em Mídia e Cotidiano da UFF.

5.1MOREIRA

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de parte interessada na escolha, por ser professor e pesquisador de rádio, devo argumentar que nenhum outro meio de comunicação esteve tão perto dos pro-tagonistas de episódios marcantes nos últimos 100 anos quanto esta caixa de sonhos que começou de madeira, migrou para o plástico e hoje se reveste de materiais sintéticos utilizados na fabricação do celular. Primeiro na sala de jantar e depois na cabeceira do quarto, esse companheiro testemunhou e ajudou a di-vulgar – num país de dimensões continentais – as revoltas e revoluções que, até então, só chegavam ao conhecimento do povo depois de vitoriosas ou sufocadas pelos grupos no poder.

Natural de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, filha de Virgínia Hvala Moreira, de origem sérvia, a pesquisadora Sonia Virgínia Moreira conhece bem o que significam as distâncias entre o centro e a periferia. Distância de espaço e de tempo histórico, diante da dificuldade de colher depoimentos, confirmar re-latos e garimpar documentos. Ela nos convida a uma viagem pelo mundo desde o final da década de 1910, na Alemanha, quando o rádio registra a queda do Kaiser em 1919 e a instauração da república alemã. Em 1920 surge na Alema-nha a primeira sociedade radiofônica: o Serviço de Urgência e de Informações Comerciais, Oficiais e Privadas (SRL). Na década seguinte, o ministro da Pro-paganda do 3º Reich, Joseph Goebbels, descobriu naquele novo veículo o meio ideal para propagar uma ideologia que prometia pujança, fartura e poder aos alemães recém-saídos de uma crise que deixara o país em situação calamitosa. Diz Sonia Virgínia

A importância do rádio era tamanha naquele período que Hitler patroci-nou a fabricação de um receptor – o Volksempfanger VE 301. O “rádio do povo” ostentava um símbolo do 3º Reich (uma águia) sob o dial e o número do modelo (301) era uma referência à data em que Hitler tornou-se o Chanceler: 30 de janeiro de 1933. (p.12)

A distância entre o continente e a Grã-Bretanha era facilmente transposta pelas mensagens nazistas que angariavam simpatia de lordes e plebeus em solo britânico. Esta simpatia só começaria a ser neutralizada pelas transmissões in-ternacionais da BBC.

Do lado de cá do Atlântico, na mesma época, o presidente Franklin Roo-sevelt utilizou o rádio para se aproximar dos cidadãos norte-americanos anun-ciando a política antirrecessiva do New Deal e depois para defender os esforços de guerra no programa Fireside Chats (ou Conversa ao pé da lareira). O Brasil, de Getúlio Vargas, e a Argentina, de Juan Domingo Perón, também navegavam nas ondas hertzianas nos anos 1940, lembra a autora de Rádio Palanque. Em

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1938, entra no ar o programa A Hora do Brasil – de transmissão obrigatória – que se torna porta-voz oficial do Estado Novo. Estatizada em 1940, a Rádio Nacional recebe investimentos públicos que alavancam a audiência e viabilizam um projeto de identidade nacional, que aproxima os brasis urbano e rural. Mas o primeiro exemplo marcante de mobilização política através do rádio ocorreu durante a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Com textos inflamados, escritos por Alcântara Machado e lidos por Cesar Ladeira, a Rádio Record fez com que milhares de jovens se alistassem como voluntários para lutar contra as tropas federais.

A próxima parada da viagem proposta por Sonia Virgínia é a Guerra Fria, em que o rádio desempenhou papel fundamental na batalha por corações e mentes tanto do lado soviético quanto do lado norte-americano. Com farta do-cumentação bibliográfica, o livro começa por lembrar a importância da Rádio Rebelde na vitória da Revolução Cubana comandada por Fidel Castro em 1959. Esta guerra surda através das ondas sonoras leva à criação pelos EUA da Rádio Marti para enfrentar o poder da Rádio Havana, sucessora da Rebelde. Afinal, apenas 90 milhas separam Miami e Havana, ou seja, apenas algumas braçadas em matéria de transmissão radiofônica.

Os anos 1960 desembarcam na Europa Ocidental uma campanha persisten-te contra a política de comunicação que garantia ao Estado o monopólio das transmissões de radiodifusão. Surgem as primeiras rádios livres na Inglaterra, na França e na Itália, com o pretexto de dar voz aos jovens. No Brasil a autora descreve o momento importante proporcionado pelo Movimento de Educação de Base, ligado a setores progressistas da Igreja Católica, que chegou a adminis-trar uma rede de Escolas Radiofônicas formada por 25 emissoras e 54 sistemas de transmissão, a maioria delas no interior e na periferia de cidades do Norte e do Nordeste.

A Rede da Legalidade, desencadeada por Leonel Brizola em 1961, é parada obrigatória neste giro pela história política do rádio brasileiro. Diante das pres-sões de grupos conservadores após a renúncia de Jânio Quadros, o então gover-nador gaúcho requisita a Rádio Guaíba e inicia uma bem-sucedida campanha para garantir a posse do vice-presidente João Goulart

O livro-viagem da pesquisadora oferece um relato detalhado sobre as 36 demissões de funcionários da Rádio Nacional acusados de subversão após o golpe militar. Desvenda o processo de cassação e a não renovação de outorgas de emissoras imposto pela ditadura contra proprietários que se identificam com o governo João Goulart (caso da Mayrink Veiga do Rio, do deputado Miguel Leu-zzi) ou que denunciam as torturas perpetradas pelo aparato repressivo (Rádio Nove de Julho, da Arquidiocese de São Paulo, do cardeal Paulo Evaristo Arns).

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Nos anos 1970, observa Sonia Virgínia, o Governo militar intensifica a auto-rização de concessões de frequência modulada (FM), começando pelos grandes centros, depois pelas de médio porte até alcançar os pequenos municípios. De custo menor, melhor qualidade sonora e alcance mais reduzido, as FM logo conquistam o gosto dos ouvintes.

O incentivo às emissoras FM no Brasil foi taticamente planejado pelos militares porque esse tipo de rádio – de baixa potência e alcance geográfi-co reduzido – se encaixava na política de ‘segurança nacional’ explicitada pelo General Golbery. As FMs eram mais fáceis de controlar e, portanto, menos ‘perniciosas’ no entender do governo. (p. 79)

Durante a ditadura civil-militar (1964-1985), controle e censura faziam par-te do mesmo campo semântico. Emissoras como a Rádio Jornal do Brasil no Rio de Janeiro, a Jovem Pan em São Paulo e a Continental em Porto Alegre, entre outras, esboçavam alguma reação ao silêncio imposto pelo autoritarismo. Sonia Virgínia testemunhou os momentos finais deste período como repórter da Rádio JB, onde Sonia e eu trabalhamos juntos. Somos ao mesmo tempo pesquisadores e fontes da narrativa.

O livro da professora da UERJ evidencia o papel de palanque eletrônico do rádio na cena política brasileira através dos tempos, desfilando personagens como Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Aluísio Alves e, mais re-centemente, os pastores evangélicos que pregam suas mensagens pelas ondas hertzianas. Muitos deles, bem sucedidos, trocaram o púlpito do templo pelo palanque da política.

Essa viagem de 172 páginas confirma a ideia de que um passeio pelos livros nos ensina tanto quanto um giro por terras distantes. Afinal, rádio e livro cami-nham de mãos dadas quando se trata de estimular a imaginação. Sonia Virgínia sabe como pilotar o veículo.

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205Sonia Virgínia Moreira

Rádio no Brasil: tendênciase perspectivas

Izani Mustafá1

BIANCO, Nélia R. Del; MOREIRA, Sonia Virgínia (Orgs). Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas. Rio de Janeiro: Eduerj e Editora UnB, 1999. 231 p.

Em 1999, há 15 anos, as autoras Nélia Rodrigues Del Bian-co, doutora em Comunicação pela ECA-USP (2004), e So-nia Virgínia Moreira, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1999), organizaram a obra Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas, uma importante referência para professores, estudantes e investigadores das áreas de Comunicação e Ciências Humanas, e profissionais da comunicação. Ambas, com uma trajetória destacada na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-municação – INTERCOM, com a colaboração do profes-sor Carlos Eduardo Esch, da Faculdade de Comunicação da UnB, produziram esta coletânea com 12 artigos, que releio com muita satisfação. Verifico que todos estão plenamente atuais e podem ser debatidos em qualquer fórum. O obje-tivo da obra, destaca a presidente da INTERCOM naquele

1. Jornalista (UFSM), mestre em História do Tempo Presente (UDESC) e doutoranda em Comunicação Social (PUC/RS). E--mail: [email protected].

5.1MOREIRA

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ano, Maria Immacolata Vassallo de Lopes, é cobrir o déficit de pesquisas do veículo de “comunicação popular por excelência, onipresente no cotidiano de todos”.

O livro dá espaço aos pesquisadores “fiéis e dedicados” que se reuniam des-de 1991 no GT de Rádio e Mídia Sonora da INTERCOM. Para este relato, e para não me exceder nas palavras, vou destacar alguns artigos escritos por pesquisadores que ainda hoje integram o Grupo de Rádio e Mídia Sonora da INTERCOM, e é “reconhecido como um GP produtivo, com grande número de publicações coletivas, ações inovadoras e perfil colaborativo2”.

Sim, é ótimo reler na introdução que é

incontestável a importância do rádio hoje na sociedade brasileira. Ele desempenha inúmeros papéis e funções entre os quais se destacam a ca-pacidade de influenciar o comportamento das pessoas, de criar novos hábitos de consumo e de atender a demandas simbólicas por lazer, en-tretenimento, informação e companhia. É o veículo que está mais perto do ouvinte. A audição acontece em qualquer lugar, sem precisar de fios e tomadas, e serve como trilha sonora no dia-a-dia da grande maioria da população brasileira. (BIANCO; MOREIRA, 1999, p.11)

Apesar das previsões, felizmente o rádio não morreu e nunca morrerá. De acor-do com a pesquisa da Nop World Culture Score Index3, que examina os hábitos de mídia, os brasileiros gastam 17,2 horas semanais ouvindo rádio, ocupando o segundo lugar no mundo. Na frente estão os argentinos, com 20,8 horas semanais.

A chegada da internet, um espaço que conjuga a informática, as telecomu-nicações e os computadores para troca de conteúdos em tempo real, e a “con-vergência tecnológica caracterizada por um sistema em rede” (BIANCO, 2012, p. 16), estabeleceram um ambiente onde o rádio “expandiu o dial, seu alcance passou a ser mundial” (idem, pp.16-17). As novas tecnologias criaram outras plataformas para se ouvir o rádio que continua sendo o veículo de comuni-cação mais ágil e com o maior alcance em todos os lugares do mundo. Não apenas regional ou nacional. Agora, conectado, o usuário de um computador,

2. Portal do Rádio – Intercom: https://blog.ufba.br/portaldoradio/, visitado em 1º de abril de 2014, às 9h08.

3. PR Newswire: http://www.prnewswire.com/news-releases/nop-world-culture-scoretm--index-examines-global-media-habits-uncovers-whos-tuning-in-logging-on-and-hit-ting-the-books-54693752.html, visitado em 31 de março de 2014, às 16h40.

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celular, Ipod ou tablet pode ouvir uma emissora de qualquer lugar continente e no idioma que mais lhe agradar. Nestes últimos 15 anos, desde que este livro foi escrito, o rádio expandiu-se e, das Ondas Curtas, Ondas Médias, Ondas Tropicais conquistou o espaço do world wide web, cuja tradução literal é “teia em todo o mundo4”.

Estas modernizações do século 21 favoráveis ao rádio reforçam mais o con-teúdo dos artigos escritos por professores e investigadores. Os temas são atuais e podem ser consultados, estudados e aplicados na vida profissional e nos estudos acadêmicos. A constatação está nos artigos redigidos pelas organizadoras, que destaco já no início desta resenha.

A pesquisadora Sonia Virgínia Moreira escreve sobre “Rádio@Internet” e faz uma revisão bibliográfica sobre a importância da expansão da comunicação fa-vorecida pelas novas tecnologias, como a internet que aparece como um “espaço privilegiado de trocas (simbólicas ou virtuais) e apresenta-se entre as principais tendências de um mundo centrado em redes, com o microcomputador funcio-nando como uma espécie de janela para esse mesmo mundo.” (BIANCO; MO-REIRA, 1999, pp.208-209). E é a internet que “está conseguindo unir meios de comunicações distintos, com conteúdos variados e destinados a audiências em qualquer ponto do globo [...]”. (idem, p. 210).

No meio das novidades tecnológicas, a imprensa, o rádio e a televisão ab-sorveram logo os diferentes processos de diversificação. Moreira salienta que o rádio teve a vantagem de manter a característica que o distinguiu dos demais meios de comunicação: portabilidade, por causa da invenção do transistor. Em 1996 existiam mais de mil estações com sites, enquanto que no Brasil eram apenas 20. Até 1997, três rádios estavam na rede: Musical FM (SP), Trianon 740 AM e CBN. Outras tinham apenas uma homepage, sem áudio, com infor-mações gerais da emissora, como a Bandeirantes e Rádio Imprensa FM. Hoje, praticamente todas as emissoras têm um site e podem ser ouvidas em qualquer lugar, plugado à internet.

Para Moreira, o rádio viveu e sobreviveu a diversas transformações em ter-mos de conteúdo e apresentação. No entanto, o rádio digital

colocará à disposição do ouvinte programação variada – como música popular, óperas e atrações esportivas – gerada em qualquer parte do mundo e com uma recepção livre de ruídos e de perda de sinal. No fu-turo, um ouvinte, um ouvinte brasileiro poderá viajar para outro país e

4. http://www.significados.com.br/www/, visitado em 31 de março de 2014, às 11h53.

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continuar sintonizando suas estações preferidas no Brasil com a mesma qualidade de uma transmissão local. (BIANCO; MOREIRA, 1999, p. 221).

O vaticínio da pesquisadora se concretizou. Em 2014 podemos ouvir qual-quer emissora, de qualquer cidade deste planeta, desde que estejamos conecta-dos à internet.

A outra organizadora da obra, Nélia R. Del Bianco, no artigo “Tendências da programação Radiofônica nos anos 90 sob o impacto das inovações tecno-lógicas” analisa como as emissoras tradicionais estavam se adaptando às novas tecnologias, a exemplo do uso do satélite e equipamentos digitais. Depois de fazer uma narrativa histórica e destacar as fases mais significativas do rádio, como a profissionalização da programação e a política de concessões para as FMs, Bianco faz uma explanação sobre o uso de satélite, cujo pioneirismo é da Rádio Bandeirantes, em 1990. O ineditismo é seguido por outras emissoras em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para o mercado, a iniciativa contribui-ria, por exemplo, para suprir a carência de mão-de-obra. A autora afirma que a “rede trouxe mais que a possibilidade de aumentar o faturamento”. (BIANCO; MOREIRA, 199, p. 197) e marca uma nova fase deste veículo. Os empresários percebem ainda que a competitividade aumentou e é necessário, portanto, di-versificar o negócio. “O modelo tradicional de programação – dirigida a todo tipo de público – perde espaço para a segmentação”, conclui.

No texto “O rádio digital avança no interior de São Paulo”, os autores An-tônio Magnoni, Ana Silvia Médola, Geraldo Santiago e Willians Balan, fazem uma análise da chegada da era digital nas rádios do interior de São Paulo e como elas deverão se organizar para esta mudança que vai garantir uma melhor qua-lidade do som. Carlos Moraes Dias escreve sobre a Central Brasileira de Notícias (CBN), antiga Excelsior, do Sistema Globo de Rádio, que entrou no ar em 1991 e adotou o sistema all news, se diferenciando das demais emissoras jornalísticas. Uma experiência que o autor aponta como bem-sucedida e que sempre suscita novos questionamentos e pesquisas.

Cabe a Eduardo Meditsch apresentar o artigo “A nova Era do Rádio: o dis-curso do radiojornalismo como Produto Intelectual Eletrônico”. O pesquisador defende que o rádio é a primeira manifestação da ‘era eletrônica na comunica-ção de massa’ e explica como se deu o caminho percorrido pelos profissionais para chegarem à linguagem adotada para o radiojornalismo. A voz, o ritmo da fala e a entonação também são favoráveis para identificar e diferenciar os programas e as emissoras. Além disso, o rádio tem um importante aliado: “a transmissão ao vivo que a tecnologia eletrônica possibilita incluiu o momento

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presente no campo da noticiabilidade” (BIANCO; MOREIRA, 199, p. 125). E assim, acrescenta, o rádio é sim o “primeiro meio de comunicação de massa a operar em tempo real”, (idem, p. 126) e a partir desta característica eletrônica, combina a transmissão direta com a diferida, distinguindo a sua linguagem da fonografia. Por todas estas combinações, as imagens que o rádio provoca no ouvinte são muito mais ricas do que aquelas visualizadas numa tela porque “podem comportar três dimensões, e também incluir sensações táteis, olfativas, auditivas”.

O artigo “Modelo Matricial para retomada do radioteatro”, de Luiz Mara-nhão Filho, apresenta o radioteatro como um gênero de expressão artística, que possui uma linguagem característica e utiliza elementos de outros meios como cinema e televisão. O autor descreve ainda a trajetória do radioteatro na história da radiodifusão no Brasil e defende a construção de um modelo matricial que envolva quatro tempos: o texto, a identificação das vertentes, vozes e técnicos, e a realização de produtos, que é a finalização da produção.

No texto “O receptor idealizado pelo discurso radiofônico: uma análise do emissor em ‘Gaúcha Hoje’ e ‘Flávio Alcaraz Gomes Repórter’”, Mágda Cunha analisa, a partir dos conceitos de oralidade, retórica e argumentação, e segmen-tação, de importantes teóricos, cinco edições dos programas citados no título e, respectivamente, transmitidos pelas rádios Gaúcha e Guaíba, de Porto Alegre. No segmento radiojornalismo, ambas tinham e ocupam a mesma posição em termos de audiência. É importante salientar que em 2013 o ‘Gaúcha Hoje’ se mantém no ar, de segunda a sábado, às 5 horas. Segundo a autora, os âncoras têm discursos semelhantes porque, em seus programas, divulgam o mesmo tipo de informação. Os profissionais também assumem a “face da empresa, transi-tando pela informação, interpretação e opinião”, um estilo utilizado na televisão e adotado em qualquer outro país ainda nos tempos de hoje.

O texto que encerra a publicação é de Valci Zuculoto. “Universidade aber-ta: a experiência de um programa de rádio diário no curso de jornalismo da UFSC”. Narra sobre o projeto de extensão, que era também transmitido pela Barriga Verde FM, uma rádio comercial que mantinha convênio com a UFSC, e foi extinto para abrir espaço a outras iniciativas. Em quatro blocos, o programa diário fazia a cobertura jornalística dos acontecimentos de todos os departamentos da UFSC, de fatos externos e outros assuntos que tivessem repercussão na universidade. O “Universidade Aberta”, explica Zuculoto, foi a primeira experiência colocada em prática dentro do curso de jornalismo e o principal objetivo foi proporcionar aos alunos o “contato diário e apro-fundado com o cotidiano da produção radiojornalística. É como se, todos os dias, os estudantes entrassem na emissora e trabalhassem profissionalmente na

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execução de um programa noticioso”, de acordo com as etapas exigidas por esse trabalho.

O projeto contribuiu para preencher uma lacuna na universidade. Um pro-blema que foi resolvido em 1999, quando a Rádio Ponto UFSC5, uma webrá-dio, é fundada no curso de jornalismo dando assim visibilidade às produções dos estudantes, desde programas especiais, documentários, radioteatro, radiojorna-lismo a esportes. Portanto, o impacto das novas tecnologias de comunicação, como a internet, e a convergência digital, provocou o desenvolvimento e am-pliação deste exercício do ensino prático e teórico, aliado à pesquisa e extensão.

Sem dúvida nenhuma, a obra Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas é uma importante fonte de pesquisas e debates para todos que estudam e trabalham no rádio.

Referências

Livros

BIANCO, Nélia R. Del; MOREIRA, Sonia Virgínia (Orgs). Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas. Rio de Janeiro: Eduerj e Editora UnB, 1999.

BIANCO, Nélia R. Del (Org). O Rádio Brasileiro na Era da Convergência. São Paulo: Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora - INTERCOM, 2012. (Coleção GP’S: grupos de pesquisa; vol. 5)

ZUCULOTO, Valci Regina Mousquer; LONGO, Guilherme; DALLABRI-DA, Poliana;

SILVA, Janine; e VARGAS, Roberto Dutra. A história do radiojornalismo na UFSC: proposta de Linha do Tempo para conduzir a pesquisa. Artigo apre-sentado no 9º Encontro Nacional de História da Mídia, na UFOP, Ouro Preto, Minas Gerais, em 2013.

5. A Rádio Ponto UFSC pode ser acessada pelo site http://www.radioponto.ufsc.br/. A webrádio reúne diversos gêneros de programas produzidos no laboratório pelos estu-dantes do curso de jornalismo da UFSC e transmite 24 horas por dia. Alguns são gra-vados e outros são ao vivo.

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211Sonia Virgínia Moreira

Sites

Significados: http://www.significados.com.br/www/, visitado em 31 de março de 2014, às 11h53.

Portal do Rádio – Intercom: https://blog.ufba.br/portaldoradio/, visitado em 1º de abril de 2014, às 9h08.

PR Newswire: http://www.prnewswire.com/news-releases/nop-world-culture--scoretm-index-examines-global-media-habits-uncovers-whos-tuning-in-log-ging-on-and-hitting-the-books-54693752.html, visitado em 31 de março de 2014, às 16h40.

Rádio Gaúcha: http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/programacao/, visitado em 1º de abril de 2014, às 11h16.

Rádio Guaíba: http://www.radioguaiba.com.br/, visitado em 1º de abril de 2014, às 14h39.

Rádio Ponto UFSC: http://www.radioponto.ufsc.br/, visitado em 2 de abril de 2014, às 15h31.

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212 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

O Rádio no Brasil: o fortalecimento dos conteúdos e da história na Erada Tecnologia

Luciano Klöckner1

MOREIRA, Sonia Virgínia. O Rádio no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2000. 82p.

O início e o final dos anos 1990 apresentam fatos expressivos que separam em definitivo o mundo analógico do digital, e estão presentes nessa linha do tempo do Rádio apresentada pela autora na obra em epígrafe. O ar de mudança impregna a sociedade do planeta e o tradicional mapa mundi começa a ser redesenhado: em 1989 o muro de Berlim é derrubado e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas retira-se do Afeganistão, esfacelando-se como nação, a partir da indepen-dência das várias (ex) repúblicas. Um ano depois o Iraque invade o Kuait, a Alemanha é reunificada e seguindo a traje-tória de mudanças importantes no cenário global, um clima de paz surge no horizonte, coroado com a eleição de Nelson Mandela para presidente da África do Sul.No Brasil, o quadro recebe alguns retoques. Em termos eco-nômicos, o Plano Cruzado busca devolver a estabilidade ao País e ao bolso dos brasileiros assalariados, o que somente começa a ocorrer, de fato, com a nova moeda brasileira: o real, lançada em 1993. Em 1989, Fernando Collor de Mello

1. Jornalista, Prof. Dr. da FAMECOS/PUCRS.

5.1MOREIRA

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é eleito no primeiro escrutínio direto desde 1961 para a Presidência da Repú-blica, mas em 1992 renuncia ao mandato, mas não escapa do impeachment. O retorno ao estado democrático que começa a se consolidar em meados dos anos 1980 repercutiu em debates e na promulgação de uma nova Constituição Bra-sileira (1987-1988), completando 25 anos em 2013, com inúmeras conquistas individuais e coletivas, destacando-se na área de mídia a possibilidade de criar rádios comunitárias.

Os denominados veículos de comunicação de massa até então rigidamen-te ligados às suas origens históricas (jornal, o papel; rádio, o som; televisão, a imagem), com a abrangência da internet, passam a rediscutir os territórios de atuação, despontando pela primeira vez termos como convergência, multimeios e digital.

Nesse contexto, VirgíniaSonia Virgínia Moreira lança o livro O Rádio no Brasil (não confundir com Rádio no Brasil: tendências e perspectivas, organizado também pela autora e por Nélia R. Del Bianco, editado em conjunto pela UERJ e UnB, de 1999, da Coleção GTs Intercom, número 8, com artigos de vários pes-quisadores da área). É o primeiro livro solo da autora. O pioneiro, Rádio Nacio-nal, o Brasil em sintonia (São Paulo: Martins Fontes/Funarte, 1988, 2ª edição), fora elaborado em parceria com Luiz Carlos Saroldi. Quando do lançamento da 1ª edição da obra em 1991, atuava como coordenador de Jornalismo da Rá-dio Gaúcha e coordenador da área de Rádio do Curso de Jornalismo Aplicado da RBS, de Porto Alegre/RS. Ao conversar com a colega e orientadora Doris Fagundes Haussen sobre quem trazer para uma palestra, imediatamente ela su-geriu o nome de Sonia. Ela veio, encantou os estudantes, diga-se de passagem, muitos profissionais já consagrados na radiofonia gaúcha, e para surpresa geral lançou o livro em Porto Alegre. “Pessoal”, disse com sotaque carioca, “esse é o primeiro livro da fornada e estou realizando o lançamento oficial aqui no sul”.

A partir dali, meus encontros com Sonia foram cada vez mais frequentes, seja pela leitura antes prazerosa do que obrigatória dos sucessivos lançamentos de livros em seminários e congressos, bem como pelas orientações recebidas para a pesquisa que realizei no Rio de Janeiro sobre O Repórter Esso. Com todas essas coincidências, a releitura da 2ª edição da obra foi também um reencontro com a história radiofônica, história que mostra o rádio como um guerreiro que faz de cada dia uma batalha para permanecer como mídia de massa, rediscu-tindo permanentemente os conteúdos e procurando um mimetismo constante com as tecnologias.

Talvez, a melhor definição para a obra da autora seja a de Gisela Swetlana Ortriwano, que caracteriza o livro como um “mapa da mina”, onde é percor-rido um tortuoso e extenso caminho, desde as heroicas primeiras transmissões

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até as tendências segmentadas e mais requintadas das programações presentes e futuras. Para isso, o sumário contempla o início do rádio no Rio de Janeiro, com a pioneira transmissão oficial em 1922; o rádio educativo, comercial e in-formativo; a legislação; a luta do rádio contra a televisão; o rádio brasileiro até os anos 1980 e as tendências para os anos pós 1990. A professora Sonia Virgínia Moreira destaca logo na apresentação a importância da pesquisa, enfatizando que o livro O Rádio no Brasil somente existe, devido ao ‘Estudo Comparativo dos Sistemas de Comunicação Social no Brasil e no México’, levantamento pre-cursor na área, que envolveu a participação de 10 pesquisadores brasileiros e 10 mexicanos.

Ainda na apresentação, a autora postula para que outros estudos sejam reali-zados no Brasil, visando a completar os vazios que ela não conseguiu preencher.

Ainda faltam muitos dados e informações que ajudariam a montar a história completa do rádio no Brasil. [...] As lacunas são várias: o rádio digital e as experiências peculiares de estilos e programação que contribu-íram para o desenvolvimento radiofônico, por exemplo, ainda não foram devidamente registrados. (MOREIRA, 2000, p. 11)

De lá para cá, as pesquisas radiofônicas disseminaram-se pelas faculdades brasileiras. E mais uma vez o instinto visionário de VirgíniaSonia Virgínia Mo-reira se manifesta, ao vislumbrar que esse procedimento ocorreria, a partir da criação do Grupo de Trabalho (GT) de Rádio da INTERCOM (hoje Rádio e Mídia Sonora) em 1991, em Porto Alegre/RS. O Rádio no Brasil faz ainda a contabilidade das obras radiofônicas elaboradas até a data de publicação do livro. Nos anos 1940 e 1960, tomou vulto o assunto Rádio e Educação, so-bressaindo-se o autor João Ribas da Costa. Já nos anos 1970, Saint-Clair Lopes tratou da legislação e da organização empresarial. Nos anos 1980, preponderam os livros-depoimento com autores como Mário Lago, Renato Murce, Mauro Felice, além de uma perspectiva crítica do rádio e da televisão apresentada por Sérgio Caparelli.

Por essas e por tantas outras razões que Gisela Ortriwano caracterizou O Rádio no Brasil como o “mapa da mina”. Mapa que por vezes se confunde com a própria mina, pois devido ao manancial de dados ali contidos, transforma-se em jazida radiofônica repleta de preciosidades que necessita ser constantemente lida e explorada.

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215Sonia Virgínia Moreira

Os desafios de estudar o rádio

Mágda Rodrigues da Cunha1

MOREIRA, VirgíniaSonia Virgínia & DEL BIANCO, Né-lia. (Org.) Desafios do rádio no século XXI. São Paulo: IN-TERCOM; Rio de Janeiro: UERJ, 2001. 256p.

As investigações em torno do rádio, sua história, tecnologias, o ouvinte, e, especialmente, as tendências e o futuro, tiveram grande impulso a partir do trabalho do Grupo de Rádio da INTERCOM. Foi com o incentivo de algumas lideranças his-tóricas que o grupo começou a se desenvolver, a pensar sobre o rádio e a publicar suas reflexões. O livro intitulado Os Desafios do rádio no século XXI é uma dessas obras que reúne parte da reflexão deste grupo que vem se organizando em Grupo de Tra-balho - exatamente neste momento passando a Núcleo de Pes-quisa - mas nunca deixando de contemplar as transformações pelas quais passa não somente o rádio, mas as mídias sonoras.A publicação aqui analisada integra a Coleção GT’s da IN-TERCOM, número 12. Por ter sido publicada em 2001, reúne o conjunto das reflexões na pauta do grupo naquele começo de milênio. Na apresentação, a então presidente da

1. Professora e pesquisadora do programa de Pós-Graduação em Co-municação Social, Faculdade de Comunicação Social, da Pontifí-cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

5.1MOREIRA

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INTERCOM, Cicília M. Krohling Peruzzo, afirma que o rádio, ligado a uma das características primárias da raça humana, a oralidade, representa um dos mais importantes veículos de comunicação. E tal afirmação, podemos relem-brar, evidencia um dos muitos debates sobre as ameaças de desaparecimento do rádio, diante do surgimento de cada nova tecnologia de comunicação. O rádio enfrentou a televisão e, no começo do milênio, se preparava para o confronto com a internet. Sem dúvida, um duelo permanente na história deste que já era um quase centenário.

Peruzzo (p.05) vai adiante ao afirmar que pelas ondas radiofônicas, o ho-mem realmente passou a ter voz e suas mensagens adquiriram maior abrangên-cia. Afirma que “mesmo com o surgimento da televisão ele continua tendo sen-tido e grande expressão, tendo provado que pode sobreviver autonomamente, atuando apenas no imaginário do ouvinte”. A reflexão de Peruzzo traz uma ideia de permanência do rádio que tem ecoado em estudos de outros pesquisadores e também a ainda carente produção sobre este meio de comunicação.

Na mesma apresentação, Peruzzo ressalta que na voz do povo quem uma vez se apaixona pelo rádio, não o esquece jamais. E complementa que “ao contrário do arbítrio de muitos, de que estaria caminhando para o seu ocaso, o rádio reju-venesce cada vez mais, perfeitamente sintonizado e sincronizado com as ondas de transformação da sociedade.” A obra é uma coletânea de estudos realizados pelos pesquisadores do Grupo de Trabalho, discutidos durante as reuniões anu-ais da INTERCOM. E os debates, naquele momento, estavam voltados tam-bém para profecias, como afirmam as autoras na apresentação do livro.

É importante lembrar aqui que o futuro dos meios de comunicação de massa era objeto de intensas discussões, pela informatização de muitos processos e digi-talização de dados, incluindo voz, dados, som, texto e imagens. Era o momento de falar em convergência de linguagens e tecnologias. O rádio começava a ser discutido na fronteira entre o som e a imagem. Muitos já perguntavam: o que é rádio afinal? Ou ainda: o rádio vai terminar? As autoras afirmam na introdução que o conjunto de textos reunidos na obra aponta para a renovação do rádio tanto nos processos de produção de conteúdo, quanto nos sistemas de transmissão e re-cepção. Salientam que as mudanças tecnológicas influenciariam a implantação do sistema de transmissão digital e a interface com a internet e outras mídias sem fio.

As principais conclusões no início do milênio apontavam que o rádio não ocuparia mais a centralidade em relação a outras mídias, na mesma medida em que ocupou espaços importantes na vida das pessoas na primeira metade do século XX. Mas os estudos do grupo apontavam que o meio de comunicação ainda seria capaz de atender as demandas por lazer, informação e entretenimen-to do público ao oferecer programação ainda mais especializada e segmentada.

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217Sonia Virgínia Moreira

As autoras definem quatro eixos temáticos para a organização do livro: a confluência do rádio com as novas tecnologias da informação e da comunica-ção, o futuro da programação radiofônica nas frequências AM e FM, frente às novas tecnologias, o radiojornalismo e o futuro das rádios comunitárias diante da perspectiva de legalização. São quatro frentes que somadas evidenciam o estado da arte da pesquisa em rádio naquele momento da história.

Na introdução, Moreira e Del Bianco falam, também, sobre o momento de transição do rádio impulsionado pelas sucessivas inovações tecnológicas. Citam Boaventura Souza Santos, para quem a transição é sempre semicega, não se sabe exatamente que rumo vai tomar. Destacam neste pensamento que a consciência da transição significa aceitar o desafio de transitar entre diversas simultaneida-des – o novo e o velho, o moderno e o pós-moderno.

O texto de abertura da obra, de autoria de VirgíniaSonia Virgínia Moreira, uma das organizadoras, intitulado “Tecnologia e legislação para o rádio no sé-culo XXI”, aponta que a circulação do áudio em formato MP3, a evolução do sistema de rádio digital americano IBOC – DAB e a expansão dos usuários de internet são recursos que marcam o momento de evolução particular do rádio. A autora traz à tona as discussões em torno das propostas de um texto legal que passasse a dar conta das transformações.

No texto intitulado “Cautela, riscos e incertezas na implantação do rádio digital no Brasil”, Nélia Del Bianco, uma das organizadoras deste volume, se debruça sobre o tema central de suas investigações e afirma que, já realidade em vários países da Europa e, em breve, nos Estados Unidos, o rádio digital viria a mudar a atual configuração do meio. A inovação melhora consideravelmente a transmissão, dotando-a de som com qualidade equivalente a de um CD, além de permitir flexibilidade de emissão, dando ao ouvinte maior liberdade para escolher a estação que deseja ouvir. No texto, a autora busca compreender os diversos fatores técnicos e os interesses políticos e econômicos que condiciona-riam a decisão brasileira em torno do modelo de transmissão digital: o europeu, o americano ou o japonês.

Em “Tendências da programação radiofônica: as emissoras em amplitude modulada”, Luiz Artur Ferraretto parte da constatação de que as emissoras em AM tendem a perder espaço para as estações em FM no mercado radiofônico. O artigo discute a situação da programação naquele momento em termos de conteúdo e retorno de audiência e recorre a uma recapitulação histórica para amparar sua análise. Ferraretto projeta o quadro da época em que o rádio come-ça a sofrer os efeitos da TV por assinatura e da internet.

“As transformações do AM: perspectiva da programação frente à concorrên-cia do FM” é a reflexão de Nicolau Maranini que, considerando o pensamento

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dos profissionais envolvidos, apresenta dados sobre o possível encaminhamento do rádio AM. O texto reúne a reflexão de comunicadores, jornalistas, publicitá-rios, engenheiros, diretores e programadores de emissoras do Rio de Janeiro e de São Paulo. A percepção de todos é da necessidade de melhoria da programação do Rádio AM, mas ainda de incerteza sobre os caminhos que as emissoras deve-rão tomar frente aos novos tempos. Em meio a tudo isso, uma certeza: o rádio segue o veículo mais privilegiado em termos de potencialidade.

Carlos Eduardo Esch estabelece seu foco em “O futuro dos comunicadores e a reinvenção do rádio”. Os profissionais do rádio, no seu entendimento, são in-seridos em um novo contexto de transformação, no qual se apresentam dúvidas e incertezas quanto às novas formas que os meios devem adquirir. Naquele cená-rio, o texto concluía que a trajetória do comunicador de rádio seguiria fortale-cida, uma vez que a tecnologia oferece novas possibilidades a serem exploradas.

O entendimento de que “Os efeitos junto ao público garantem a permanên-cia do rádio”, pautou nossa reflexão. Buscamos, naquele momento, observar a história de transformações do rádio, nos diferentes horizontes históricos, em resposta às questões propostas pela audiência. Consideramos ainda que ao lon-go de sua história, o rádio se apropria do código vigente e mantém seu poder de mobilização das audiências.

“O radiojornalismo e o sentido do novo milênio”, na reflexão de Ana Bau-mworcel, apresenta a evolução histórica da linguagem do rádio relacionado ao jornalismo no Brasil a partir de momentos de rupturas representativas de um fazer diferente. Entre as conclusões da autora está a ideia de que o rádio produz e reproduz, simultaneamente, o excesso de informação e a escassez de sentido da sociedade. O rádio precisa resignificar a si próprio, reutilizando seu potencial expressivo para transferência de sentidos e viver uma nova ruptura.

Mauricio Nogueira Tavares aborda “O humor na rede: AM/FM/internet”, onde analisa programas de humor no rádio em duas diferentes épocas. O autor faz um comparativo entre o PRK-30, como representação de um momento em que o AM era muito importante no país, e programas de humor em FM, trans-mitidos no começo do milênio, os quais estão, segundo conclusão do autor, próximos da saturação criativa. A internet é vista como uma possibilidade de revisitar o humor no rádio aos moldes do PRK-30.

“Faca de dois gumes” foi o título escolhido por João Batista de Abreu, para quem as inovações tecnológicas no sistema capitalista estão inseridas em uma ló-gica econômica de sobrevivência, em uma sociedade cada vez mais competitiva, no qual o rádio não é exceção. No texto, o autor traz os paradoxos das novidades tecnológicas que encurtam o tempo despendido entre a apuração e a veiculação da notícia e a função básica do radiojornalismo, que é informar bem e com segurança.

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Para Alda de Almeida, “Notícia não é salsicha – as novas tecnologias e o jornalismo nas rádios AM cariocas”. O título sugestivo aponta que a velocidade na apuração, proporcionada pelas tecnologias em expansão naquele momento nem sempre significa qualidade, principalmente quando “atropela” as normas do bom jornalismo.

Luciano Klöckner e Maria Alice Bragança escrevem “Radiojornalismo de serviço: AM e FM em tempos de internet”. Na reflexão sobre os rumos das emissoras de rádio AM e FM, fazem uma retrospectiva das mudanças na progra-mação das emissoras para competir com a televisão. Definem o radiojornalismo de serviço, feito para orientar e ajudar concretamente o ouvinte, a ligação mais direta com a audiência.

A estrutura da notícia radiofônica nas emissoras internacionais é a abor-dagem de Venerando Ribeiro de Campos, que faz um estudo comparativo da estrutura da notícia no rádio, entre Brasil e Espanha. Entre suas principais con-clusões está a tese de que Brasil e Espanha utilizam a radiodifusão internacional como suporte propagandístico de suas potencialidades como nação.

Doris Fagundes Haussen e Adriana Ruschel Duval investigam “Redes radio-fônicas e produção local: um estudo de caso”. As autoras analisam o panorama da produção local nas redes radiofônicas AM em Porto Alegre, através de pro-gramas noticiosos, e entre os principais resultados apontam que os temas de interesse próximo à comunidade não são levados em consideração. No texto, relativizam esta reflexão, ressaltando a importância da discussão sobre o público dos canais tradicionais e a sua exposição a apenas determinados tipos de progra-mação e os que têm condições de usufruir de todos os conteúdos colocados a sua disposição pelas novas tecnologias.

Em uma análise de um rádio local, Luciana Miranda Costa aborda “Terceiri-zação, promoções e jornalismo: o rádio em Belém busca nova identidade”. A au-tora questiona como está sendo trabalhado o clássico tripé música, informação e serviço naquela cidade. Naquele momento, num fenômeno iniciado na década de 90, a programação esportiva e policial das emissoras locais, caminhava rumo à terceirização.

Eduardo Meditsch traz o texto “O ensino de radiojornalismo em tempos de internet”. Segundo ele, há uma ambiguidade conceitual a respeito das defini-ções de internet e de rádio como meios de comunicação. Em seu texto, defende uma sólida formação em rádio para um profissional multimídia. E é nesta refle-xão, que Meditsch traça um importante conceito, que veio apaziguar durante alguns anos, as indagações sobre o conceito de rádio. Tomando a obra de Ar-nheim como base, define a especificidade do meio de comunicação a partir de três características indissociáveis: é um meio de comunicação sonoro, invisível e

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que emite em tempo real. Se não for feito de som, não é rádio, se tiver imagem junto não é mais rádio, se não emitir em tempo real, é fonografia, também não é rádio.

Dessa definição norteadora para muitos que questionavam o que viria a ser o rádio em tempos de internet, a obra faz seu fechamento com o texto de Már-cia Vidal Nunes sobre “Rádios comunitárias no século XXI: exercício da cida-dania ou instrumentalização da participação popular?”. Naquele momento, a história mostrava um fenômeno crescente: a instrumentalização comercial e ou político-partidária das emissoras que devem ter gestão coletiva. No pensamento da autora, tal fato representa uma ameaça ao exercício alternativo da cidadania pelo rádio.

Olhar para o livro Desafios do rádio no século XXI é reviver uma época em que o exercício de futurologia era uma constante em muitas pesquisas. Futurologia, especialmente, pelo encantamento que as tecnologias e a internet em expansão eram capazes de sugerir. Nesta coletânea, podemos ter um panorama claro sobre o momento vivido pelo rádio, a ansiedade dos profissionais diante das possíveis transformações, e, na mesma medida, a ausência de respostas claras.

Um ponto é claro: mesmo diante de tantas incertezas, havia um otimismo generalizado diante das potencialidades que o rádio seria capaz de manter em um cenário cujo enfrentamento agora seria a internet. A pergunta central ficava em torno do desaparecimento do rádio ou a transformação de seus formatos em uma linguagem em situação de convergência. Tantos buscavam por uma res-posta que o balizamento estabelecido por Meditsch foi referenciado em muitos textos nos anos seguintes.

Mais de uma década depois, cabe refletir se chegamos a resultados conclusi-vos sobre as perguntas feitas naquele momento. O rádio compete com cada vez mais possibilidades apresentadas pelas tecnologias ou encontrou o seu lugar na diversidade de alternativas de informação?

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Predição sobre o futuro do rádio no século XXI

Nelia R. Del Bianco1

MOREIRA, SONIA V. E DEL BIANCO, Nelia R. (Orgs.). Desafios do rádio no século XXI. São Paulo: INTERCOM e Rio de Janeiro: UERJ|, 2001, 256 p.

O que será do rádio na virada do milênio diante da emergên-cia da Internet? A mídia eletrônica mais antiga do século XX está condenada ao desaparecimento? O livro acima apontado surgiu da necessidade de responder a essas questões em meio ao impacto de entrar no século XXI. A comunicação, em particular, estava frente a uma revolução em relação ao modo como a informação era gerada, processada, armazenada e ma-nipulada. A digitalização dos mais diversos tipos de informa-ção - voz, dados, som, texto e imagens - abria caminho para a convergência entre as telecomunicações, os meios de comu-nicação de massa e a informática. Uma nova configuração da comunicação estava em pleno desenvolvimento caracterizada

1. Jornalista, produtora radiofônica, professora da Faculdade de Co-municação da UnB e do programa de Pós-Graduação em Comu-nicação da UnB. Doutora em Comunicação pela Universidade de São Paulo. Membro da diretoria da Intercom (2008-2014). Pes-quisadora sênior e cofundadora do Observatório de Radiodifusão Pública na América Latina. Email: [email protected]

5.1MOREIRA

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pelo alcance global, pela interatividade e pela integração entre diferentes meios. O ambiente apontava para a inevitável perda de prestígio das mídias eletrôni-cas massivas. Os mais pessimistas acreditavam que seria o fim do rádio. Face à polêmica havia uma necessidade urgente de esclarecer, discutir, predizer sobre o futuro com base em análises densas e fundamentadas.

O livro foi resultado de um projeto coletivo do Grupo de Trabalho Rádio da INTERCOM. Em 2000, sob a liderança de Nelia R. Del Bianco, o grupo apro-vou o projeto de produção do livro durante o XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação realizado na Universidade Federal de Manaus - AM. No ano seguinte, agora com Sonia V. Moreira à frente da direção do GT, foi re-alizada uma sessão especial durante o XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação sediado em Campo Grande - MS para apresentar a coletânea de estudos. Esse foi o segundo projeto de investigação do grupo que ajudou a con-solidar uma prática de pesquisa coletiva que se repetiria ao longo dos anos 2000.

A publicação teve o mérito de arrefecer as predições negativas ao defender que, numa transição tecnológica, os meios de comunicação tradicionais se re-novam e não, necessariamente, desaparecem. A história comprova o quanto o rádio tem sido resiliente frente às inovações. Na verdade, o seu desenvolvimento foi, em grande parte, moldado pela chegada ao mercado de sucessivas gerações de receptores e pelas inovações tecnológicas no sistema de transmissão.

Basta lembrar que o receptor a válvulas na década de 30, substituindo o pioneiro de cristal de galena, contribuiu para baratear os custos de produção do aparelho e permitiu sua popularização. Enquanto que o transistor, na década de 60, favoreceu o aparecimento de aparelhos portáteis, sem fios ou tomadas, que transformaram a audiência antes coletiva em individual. A expansão da FM na década de 70 deu vida nova ao meio que estava estagnado com o predomínio do AM. Na Europa, a FM favoreceu a criação de emissoras piratas e comunitá-rias; nos Estados Unidos consolidou a segmentação da programação. No Brasil trouxe incentivo comercial ao meio que perdia espaço para a TV na disputa das verbas publicitárias ao conquistar ouvintes com uma programação diversificada, quanto aos estilos de música e à locução, com qualidade sonora que se transfor-mou em padrão de referência para a radiodifusão. Na década de 90, a transmis-são digital via satélite dominou o cenário, favorecendo a formação de grandes redes de emissoras. Sua maior vantagem foi oferecer cobertura nacional a um custo mais baixo, proporcionando redução de custos operacionais, qualidade técnica de som e, em alguns casos, oferecer programação musical diferenciada e altamente profissional.

Com a expansão da Internet nos anos 90, repetiu-se o mesmo cenário ne-gativo em relação à época em que surgiu a televisão. Naquele tempo, as in-

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certezas eram muitas. A novidade da imagem com som atraiu patrocinadores, o rádio perdeu publicidade, reduziu equipes de profissionais. Não havia mais como sustentar uma programação de entretenimento com novelas, programas de auditório e humorísticos. A dificuldade levou à reinvenção: investir no tripé música, notícia e esporte. Foi da novidade ameaçadora que o meio conseguiu se reposicionar e encontrar um novo lugar no cenário de mídia. Ao explorar a capacidade de transmitir informação do local do acontecimento, transformou--se no que McLuhan (2000, p. 335) chamou de sistema nervoso da informação: “notícias, hora certa, informação sobre o tempo agora servem para enfatizar o poder nativo do rádio de envolver as pessoas umas com as outras. [...] O rádio provoca uma aceleração da informação que também se estende a outros meios”.

Reinvenção com a Internet

O argumento central do conjunto de 16 textos do livro Desafios do Rádio no século XXI é que as novas tecnologias digitais não ameaçam o rádio. Com a Internet, o meio pode ampliar seu alcance para além do espectro eletromagnéti-co. Emissoras em todo mundo podem colocar seu sinal da rede, possibilitando alcançar audiência global. Em sites na rede, as estações podem se promover, anunciar concursos e listas de músicas mais tocadas, receber pedidos de músicas e comentários dos ouvintes, arquivar shows e, ainda, oferecer notícias em tem-po real. A transformação diante das tecnologias da informação é mútua. Para o rádio, abre espaço para conquistar novas possibilidades de interação com o público. Para o jornalismo online, as emissoras de rádio levaram a experiência de agregar ao texto da notícia trechos de entrevistas, reportagens, comentários e todo tipo de arquivo sonoro fartamente produzido no cotidiano da redação tradicional.

A discussão sobre o futuro do rádio foi articulada no livro em quatro eixos temáticos. O primeiro tratou da confluência do rádio com as novas tecnologias da informação e comunicação. Nele Sonia V. Moreira traz uma síntese de sua tese de doutorado defendida na ECA-USP (MOREIRA, 1999) ao abordar os processos de digitalização do áudio sob o ponto de vista da produção e da distri-buição. Ao destacar aspectos da evolução tecnológica, Sonia defendia que as di-ficuldades de popularização da Internet que se apresentavam no início do século seriam, em breve, superadas de modo que a transmissão de rádio pela rede seria uma realidade em alguns anos. Dentro desse eixo Nelia R. Del Bianco discutiu pela primeira vez no país, numa publicação acadêmica na área de comunicação, a questão do rádio digital. Até aquele momento, o debate estava circunscrito

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ao âmbito das associações de engenheiros elétricos e de radiodifusores. O rádio digital já era uma realidade na Europa desde a década de 90 e representava uma possibilidade de revolução técnica tão significativa a ponto de alterar o modo de produção da programação, de distribuição de sinais e a recepção da mensagem radiofônica. Pesquisadores da área de várias partes do mundo já apontavam para a necessidade de uma “reinvenção” do rádio ao adotar nova tecnologia. Resta-va aos pesquisadores entenderem mais sobre o potencial da nova tecnologia como as possibilidades de diversificação de conteúdo, criação de novas formas de interação e modos de escuta. A partir do texto “Cautela, riscos e incerteza na implantação do rádio digital no Brasil” foi possível inaugurar uma discussão política na área que pudesse apontar mais do que as vantagens e desvantagens para a mudança de sistema de transmissão. O texto mostra a raiz de um impasse que perdura até o presente: os radiodifusores vão resistir a qualquer mudança que ameace seu status quo. A discussão rendeu frutos. Cinco anos depois da pu-blicação desse texto, o GT de Rádio criou uma pesquisa coletiva com o objetivo de acompanhar os testes com a tecnologia digital realizado em várias cidades brasileiras. Em 2007, o grupo entregou uma carta aberta ao Ministro das Co-municações em defesa da construção de uma política pública para implantação do rádio digital que assegure a manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, a transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção, a adap-tabilidade do padrão a ser escolhido ao parque técnico instalado, a coevolução e a coexistência do digital com o analógico, a oferta do aparelho receptor com potencial de popularização e a escolha de uma tecnologia não proprietária e com potencial de integração do meio a outras mídias digitais.

No segundo eixo temático foram examinados os processos de renovação da programação radiofônica. Luiz Artur Ferraretto e Nicolau Maranini foram prescientes ao detectarem o desfecho de uma mudança que estava em curso: o AM caminhava para consolidar a programa estilo talk show, voltada para infor-mação, prestação de serviço e problemas sociais, enquanto o FM aprofundaria a segmentação com foco em música e em entretenimento. Ainda nesse eixo, Carlos Eduardo Esch mostra que as transformações não alteram a essência da comunicação pelas ondas eletromagnéticas: as relações de afeto e amizade que se estabelecem entre ouvintes e comunicadores populares. Em outro texto fun-damental nesse eixo, Mágda Cunha mostrou que são os efeitos junto ao público que garantem a permanência do rádio. A sua subsistência está no poder de mo-bilização derivado do sentido primordial nunca alterado: a capacidade do rádio de retransmitir a voz humana. Encerrando o eixo temático, Mauricio Tavares contribuiu com uma análise dos programas de humor no rádio comparando o maior clássico do humor da década de 30, o PKR-30, com a renovação desse gê-

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225Sonia Virgínia Moreira

nero nas rádios FM no final da década de 90. Seu texto mostrava que o humor seria um caminho natural que poderia garantir a permanência do meio junto ao segmento jovem.

O terceiro eixo de discussão do livro foi sobre o futuro do radiojornalismo frente a emergência do jornalismo online, do tempo real na Internet. Ana Bau-mworcel, João Batista de Abreu e Alda de Almeida analisaram a transformação da linguagem do jornalismo e as vantagens e desvantagens das alternativas tec-nológicas idealizadas para facilitar a captação e a transmissão da informação. Registraram que nem sempre a velocidade na divulgação da notícia está asso-ciada à qualidade de conteúdo. Sofisticadas tecnologias podem transformar-se numa faca de dois gumes quando os profissionais não conseguem distinguir entre a vantagem dos recursos técnicos que encurtam o tempo entre a apuração e a veiculação da notícia e a função básica do radiojornalismo – informar bem e com segurança. Os pesquisadores alertavam para o risco de o rádio perder o seu maior patrimônio: a credibilidade. Cautela mais do que necessária diante do que estava por vir. Conectados à Internet, os jornalistas de rádio passaram a ter acesso gratuito às principais agências de notícias e aos jornais online nacio-nais e internacionais. À primeira vista essa facilidade ampliou o olhar sobre os acontecimentos diante da multiplicidade de assuntos disponíveis para seleção. Situação bem diferente das condições de produção da era analógica. O acesso às agências de notícias somente era possível mediante assinatura do serviço. Emissoras especializadas em jornalismo assinavam no início da década de 90, no máximo, uma agência internacional e duas nacionais. Na verdade, a vanta-gem proporcionada pela Internet, deve ser melhor avaliada porque os jornalistas têm acesso ao conteúdo parcial de jornais online, portais e agências de notícias, portanto, nem sempre é o material jornalístico integral disponível apenas para os assinantes. Trata-se de um material de segunda ou terceira mão, submetido a critérios prévios de seleção, portanto, filtrado pelos valores inerentes àquela publicação. Mesmo quando os jornalistas vão diretamente ao site das agências internacionais ainda acessam parte do conteúdo, resumos de notícias e não as matérias integrais disponíveis para assinantes. No livro, os pesquisadores anteci-param o desafio que se avizinhava. Os jornalistas teriam de aprender a navegar no emaranhado de informações proveniente de diferentes fontes acessíveis pela Internet para interpretar os acontecimentos e obter informações confiáveis e de qualidade num curto espaço de tempo.

No mesmo segmento, Luciano Klockner e Maria Alice Bragança abordaram um tipo de jornalismo que conquistaria maior importância nos anos 2000: a prestação de serviço. Criado para orientar e ajudar o ouvinte, o radiojornalismo de serviço estreita a relação entre emissora e audiência e tem sido apontado

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com um caminho a ser explorado pelas emissoras em qualquer frequência. No mesmo eixo os artigos de Venerando Ribeiro, Dóris Fagundes Haussen, Adriana Ruschel Duval e Luciana Miranda Costa oferecem três percepções do radiojor-nalismo a partir da noção localidade. Em “A estrutura da notícia radiofônica nas emissoras internacionais”, Venerando Ribeiro fez um estudo comparativo entre os canais em ondas curtas da Espanha - Radio Exterior da Espanha – e do Bra-sil – Rádio Nacional do Brasil com o objetivo de determinar as especificidades das notícias, características estruturais e semânticas, com também as intenções significativas dos emissores. Dóris Fagundes Haussen e Adriana Ruschel dis-cutiram o jornalismo local pelas redes radiofônicas via satélite que transmitem para Porto Alegre. No estudo apontavam que temas de interesse próximo da comunidade não eram levados em consideração pelas redes em seus noticiários, o que evidenciava uma contradição a considerar a importância da notícia local no cotidiano do público. Na sequência Luciana Miranda apresentou estudo que apontava a terceirização da programação esportiva e policial em algumas emis-soras locais de Belém como alternativa para revitalizar o faturamento e evitar que alguns programas saíssem do ar.

Eduardo Meditsch encerrou o eixo temático com uma contribuição impor-tante para os professores da área ao discutir a confusão instalada no ensino do radiojornalismo a partir do advento da internet. Além de tratar da ambiguidade conceitual em relação às definições de Internet e de rádio como meio de comu-nicação, o autor sustentou a necessidade de uma sólida formação em rádio para o profissional multimídia. A tecnologia, nesse caso, facilita a tarefa, por permitir o acesso a emissoras, programas, informações e textos disponíveis em qualquer parte do mundo. Para ele, o importante é não resistir às novas tecnologias, mas tirar proveito delas.

O último eixo temático do livro tratou do futuro das rádios comunitárias diante da perspectiva de legalização. Havia três anos desde a aprovação da lei que regularizou as emissões do gênero. O texto de Márcia Vidal Nunes reve-lou que em Fortaleza emissoras autenticamente comunitárias convivam com aquelas que eram instrumentalizadas pela política partidária. O exercício da cidadania a partir do acesso a um canal de comunicação de forma livre, baseada em princípios que garantem o caráter comunitário como gestão coletiva, parti-cipação plural e programação produzida pela população, estava ameaçada pelos políticos locais que instrumentalizavam o segmento para defender interesses privados ou fazer política. O texto foi um marco da discussão do tema e inspi-rou outras pesquisas a respeito.

Fruto do trabalho coletivo de pesquisadores, o livro “Desafios do rádio no século XXI” foi uma contribuição significativa num momento em que as pre-

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dições sobre o fim do rádio cresciam no noticiário. Fazia-se necessário pontuar, ponderar e equilibrar o debate para que o essencial pudesse ganhar evidência. Digamos que o livro é fruto de muita cautela diante dos riscos e incertezas típicas da transição entre o novo e o velho. E quando as incertezas espreitam a todos, experimenta-se o desconforto da perda. Uma sensação ruim de estar ca-minhando às cegas. No horizonte há uma certeza: o rádio sobreviverá ao venda-val de mudanças. Não será o mesmo, provavelmente, depois que a digitalização abranger não apenas o processo de produção como também da transmissão. A sua permanência estará garantida se souber manter o que faz de melhor: ser o velho e bom companheiro e amigo de todas as horas de milhares de ouvintes ao oferecer música, informação e entretenimento de qualidade.

Referências

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do ho-mem. São Paulo: Cultrix, 2000.

MOREIRA, Sonia V. O rádio chega ao século XXI – tecnologias e leis nos EUA e no Brasil. Tese de doutorado. ECA-USP, 1999 (204 p.).

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25 anos de INTERCOM

Everton Darolt1

INTERCOM 25 anos. 1977 – 2002 Duas décadas e meia de história; Olhar interno: depoimentos dos ex-presidentes. Olhar externo: depoimentos de representantes de institui-ções estrangeiras.

Nesta obra, Sonia Virgínia Moreira se destaca na coordena-ção da seção temática Mídia Sonora: Rádio, CD/Indústria do som, e também integra o expediente da impressão na organi-zação ao lado de Cecília M.K. Peruzzo. A obra INTERCOM 25 anos apresenta em 132 páginas o olhar interno da Socie-dade Brasileira e Estudos Interdisciplinares da Comunicação através de depoimentos dos ex-presidentes da INTERCOM. Posteriormente apresenta os olhares externos através de de-poimentos de representantes de instituições estrangeiras no período de 1977 a 2002. A publicação comemora os 25 anos da INTERCOM, apresentando um panorama das pesquisas realizadas neste período. Neste sentido esta publicação pro-cura observar os olhares dos pesquisadores que dirigiram a associação nestas duas décadas e meia de INTERCOM.

1. Mestre em Comunicação e Linguagens (UTP-PR), Graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (FURB). Docente no curso de Comunicação Institucional e Jornalismo (UNIDAVI).

5.1MOREIRA

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No depoimento do professor Marques de Melo é destacado que “Historica-mente, a Intercom tem sido uma sociedade civil presente e atuante no cenário na-cional. Seus primeiros tempos foram de resistência e autoritarismo. No processo de democratização da vida pública brasileira ela se engajou na luta pela melhoria dos padrões de qualidade do ensino e da pesquisa em Comunicação.” De fato, a Socie-dade mantém o alto nível de contribuição científica, reunindo diversos intelectuais que discutem a comunicação com um amplo saber. Deste amplo saber, a organiza-ção amadureceu e se reorganizou. No texto é apresentada a evolução da instituição na sua organização e sistematização. Além do evento anual a nível nacional, com o passar do tempo, surgiu a necessidade de mais encontros. Logo, do Ciclo de Es-tudos Interdisciplinares surgiram outros eventos. Os grupos de trabalho no mesmo processo de evolução passaram a concretizar os Núcleos de Pesquisa, permitindo uma maior interação entre os pesquisadores das diferentes universidades do Brasil.

Em 1990, no XIII Congresso, realizado no Rio de Janeiro, foram constitu-ídos os Grupos de Trabalho (GTs), que passaram a ser estruturados de forma mais efetiva no ano seguinte, no XIV Congresso realizado em Porto Alegre. Neste período, os Núcleos de Pesquisa se somavam a 18 grupos distintos com suas sessões temáticas específicas. Os GTs chegavam a contemplar cerca de 30 diferentes grupos temáticos. Esta divisão ocorreu para organizar as grandes áreas temáticas da comunicação em grupos multidisciplinares para viabilizar o diálo-go da comunicação e de outras disciplinas.

Sonia Virgínia Moreira coordenou ao lado de Dóris Fagundes Haussen e Nelia R. Del Bianco o grupo temático Rádio: História, Gêneros, Linguagem. Este grupo fora implantado para realizar um levantamento histórico reconstituindo a trajetória do rádio no país. De 1991 até 2002 o grupo registrou 116 trabalhos e a publicação de dois livros: A Guerra dos Mundos 60 anos depois (1998) e Rádio no Brasil – tendências e perspectivas (1999).

Nessa constante evolução, a Sociedade buscou criar outros espaços para atender também a demanda dos jovens cientistas e estudantes de graduação e pós-graduação. Assim, os Ciclos de Estudos, GTs e os Núcleos de Pesquisa passaram a ter espaço no Congresso. Foram criados o Inovcom, o Iniciacom, a Expocom e o Prêmio Luiz Beltrão para fortalecer a área da Comunicação e aproximar o meio acadêmico das áreas profissionais e de mercado. No texto são apresentados em forma de tabelas os trabalhos apresentados em cada evento bem como as etapas regionais que iniciaram a partir de 1988 em Recife. Os eventos internacionais realizados com o apoio da INTERCOM iniciaram em 1986 no Encontro Ibero-americano de pesquisadores de Comunicação.

Dentre as diversas publicações da Coleção GTs da INTERCOM, são des-tacadas as seguintes publicações de Sonia Virgínia Moreira: Rádio no Brasil:

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tendências e perspectivas (1999) e Desafios do rádio no Século XXI (2000), ambos em conjunto com Nelia R. Del Bianco.

O olhar interno conta com os depoimentos dos ex-presidentes: José Marques de Melo, presidente durante três gestões, com o texto Pensamento comunicacio-nal brasileiro: Gênese, autonomia, reinvenção; Anamaria Fadul, presidente em uma gestão, com o texto A Intercom e a transição democrática; Gaudêncio Tor-quatro com o texto Uma entidade à frente de seu tempo; Margarida M. Krohling Kunsch, presidente por duas gestões, apresenta o texto Intercom, uma SBPC da Comunicação; Manuel Carlos Chaparro apresenta o texto Anos de consolidação da identidade científica; Adolpho Queiroz apresentou A família Intercom; Maria Immacolata Vassalloo de Lopes com o texto A Intercom na maioridade, J.S.Faro com o texto Intercom – 25 anos; e por fim Cicilia Peruzzo com o texto O papel e as frentes de atuação da Intercom no início do novo milênio. Estes últimos pesqui-sadores foram presidentes por uma gestão.

O olhar externo apresenta os depoimentos de representantes de instituições estrangeiras: Raúl Fuentes Navarro professor da Universidade de Guadalajara, México, fala sobre a INTERCOM no texto Interdiciplinariedad en Comuni-cación: 25 años de Intercom; Gabriel Kaplún, professor da Universidad de la República, Uruguay, apresentou o texto Intercom: Estímulos y modelos, envividas y riesgos; Joseph Straubhaar, diretor do Center for Brazilian Studies, Universidade do Texas, em Austin, apresenta o sucesso da sociedade com o texto Intercom, a success story e, por fim, Luís Humberto Marcos, presidente da CFJ, diretor do Museu Nacional da Imprensa, ambos em Portugal, apresentou brevemente os 25 anos de Intercom.

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Rádio em transição: estudo comparado no início do novo milênio

Ana Baumworcel1

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio em transição: tecnolo-gias e leis nos Estados Unidos e no Brasil. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. 352 p.

Talvez o menos conhecido e divulgado livro da jornalista, ex-presidente da INTERCOM, professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Sonia Virgínia Moreira, seja Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil. Publicado em 2002, o livro é sua tese de Doutorado defendida em 1999, na Escola de Comunica-ção e Artes da Universidade de São Paulo (USP). O foco na tecnologia e na legislação de radiodifusão representou uma inovação na trajetória acadêmica da pesquisadora, até então, vinculada aos estudos sobre a história do meio no Brasil. Antes do livro sobre sua tese, Sonia publicou Rádio Nacio-nal, o Brasil em sintonia, em parceria com Luiz Carlos Saroldi (1988); O rádio no Brasil (1991) e Rádio Palanque, fazendo política no ar (1998). Depois de ter trabalhado na Rádio Jor-nal do Brasil-AM e, logo a seguir, na Voz da América, nos Estados Unidos, Sonia se tornou uma apaixonada por esta

1. Professora Doutora e pesquisadora da área de Rádio da Universi-dade Federal Fluminense (UFF).

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mídia, como fica implícito na apresentação que faz de Rádio em transição: tecno-logias e leis nos Estados Unidos e no Brasil:

Imagine um mundo desprovido de som ou ruído. O maior apelo do rádio reside exatamente na magia inerente à comunicação sonora à dis-tância: música, voz, barulho, ou mesmo intervalos de silêncio, criam ambientes próprios, particulares e únicos que contribuem para a ima-ginação, atributo peculiar em grande parte relacionado às experiências acumuladas por cada indivíduo (MOREIRA, 2002, p. 13).

Foi também, sem dúvida, essa experiência profissional radiofônica nos dois diferentes países que a colocou numa posição privilegiada para analisar o veículo de forma comparativa, a partir da motivação de sua vivência prática e da neces-sidade de conhecer e refletir mais sobre o rádio no Brasil e nos Estados Unidos. O livro-tese contribui para a pesquisa sobre esse importante meio de comunica-ção, defendido pela autora como “o veículo de massa mais democrático, capaz de atingir o maior número de pessoas em qualquer lugar do mundo. Por essa e inúmeras outras razões, vale sempre a pena estudá-lo”. (p.219).

Sua contribuição para os pesquisadores do campo se deve ao fato deste livro representar um documento histórico sobre a evolução tecnológica do rádio no final do século XX e início do XXI. A autora enfrentou o desafio de estudar a tecnologia e sua influência na produção radiofônica, no momento de sua trans-formação, nos anos de 1990, quando ainda havia escassez de informações e aná-lises precárias sobre o assunto. Registra o início do debate sobre a versão web do meio, sobre o rádio digital e prevê a importância que o telefone celular terá anos mais tarde: “o rádio via celular representa uma tendência natural na evolução das telecomunicações, na qual a captação de ondas sonoras é um recurso adicio-nal à disposição do usuário de veículo multimídia” (MOREIRA, 2002, p.18).

Além disso, as últimas cem páginas do livro apresentam anexos com a ínte-gra de projetos de Lei de Regulamentação da Radiodifusão em diferentes épo-cas, nos dois países, significando um rico material de consulta para interessados em estudar e pesquisar sobre a legislação. Moreira (2002, p.40) lembra que “o avanço tecnológico que altera perspectivas de uso, função e atuação dos meios, prossegue sem a existência de um órgão regulador específico e sem normas de-finidas tanto para a mídia de massa tradicional como para as novas formas de comunicação”. A pesquisadora sugere:

Diante do quadro tecnológico e comercial que se apresenta, a renovação (e a decorrente atualização) das leis de radiodifusão adquiriu extrema

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233Sonia Virgínia Moreira

importância para o futuro da mídia rádio no país. Independente das alterações e inserções ocasionais e pontuais em textos legais existentes permanecem urgentes e necessárias a apresentação, discussão, aprovação e aplicação de uma legislação moderna, que contemple os avanços tecno-lógicos e industriais e, ao mesmo tempo, impeça que o rádio continue a ser utilizado de acordo com a conveniência dos proprietários ou arren-datários de emissoras, na maioria das vezes sem um respeito mínimo às obrigações definidas nas leis existentes (MOREIRA,2002, p. 19).

O livro apresenta ainda o debate inicial sobre a criação do Conselho de Co-

municação Social, nos anos 2000, e a autora ressalta:

A definição das regras em texto renovado de lei específica e o incentivo à participação da sociedade na construção dessa nova legislação são ele-mentos imprescindíveis para a garantia do acesso democrático ao rádio e aos outros meios de comunicação (MOREIRA, 2002, p. 22).

A professora e pesquisadora Anamaria Fadul, orientadora de Sonia na USP, destaca, no prefácio, a contribuição que o livro trouxe para a ampliação da bi-bliografia brasileira sobre rádio num momento de poucos livros publicados no país. Outro mérito identificado é a metodologia comparativa entre dois países, pouco utilizada na época no campo da comunicação, e que permite entender a influência norte-americana no modelo de rádio brasileiro. Metodologia que provocou, também, mudança na trajetória acadêmica de Sonia ao despertar sua curiosidade para compreender as semelhanças e diferenças entre o sistema brasi-leiro de comunicação e seus congêneres estrangeiros. Essa curiosidade se trans-formou num estímulo para que, ao deixar a presidência da INTERCOM anos depois, assumisse a diretoria de relações internacionais da entidade e promo-vesse encontros paralelos entre diferentes países. Estes colóquios internacionais contribuíram para que o estudo comparativo da mídia avançasse no Brasil na última década.

O livro Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil é dividido em três partes. A primeira faz um histórico da invenção do rádio, a segunda apresenta como esta mídia sobrevive e se transforma, no Brasil e nos Estados Unidos, depois da chegada da TV e a terceira aborda o rádio em transição, a partir das novas tecnologias, e faz uma análise da legislação vigente nos dois países. Na conclusão, Moreira (2002, p. 211) defende que “o estudo comparado da evolução do rádio demonstra que, apesar da semelhança quanto à concepção do meio, os sistemas de radiodifusão operam de formas distintas

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em cada país”. A autora enfatiza a participação dos fabricantes de equipamentos radiofônicos nos Estados Unidos e a de políticos e religiosos, no Brasil, por exemplo. Lembra que os EUA são o maior mercado de rádio do mundo e o Brasil é o segundo maior.

E confirma suas hipóteses de que a convergência dos meios em sistema mul-timídia é um processo em curso; que o papel do Estado como agente regulador vem se modificando nos dois países e que o perfil dos ouvintes tende a continuar local, ainda que com uma inserção global. Sonia Virgínia Moreira apresenta muitos dados sobre o rádio no Brasil e nos Estados Unidos na virada para o século XXI e os contextualiza no momento histórico de transição tecnológica. Para aqueles que acompanham a trajetória desta mídia, vale a pena ler o livro--tese da pesquisadora.

Referências

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio em transição: tecnologias e leis nos Esta-dos Unidos e no Brasil. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. 352 p.

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Palanque, fazendo política no ar. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 1998. 172 p.

MOREIRA, Sonia Virgínia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1991. 80 p.

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia, em par-ceria com Luiz Carlos Saroldi Rio de Janeiro: Funarte/ Martins Fontes, 1988. 135 p.

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235Sonia Virgínia Moreira

O Pensamento da Comunicaçãobrasileira

Carlos Alberto Silva1

MOREIRA, S. V. (Org.); LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.); MELO, José Marques de (Org.); BRA-GANÇA, Anibal (Org.). Pensamento comunicacional bra-sileiro. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. 280p.

O pensamento em torno da comunicação brasileira se mate-rializa a partir do trabalho dos pesquisadores espalhados pe-las universidades país afora sobre temas como cultura, novas tecnologias, comunicação, sociedade, política, entre outros, e é o caminho para entender este lado intempestivo da con-temporaneidade, além de se fazer um diagnóstico da mídia e seu aparato tecnológico. Um dos exemplos sobre o estudo e a pesquisa apresentados por pesquisadores de áreas distintas do conhecimento da co-municação está no livro O pensamento comunicacional bra-sileiro (2005), que é resultado dos trabalhos apresentados durante a pré-conferência organizada pela INTERCOM em

1. Doutorando em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e professor no curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e coordenador da Pós-Graduação em Comunicação, Empreende-dorismo e Mídias Digitais.

5.1MOREIRA

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julho de 2004, em Porto Alegre, junto à XXIV Conferência Internacional da In-ternacional Association for Media and Communication Research – IAMCR. A organização, revisão e atualização dos textos são de José Marques de Melo, Ma-ria Immacolata Vassallo de Lopes, Aníbal Bragança e Sonia Virgínia Moreira.

Os organizadores deste livro, que saiu pela INTERCOM, providenciaram uma publicação com textos em português e em inglês. E entre os dez artigos, são apresentados debates que vão desde a participação brasileira na comunidade mundial das ciências da comunicação até as pesquisas em jornalismo, com seus paradigmas em confronto, e os estudos de recepção e as interfaces dos campos acadêmicos das relações públicas. Vale ressaltar a perspicácia dos organizadores para colocar as temáticas além das fronteiras dos congressos e encontros, possi-bilitando que os estudantes de graduação e pós-graduação ampliem as discus-sões em sala de aula.

O primeiro tema em debate é a possível autonomia do jornalismo como um ator social ativo no jogo democrático e o seu tal poder de configurar a cultura política da sociedade e o reconhecimento de que a dinâmica social se altera com a presença da mídia e das novas formas (a partir de recursos e linguagem) de se fazer jornalismo.

Academicamente, debate-se nos últimos anos, e ainda hoje, a objetividade e a subjetividade das práticas jornalísticas. É um conflito inconcluso entre realismo e o construtivismo nas ciências sociais, além de se levantar o pressuposto que a mídia em geral, e o jornalismo em particular, exerce um efeito demolidor sobre a sociedade, porque por trás da notícia estaria a manipulação das informações frente à lógica comercial e ideológica das empresas de comunicação. Também se debate que os conteúdos apresentados nos grandes veículos, e principalmente na televisão, são medíocres, levando à despolitização dos leitores, dos ouvintes ou dos telespectadores. Por outro lado, há de se considerar as ações da sociedade sobre o jornalismo e analisar assim o processo de recepção.

Aliás, a recepção é um dos pontos forte do livro quando diz que este não é um processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, apesar de ancorar-se nessas esferas, mas sim um jogo de análise profundo no campo cultural e político. Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da Universidade de São Paulo, destaca que os processos de recepção devem ser vistos como parte das práticas culturais que articula processos tanto subjetivos como objetivos e tanto micro (ambiente imediato controlado pelo sujeito) como macro (estrutura social que escapa a esse controle).

É pelos estudos culturais que a análise crítica de pesquisa vai tratar da re-cepção em que as características socioculturais dos usuários são integradas na análise não mais de uma difusão, mas de uma circulação de mensagens em

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uma dinâmica cultural. Lembrando que a produção e a reprodução social nos processos culturais não são somente uma questão de significação são, sobretu-do, uma questão de poder. Por isso, os estudos buscam reconstruir o lugar dos sujeitos ocultos nas perspectivas anteriormente hegemônicas, porque afinal nem a análise da mensagem nem a análise da estrutura de propriedade respondem suficientemente a pergunta sobre os impactos dos meios sobre a sociedade. Esta discussão vem, inclusive, desde a segunda metade dos anos de 1970.

O olhar atento a estes temas do pensamento comunicacional brasileiro per-mite à professora Sonia Virgínia não só fazer uma organização e revisão textual do que se debate na publicação, como ela também está na função de pesqui-sadora apresentando números do que se falou sobre o rádio nos congressos da INTERCOM. São analisados 42 dos 59 textos apresentados entre os anos de 1997 e 2004 com foco em uma questão bem específica para aquele período em que busca responder qual teria sido a contribuição do grupo de pesquisadores da INTERCOM para a bibliografia sobre o rádio nacional?

A resposta apontou que, apesar de persistirem inúmeras lacunas nos estudos sobre rádio, era inegável que a pesquisa do campo havia se desenvolvido, na-quele momento, em patamares completamente distintos das décadas anteriores. Mostrou ainda que a intervenção de um grupo, com estrutura central de pes-quisadores, conseguiu contribuir para materializar o prestígio de uma área de estudos preterida durante décadas pela academia.

Sonia conclui que a bibliografia sobre o rádio no Brasil estaria mais pobre se não fosse o investimento permanente de um grupo de professores e investi-gadores empenhados numa causa comum, que era conhecer um meio de co-municação em suas múltiplas manifestações. As pesquisas evoluíram ainda em quatro pontos importantes como a tecnologia, os estudos históricos e regionais articulados, a consolidação dos estudos de conteúdo e de gênero e, por fim, a ampliação das análises de experimentação com o áudio.

Diante disso, é possível observar que os estudos da comunicação midiática transitam em outros campos sociais, mesmo que os procedimentos de reflexão ocorram especificamente nas instituições universitárias e científicas. Afinal, nas úl-timas décadas ampliou-se a rede de cursos de graduação e pós-graduação no Bra-sil, portanto, é evidente que as discussões se ampliem dentro das universidades. E são os pesquisadores que aprofundam os debates sobre novas tecnologias, como fez o professor da Universidade Federal da Bahia, Marcos Palácios, ao apresentar trabalho na INTERCOM de 2004, com o tema Comunicação e novas tecnologias no pensamento comunicacional brasileiro. O artigo consta também na publicação.

Palácios observa que há uma crença de que as tecnologias têm um poder irresistível e inevitável na condução das ações humanas e na mudança social. Ele

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chama a atenção para questão de posicionamento governamental e das institui-ções na abertura de diálogos para politizar a discussão. Porque em fins da década de 1990, o interesse pelas redes digitais e telemáticas, como novo ambiente de comunicação generaliza-se na área de comunicação produzindo um número sempre crescente de teses e dissertações em quase todos os programas de pós--graduação implantados no país.

É inevitável ressaltar que somos cada vez mais tecnologia, conforme destaca Marcos Palácios, e cada vez menos corpo. Ou pelo menos foi para onde sempre apontaram os inúmeros estudos que analisavam o corpo desde a perspectiva de suas múltiplas relações com as tecnologias de um modo geral.

Enfim, estas discussões estão lá, provocativas, no livro Pensamento comunica-cional brasileiro e serve para saber e entender os trabalhos de pesquisa acadêmica e os debates travados nos núcleos temáticos da INTERCOM. E com certeza é um caminho seguro para se refletir sobre a comunicação que se faz no Brasil hoje, com a predominância do tempo presente sobre o tempo futuro, e tentar entender esta intempestividade característica da contemporaneidade.

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Um marco na história do rádio em um marco na pesquisa acadêmica

Luiz Artur Ferraretto1

SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

Obra fundamental na recuperação da trajetória da principal emissora brasileira dos tempos do espetáculo das novelas, hu-morísticos e programas de auditório, Rádio Nacional, o Brasil em sintonia demonstra características presentes em todo o trabalho acadêmico de Sonia Virgínia Moreira: a aproxima-ção com a realidade, essencial a quem atua em uma Ciência Social Aplicada; e a abertura a parcerias e, consequentemen-te, ao intercâmbio de experiências. Ao secundar Luiz Carlos Saroldi nesta tarefa, a pesquisadora não apenas auxilia no registro da história da PRE-8 – Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, mas também faz o mesmo em relação às vivências do próprio Saroldi, um dos grandes radialistas do país. Os auto-res, portanto, não se fecham no mundo acadêmico. Tratam, em realidade, de pensar o rádio a partir da universidade. Ali-ás, constitui-se em prática que Sonia Virgínia Moreira, junto

1. Professor da Fabico/UFRGS e Doutor em Comunicação e Infor-mação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Ale-gre, RS.

5.1MOREIRA

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com Doris Fagundes Haussen, irá colocar como marca, anos depois, na gesta do atual Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

Monografia vencedora do concurso sobre a Rádio Nacional promovido pela Divisão de Música Popular do Instituto Nacional de Música da Fundação Na-cional de Arte (Funarte), a pesquisa de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira possui três edições – 1984, 1988 e 2005 – fartamente ilustradas, a úl-tima delas consideravelmente ampliada e atualizada. O livro detalha o papel da emissora na construção de uma identidade cultural brasileira, mesmo que cen-tralizada no Rio de Janeiro. Talvez, o adequado fosse colocar mesmo no plural: identidades culturais. No que diz respeito à música, por exemplo, como consta nas duas primeiras edições (1988, p. 93), a Nacional recuperou um repertório, a seu tempo, em vias de desaparecimento; recolheu e identificou autores e te-mas; devolveu aos centros periféricos sua produção originária referendada pelo principal centro irradiador do país; e buscou formas musicais renovadoras e enriquecedoras.

Feitas estas observações iniciais, cabe destacar do conteúdo apresentado em Rádio Nacional, o Brasil em sintonia:

1. O rádio, como meio de comunicação ponto-multiponto, chega ao Rio de Janeiro, em 1922, quando o surto modernizador de anos anteriores na então capital federal ao Brasil ganha a simbologia outorgada pela Exposição Interna-cional do Centenário da Independência. Nela, o médico e antropólogo Edgard Roquette-Pinto toma contato com o novo meio ao assistir às demonstrações realizadas pelas companhias estadunidenses Westinghouse Electric e Western Electric. Com a mobilização de outros intelectuais a partir da adesão à ideia do astrônomo Henrique Morize, presidente da Academia Brasileira de Ciências, é fundada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

2. Da década de 1920 até a primeira metade dos anos 1930, mais do que como emissoras, as estações surgem atuando como clubes e sociedades marcados por uma noção idealista de disseminação da cultura por um viés elitista. Desper-tam, no entanto, curiosidade e encantamento entre aqueles que, gradativamente, vão se constituindo em ouvintes. Tal interesse chama a atenção dos jornais, que passam a abrir espaço para a cobertura e a divulgação da programação das rádios. Surge também uma imprensa especializada. O idealizador e editor de duas pu-blicações deste tipo – Sintonia e Voz do Rádio –, o alagoano Gilberto Goulart de Andrade, terá, no futuro, papel fundamental na transformação da Nacional no primeiro fenômeno comunicacional massivo da história do Brasil.

3. Com a frase “Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro”, o locutor Celso Guimarães anuncia, às 21h do dia 12 de setembro de

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1936, o início das transmissões da PRE-8, a estação ligada à Empresa A Noite, absorvida anos antes pela Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande:

[...] mais conhecida como Brazil Railway Company [...], um dos tentá-culos da onipresença no Brasil do capitalista norte-americano Percival Farquhar, responsável por empreendimentos tão diversos quanto a cons-trução da estrada de ferro Madeira-Mamoré (mais conhecida como Fer-rovia do Diabo), as concessões de gás, luz e telefones do Rio de Janeiro, ou a exploração de minério de ferro de Itabira (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 32).

A Rádio Nacional surge quando os clubes e sociedades já foram superados pelo rádio como negócio, que tem, entre seus pioneiros, Ademar Casé, apresen-tador do Programa Casé, inicialmente na Rádio Philips, o primeiro idealizado com certo grau de profissionalismo; e César Ladeira, o organizador do elenco fixo e remunerado, iniciativa que este radialista vai trazer para a Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, depois de tê-la introduzido na Record, em São Paulo.

4. No dia 10 de novembro de 1937, o Brasil ingressa em uma nova fase his-tórica com a instauração do Estado Novo, um regime autoritário semelhante ao adotado em outros países na mesma época – em especial, a Itália fascista –, mas se diferenciando destes por emular o ideário positivista, base de formação política de Getúlio Vargas, um adepto das ideias de Auguste Comte na versão dada a estas por Julio de Castilhos, um dos fundadores – e, na sequência, o principal líder – do Partido Republicano Rio-grandense:

Formados em sua maioria à sombra dos princípios positivistas, Getúlio Vargas, Roquette-Pinto e vários de seus contemporâneos acreditavam na missão humanista de preparar as massas para a ascensão social por via pa-cífica. O rádio tinha condições de ser o instrumento adequado para chegar a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, ainda levando-se em conta a alta taxa de analfabetismo do país. A tarefa requeria uma estrutura jurídica que desse à emissora oficial a liberdade de competir no mercado publicitário, a fim de reinvestir os lucros na manutenção, ree-quipamento e permanente expansão do veículo.Para funcionar, este modelo teórico exigia um administrador confiável. Alguém em dia com os meios de comunicação e a política em curso, ao mesmo tempo capaz de proteger a iniciativa dos vícios do empreguismo, da burocracia e do desperdício material e humano, eternas pragas tupini-quins. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 49-50).

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A viabilização deste processo começa com o Decreto-lei n. 2.073, de 8 de março de 1940, que constitui as Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, baseando-se na dívida de £ 3 milhões (três milhões de libras esterlinas) da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande com o governo federal. “O mesmo decreto nomeava para a direção da Rádio Nacional o jornalista e promotor do Tribunal de Segurança Nacional Gilberto Goulart de Andrade.” (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 55). Era o administrador confiável escolhido para a tarefa de gerir uma empresa que, em uma vantagem a ser muito bem explorada no futuro, pertencia ao patrimônio da União, tendo o apoio, portanto, do governo, mas atuando como uma emissora comercial, carreando para si recursos provenientes da publicidade.

5. Fugiria ao escopo desta resenha elencar todos os profissionais e progra-mas que se destacaram ao longo da história da emissora, os quais são citados e têm suas trajetórias aprofundadas em Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. Evidentemente, dada a grandeza do objeto de estudo, a própria obra de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira, mesmo sendo a mais completa exis-tente a respeito, não esgota o assunto. Transita, no entanto, pelos destaques de uma programação que, em 1945, por exemplo, oferecia semanalmente e em média, como informava à época o próprio Gilberto de Andrade (apud SAROL-DI; MOREIRA, 2005, p. 106): cultura física (9,9%), informativos e crônicas (11%), música clássica e semiclássica (4,4%), música popular brasileira (11%), música variada (26,9%), programas de auditório (4%), programas educativos (4,4%), radioteatro (14,3%) e variedades (14,1%).

6. O poderio da Rádio Nacional não seria abalado nem pela derrubada da ditadura do Estado Novo, em 1945, nem pelo suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Um ano depois do político que encampara a emissora ter posto fim à pró-pria vida com um tiro no coração, os números da emissora seguiam invejáveis e difíceis de serem alcançados pela concorrência:

A receita das irradiações da Rádio Nacional em 1955 alcançava 87 mi-lhões e 600 mil cruzeiros. O faturamento previsto para o exercício se-guinte era de 100 milhões de cruzeiros. O prestígio da emissora tam-bém se refletia na correspondência recebida em 1955, que totalizava 1.240.036 cartas. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 146).

Ao completar duas décadas no ano de 1956, a Nacional anunciava a inten-ção de inaugurar um canal de televisão no Rio de Janeiro, o que jamais iria se concretizar. Desde 1950, quando Francisco de Assis Chateaubriand lançara a TV Tupi-Difusora, de São Paulo, o novo meio vinha se firmando com di-

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versas estações começando a ser instaladas nas principais cidades. Até meados da década seguinte, a migração de verbas publicitárias para as emissoras de televisão, a exemplo do que ocorria com as demais rádios, também vai afetar a Nacional.

7. Com a ditadura militar, funcionários da emissora serão perseguidos por sua proximidade política com o governo deposto em um episódio que culmina com a demissão de 36 pessoas incluída no Ato Institucional n. 1, de 24 de julho de 1964, assinado por Humberto de Alencar Castelo Branco, o general que ocupa então a presidência da do Brasil.

Quinze anos depois, os demitidos foram beneficiados pela Lei da Anistia assinada pelo presidente João Figueiredo. Mas seis deles tiveram de ser re-presentados por suas viúvas ou herdeiros [...]. Dos 30 restantes, 12 foram reintegrados à emissora e 18 preferiram o caminho da aposentadoria. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 182).

A decadência vai marcar os anos seguintes. Em 1976, a emissora passa para o controle da Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobras), estatal criada pela Lei n. 66.301, de 15 de dezembro de 1975. Após o período militar, no governo de José Sarney, a Nacional AM, do Rio de Janeiro, escaparia da privatização, o mesmo não ocorrendo com sua coirmã em FM e com outras 14 estações de rádio e uma de TV até então pertencentes à Radiobras.

8. Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira fazem ainda um inventário do acervo remanescente da Nacional, que se encontra, em sua grande parte, no Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro, e na própria emissora. Dão, assim, uma ideia aos futuros pesquisadores de onde continuar no caminho tri-lhado por Rádio Nacional, o Brasil em sintonia.

A respeito da obra de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira cabe ainda lembrar um trecho da edição de 2005, produzida com base nas intenções e nas ações do governo de então voltadas à recuperação da Nacional:

No alto do edifício de A Noite no centro do Rio, continua a se desenrolar a novela que a Nacional jamais transmitiu, tendo por tema sua própria história. Ao que tudo indica, o enredo se aproxima do clímax, sob a tor-cida de ouvintes e coadjuvantes, unidos na expectativa de um final feliz. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 14).

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Confrontada, desde então, com a realidade da segunda década do século 21, uma leitura dos prefácios e das versões do capítulo Dilapidação e recuperação da memória que aparecem nas edições de Rádio Nacional, o Brasil em sintonia, bem como da Conclusão – 1984 e 1988 – e das Observações finais – 2005 – transforma-se em um relato das agruras e das esperanças em torno do imenso patrimônio simbólico representado pela emissora. Talvez seja a constatação de um enorme “poderia”. Desde a constituição da Empresa Brasil de Comunica-ção, o governo ainda não deu uma resposta adequada às estações de rádio abri-gadas sob a estatal criada a partir da medida provisória 398, de 25 de outubro de 2007, depois convertida pelo Congresso Nacional na Lei n. 11.652, de 7 de abril de 2008. Em um país onde o conceito de comunicação pública não está totalmente claro pela não regulamentação de artigos constitucionais, a Nacio-nal, que definiu o espetáculo massivo do rádio, poderia, agora, dar outro passo de significação histórica. A sua transformação na principal emissora pública do país, no entanto, fica mesmo no “poderia”, esbarrando nas dificuldades da indigência de uma cultura política que não sabe ainda separar o estatal do gover-namental, dos partidos a exercer, neste ou naquele momento, o poder.

Referências

FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio – O veículo, a história e a técnica. 3.ed. Porto Alegre: Doravante, 2007.

____. Uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil. Eptic – Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação, Aracaju: Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe, v. XIV, n. 2, maio-ago. 2012.

HAUSSEN, Dóris Fagundes. Rádio e política: tempos de Vargas e Perón. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.

SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. 2.ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes/ Funarte, 1988. (Coleção MPB, 13).

____. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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Comunicação: ensino e pesquisa

Ben-Hur Demeneck1

MOREIRA, Sonia Virgínia; VIEIRA, João Pedro Dias (Orgs.). Comunicação: ensino e pesquisa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008. 152 p.

O livro Comunicação: ensino e pesquisa compõe-se de oito ar-tigos com múltiplas abordagens para a pedagogia e a ciência da Comunicação: reflexão acadêmica, currículos universitá-rios, integração entre graduação e pós-graduação, divulgação de produção científica, relação professor-aluno, legislação re-ferente à educação superior e ao direito à informação e, por fim, experiências de avaliação institucional e de ensino em outros países (Estados Unidos e Peru, especificamente).Sob a organização de Sonia Virgínia Moreira e João Pedro Dias Vieira, a coletânea revela marcas do perfil acadêmico da autora – capacidade de articulação e liderança. O título reúne pesquisadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Hori-zonte, Porto Alegre, Lima, Austin e New Orleans diante dos desafios das graduações e pós-graduações em Comunicação. No caso, os autores convidados são: Muniz Sodré, Margarida

1. Doutorando do PPGCOM-ECA/USP, sob orientação do Prof. Dr. Eugênio Bucci, com financiamento da CAPES. [email protected]

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Krohling Kunsch, Ivone de Lourdes Oliveira, Cláudia Peixoto de Moura, Juan Gargurevich, Rosental Calmon Alves e Vicki Mayer.

O caráter de integração acadêmica perpassa a obra e se evidencia tanto no perfil dos colaboradores quanto pelo fato de português, espanhol e inglês divi-direm a sequência das páginas. Quando o assunto é internacionalização, Sonia Virgínia Moreira manifesta desde o começo da carreira uma tendência de am-pliar a interlocução além das bordas nacionais. Ainda no mestrado, feito na Universidade do Colorado (EUA), ela investigou correspondentes sul-america-nos então baseados em Washington e Nova York.

Quando presidente da INTERCOM, Sonia Virgínia Moreira promoveu Co-lóquios Binacionais entre pesquisadores do Brasil e México, Chile e Argentina (leia mais a respeito em O pensamento jornalístico de Sonia Virgínia Moreira, artigo de Marcelo de Oliveira Volpato apresentado no Celacom 2009). No entanto, o prin-cipal tema de sua bibliografia é o rádio. Além de dezenas de publicações acerca da mídia radiofônica, entre elas livros (ex.: Rádio Nacional: Brasil em sintonia, 1988), a pesquisadora foi uma das criadoras do GT de Rádio da INTERCOM, em 1991.

No prefácio do livro, José Marques de Melo aponta para alguns obstácu-los que continuam prejudicando o desenvolvimento pedagógico e científico da Comunicação: a concentração espacial dos cursos, as assimetrias entre gradua-ção e pós-graduação e a divergência entre currículos e o mercado de trabalho. Ao procurar estabelecer uma cronologia e um panorama da graduação e da pós-graduação em Comunicação, a coletânea confronta problemas e dilemas contemporâneos. Alguns dos artigos coligidos concentram-se na reflexão teó-rica. Outros conteúdos abordam tópicos recorrentes em ensino e em pesquisa, como o ensino-aprendizagem, a divulgação científica e o currículo. Por fim, descrevem-se experiências estrangeiras em Comunicação.

Muniz Sodré assina o primeiro texto. Detentor de uma trajetória acadêmica consagrada, o professor emérito de Comunicação da UFRJ é um “intelectual--pensador” que sequer dispensa debates públicos para conciliar sala de aula e produção de conhecimento, a exemplo de sua participação no Observatório da Imprensa sobre os “protestos de junho” (TV Brasil, 11/03, o primeiro programa da temporada 2014). Para Sodré, pesquisar é “a busca de algo de que se suspeita, se pressente, mas que efetivamente ainda não se sabe” (p. 15), portanto, para ele, é preciso evitar que as exigências institucionais se tornem uma amarra burocrá-tica contra o ato de pensar. Com a erudição que é a sua marca, o pesquisador sistematiza reflexões que indissociam a investigação acadêmica da docência, in-dependentemente se a área de estudos estiver associada à vinculação, à veiculação ou à cognição e às metodologias da Comunicação, desde que se cultive uma atitu-de que “assegure que medir não é o mesmo que pensar” (p. 26).

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No texto de Ivone Lourdes Oliveira (PUC-MG), procura-se responder à questão de qual formação acadêmico-profissional é capaz de encarar “tempos de mudança”. Para tanto, a autora reflete temas como ensino-aprendizagem, identidade profissional, interdisciplinaridade, interfaces da comunicação com outros saberes e flexibilização de conteúdos em grades disciplinares. “A per-cepção que tenho é que as universidades, aos poucos, têm se distanciado dessa perspectiva de fortalecer a condição humana, que é a sua missão maior”, avalia Oliveira (p. 52). No entanto, a capacidade de enfrentar riscos e de encontrar soluções criativas está limitada na formação dos discentes devido a fenômenos como a fragmentação das disciplinas e a vigência de uma cultura ávida por “ra-pidez, eficiência e felicidade perenes”.

Em inglês, Vicki Mayer (Tulane University, EUA) desenvolve o tema da televisão digital no Brasil e argumenta que o discurso político da digitalização marginalizou trabalhadores da Zona Franca de Manaus (ZFM), personagens centrais no processo produtivo que decorreria à decisão estatal. Esse artigo é o que melhor evidencia a tensão entre tecnologia e sociedade, justamente numa área que exemplifica a passagem de um modelo fordista (baseado na substitui-ção das importações) para um modelo pós-fordista (ligado a transações globais e à flexibilização das especializações).

Entre os textos mais detidos à questão pedagógica, o de Cláudia Peixoto de Moura (PUC-RS) detalha o percurso dos currículos em comunicação, a co-meçar pelo “currículo mínimo” estabelecido a partir do Conselho Federal de Educação (CFE), em 1962, passando por diretrizes dispostas em 1999 e re-ferendadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2002. O estudo expõe dados de legislação (ex.: pareceres números 323/62, 984/65 e 631/69) e recupera contextos acadêmicos (ex.: como o dos anos 1990, em que o debate pedagógico teve o protagonismo do Movimento Nacional pela Qualidade do Ensino em Comunicação). Cláudia Peixoto de Moura dedica um tópico à inte-gração da graduação com a pós-graduação e compara PPGCOMs (Programas de Pós-Graduação em Comunicação) do Brasil.

Margarida Krohling Kunsch (ECA-USP) apresenta uma discussão central para toda a universidade brasileira: fazer circular o conhecimento que produz. Margarida Kunsch defende um sistema integrado de comunicação (administra-tiva, interna, institucional e mercadológica) que viabilize “estratégias e instru-mentos eficazes nos processos de difusão, disseminação e divulgação da ciência e da tecnologia” (p. 42). A autora escreve capítulo por uma perspectiva de de-mocratização do saber científico, a qual contextualiza com tópicos legislativos (como a LDB) e institucionais (como o papel da SBPC e da INTERCOM em promover a ciência).

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A comparação da experiência brasileira com a de outros países tem espaço no livro e permite redimensionar o status da Comunicação nacional frente a histórias originárias em outros pontos do continente. Rosental Calmon Alves (Universidade do Texas, em Austin) apresenta a instituição norte-americana chamada Conselho de Acreditação no Ensino do Jornalismo e Comunicação de Massa (Accrediting Council on Education in Journalism an Mass Communication, o ACEJMC). O conselho da “Acreditação” remete ao Conselho Americano de Ensino de Jornalismo, que foi criado em 1945, e que teve o nome alterado em 1980 para o atual.

A “Acreditação” é um sistema de avaliação das universidades de Comunica-ção aplicado nos EUA, o qual Rosental descreve a partir da perspectiva de quem era docente em universidade sob inspeção e, futuramente, integrou o grupo de inspeção. Rosental vivenciou ambas as experiências, e a criação, em 2002, do Knight Center for Journalism in the Americas. Ele considera a prática da “Acredi-tação” interessante pelo que promove de diagnóstico e de autodiagnóstico – “o conselho [ACEJMC] continua sendo uma operação conjunta de representantes de empresas, associações e universidades”, explica (p. 75).

Sonia Virgínia Moreira (UERJ) assina “Informação pública e democracia: análise comparada Brasil-Estados Unidos”, onde contrasta as legislações desses países. No caso norte-americano, ela comenta a Primeira Emenda à Consti-tuição (1787) e a Lei de Liberdade de Informação (1966), que recebeu emen-das em 1974 e 1984. Para tratar da informação pública, a autora considera o Código de Ética do Jornalista Brasileiro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. De alguma maneira, a pesquisadora antecipa o conjunto legislativo que daria base, anos depois, à Lei de Acesso à Informação Pública (nº 12.527/2011) e às manifestações crescentes dentro da modalidade “jornalismo cidadão”.

Em espanhol, Juan Gargurevich (Pontifícia Universidad Católica del Peru) relata sua experiência de ensino em Comunicação no país inca. Ao delimitar o caso da “Escuela de Periodismo” de instituição em que leciona, o pesquisador informa que o departamento foi fundado no ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial e que o contexto histórico foi determinante para substituir a influência europeia no jornalismo (dominante no pós I Guerra; anos 1920) pelo padrão norte-americano. Ao trazer as observações para os anos 2000, Gargure-vich preocupa-se com o espaço da teoria e da responsabilidade social no ensino em Comunicação e escreve que “os jovens estudantes começam a suspeitar – e, pior, a crer – que já não os serve muito o velho marco teórico” (tradução livre, p. 66).

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Conforme exposto acima, a obra Comunicação: ensino e pesquisa (2008) ser-ve de leitura para docentes e pesquisadores em busca de qualificação tanto em fundamentos quanto nos processos que englobam seu trabalho. Ora o livro aborda a compreensão teórica, ora o âmbito disciplinar, ora a prática de divul-gação científica, ora a coordenação das diferentes esferas de ensino, ora as expe-riências estrangeiras em legislação e avaliação institucional. Isto é, o livro leva o educador e o cientista de Comunicação a enfrentar desafios de sua época sob orientação de intelectuais experientes no mundo do ensino superior.

É sabido que pesquisa e ensino são objeto de debate franco em Comunica-ção, a exemplo da repercussão das Diretrizes Curriculares Nacionais relaciona-das à graduação em Jornalismo instituídas em setembro de 2013. Logo que elas foram dispostas, seguiu-se movimentação de pesquisadores em todo o país para dar seu aval, ressalva ou objeção – encontro da Federação Brasileira das Associa-ções Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), Congresso FENAJ (Maceió/AL), Congresso FNPJ (Curitiba/PR) e, a ocorrer, o Pré-Congresso IN-TERCOM / encontro SBPJOR (Foz do Iguaçu/PR).

Os oito anos passados desde a publicação de Comunicação: ensino e pesquisa apenas validam as descrições, as análises e as tendências que foram apontadas. A obra valoriza a internacionalização (assunto caro e estratégico para a pós--graduação) e o “saber pensar” em vez do produtivismo científico. A cultura bibliográfica dos autores somada a sua capacidade de síntese e análise renderia uma resenha para cada artigo. Eis um dos méritos do livro, a cada capítulo: manifestar, na síntese, a energia do átomo; e, na análise, a condição da matéria.

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Radiojornalismo e Repórter Esso

Nair Prata1

MOREIRA, Sonia Virgínia (Org.). 70 anos de Radiojor-nalismo no Brasil – 1941-2011. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

A trajetória do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da INTERCOM se confunde com a própria trajetória acadê-mica de Sonia Virgínia Moreira. Em 1990, foi dela a ideia de criação de um grupo com foco na pesquisa em rádio, no congresso da INTERCOM, realizado no Rio de Janeiro. A implantação do grupo foi efetivada no ano seguinte, pelas mãos de Dóris Fagundes Haussen, no congresso da PUC-RS. Sonia Virgínia coordenou o grupo em duas oportunidades: a primeira vez em 1994 e, depois, no período de 2000 a 2002.O GP produziu, até 2013, dezenove publicações coletivas, sendo três delas organizadas por Sonia Virgínia: Rádio no Brasil; tendências e perspectivas (1999) e Desafios do rádio no século XXI (2001) – ambos em parceria com Nélia Del Bian-

1. Jornalista, doutora em Linguística Aplicada (UFMG), professora adjunta da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), dire-tora administrativa da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar) e coordenadora do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. [email protected]

5.1MOREIRA

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co – e 70 anos de Radiojornalismo no Brasil – 1941- 2011, a única obra do grupo que se conseguiu a proeza de ser finalista do Prêmio Jabuti, na categoria Comunicação. O livro, publicado pela Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com 22 textos e 384 páginas, reflete sobre os 70 anos do radiojornalismo brasileiro, inaugurado com o Repórter Esso.

O Repórter Esso é um marco no radiojornalismo brasileiro e três de suas contribuições merecem ser assinaladas: introduzir no Brasil o noticiário com linguagem própria para o rádio; instituir, nas emissoras de rádio, horários pré--determinados para os jornais falados e organizar um Manual de Produção, o primeiro destinado à elaboração de noticiário radiofônico no Brasil.

Assim, com o objetivo de registrar os 70 anos do Repórter Esso e, conse-quentemente, os 70 anos do radiojornalismo no Brasil, é que nasceu a cole-tânea, que teve como autores os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora. No texto de apresentação do livro, Sonia Virgínia destaca: “Este livro simboliza não só um mapa atualizado do radiojornalismo brasileiro, mas também os caminhos percorridos pelos pesquisadores sobre o status da pesqui-sa em radiojornalismo”. Na orelha do livro Eduardo Meditsch lembra que os textos são de “uma amostra altamente representativa de autores, de sucessivas gerações de especialistas”.

Os artigos do livro são divididos em quatro seções. Na primeira parte, inti-tulada Jornalismo de Rádio: referencial histórico, cinco autores abordam momen-tos distintos do jornalismo radiofônico. No texto Radiojornalismo no Brasil: do noticiário à convergência, alguns fragmentos históricos, Luiz Artur Ferraretto traça uma evolução do radiojornalismo a partir do Repórter Esso até o momento de convergência das mídias; em Raízes e transformações no modelo de notícias para o rádio, Valci Zuculoto analisa o modelo presente na origem das notícias para o rádio; em Surgimento e desenvolvimento da reportagem da Emissora Continental do Rio de Janeiro (1948-1964), Flávia Lúcia Bazan Bespalhok relata o surgimen-to e a evolução do jornalismo na Rádio Continental; em O discurso de resistência à censura da Rádio Jornal do Brasil, Ana Baumworcel resgata período singular da cobertura jornalística no rádio ao recuperar as formas de resistência do discurso sonoro na Rádio Jornal do Brasil AM e, por fim, no texto O Repórter Esso: refe-rências em depoimentos e publicações impressas sobre o noticiário, Pedro Sérico Vaz Filho reconstrói depoimentos e imagens que marcaram o Repórter Esso.

A segunda seção do livro – A notícia, a reportagem, o repórter de rádio – re-úne seis artigos: As transformações técnicas na produção do radiojornalismo e os valores-notícia, de Nélia Del Bianco, trata sobre as transformações do jornalismo e da notícia considerando as tecnologias digitais; O Repórter Esso e as sínteses radiofônicas contemporâneas, de Débora Cristina Lopez, analisa a influência do

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Repórter Esso nos noticiários radiofônicos atuais; Radiojornalismo brasileiro: sem jornalista e à mercê das fontes, de Francisco Sant’Anna, com contribuições de Nelson Sato, reflete sobre o principal e mais premente desafio do jornalismo de rádio hoje no Brasil – o de produzir informação sem jornalistas, com grande dependência nas fontes; A construção e a circulação da informação em emissoras radiofônicas do Brasil, Argentina e Uruguai, de Dóris Fagundes Haussen, busca semelhanças e diferenças entre três emissoras de rádio jornalísticas dos três pa-íses; Reportagens especiais, documentários e série de reportagens: profundidade nas ondas do rádio, de Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva e Patrícia Rangel, discute o papel e as possibilidades da série de reportagens e do documentário no rádio e, no texto Os modelos do Repórter Esso na síntese noticiosa das rádios Guaíba e Gaúcha, Leandro Olegário aponta a influência do Repórter Esso em dois exemplos de sínteses noticiosas de emissoras gaúchas.

Na terceira parte, dedicada a Linguagens e Públicos do rádio e do radiojorna-lismo, o texto O ouvinte e o radiojornalismo brasileiro, de Mágda Rodrigues da Cunha, analisa o papel do ouvinte no rádio; Jornalismo cultural no rádio: recursos de linguagem e o tratamento da cultura em reportagens, de Cida Golin, Natália Pianegonda e Ana Laura Colombo de Freitas exploram formatos do jornalismo cultural no rádio; Cartografias da credibilidade no radiojornalismo, de Edgard Patrício, relata experiência de radiojornalismo educativo; O rádio informativo em São Paulo: entre jornalismo logocêntrico e focos de resistência, de Marcelo Car-doso, apresenta considerações sobre as narrativas no rádio e, em Radiojornalismo comunitário: limitações e possibilidades, Dioclécio Luz aborda o jornalismo nas rádios comunitárias.

A quarta e última parte do livro está reservada a Análises Regionais. No tex-to Aonde só o rádio chega, Luciana Miranda Costa apresenta dados históricos e contemporâneos do radiojornalismo no Pará; Radiojornalismo nas rádios de fronteira do Sul e Centro-Oeste do Brasil, de Vera Lúcia Spacil Raddatz, compara os programas jornalísticos de emissoras situadas nas fronteiras dos estados do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul; Entre o gilete press, o press release e a internet: os jornalistas e a produção da notícia no rádio do sul da Bahia, de Eliana Albuquerque, analisa as formas de produção e os desafios que se apresentam para os jornalistas e o jornalismo em emissoras do sul da Bahia; Evolução do radiojornalismo em João Pessoa, de Moacir Barbosa de Sousa, registra as etapas de desenvolvimento do radiojornalismo da Paraíba; Radiojornalismo e recepção radiofônica: a Era de Ouro do rádio na percepção de ouvintes de São Paulo e Porto Alegre, de Graziela Bianchi e Marta Regina Maia, comparam a recepção de pro-gramas jornalísticos em emissoras das cidades de São Paulo e Porto Alegre; e, por fim, o grupo de autores formado por Nair Prata, Wanir Campelo, Waldiane

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Fialho, Ângela de Moura e Sonia Pessoa, no texto Estudos sobre o rádio na aca-demia – o caso de Belo Horizonte, apresenta o resultado de levantamento inédito realizado nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte para detectar as formas de abordagem do rádio em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs).

O conjunto dos 22 textos traça um rico cenário do radiojornalismo bra-sileiro que, ao completar 70 anos, não somente comemora o aniversário do Repórter Esso, mas recupera a sua trajetória, fincando os pés num futuro que tem a longevidade como marca principal.

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Enlace disciplinar para compreender a Comunicação

Miriam Santini1

MOREIRA, VirgíniaSonia Virgínia (org.). Uma filósofa em campo na Comunicação: indústria, geografias e crítica de mídia na produção de Anamaria Fadul. São Paulo: INTER-COM, 2012, 328 p.

Com tradução para o espanhol e inglês no mesmo volume, o livro Uma filósofa em campo na Comunicação: indústria, geografias e crítica de mídia na produção de Anamaria Fa-dul, organizado por VirgíniaSonia Virgínia Moreira, tem seis textos da pesquisadora citada no subtítulo e cinco de seus ex-orientandos. Uma das fundadoras da INTER-COM, Anamaria Fadul ocupou a presidência da entidade entre 1983 e 1985 – Moreira ocupou o cargo entre 2002 e 2005. No livro citado, é ressaltada a contribuição de Fadul para os estudos sobre a ficção televisiva seriada, concentra-dos e difundidos a partir do Núcleo de Pesquisa de Tele-novela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.

1. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Educação e Meio Ambiente pela Universidade do Estado de Santa Catarina, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau, atua no jornalismo sindical.

5.1MOREIRA

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O primeiro dos seis textos de Anamaria Fadul apresentados no livro, “In-dústria cultural e comunicação de massa” (1994), discute os dois conceitos e ressalta o papel da televisão brasileira e da produção de telenovelas, assinalando o equívoco de se buscar compreender a cultura e a educação brasileiras sem passar pela Indústria Cultural. A autora também apresenta sua proposta de se superar a dicotomia Escola-Meios de Comunicação de Massa, Escola-Indústria Cultural, afirmando que a Escola deve aprender a decifrar esses meios para que se coloquem a serviço de uma outra educação e de uma outra televisão.

No texto “Matrizes Comunicacionais: taxionomia de teses e dissertações (1998-2002)”, é examinada a produção científica do Programa de Pós-Gradua-ção em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo no perío-do citado, com base nas áreas, subáreas e especialidades em que as dissertações e teses podem ser classificadas e nos métodos e técnicas utilizadas pelos autores. Conclui-se que o avanço da pesquisa em comunicação cada vez mais depende de um estudo sobre a epistemologia e a taxionomia da produção científica exis-tente. Já o texto “A Intercom e a transição democrática (gestão 1983-1985)” destaca a conjuntura política quando da criação da entidade, o papel dos en-contros anuais, a internacionalização e a institucionalização da INTERCOM, ressaltando seu papel fundamental na organização dos pesquisadores na área, permitindo a formação de uma comunidade científica.

Os estudos sobre a comunicação internacional são o foco do texto “A inter-nacionalização da mídia brasileira”, que examina as mudanças da mídia nacional nos anos 1990, com a abertura da economia e as mudanças na área da informá-tica. O artigo ressalta o papel do processo de globalização nas análises do tema, assim como o desafio de aplicar métodos de pesquisa que deem conta da com-plexidade das pesquisas em comunicação internacional. Ao tratar da questão do fluxo internacional da informação e da comunicação, a autora ressalta o papel de instituições como a UNESCO e o Instituto Latino-Americano de Estudos Transnacionais (Ilet), através dos quais são realizados estudos que revelam, por exemplo, que esse fluxo era desequilibrado, priorizando os programas de origem norte-americana (em um caso citado, os programas de televisão), levando o debate para dentro da própria ONU e da UNESCO. Os estudos sobre o papel das agências de notícias também são mencionados no texto, assim como o pro-cesso de internacionalização dos principais grupos de mídia no Brasil nos anos 90. Esse tema se desdobra no texto “Mídia regional no Brasil: elementos para uma análise”, no qual Anamaria Fadul destaca que as pesquisas sobre a mídia regional de certa forma ainda apresentam uma visão etnocêntrica, privilegiando a mídia nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que concentram as maio-res e mais importantes empresas do ramo. Esse enfoque, assinala, deixa de lado

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as diferenças existentes na mídia regional, incluindo manifestações específicas, como as culturais. O texto destaca a importância de as pesquisas sobre o tema levarem em conta a análise das regiões a partir de indicadores como a população urbana, o número de domicílios e os educacionais, e não apenas os econômicos, que foram hegemônicos durante muito tempo. Em suas considerações, Fadul constata que a mídia regional está mudando muito com o desenvolvimento econômico dos mercados regionais e a regionalização dos investimentos publi-citários, mas não se observa melhoria significativa na qualidade dos conteúdos veiculados: “ao contrário, o que se observa, principalmente nos programas de rádio e televisão, é uma cópia do que de há pior na programação nacional. O investimento na qualidade não pode ser uma questão menor, quando se fala na ampliação do acesso à mídia” (p.67).

No quinto e último artigo da autora, “Globalização cultural e o fluxo in-ternacional da ficção televisiva seriada: o caso da telenovela brasileira”, a autora retoma a discussão sobre o conceito de globalização, que passa a ter centralidade nos debates e na pesquisa na década de 90, como continuação das teorias sobre o Imperialismo Cultural e da Mídia e, de modo geral, a “americanização” da cultura e da comunicação. Na discussão sobre as agências de notícias, o tex-to repete os elementos do artigo “A internacionalização da mídia brasileira”, e avança ao dissertar sobre os seriados televisivos e o papel e o lugar da telenovela na cultura e na sociedade brasileira a partir da década de 60, sendo esse, hoje, um dos nossos gêneros televisivos mais importantes.

Na segunda parte do livro, dedicado à produção de ex-orientandos de pro-fessora e pesquisadora, o artigo de abertura, “Uma nova configuração dos fluxos televisivos”, de Ana Paula Silva Ladeira Costa, fala sobre o papel dos estudos de Anamaria Fadul para investigar a participação do Brasil e de outros países da América Latina na venda de telenovelas e, desse modo, a resistência ao fluxo do-minante denunciado na década anterior, sob a hegemonia dos Estados Unidos. Nesse sentido, aponta a autora, o Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, fundado em 1992, deu a base para a realização de teses e dissertações sobre o gênero, valorizando a produção latino-americana e suas singularidades.

Ancorado na relação entre o global e o local – esse em um movimento cres-cente de valorização nos meios de comunicação - o texto de Cicília M. Krohling Peruzzo, “Mídia local e comunicação comunitária no Brasil”, busca estabelecer, a partir dessa relação, o espaço do que seria essa comunicação comunitária, vista, na América Latina, como aquela gerada no contexto de um processo de mobilização e organização social de segmentos tidos como subalternos, bus-cando sua conscientização. A autora busca também diferenciar essa mídia da

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chamada mídia local, sem deixar de lado a acentuação de seus pontos comuns, como temas tratados, busca de participação popular e foco na cidadania. A diferença entre uma e outra estaria no fato de a mídia local tender a reproduzir mais a lógica dos grandes meios de comunicação, especialmente quanto aos sistemas de gestão e aos interesses em jogo. A conclusão é que os temas locais, na comunicação comunitária, são tratados em uma perspectiva de superação das desigualdades e por justiça social. Já a mídia convencional faria esse movimento por contingências situacionais e interesses mercadológicos.

No texto “O global como eixo da produção científica”, Doris Fagundes Haussen reflete sobre sua própria trajetória acadêmica e a de sua orientadora, tendo como foco de pesquisa a preocupação com a temática da globalização e de suas consequências na sociedade. Já Narciso Júlio Ferreira Lobo (in memoriam), em artigo intitulado “O colonialismo midiático e a Amazônia” segue por outra vereda, expondo diferentes perspectivas (literárias, cinematográficas, jornalísti-cas) sobre a região. As contribuições de Werner Werzog, Silvino Santos, Mário de Andrade, Raul Bopp, e, mais recentemente, o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, são mencionados pelo autor, que enfatiza também o papel do rádio para vencer a grande extensão territorial da região, assim como o da ficção televisiva e da internet para consolidar a comunicação da e sobre a Amazônia. O artigo menciona ainda a fato de, em meio a tantos discursos sobre essa região, serem muitas vezes silenciadas as vozes locais, como as indígenas, que “sentem dificuldades até mesmo para se contarem a si mesmas” (p.104).

O último texto do livro, que tem tradução em espanhol e em inglês, é “Inter-nacionalização Midiática – reflexões conceituais”, de Samantha Castelo Branco. Debate a partir das contribuições teóricas e metodológicas de Anamaria Fadul para o campo, tendo como estudo de caso o da Gazeta Mercantil, alvo de tese de doutorado defendida pela autora em 2001 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. São pontu-ados marcos históricos do processo de globalização no plano internacional, no da América Latina, destacando que, no Brasil, a intensificação do processo de internacionalização dos grupos de mídia e a formação dos conglomerados, nos anos 90, ligam-se às mudanças na economia e na política, com a abertura do mercado brasileiro à economia internacional, o surgimento da TV por assinatu-ra e a desregulamentação da área de informática e de telecomunicações.

O livro organizado por VirgíniaSonia Virgínia Moreira, por conter textos próprios de Anamaria Fadul e também de seus orientandos, possibilita que o leitor compreenda a contribuição dessa pesquisadora aos estudos comunica-cionais, com ênfase na produção e no papel da telenovela brasileira no âmbito nacional e internacional. Essa dupla dimensão, além da dimensão local, justi-

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fica as pesquisas sob a perspectiva da globalização. O quinto e último artigo da primeira parte anuncia-se sob o antetítulo “Geografias da Comunicação”, mas, apesar de utilizarem conceitos caros e amplamente tratados na ótica da Geogra-fia, como região, lugar e espaço local, os artigos não trabalham a perspectiva do conhecimento geográfico para discutir a mídia na perspectiva da globalização.

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Plural, interdisciplinar e cooperativa

Clóvis Reis1

MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas. São Paulo: INTER-COM, 2013.

Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas, que Sonia Virgínia Moreira organizou e que a INTERCOM publicou em 2013, se soma à profícua reflexão teórica que o grupo de pesquisa Geografias da Comunica-ção acumula desde a sua formação. Dividida em duas partes, uma dedicada aos aportes estrangeiros e outra voltada aos percursos brasileiros, a obra reúne a contribuição de alguns dos mais assíduos pesquisadores do tema nos últimos anos.O grupo de pesquisa Geografias da Comunicação ingressou no diretório do CNPq em 2008, mesmo ano em que pro-moveu uma mesa temática no congresso da INTERCOM realizado em Natal (RN), na qual apresentou os objetivos da sua formação (INTERCOM, 2008). Como se depreende da leitura dos documentos,

1. Doutor em Comunicação, Professor do Programa de Pós Gradu-ação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau e do curso de Publicidade e Propaganda. [email protected]

5.1MOREIRA

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a produção do grupo inclui estudos relativos à comunicação local, regional e internacional; indústria de mídia; economia de mídia; fronteiras midiáti-cas, digitais, geográficas, disciplinares; estudos de mídia. Com característica interdisciplinar, congrega pesquisadores radicados no Brasil e no exterior in-teressados em promover o diálogo e a troca entre os campos da Comunicação e da Geografia Humana. Privilegia análises de mídia pública, privada e inde-pendente (locais, regionais, nacionais e internacionais); análises comparadas de sistemas midiáticos; indústria de mídia; tecnologia e legislação de mídia; estudos sobre comunicação e espaço, em especial no que se refere às esferas locais e à convergência, mobilidade e interatividade de mídia. (CNPq, 2014).

No âmbito da INTERCOM, o grupo vincula-se à Divisão Temática 7 – Co-municação, Espaço e Cidadania. (INTERCOM, 2014). Em sua formação ori-ginal, o grupo congregava investigadores e estudantes das seguintes instituições: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Sergipe, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do ABC, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade de Soro-caba, no Brasil; University of Texas at Austin e California State University – Long Beach, nos Estados Unidos. Entretanto, ao longo de sua trajetória, agregou a contribuição de dezenas de novos interessados, como atesta a memória que o grupo disponibiliza na página que mantém na Internet. (GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO, 2014a). Uma comunidade que o coletivo mantém na rede social Facebook auxilia a comunicação com todos que têm interesse na área. (GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO, 2014b).

As novas tecnologias da comunicação e informação e a consequente ubiqui-dade virtual contribuíram, junto com os estudos sobre cultura urbana e os estu-dos regionais de mídia, para que a geografia avançasse como um eixo temático para as pesquisas realizadas na área de comunicação (MOREIRA, 2009). Tal movimento caracteriza um âmbito de trabalho que no futuro constituirá um campo semiautônomo dentro do terreno mais amplo dos estudos culturais, a exemplo do que já ocorre nos países nórdicos, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. (MOREIRA, 2008)

Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas é o primeiro livro do grupo e logo na apresentação da obra a organizadora esclarece uma dúvida que, talvez, seja recorrente entre os curiosos:

Por que Geografias? Porque a realidade é multifacetada, online, sem fronteiras e intercultural – plural. Porque o acesso permanente ao canal

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aberto da Internet flui paralelo ao cotidiano da vida de um número cres-cente de pessoas. Essas pessoas se movimentam em territórios diversos e, junto com elas a mídia portátil está em todos os lugares constituindo e intermediando fluxos: de informação, de conhecimento, intercâmbios. [...] A política, a economia, a sociologia, a antropologia e a história são disciplinas-âncora dos estudos que se reúnem sob o guarda-chuva das ge-ografias da comunicação – assim, no plural, como manifestação precisas de suas múltiplas implicações. (MOREIRA, 2013, 11)

Segundo a pesquisadora, o campo das geografias da comunicação se ocupa dos fluxos que movem os interesses do público, do Estado e das corporações e, por isso, sua configuração demanda estudos que sejam ‘‘plurais interdisciplina-res e cooperativos’’. (MOREIRA, 2013, 21)

O prefácio de José Marques de Melo situa a importância da obra no contexto da produção contemporânea, evidenciando a maturidade acadêmica da organiza-dora. Nas suas palavras, o livro reúne um conjunto heterogêneo de pensadores, cujos ensaios ampliam os horizontes interpretativos das pesquisas na área.

Entre eles, incluem-se Joseph Straubhaar, John Baldwin e Paulo Faustino, na parte dedicada aos aportes estrangeiros, e José Marques de Melo, Paulo Cel-so Silva, Margareth Born Steinberger, Maria José Baldessar, Kleber Mendonça, Rodrigo Gabrioti de Lima, Jalmile Dalpiaz, Roberta Brandalise, Daniela Cris-tiane Ota, André Pasti e Paulo Victor Barbosa de Souza, nas páginas voltadas ao percurso brasileiro.

Como escreveu o professor José Marques de Melo, metaforicamente falan-do, a obra “significa prato cheio. Fumegante, colorido, apetitoso. Suscita gu-lodice dos comensais, pois fazia falta ao nosso banquete bibliográfico. Deixa o gosto de quero mais” (MARQUES DE MELO, 2013, p. 10).

Referências

CNPQ. Geografias da Comunicação. Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Disponível em: <http://dgp.cnpq.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014.

GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO. Sobre o grupo Geografias da Comuni-cação. Disponível em: <http://geografias.net.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014a.

GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO. Geografias da Comunicação. Dis-ponível em: <http://www.facebook.com/grupogeografias/info>. Acesso em: 16 jun. 2014b.

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INTERCOM. Geografias da Comunicação. Mesa submetida ao III Multicom – Colóquios Multitemáticos de Comunicação. XXXI CONGRESSO BRASI-LEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2 a 6 de setembro de 2008, Natal/RN. Mídia, Ecologia e Sociedade. Natal/RN: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, 2008.

INTERCOM. DT7 – GP Geografias da Comunicação. Índice DTs e GPs. Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014.

MARQUES DE MELO, J. Prefácio. In: MOREIRA, S. V. Geografias da Co-municação: Espaço de observação de mídias e de culturas. São Paulo: INTER-COM, 2013, p. 9-10.

MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação. XXXI CONGRESSO BRASI-LEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2 a 6 de setembro de 2008, Natal/RN. Mídia, Ecologia e Sociedade. Natal/RN: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, 2008.

MOREIRA, S. V. Sobre a Invisibilidade da Geografia na Comunicação. XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 4 a 7 de setembro de 2009, Curitiba/PR. Comunicação, Educação e Cultura na Era Digital. Curitiba/PR: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, 2009.

MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mí-dias e de culturas. São Paulo: INTERCOM, 2013.

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263Sonia Virgínia Moreira

Chamada à ação: um manual para noticiar a Educação no rádio

Valci Regina Mousquer Zuculoto1

COSTA, Gilberto; NOLETO, Pedro (coords). Chamada à ação: manual do radialista que cobre educação. Brasília: Projeto Nordeste/Unicef, 1997. 49 p. Texto: Sonia Virgínia Moreira e Maria das Graças Louzada.

Entre as tantas e qualificadas obras que compõem a “fortu-na crítica” da pesquisadora, professora, jornalista, radialista

1. Valci Regina Mousquer Zuculoto é professora dos Cursos de Graduação e Pós Graduação em Jornalismo da UFSC – Univer-sidade Federal de Santa Catarina, jornalista graduada (UFRGS), doutora em Comunicação (PUCRS), pós doutoranda na Eco Pós UFRJ, diretora da FENAJ- Federação Nacional dos Jornalistas, conselheira do FNPJ-Fórum Nacional de Professores de Jornalis-mo, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de SC, coordena-dora da Rádio Ponto UFSC, do Expocom categoria Jornalismo e do GP História da Mídia Sonora da Alcar – Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia. É uma das líderes do GI-RAFA – Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio (registrado no CNPq). Autora dos livros No Ar A história da notí-cia de rádio no Brasil e A programação de rádios públicas brasileiras. Co-organizadora e co-autora de diversas outras publicações sobre rádio e jornalismo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5412229646355152. E-mail: [email protected]

5.1MOREIRA

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e intelectual Sonia Virgínia Moreira, este singelo e pequeno manual pode pa-recer uma produção de menor importância. Se não fosse abordada no presente livro, a sua ausência talvez até passasse despercebida. Inclusive porque, junto com Maria das Graças Louzada, Sonia Virgínia é referenciada apenas na ficha técnica, como uma das autoras do texto. Não está citada na ficha catalográfica propriamente dita.

Porém, a própria pesquisadora de tão vasta e densa produção bibliográfica expressa, no brilho do olhar e na fala orgulhosa, ao se referir ao Manual que se trata, sim, de uma obra sua que merece ser destacada e lembrada. E justifica que foi uma das mais difíceis de elaborar, entre outras razões porque necessitou de uma linguagem justamente adequada ao seu público alvo – os profissionais do rádio – e convincente quanto ao seu objetivo de fazer com que a Educação seja pautada e bem noticiada no meio radiofônico.

Sonia Virgínia tem toda a razão. Ao se (re)ler o Manual, mesmo quem não é profissional ou estudiosa do rádio como eu, em especial da sua função educa-tiva, não só se dá conta como se convence, definitivamente, deste importante e basilar potencial do meio. A estruturação, o conteúdo, a linguagem do texto de “Chamada à ação” realmente faz compreender “por que cobrir educação” e como usar “o rádio como agente mobilizador” em relação à defesa e exercício dos direitos à educação estabelecidos pela Constituição brasileira. (COSTA; NOLETO, 1997, p. 29).

Ao destacar a importância de o rádio cobrir a temática da educação, a pu-blicação cita o artigo 205 da Constituição Federal, de 1988 e em vigor: [...] a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Também lembra o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação às suas determinações sobre o acesso à educação. Identifica que, mesmo assim, naquele período da publicação, o Brasil ainda enfrentava “graves problemas na área da educação”. Entre outros “esforços” destinados a melhorar a educação no país, cita o Projeto Nordeste, criado pelo Ministério da Educação, “para reverter essa situação” e através do qual o próprio Manual foi elaborado e publicado. Após argumentar que “os resultados desses esforços serão melhores se a comuni-dade participar”, chama à ação o rádio e seus profissionais.

O papel do radialista, portanto, deve ser o de colaborar para que a comu-nidade receba informações sobre os investimentos e ações na educação e exija, junto com a comunidade, a melhoria da qualidade da escola junto às autoridades locais. A voz no rádio funciona como um estímulo pesso-

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al, desperta interesse e lança novas informações. Apesar de sua principal função ser o entretenimento, o rádio pode transmitir notícias, chamar a atenção do ouvinte, estimular ações e reações, além de conscientizar a au-diência. Falar em educação pode aumentar a audiência dos programas de rádio. Muitos ouvintes têm filhos em idade escolar. Educação dá notícia. (COSTA; NOLETO, 1997, p. 30).

Na época em que foi publicado, final da década 90, o Manual mostrou “o rádio como agente mobilizador”. Quase duas décadas se passaram e o cenário da educação no Brasil mudou, mas apesar de inegáveis avanços, ainda apresenta graves e determinantes problemas. Um exemplo são os resultados do 11° Relató-rio de Monitoramento Global de Educação para Todos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado no início de 2014. De acordo com o portal noticioso G1, da Globo, este relatório evidencia o Brasil em “8° lugar entre os países com maior número de analfabetos adultos”.

Ao todo, o estudo avaliou a situação de 150 países. De acordo com a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012 e divulgada em setembro de 2013, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais foi estimada em 8,7%, o que corresponde a 13,2 milhões de analfabetos no país. Em todo o mundo, segundo o 11° Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, da Unesco, há 774 milhões de adultos que não sabem ler nem escrever, dos quais 64% são mulheres. Além disso, 72% deles estão em dez países, como o Brasil. A Índia lidera a lista, seguida por China e Paquistão. O estudo também mapeou os principais desafios da educação no planeta. A crise na aprendizagem não é só no Brasil, mas global. Para a Unes-co, o problema está relacionado com a má qualidade da educação e a falta de atrativos nas aulas e de treinamento adequado para os professores. No Brasil, por exemplo, atualmente menos de 10% dos professores estão fazendo cursos de formação custeados pelo governo federal, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). Entre os países analisados, um terço tem menos de 75% dos educadores do ensino primário treinados. (G1 Globo.com, 2014. http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/brasil-e-o-8-pais-com--mais-analfabetos-adultos-diz-unesco.html)

O rádio também muito se transformou nestas duas últimas décadas, em especial em decorrência das mais recentes novas tecnologias das telecomunica-ções. Porém, sem dúvida, continua sendo um dos principais meios de comu-

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nicação para servir de instrumento de mobilização da cidadania para exigência dos direitos fundamentais da sociedade, entre os quais os relacionados com a educação.

Inclusive, pelas novas características e recursos que vem incorporando, na atualidade o rádio também ampliou seu potencial de ação mobilizadora por meio da informação sobre educação e, ainda, do seu próprio papel educativo/cultural, pela capacidade de formação de opinião, de transmissão e dissemina-ção de conhecimentos. O rádio hoje potencializou sua característica de ampla abrangência, chegando à audiência a qualquer momento e em qualquer lugar, por mais distante e inusitado que seja. O centenário meio continua irradiando e ouvido por antena, no dial. Mas também está na internet, no celular e outros mais novos aparatos tecnológicos que permitem a conquista de uma audiência cada vez maior.

É importante, entretanto, ressaltar que o rádio de antena ainda se constitui no veículo mais eficaz para atingir grandes camadas da população e deve sobre-viver como um dos meios mais utilizados pelos brasileiros para acessar informa-ção. Pesquisa recente justifica essa necessidade ao indicar que “56% dos lares brasileiros ainda não tem internet no Brasil”, conforme matéria publicada no portal tele.sintese em junho de 2014. (BUCCO, 2014, http://www.telesintese.com.br/56-dos-lares-ainda-nao-tem-internet-brasil/)

Além disso, o meio vem ampliando recursos de agilidade, mobilidade e ime-diatismo para a captação, produção e veiculação das informações. Este quadro também o mantém como uma das mídias de mais baixos custos de produção e recepção, mais populares, de fácil acesso por parte do público.

Então, um Manual como o elaborado por Sonia Virgínia e demais autores permanece contemporâneo, especialmente na sua proposta, e ferramenta capaz de não apenas de chamar a atenção dos profissionais da comunicação para a im-portância de pautar as questões da educação na mídia radiofônica como também de oferecer subsídios sobre como fazer rádio e, assim, o meio concretizar o seu papel. Mesmo produzido em 1997, além de mostrar a sua capacidade mobiliza-dora para a cobertura sobre educação, traz um condensado, mas essencial resga-te da história do rádio, da evolução do radiojornalismo, os tipos de emissoras e as características do meio até aquele momento. Por fim, apresenta as técnicas do fazer radiojornalístico, que permanecem atuais mesmo com as transformações das últimas duas décadas, pois até algumas poucas defasadas, hoje servem como base para a readequação e a reinvenção do rádio na era virtual. Mas a quase tota-lidade é o que todos nós, profissionais, estudiosos, professores ou pesquisadores do rádio, precisamos ter bem claro para compreendê-lo, discuti-lo, produzi-lo, atendendo a esta “chamada à ação” que nos faz o Manual. A publicação segue

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267Sonia Virgínia Moreira

a orientação do também sempre atual Kaplún em seu clássico Producción de Programas de Radio, onde alerta que “é preciso conhecer concretamente o meio no qual vamos trabalhar, adentrarmos nele, entender sua natureza, sua especifi-cidade e as exigências que dele derivam” (Kaplún, 1978, p. 45).

Por isso, vamos à luta pela educação e pelo bem fazer rádio. Vamos (re)ler “Chamada à ação: manual do radialista que cobre educação”. Vamos colocar o manual em prática e continuar a disseminá-lo. É, sim, uma publicação que merece ser destacada entre tantas da obra de Sonia Virgínia Moreira.

Referências

BUCCO, Rafael. 56% dos lares ainda não têm internet no Brasil. Portal tele.síntese, 2014. Disponível em: http://www.telesintese.com.br/56-dos-lares--ainda-nao-tem-internet-brasil/ Acesso em 26 de junho de 2014.

COSTA, Gilberto; NOLETO, Pedro (coords). Chamada à ação: manual do radialista que cobre educação. Brasília: Projeto Nordeste/Unicef, 1997. 49 p.

G1Globo.com. Brasil é o 8° país com maior número de analfabetos adultos, diz Unes-co. Portal G1, 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noti-cia/2014/01/brasil-e-o-8-pais-com-mais-analfabetos-adultos-diz-unesco.html Acesso em 29 de janeiro de 2014.

KAPLÚN, Mario. Producción de Programas de Radio. El guión - la realiza-ción. Quito, Ecuador: Ediciones CIESPAL, 1978.

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Produção bibliográfica1

Livros publicados/organizados ou edições

MOREIRA, S. V. (Org.). Uma filósofa em campo na Co-municação. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2012. v. 1. 328p.

MOREIRA, S. V. (Org.). Geografias da comunicação: es-paço de observação de mídia e de culturas. 1. ed. São Pau-lo: INTERCOM, 2012. v. 1. 244p.

MOREIRA, S. V. (Org.). 70 anos de radiojornalismo no Brasil - 1941/2011. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011. 384p.

MELO, José Marques de; HOHLFELDT, Antonio C; BAR-BOSA, Marialva Carlos; MOREIRA, S. V; Morais, Osvando (Orgs.). Enciclopédia INTERCOM de Comunicação. 01. ed. São Paulo: INTERCOM, 2010. v. 01. 1242p.

MOREIRA, S. V; VIEIRA, João Pedro Dias (Orgs.). Comu-nicação: ensino e pesquisa. 1ª. ed. Rio de Janeiro: EdUerj, 2008. v. 01. 148p.

1. Fonte: currículo Lattes de VirgíniaSonia Virgínia Moreira, con-sultado em jun.2014.

5.1MOREIRA

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269Sonia Virgínia Moreira

MOREIRA, S. V; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Comunicação, aconteci-mento e memória. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. v. 1. 168p.

MOREIRA, S. V; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; MELO, José Mar-ques de; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Pensamento comunicacional brasilei-ro. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. v. 1. 280p.

MOREIRA, S. V; SAROLDI, Luis Carlos. Rádio Nacional, o Brasil em sinto-nia. 03. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. v. 1. 224p.

MOREIRA, S. V.; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Mídia, Ética e Sociedade. 1. ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004. v. 1. 136p.

MOREIRA, S. V. Rádio em Transição - tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. v. 1. 352p.

MOREIRA, S. V.; PERUZZO, Cicilia M K (Orgs.). Intercom 25 anos. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2002. v. 1. 132p.

MOREIRA, S. V.; BIANCO, N. R. (Orgs.). Desafios do Radio no século XXI. 1. ed. São Paulo / Rio de Janeiro: INTERCOM / Uerj, 2001. v. 1. 256p.

MOREIRA, S. V. O rádio no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2000. v. 1. 82p.

MOREIRA, S. V.; BIANCO, N. R. (Orgs.). Rádio no Brasil: tendências e perspec-tivas. 1. ed. Rio de Janeiro / Brasília: EdUERJ / Editora da UnB, 1999. v. 1. 232p.

MOREIRA, S. V. Rádio Palanque - fazendo política no ar. 1. ed. Rio de Janei-ro: Mil Palavras, 1998. v. 1. 172p.

MOREIRA, S. V; LOUZADA, M. G. Chamada à ação: manual do radialista que cobre educação. 1. ed. Brasília: MEC / Projeto Nordeste, 1997. v. 1. 49p.

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MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE LOPES

Francisco de Assis (ESPM)(Organizador especial)

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271Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Travessias híbridas no campo da Comunicação1

Francisco de Assis2

Duas frentes de atuação conferem delineamento à trajetória acadêmica de Maria Immacolata Vassallo de Lopes: a preo-cupação constante com a epistemologia do campo3 da Co-municação – e aí se insere todo um esforço em torno da me-todologia da pesquisa, isto é, dos caminhos para a produção de conhecimento – e o interesse pela telenovela, eleita como

1. Versão revista, atualizada e parcialmente modificada do texto “Maria Immacolata Vassallo de Lopes: na trilha epistemológica de Bourdieu” (ASSIS, 2010), publicado originalmente no livro Valquírias midiáticas.

2. Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Vice-coordenador do grupo de traba-lho (GT) Estudios sobre Periodismo, mantido pela Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic), e professor do curso de graduação em Jornalismo da Escola Supe-rior de Propaganda e Marketing (ESPM).

3. Essa noção, como se verá, permeia as discussões levantadas pela profa. Immacolata. Campo é entendido, aqui e em sua obra, na perspectiva de Pierre Bourdieu (1997, p. 55): um espaço de em-bates, no qual várias forças internas atuam – no sentido de definir sua identidade –, e que permanece em constante luta com outras esferas, para seu estabelecimento no mundo social.

6.1LOPES

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tema, objeto e razão de ser de redes de pesquisadores, por ela lideradas, que se dedicam a investigar os meandros e os efeitos provocados pelo gênero televisivo mais revelador da nossa identidade latino-americana.

Legítima intelectual uspiana – não só por sua formação (graduação, mes-trado, doutorado e livre-docência) galgada no âmbito da Universidade de São Paulo (USP), mas, principalmente, por se alinhar ao perfil dos pensadores que ali atuam –, costuma ser reconhecida pela firmeza com que defende suas ideias e seus ideais, ao mesmo tempo em que se dispõe constantemente a entender as transformações ocorridas no mundo, especialmente na esfera social e no espaço de produção/circulação da ciência. E o faz por meio de uma crítica aberta e de-vidamente afinada com o objeto escolhido para investigar, seja a epistemologia, seja o que popularmente chamamos de “novela”.

Essa dedicação a duas questões aparentemente tão distantes uma da outra – mas que revelam proximidade, em razão dos modos como são tratadas – tem gerado muitos dos principais contributos teóricos com que o campo brasileiro da Comunicação pode, hoje, contar. Mais: tem lançado seu nome para além das fronteiras nacionais, ecoando, no exterior, as reflexões profícuas a que os brasileiros têm acesso.

Isso tudo é evidenciado em seu extenso currículo, que até o início de 2014 registrava 39 artigos em revistas científicas, 50 livros – entre autoria individual, coautoria e organização, volumes únicos e reedições, versões em português e traduzidas para outros idiomas –, 88 capítulos de coletâneas e mais 41 trabalhos disponibilizados em anais de eventos – sejam textos completos ou resumos –, além de outros tipos de apresentações, produções técnicas e, claro, orientações4.

Destinar espaço à fortuna crítica que resulta de seu esforço é, de fato, mereci-do. E não apenas por integrar a galeria dos ex-presidentes da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), aos quais este li-vro se volta com especial atenção. O mérito traduz uma necessidade que se coloca a um campo que, pouco a pouco, se autonomiza. Essa necessidade é a de fazer um balanço sobre o que foi legado pelos mestres, pelos desbravadores desse terreno, e de, a partir deles, refletir sobre os direcionamentos dados a certas questões.

Quanto a nós, agrada-nos sobremaneira a oportunidade de reunir reflexões a esse propósito e de compartilhar um pouco do muito que se pode com ela aprender. Sabedor que é da admiração que temos por essa professora, ainda que nosso contato pouco tenha sido face a face, sendo estabelecido primordial-

4. Conforme dados disponibilizados em seu Currículo Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/7326620682313478>. Acesso em: 10 jun. 2014.

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273Maria Immacolata Vassallo de Lopes

mente no molde mais comum ao meio em que atuamos – isto é, mediado pelos livros, pelos periódicos, portadores das mensagens que seus autores esperam fazer alcançar-nos –, convidou-nos José Marques de Melo a organizar esta parte do projeto desenvolvido pela INTERCOM. Não seria a primeira vez que nos poríamos a fazer articulações sobre seus trabalhos. Assim procedemos também quando cursávamos o mestrado – e isso já ficou tão lá pra trás –, ocasião em que produzimos um texto inicial a seu respeito, conforme indicado na primeira nota de rodapé deste preâmbulo. Agora, anos depois, ao retomar aquele escrito e ao confrontá-lo com outras leituras – inclusive a dos capítulos apresentados na sequência –, percebemos o quanto foi produzido por ela no último quinquênio, o quanto ainda podemos somar ao nosso repertório quando acompanhamos suas discussões e, enfim, o quanto de novidade se pode extrair daquilo que, de alguma maneira, já conhecemos.

Esperamos, por isso mesmo, que a apreciação de sua trajetória esteja para lá da mera especulação sobre uma história de vida e que, de fato, possa instigar o aprofundamento na fortuna crítica que nos legaram suas investidas teóricas. Sirva, então, para conhecer as travessias híbridas – entre a Europa e a América Latina, entre a Sociologia e a Comunicação, entre a epistemologia e a telenovela – responsáveis por definir quem é, o que faz e o que pensa Maria Immacolata Vassallo de Lopes.

Formações (na vida e na academia)

Itália. 28 de novembro de 1945. Comuna de Laurito, costa sul da península, região da Campania, província de Salerno. Nasce a terceira filha de Francesco Vassallo e Caterina Lucia Pannullo Vassallo, a quem dão o nome de Maria Im-macolata. Com outros dois filhos (um menino e uma menina), o casal vivencia um triste momento da história da Europa, rescaldo da Segunda Grande Guerra, e se prepara para tomar o mesmo rumo que centenas de outras famílias italianas: o caminho da América.

Os Vassallo deixam seu piccolo paese em 1953. Aportam no Brasil, onde encontram uma São Paulo “quatrocentona”, que há algum tempo acolhe oriun-dos do Velho Mundo. E ali fazem morada, junto a uma colônia lauritana que já havia se estabelecido no bairro do Bexiga (aliás, da Bela Vista, pois nunca se ouviu um imigrante pronunciar o apelido pelo qual aquelas adjacências ficaram conhecidas).

No coração da Pauliceia, Immacolata cresceu e viu de perto toda a eferves-cência cultural da cidade nos anos de 1950. Na escola, destacava-se entre os

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colegas, e quase sempre era agraciada com distinções pelo desempenho. Nesse ponto, recebeu grande influência do pai, que compreendia a importância dos estudos para a inserção no mercado de trabalho.

O secundário – hoje, ensino médio – foi cursado com auxílio de bolsa de estudos, conquistada graças à sua performance estudantil. Assim, sua formação se deu no curso técnico de secretariado, que não lhe serviu para muita coisa, como o futuro pôde comprovar.

Terminados os estudos básicos, Immacolata decidiu fazer um curso prepa-ratório e, em 1965, ingressou na USP como terceira colocada do curso de Ci-ências Sociais, que na ocasião funcionava na conhecida Rua Maria Antônia. Ali, sim, sua história começou a se guiar pela estrada certa, fato revelado pelos acontecimentos dos anos seguintes.

A despedida da Bela Vista ocorreu somente em 1969, ocasião em que se casou com o filósofo João Aloísio Lopes, com quem teve duas filhas, Maira e Nádia. Após o casamento, os dois se mudaram para Itu, no interior de São Pau-lo, onde tiveram as primeiras experiências como professores de ensino superior. Experiência curta, a bem da verdade. Com apenas um semestre de trabalho, foram despedidos por serem considerados “de esquerda”. Tempo de ditadura.

Um ano antes, havia se formado na graduação. É no terreno da Sociologia, como se viu, que começa a dar os primeiros passos dentro do universo acadêmi-co. De 1965 a 1968, ela conviveu com grandes cientistas sociais, tais como Flo-restan Fernandes, Octavio Ianni, Luiz Pereira, Gabriel Cohn, Rui Coelho, Egon Schaden, entre tantos outros que deixaram marcas em sua formação intelectual.

Mas rever esse episódio exige, necessariamente, situá-lo no cenário político do Brasil, marcado, então, pela recente implantação da ditadura militar. Abjurados do sentimento democrático, os jovens estudantes se organizavam em movimen-tos de oposição ao regime. E faziam isso de diferentes formas: alguns se dedi-cavam, de fato, às articulações políticas; outros participavam de manifestações culturais, sempre imbuídas de críticas ao sistema; e havia grupos, ainda, que bus-cavam refletir sobre a conjuntura nacional, tornando-se “teóricos de esquerda”.

Fazer o curso de Ciências Sociais nesse momento foi determinante na minha vida. Todo o ambiente de convulsão e agitação social, o regime ditatorial a ser combatido, o movimento estudantil, a atuação na Ação Popular – da esquerda católica – era o contexto que me dividia entre o estudo e a práxis política. Mas, a bem da verdade, eu nunca fui um pa-drão de engajamento político. Preferia me dedicar ao curso e ver muito cinema, teatro e festivais de música. Acredito que minha opção já era pela “prática teórica”, como dizia Althusser (LOPES, 2006, p. 5-6).

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275Maria Immacolata Vassallo de Lopes

O convívio com os mestres uspianos projetou em Immacolata uma ampla visão dos estudos sobre a sociedade. Isso porque, mesmo seguindo uma linha marxista, os professores – e a bibliografia por eles adotada – buscavam compor um diálogo entre outras correntes do pensamento5. A diversidade teórica e me-todológica, de certo, despertou-lhe um interesse especial a esse respeito, prin-cipalmente no que concerne aos questionamentos acerca da união de autores marxistas e funcionalistas numa mesma pesquisa.

Também foi no decorrer da faculdade que passou a se interessar pelos fe-nômenos comunicacionais, enveredando pelo caminho de uma sociologia da comunicação e da cultura. “Na comunicação de massa já me chamava a atenção não tanto a massificação, mas a preferência manifestada por públicos diversos pelos mesmos programas. [...] Queria aliar o interesse pelo estudo da ideologia dominante à preferência pelo popular” (LOPES, 2006, p. 8).

Após o término do curso universitário, em 1968, e depois da temporada passada em Itu6, Immacolata começou a se preparar para o ingresso na pós--graduação stricto sensu7. Elaborou um projeto sobre a participação do público migrante no programa comandado por Silvio Santos e o submeteu à seleção do curso de mestrado em Ciências da Comunicação, oferecido pela Escola de Comunicações e Artes, na linha de pesquisa da profa. Nelly de Camargo8, figura até então desconhecida para ela.

5. Conforme explica Lopes (2006), naquela ocasião, a cadeira de Sociologia 1, liderada por Florestan Fernandes, era essencialmente marxista. Já as de Sociologia 2, de Rui Coelho, e a de Antropologia, dirigida por Egon Schaden, seguiam a linha estruturo-funcionalista.

6. Importante lembrar que, nesse período, a profa. Immacolata já estava casada com João Aloísio Lopes. Quando voltaram de Itu para São Paulo, após terem sido despedidos, os dois mantiveram, por algum tempo, uma confecção de roupas. Depois, fecharam o negócio e continuaram a lecionar e a estudar.

7. Em suas memórias biográficas, a autora relata o seguinte: “Eu devia iniciar o mestrado em Sociologia, com o Prof. Luiz Pereira, que infelizmente faleceu muito cedo. Luiz era, para mim, a esperança de trabalhar complexificando a matriz teórica do marxismo com autores de outras linhagens” (LOPES, 2006, p. 10). Portanto, entende-se que a impossibilidade de estudar com o prof. Luiz Pereira foi um dos motivos que levou-a a buscar outras alternativas.

8. Nelly de Camargo foi uma das fundadoras da ECA-USP, instituição na qual concluiu o doutorado em Ciências da Comunicação. Realizou estudos pós-doutorais na Stan-ford University (EUA). Foi conselheira Regional de Comunicação da UNESCO para a América Latina e atuou como chefe do Departamento de Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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276 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

O critério para a escolha da orientadora se deu por um pequeno detalhe: a indicação de que a professora se interessava por projetos que versassem sobre comunicação para o desenvolvimento. A perspectiva de trabalho, no entanto, tratava de uma abordagem funcionalista, oposta aos interesses marxistas que a jovem pesquisadora mantinha.

Aspecto interessante nessa história é que a convivência de duas mulheres com pensamentos teóricos divergentes não se configurou como problema ou entrave; ao contrário, gerou um respeito recíproco, que acompanhou uma con-vivência de aproximadamente sete anos. Nesse período, inclusive, a profa. Nelly convidou sua orientanda para ser assistente nas disciplinas Fundamentos Teóri-cos da Comunicação 1 e 2, as quais lecionava aos alunos da graduação9.

Na ocasião do mestrado, Immacolata ainda cumpriu um período de estudos na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, no ano de 1980. Lá, estudou com o prof. Adriano Duarte Rodrigues, já considerado um respeitável pesqui-sador da área da Comunicação nas terras além-mar. Dele, recebeu convite para lecionar na instituição, mas preferiu retornar ao Brasil para concluir o curso de pós-graduação, o que o fez em 1982, com a defesa da dissertação O rádio dos pobres: estudo sobre comunicação de massa, ideologia e marginalidade social, no dia 4 de abril10, posteriormente publicada em livro (LOPES, 1988).

O objeto da dissertação [...] situava-se no trânsito interdisciplinar pela sociologia, comunicação e semiologia. Tinha por foco três programas populares de rádio e seu público de baixa renda. Tentei trabalhar com a dimensão sociológica do público, a dimensão semiológica do discurso ra-diofônico e a dimensão comunicacional entre as duas. Apresentava uma abordagem de base marxista, operando combinações teóricas e metodo-lógicas diversas. Hoje, essa dissertação é tida como uma precursora dos estudos de recepção, que então não tinham esse nome. [...] A repercussão dessa pesquisa de mestrado não se deu de imediato, porém é um trabalho que vem sendo recuperado ou descoberto ainda hoje, mesmo em outros países, o que me dá muita satisfação (LOPES, 2006, p. 12).

9. Posteriormente, as disciplinas transformaram-se nos quadros de Teoria da Comunica-ção, vigentes até hoje.

10. É importante destacar que, tanto no mestrado quanto no doutorado, Immacolata con-tou com bolsa de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq).

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277Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Titulada mestre, ingressou, em 1983, no programa de doutorado da ECA--USP. Seu objetivo inicial era traçar o estado da arte da pesquisa em Comunica-ção no país, com enfoque nas áreas e nas linhas de investigação; porém, durante o curso, sob influência da orientadora, Sarah Chucid da Viá11, inclinou-se para as questões metodológicas que norteiam as pesquisas da área, estabelecendo cri-térios para a elaboração de um modelo adequado.

Assim como na experiência do mestrado, Immacolata uniu, em sua pesquisa, as urgências do campo comunicacional à formação universitária. Diz ela: “Volto--me para uma releitura da obra teórica de Florestan Fernandes. O modelo meto-dológico que proponho na tese de doutorado tem tudo a ver com ela. Persegue o rigor metodológico sem deixar de lado a criatividade do ‘ofício do pesquisador’” (LOPES, 2006, p. 13-14). Para tanto, estudou os trabalhos de pós-graduação desenvolvidos na própria ECA, criticando algumas escolhas e propondo que a estrutura metodológica de cada trabalho deve ser construída com “liberdade e determinismo”, atendendo a certas demandas. Tornou-se doutora no dia 20 de junho de 1988, com a defesa da tese Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo metodológico. A nota final: 10.0, com distinção.

O trabalho doutoral não tardou a ser transformado em livro. Com o título original inalterado, foi publicado pela Loyola, dois anos depois, e tem sido utili-zado largamente em escolas de Comunicação do Brasil, por apontar, de maneira clara, os rumos que devem seguir as pesquisas da área.

É um trabalho que deve ser lido a partir de uma dupla matriz. É um es-tudo de metodologia que visa contribuir para os esforços que estão sendo desenvolvidos sobre a investigação científica em Comunicação, e é um estudo de enfoque histórico porque trabalha o objeto Comunicação en-quanto realização histórica de fenômenos superestruturais na sociedade atual. O tratamento que daremos ao objeto Comunicação e à metodolo-gia de sua investigação delimita nosso estudo no domínio dos fenômenos da cultura e da comunicação de massa no Brasil (LOPES, 2005, p. 13).

Com efeito, seu estudo deu início a um novo momento da pesquisa em Co-municação no Brasil, conforme aponta Marques de Melo (2005, p. 9):

11. Sara Chuid da Viá graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, instituição onde concluiu o mestrado em História e o doutorado em Ciências da Co-municação. Durante o período em que atuou no programa de pós-graduação da ECA, foi responsável pela disciplina Metodologia da Pesquisa.

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278 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

Como corolário desse fecundo trabalho de leitura crítica das metodo-logias vigentes naquela escola [USP], que esteve durante vários anos na vanguarda dos estudos comunicacionais brasileiros, ela concita os jo-vens cientistas da área a exercitar constante vigilância metodológica. Sua meta reside na ultrapassagem da fragilidade científica que nos caracteriza como país marcado pelo “capitalismo dependente”. No seu entender, “objeto-método-teoria constituem uma unidade indivisível”. Vassallo de Lopes deu um passo adiante em relação ao universo desbravado pela sua orientadora acadêmica, Sarah Chucid da Viá, responsável pelos cursos de metodologia comunicacional na referida instituição.

As idas e vindas após 1988 contabilizaram um espaço de 10 anos entre o doutorado e a livre-docência. Esta última, portanto, foi conquistada em junho de 1998, também na ECA-USP, com a defesa da tese Mercado de trabalho dos egressos dos cursos de Comunicação Social no Brasil. Sua pesquisa apontava para a situação dos profissionais formados pelas escolas brasileiras da área e, como não poderia ser diferente, obedecia a um rigor metodológico devidamente adequado à proposta12.

Carreira profissional

Maria Immacolata Vassallo de Lopes dedica-se ao exercício do magistério desde a época da graduação, quando dava aulas de História, Sociologia e Estu-dos Sociais aos alunos do Curso Técnico de Contabilidade do Colégio Frederico Ozanam, em São Paulo, lugar onde concluíra seus estudos secundários.

Aquele momento era especialmente desafiador: primeiro, porque muitos de seus alunos eram mais velhos do que ela própria; depois, porque suas aulas eram consideradas “difíceis”; e, por fim, porque os conteúdos teóricos eram conside-rados de “esquerda”. De todo modo, foi lecionando em colégios particulares que a jovem professora conseguiu concluir o curso de Ciências Sociais.

12. Como complemento a esse tópico, vale destacar que após a livre-docência, a profa. Im-macolata ainda realizou estágio de pós-doutorado na Università degli Studi di Firenze (UFIT), na Itália, em 2001, com bolsa de estudos concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na ocasião, desenvolveu o projeto de pes-quisa “A ficção televisiva na Itália e na Europa: estudos e observatório. Um estudo sobre cultura, identidade e mercado televisivo globalizado”.

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279Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Logo que se formou, uma experiência marcou seu percurso pelas salas de aula e, inclusive, é considerada por ela como responsável pela mudança em seus conceitos sobre a docência: trata-se da atuação no Colégio Vocacional Osvaldo Aranha, também em São Paulo.

Tive então a oportunidade de perceber o que poderia ser o ensino de qualidade, suas metodologias participativas, a disciplina não-autoritária, o conteúdo libertário. Tentei levar essa experiência para o ensino públi-co quando me efetivei no magistério estadual na disciplina de História. Até histórias em quadrinhos resolvi introduzir como método de apren-dizagem no Colégio Estadual “Presidente Altino”, em Osasco (LOPES, 2006, p. 9).

Em 1969 – como dissemos anteriormente –, a profa. Immacolata foi viver em Itu, onde teve o primeiro contato com o ensino para alunos do terceiro grau, na Faculdade Nossa Senhora do Patrocínio, emprego no qual permaneceu pouco menos de seis meses. Também já mencionado aqui, a experiência seguin-te ocorreu em 1975, a convite da profa. Nelly de Camargo, que a levou para ensinar teorias sociais e metodologia de pesquisa aos graduandos da ECA-USP.

É importante dizer que essa dobradinha abriu espaço para sua contratação pela Universidade de São Paulo, em 1979, após quatro anos de serviços pres-tados voluntariamente à instituição, os quais foram cumpridos sem qualquer queixa. “Sentia um prazer enorme em lecionar para os primeiros anos do então Ciclo Básico da ECA. Era sempre desafiadora a inquietação dos alunos, a ques-tão permanente de teoria versus prática, as discussões interessadas...” (LOPES, 2006, p. 11).

Na USP, deu continuidade ao seu desempenho como docente. Após concluir o doutorado, firmou duas linhas de pesquisa que tem guiado o desenvolvimento de seus trabalhos e as orientações que comanda na pós-graduação: 1) Teorias e Metodologias da Comunicação; e 2) Comunicação e Ficção Televisiva. Até o início de 2014, já havia concluído a orientação de 15 projetos de doutorado e 11 de mestrado, além de uma supervisão de pós-doutorado. Estão em andamen-to mais três trabalhos em nível de doutoramento e um de pós-doutoramento, segundo informações de seu Currículo Lattes.

Ainda no stricto sensu, sua área de atuação tem se concentrado nas disciplinas Metodologia da Pesquisa em Comunicação e Métodos e Técnicas de Pesquisa.

Com relação às pesquisas já concluídas, vale a pena mencionar aquelas que a própria autora destaca em seu Memorial (LOPES, 2006):

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1) “Avaliação dos egressos dos programas de pós-graduação em Comunica-ção no Brasil (1999-2000)”, financiada pela Fapesp e pelo CNPq;

2) “A produção de teses e dissertações do programa de pós-graduação em Ciên-cias da Comunicação da ECA-USP (1972-2002)”, com apoio do CNPq;

3) “Campo profissional e mercado de trabalho em comunicações no Brasil (1995-1998)”, apoiada pela Fapesp e pelo CNPq;

4) “Campo profissional e mercado de trabalho em Comunicação no Esta-do de São Paulo”, com recursos do CNPq;

5) “Recepção de telenovela no Brasil: uma exploração metodológica”, com fomento da Fapesp, do CNPq e da USP.

6) “O impacto da pesquisa em Comunicação através do estudo bibliomé-trico de teses e dissertações”, amparada pelo CNPq.

7) “Nações e narrações televisivas: a telenovela brasileira no cenário in-ternacional. Um estudo sobre ficção televisiva brasileira, identidade e interculturalidade”, com financiamento do CNPq.

Também é importante dizer que, de 2006 para cá, foram concluídos outros quatro projetos, que versam sobre a produção científica na área e sobre a teleno-vela, os quais contaram com auxílio financeiro do CNPq. São eles:

1) “A telenovela como narrativa da nação: a recepção em nova chave”;

2) “O campo da Comunicação em suas referências: experimento metodo-lógico para a produção de indicadores bibliométricos”;

3) “Indicadores bibliométricos de teses e dissertações dos Programas de Pós-Graduação do Brasil”.

4) “Nações e narrações televisivas: por um Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva – Obitel”.

Diante dessas constatações, não há erro em afirmar que a diversidade de te-mas trabalhados pela pesquisadora é fruto de sua formação híbrida, que não se prendeu apenas a uma área, a um foco ou a um método. Ela reconhece:

Não tenho dúvidas de que minhas atividades pós-Livre-Docência [...] ti-veram um ponto de fusão no Pós-Doutorado que realizei na Itália. Ponto de fusão de elementos afetivos e intelectuais, de elementos nativos e mi-

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grantes, de minha identidade híbrida, como híbrido era o meu objeto de pesquisa – a telenovela –, um objeto popular e acadêmico. Uma pesqui-sadora brasileira na Itália ou uma pesquisadora “ítalo-brasileira”, como lá me chamaram e gostei de ser chamada. Descobri que esse hífen parece marcar toda a minha trajetória intelectual, e também de vida. Hífen que representa ponte, travessia, hibridação, duas coisas ao mesmo tempo, a não-exclusão, a contigüidade de ambivalências, a complexidade, a cone-xão, enfim, a comunicação (LOPES, 2006, p. 27).

Em 2014, está em andamento mais um projeto temático, também subsi-diado pelo CNPq: “Telenovela brasileira: transmidiação e internacionalização”.

Todos esses estudos apresentam pontos em comum com suas vertentes de formação intelectual, com seus temas de interesse, com a oportunidade do tra-balho coletivo, com a perspectiva da interdisciplinaridade e, por fim, com sua própria história de vida, sempre marcada por episódios distantes e, ao mesmo tempo, tão próximos uns dos outros.

Obitel: intercâmbio internacional

Projeto que merece destaque nessa trajetória – sendo uma espécie de “meni-na dos olhos”, como popularmente se diz – é o Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva (Obitel), criado em 25 de fevereiro de 2005, em reunião realizada na Universidade Javeriana, em Bogotá (Colômbia). Sua proposta é reunir indicadores e análises anuais sobre audiência e repercussão sociocultural da ficção televisiva em países da América Latina e da Península Ibérica.

Sob coordenação geral de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de Guil-lermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara (México)13, o Obitel reúne, até 2014, investigadores atuantes nos seguintes países: Argentina, Bra-sil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos (de língua hispânica), México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. Cada um desses grupos é respon-sável pelo “trabalho de monitoramento sistemático dos programas ficcionais que são transmitidos por canais de televisão aberta em seus respectivos países” (LOPES & VILCHES, 2008, p. 11).

13. Nos primeiros anos, até 2008, a coordenação era compartilhada com Lorenzo Vilches, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha).

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As atividades do Observatório já se fizeram sentir junto à comunidade aca-dêmica e junto a profissionais do mercado. Em parceria com o Programa Globo Universidade14, têm sido promovidos seminários internacionais, anualmente, além da publicação de anuários com o resultado do monitoramento coletivo, o qual combina levantamentos quantitativos com análises contextuais da ficção televisiva.

Mas o interesse da profa. Immacolata pela teledramaturgia, mais especifi-camente pela telenovela, não teve início apenas com o Obitel. Nesse terreno, ela adentrou em 1994, quando passou a integrar o Núcleo de Pesquisa de Te-lenovela (NTP) – depois transformado em Centro de Estudos de Telenovela (CETVN)15 –, do qual assumiu a coordenação em 2004. Com relação à pesquisa nessa área, ela destaca:

Aqui eu reencontro meus temas de interesse permanente: a exploração metodológica e a vertente do popular, agora atualizados através do pa-radigma da complexidade (Morin) que, para mim, é um retornar à di-mensão estrutural do objeto e à focalização de múltiplas perspectivas (inter)disciplinares. É a oportunidade também do trabalho coletivo que implica a superação de um certo modo de produção científica (LOPES, 2006, p. 18).

Nas notas introdutórias das várias edições já publicadas do Anuário Obitel, ao expor as premissas metodológicas que têm guiado as observações a respeito dos programas de ficção das televisões na Ibero-América, ela reforça sua percep-ção a respeito do gênero: a teleficção não é apenas produto de entretenimento, mas uma ação estratégica capaz de fazer seu público identificar-se culturalmente com as tramas.

Ativismo comunicacional

Além do desempenho como professora e como pesquisadora, Maria Im-macolata Vassallo de Lopes também vem se dedicando a outras atividades vol-

14. Criado em 1999, pela Rede Globo, com o objetivo de incentivar o intercâmbio de co-nhecimento entre a TV Globo e as universidades do Brasil e do exterior.

15. Grupo cadastrado no CNPq e certificado pela USP, instituição que também hospeda sua página da internet: <http://www.eca.usp.br/nucleos/cetvn/cetvn.html>.

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tadas ao campo da Comunicação, principalmente em associações organizadas pela sociedade civil. Na INTERCOM, por exemplo, desenvolveu uma série de trabalhos significativos, principalmente no período em que foi sua presidente (1995-1997)16.

A professora Maria Immacolata foi a responsável pela condução da Inter-com no período do início da maturidade da Sociedade. Ela se considera uma eterna participante da Intercom e frisa o caráter pluralista da ins-tituição, caráter este que continua defendendo até a atualidade. Maria Immacolata destaca que em sua gestão ocorreu a consolidação dos GTs (Grupos de Trabalho) que destacavam sub-linhas da área de Comunica-ção nos eventos promovidos pela Intercom, inclusive o trabalho de alguns obtendo reconhecimento internacional na época (BERTI, 2007, p. 209).

Mas sua participação ativa não se deu somente durante aquele biênio. Já em 1986, ela havia ajudado o prof. José Marques de Melo a coordenar o 1º Encon-tro Ibero-Americano de Pesquisadores da Comunicação17 – então capitaneado pela INTERCOM –, em São Paulo, tendo a oportunidade de estabelecer con-tato com importantes autores latino-americanos. Para ela, aliás, a valorização da América Latina é ponto forte dessa associação científica, que se tornou respon-sável por disseminar a obra desses pesquisadores entre os acadêmicos da área.

Quero me identificar como uma dessas pessoas que foi introduzida ao pensamento latino-americano de Comunicação pela Intercom, fazendo, acredito, uma combinação original com a formação clássica que tive em

16. Antes disso, já havia assumido os seguintes cargos na instituição: 1ª Secretária (1987-1989), Diretora Científica (1989-1991), Diretora Científica (1991-1993) e membro do Conselho Consultivo – Representantes Regionais (USP) (1993-1995). Posterior-mente à sua gestão, ocupou os cargos de Diretora Científica (1999-2002) e Diretora de Relações Internacionais (2002-2005). Atualmente, é membro do Conselho Curador.

17. Encontro realizado na Universidade de São Paulo, que contou com a participação de ampla delegação latino-americana e de um grupo de pesquisadores vinculados à Uni-versidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Identificado pela sigla Ibercom, foi reali-zado pela segunda vez em 1989, em Florianópolis (SC), justamente com a coordenação da profa. Immacolata. É importante destacar que a representatividade do evento no cenário acadêmico foi marcada em 1998, ocasião em que foi criada a Associação Ibero--Americana de Comunicação (Assibercom).

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Sociologia. Hoje, encontro-me nessa linha. Sou vista como sendo uma “latino-americanista” com um pé na (pós) modernidade que trabalha de maneira interdisciplinar a Comunicação (LOPES, 2006, p. 16).

Outra de suas contribuições à entidade foi o trabalho junto à Revista Inter-com. Tyciane Vaz (2007, p. 245) lembra que a profa. Immacolata chegou a ser revisora do periódico, em 1992, e desde aquela ocasião integra seu conselho editorial18.

Com relação ao período em que assumiu a diretoria, é importante dizer que seu principal feito recaiu sobre a criação dos grupos de trabalho (GTs) – confor-me destaca Berti (2007, p. 223) –, que possibilitou uma melhor organização e sistematização das áreas e das temáticas trabalhadas pelos pesquisadores ligados à INTERCOM19. Também durante o seu mandato foi instituído o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, que homenageia, desde aquele ano, pes-quisadores e grupos ligados ao sistema universitário ou ao mercado. Seu traba-lho junto à instituição também se deu, posteriormente, na coordenação do gru-po de Ficção Seriada, acompanhando, inclusive, a transformação do NP em GP.

Nos últimos anos, pelo menos três ações marcaram sua trajetória: a coorde-nação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA--USP (2001-2013), a representação da área da Comunicação junto ao CNPq (2004-2007) e a atuação em plano internacional. “São três faces de um mesmo dado, todas marcadas pelo alargamento e intensificação de realizações, frutos de 1) minha prática institucional no campo e 2) reconhecimento da minha atuação como pesquisadora e docente da pesquisa brasileira” (LOPES, 2006, p. 19-20).

18. Além de contribuir com a Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, a profa. Immacolata Lopes atua como membro do corpo editorial dos seguintes perió-dicos: Aldea Global, Comunicação & Educação, Comunicação, Mídia e Consumo, Co-municación y Sociedad, Conexiones, Derecho a Comunicar, Diálogos de la Comunicación, E-Compós, Eco-Pós, Galáxia, Global Media Journal México, MATRIZes, Perspectivas de la Comunicación, Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación e Revista Lusófo-na de Estudos Culturais.

19. Posteriormente, mais precisamente em 21 de outubro de 2000, os grupos de trabalho da Intercom transformaram-se em núcleos de pesquisa (NPs), mantendo a organização definida por ementas, obedecendo a critérios de identificação de seções temáticas e palavras-chave. Nova reclivagem ocorreu no início de 2009, quando os NPs passaram a se constituir em grupos de pesquisa (GPs).

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Não se pode deixar de dizer que, especialmente em relação à ECA, seu de-sempenho foi fundamental para a reestruturação do já mencionado programa, aprovada no final de 2005 e em vigor a partir de 2006, da qual resultaram ava-liações progressivas atribuídas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)20. Teve, ainda, em 2007, importante papel na criação de MATRIZes, revista científica do PPG 21, da qual é diretora.

Em 2011, durante o 12º Congreso Iberoamericano de Comunicación – ou 12º Ibercom –, celebrado em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), foi eleita presi-dente da Assibercom, a entidade que se originou do congresso cuja primeira edi-ção – de 1986 – ela auxiliou Marques de Melo a coordenar. No primeiro evento realizado em sua gestão – ocorrido em Santiago de Compostela (Espanha), em 2013 –, ao convocar os pesquisadores da Ibero-América para participar das ati-vidades, destacou o compromisso que procurava assumir e, uma vez mais, deu sinais de sua capacidade de organização do campo. Em mensagem publicada na página oficial do congresso, ela assim se pronunciou:

Como presidente da AssIBERCOM, tenho a felicidade de ter como primeiro evento da gestão de minha diretoria o XIII Congresso IBER-COM, a ser sediado em Santiago de Compostela e organizado por esta dedicada amiga Margarita Ledo. [...] Gostaria também de destacar, atra-vés da realização desse congresso, o início de uma nova fase para a nossa entidade. Ela se mostra através das propostas da temática central, dos conteúdos das plenárias e, principalmente, da criação das Divisões Te-máticas do IBERCOM (DTIs). A estas irá caber a função aglutinadora e consolidadora das pesquisas que se realizam na Ibero-América e para que os pesquisadores dessa área geocultural possam cada vez mais se conhecer e criar ou reforçar laços intelectuais e afetivos. Por isso, as DTIs nascem com coordenações colegiadas, reunindo na coordenação de uma mes-ma DTI colegas espanhóis, portugueses e latino-americanos/brasileiros. Comprometemos a aperfeiçoá-las cada vez mais, assim como nos empe-nharemos para que a AssIBERCOM se torne mais e mais representativa

20. Dede 2010, o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA--USP mantém a nota 5 (numa escala que, como se sabe no meio acadêmico, vai até 7). Quando a profa. Immacolata assumiu sua coordenação, em 2001, o PPG passava por um momento crítico, tendo recebido, na avaliação mais recente, a nota 3.

21. Editada em formato impresso, também conta com versão on-line, disponibilizada no seguinte endereço: <http://www.matrizes.usp.br>.

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da unidade e diversidade que marcam o campo da pesquisa da Comuni-cação na Ibero-América22.

Os principais “afazeres” da profa. Immacolata, nos últimos anos, correspon-dem, portanto, à atuação no cenário internacional, fruto daquilo que ela en-tende como sendo uma combinação do trabalho de pesquisa individual com o trabalho da pesquisa institucionalizada. Nesse sentido, contam as participações em congressos fora do Brasil, como expositora, conferencista ou palestrante; a organização e a coordenação de eventos, dentre os quais os colóquios binacio-nais da INTERCOM, especialmente o Colóquio Brasil-Itália de Ciências da Comunicação; e a atuação junto a entidades representativas, como a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic), a Associação Lusófona de Pesquisadores da Comunicação (Lusocom), a Federación Latino-americana de Facultades de Comunicación Social (Felafacs), a Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Confibercom), entre outras.

Trilhas percorridas

“Maria Immacolata Vassallo de Lopes poderia ser definida como uma ‘me-todóloga’, embora o termo não dê conta de todas as áreas da ciência a que ela se dedica” (DALLA COSTA, MACHADO & SIQUEIRA, 2006, p. 163). Essa definição apresenta coerência com o que vimos aqui, quer pela indicação de seu posto, quer por reconhecer que à professora não agrada o termo “metodóloga”, o qual considera “pedante” e nem sempre muito próximo de todos os seus focos de interesse. Mas seria impossível negar que a metodologia da pesquisa é ponto--chave de sua trajetória acadêmica, assim como não é possível desconsiderar que a telenovela também o seja.

Por sua dedicação à pesquisa da área, conquistou posição de destaque na comunidade acadêmica da Comunicação, no Brasil e em outros países. E o fez advogando “que a metodologia deve estar livre do tecnicismo e do dogmatismo, e que, portanto, não combina com um trabalho automático e ritualizado”, con-forme percebem Rosa Dalla Costa, Rafael Machado e Daniele Siqueira (2006,

22. Trecho da mensagem direcionada pela profa. Immacolata aos participantes da 13º Ibercom. Disponível em: <http://www.estudosaudiovisuais.org/lusofonia/?page_id=313&lang=pt>. Acesso em: 10 jun. 2014.

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p. 166). Sua trajetória também é assim: percorre não só o rigor científico como também a liberdade, necessária ao avanço de qualquer campo do saber. Não se permite engessar. Busca uma constante renovação.

Isso, aliás, combina com o fato de, conforme Marques de Melo (2003, p. 40), fazer parte da geração dos renovadores das Ciências da Comunicação, marcados pela realização de “estudos empíricos ou reflexivos referenciados nas matrizes esboçadas pelos cientistas que os precederam”23. Noutra perspectiva, entende-se que seu despontar intelectual ocorreu durante o terceiro período da pesquisa comunicacional na América Latina, o qual é assinalado pela construção de uma identidade própria, caracterizada “pela reafirmação da busca de teorias e métodos autóctones capazes de dar conta da especificidade e da diversidade da cultura la-tino-americana” (DALLA COSTA, MACHADO & SIQUEIRA, 2006, p. 98).

Para concluir, cabe, então, retomar aquilo que já foi dito em várias partes deste texto: o itinerário intelectual da profa. Immacolata não se constitui como percurso linear; ao contrário, trata-se da conjunção de múltiplos caminhos, sin-cronizados pelo fio do conhecimento e trilhados num campo propício a esse hibridismo.

As próximas páginas

Os textos que compõem esta unidade da antologia Fortuna crítica da IN-TERCOM: Baluartes intentam esboçar as contribuições dadas por Maria Imma-colata Vassallo de Lopes ao campo da Comunicação, de modo a refletir sobre o significado de suas obras nesse cenário. Consistem, portanto, em leituras con-textuais, que não só resenham os trabalhos como também, somadas a este relato introdutório, discutem o papel por ela desempenhado.

Na impossibilidade de tratar de todas as unidades de sua produção – que, como se viu de início, são muitas –, focamo-nos nos livros mais importantes e os distribuímos em agrupamentos temáticos. Assim sendo, os próximos capítu-los seguem uma ordem previamente estabelecida, que ilustra, de certo modo, as travessias híbridas que demarcam sua carreira.

As duas primeiras abordagens, de Maria Aparecida Baccega e Maria Isabel Orofino e de Richard Romancini, reportam-se aos livros que correspondem,

23. Para Marques de Melo (2003), os autores da Escola Latino-Americana de Comunica-ção podem ser divididos em grupos: os pioneiros (décadas de 1950 e 1960), os inova-dores (década de 1970) e os renovadores (décadas de 1980 e 1990).

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respectivamente, à dissertação de mestrado e à tese de doutorado da autora, sem sombra de dúvidas suas principais obras, tanto pelo pioneirismo quanto pela larga aceitação no meio acadêmico.

Em seguida, tem lugar, em texto assinado por Roberta Brandalise, uma dis-cussão sobre seu empenho – contínuo às incursões iniciadas no doutoramento – em torno da epistemologia e da metodologia da Comunicação.

A telenovela, o gênero por que mantém especial apreço, é destacada na sequ-ência. Num primeiro momento, Marcia Perencin Tondato apresenta-nos livros resultantes de projetos coletivos capitaneados pela profa. Immacolata. Logo de-pois, Maria Cristina Palma Mungioli e Ligia Maria Prezia Lemos complemen-tam essas observações, discorrendo especificamente sobre os anuários do Obitel, publicados initerruptamente desde 2007.

Os últimos dois textos referem-se aos frutos dos diálogos estabelecidos com pesquisadores da Itália – sua terra natal – e de países de língua hispânica. Assina-dos por Raquel Paiva e por Raúl Fuentes Navarro, são reveladores do prestígio internacional adquirido pela autora e confirmam o impacto de seu trabalho em outros espaços que não o Brasil.

Fazemos votos de que a revisão elaborada por nós e pelos colegas convidados a participar do projeto, embora não se iguale à produção que nos guiou – prin-cipalmente pelo curto espaço de que dispomos –, faça jus ao seu mérito e à sua relevância.

Referências

ASSIS, Francisco de. Maria Immacolata Vassallo de Lopes: na trilha epistemo-lógica de Bourdieu. In: MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de (Orgs.). Valquírias midiáticas. São Paulo: Arte & Ciência, 2010. p. 155-189.

BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. Quem é quem na vanguarda da In-tercom. In: BARBOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comu-nicacional brasileiro: as contribuições da Intercom (1977-2007). São Paulo: INTERCOM, 2007. p. 209-230.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

DALLA COSTA, Rosa Maria; MACHADO, Rafael Costa; SIQUEIRA, Da-niele. Teoria da comunicação na América Latina: da herança cultural à cons-trução de uma identidade própria. Curitiba: UFPR, 2006.

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289Maria Immacolata Vassallo de Lopes

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Memorial. 2006. 181 f. Concurso Pú-blico (Cargo de Professor Titular) – Escola de Comunicações e Artes da Univer-sidade de São Paulo, 2006.

________. O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginali-dade social. São Paulo: 1988.

________. Pesquisa em comunicação. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

________.; VILCHES, Lorenzo (Orgs.). Mercados globais, histórias nacio-nais: Anuário Obitel 2008. São Paulo: Globo Universidade, 2008.

MARQUES DE MELO, José. Metodologia da Pesquisa em Comunicação: iti-nerário brasileiro. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio (Orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1-14.

________. História do pensamento comunicacional: cenários e personagens. São Paulo: Paulus, 2003.

VAZ, Tyciane Viana. Revista Intercom: quem edita, quem publica. In: BAR-BOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comunicacional brasi-leiro: as contribuições da Intercom (1977-2007). São Paulo: INTERCOM, 2007. p. 231-247.

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Olhar precursor sobre as audiências populares

Maria Aparecida Baccega1

Maria Isabel Orofino2

Maria Immacolata Vassallo de Lopes realizou a pesquisa de seu mestrado – defendido em 19823 e que deu origem ao li-vro O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e mar-ginalidade social – no tempo da ditadura, quando era impe-rativo que houvesse preocupação até com os títulos dos livros citados na bibliografia – que dirá com os livros! Havia um “setor” de segurança instalado na Universidade de São Paulo (USP), junto à reitoria. E a simples escolha de um tema já

1. Professora associada da Escola de Comunicações e Artes da Uni-versidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre e doutora pela Facul-dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Decana do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Con-sumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

2. Pós-doutoranda do Programa de Investigación en Ciencias Socia-les, Niñez y Juventud da Red CLACSO de Posgrados. Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, com pesquisa com-plementar na London School of Economics and Political Sciences (LSE), Inglaterra. Mestre em Educação e bacharel em Comunica-ção Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM.

3. O trabalho foi orientado pela professora Nelly de Camargo.

6.1LOPES

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poderia causar um grande transtorno para o futuro acadêmico do docente. E não só.

É nesse contexto que Immacolata assume o tema “comunicação de massa e marginalidade” e começa a investir na pesquisa cujo objetivo consiste em “estu-dar os efeitos ideológicos do discurso radiofônico popular sobre as populações marginais que vivem em ambiente urbano” (LOPES, 1988, p. 7). E, para tal, opta pelo estudo de três programas que, naquele momento, eram obrigatoria-mente acompanhados por todos das classes chamadas menos favorecidas e – por que não dizer? – também por outras classes sociais, estas sempre com a desculpa de que conheciam (ouviam) por causa da empregada doméstica de sua casa ou do táxi que apanhavam para ir ao trabalho e que tinham sempre o rádio sintoni-zado nesses programas. Eram eles: Zé Bettio, Gil Gomes e Silvio Santos.

O trabalho foi desenvolvido nas seguintes etapas: Caracterização teórica do estrato marginal (Capítulo I); Caracterização teórica da ideologia (Capítulo II); Análise das condições sociais de recepção do discurso radiofônico popular (Ca-pítulo III); Análise das condições de produção do discurso radiofônico popular (Capítulo IV) e Análise do processo de reconhecimento do discurso radiofôni-co popular (Capítulo V). Todos os capítulos dialogam entre si e formam uma totalidade: a totalidade do processo comunicacional, sendo analisadas tanto a recepção quanto a emissão desses discursos.

Um dos destaques é o primeiro capítulo, visto que vai nos situar no lugar de onde se fará a análise ou, dizendo de outro modo, sobremodaliza toda a pesquisa. Resultado, “em sua totalidade, de um exame conjunto da problemática da mar-ginalidade na América Latina e no Brasil” (LOPES, 1988, p. 13), o referencial teórico que se apresenta é um desfile dos maiores pensadores daquele momento. Mas não desfile de autores e, sim, diálogo entre autores interrelacionando-os à problemática comunicacional. Eis a chave do campo da comunicação.

Fica claro que a marginalidade será vista não como parte “separada” da so-ciedade, como “desajuste temporário das estruturas”, mas como partícipe no sistema de dominação social, ou seja, só existe dominação sobre a base de um setor marginalizado. E, como diz Antonio Gramsci, com trocas permanentes e luta pela hegemonia. Para dar conta dessa discussão, fez-se necessário a “identi-ficação teórica multidimensional de marginalidade”, tendo em vista os objetivos da pesquisa, os quais a autora resume do seguinte modo: “conhecer um tipo particular de discurso (o ‘popular’), produzido por um meio específico de co-municação (o rádio), em seus efeitos sobre modos de participação de um setor social particular (uma população marginal)” (LOPES, 1988, p. 19).

“Urbanização e marginalidade social” – o Capítulo I – constitui-se numa análise que, embora abranja até a década de 1970, merece ser lida e discutida,

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pois possibilita compreender melhor o processo das mudanças históricas que le-vam à realidade socioeconômica da contemporaneidade, bem como o papel dos meios de comunicação. Estamos principiando a era do consumo, e a dimensão ideológica, segundo este quadro teórico, pode ser apreendida utilizando-se o conceito de efeito-demonstração ampliado, para o qual a autora cita Gunnar Myrdal (apud LOPES, 1988, p. 28):

quando as pessoas entram em contato com mercadorias ou formas de consumo superiores, com novos artigos e novas maneiras de satisfazer velhas necessidades, estarão, depois de algum tempo, dispostas a sentir um certo desassossego e insatisfação. O seu conhecimento é ampliado e é estimulada a imaginação, novos desejos são despertados e a propensão para consumir se eleva.

Os meios de comunicação (bem como a educação) são os veiculadores do “efeito-demonstração” dos padrões de vida superiores dos países industrializa-dos. Destaque-se ainda a discussão dos meios de comunicação e seu papel no sentido da agudização das contradições sociais, quer seja no nível ideológico e político, quer seja no sentido de estimular a migração. Ocorre que, paralela-mente, os meios de comunicação educam. A população rural, que foi obrigada a deslocar-se para a cidade, começa a aprender comportamentos, modos de acesso a bens (como o serviço médico, que inexistia no campo), escolas (em ger al com possibilidades de chegar até elas, pois já não distavam quilômetros), telefone, etc. É o processo de urbanização para o qual colaboram os meios.

Essas discussões tornam-se aprofundadas no Capítulo II, que tem como tí-tulo “Caracterização teórica da ideologia”. Aqui, tem lugar a abordagem da co-municação de massa, a qual será tratada a partir tanto de seu “sentido imanente quanto de elementos que condicionam do exterior sua produção, distribuição, consumo, deixando suas marcas inscritas no próprio interior do processo de co-municação” (LOPES, 1988, p. 35). E, sobretudo, as relações ideologia-estrutura e história. Temos aqui uma abordagem de Louis Althusser, da qual a autora retira reflexões que se adéquam ao campo e, especificamente, à sua pesquisa. Chamaria a atenção para o fato de ser, ainda, uma das melhores abordagens das relações Althusser-campo da comunicação.

Além de Claude Lévi-Strauss e Karl Marx, esse capítulo também traz em destaque as contribuições de Edgar Morin e Eliseo Verón, sem esquecer Algirdas Greimas, culminando nas figuras que encerram a abordagem:

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293Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Figura 1 – Sistema ideológico e modo de produção

Fonte: Lopes (1988, p. 50)

Figura 2 – Sistema ideológico e manifestação ideológica

Fonte: Lopes (1988, p. 52)

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No Capítulo III – “As condições sociais de recepção do discurso radiofônico popular: a caracterização empírica do estrato marginal” –, fica estabelecido cla-ramente o objeto da pesquisa: “o discurso popular de rádio que circula na reali-dade social na forma de materialidade significante auditiva ou discurso falado” (LOPES, 1988, p. 57). Aborda, então, o discurso em seu processo de produção--circulação-consumo, uma vez que busca apresentar as relações discurso-ideolo-gia. Assim sendo, a autora lembra:

o princípio básico acerca do fenômeno ideológico, segundo o qual a ideologia não consiste em propriedades internas à mensagem, mas num sistema de relações entre a mensagem, de um lado, e as condições de sua produção (engendramento), circulação e consumo (recepção ou reco-nhecimento), de outro. O conteúdo do conjunto destas condições é sem-pre de ordem social e histórica e é altamente pertinente à investigação da CM [comunicação de massa] porque deixa suas marcas no interior da mensagem (LOPES, 1988, p. 56).

A autora defende o critério de classe social como o que autoriza a análise ideológica das mensagens. “Este critério é extratextual e se funda na diferen-ciação social: são as condições de recepção, que correspondem a uma situação empírica de classe, que conferem um caráter diferencial aos discursos” (LOPES, 1988, p. 57). Aborda, então, as estratégias metodológicas da pesquisa empírica, pelas qual buscou identificar os efeitos de sentido do discurso radiofônico popu-lar problematizando as abordagens diversas que se deparam com o fenômeno da marginalidade urbana no âmbito das ciências sociais. Marginalidade com-preendida aqui como possuidora de características complexas e “que se inserem no sistema social inclusivo na forma de exclusão integrada” (LOPES, 1988, p. 99). Na sequência, apresenta os dados levantados na identificação das condições de existência em contextos de marginalidade social, desde aqueles relativos a trabalho e renda até a definição de categorias como condição de migrante, situ-ação ecológica, consumo material, formas de participação política e a situação social junto às agências de socialização como a família, a escola e os meios de comunicação de massa.

No Capítulo IV – “As condições de produção do discurso radiofônico po-pular: rádio, programação e classe social” –, é apresentado um panorama do contexto de produção do conjunto de discursos radiofônicos denominados populares, “cujas condições de produção mantêm relações com a marginalida-de enquanto situação de recepção destes discursos” (LOPES, 1988, p. 99). Ao problematizar o fato de esses discursos serem produzidos e dirigidos preferen-

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cialmente para as populações marginais, a autora mostra que são reveladores de uma estrutura popular e que “apontam para alguns processos de ordem social e ideológica que estão na base das condições de produção deste discurso” (LOPES, 1988, p. 99). A partir de dados quantitativos, identifica os índices de audiência radiofônica e as preferências populares com relação às emissoras, os programas e seus gêneros, sobretudo o sertanejo identificado no programa de Zé Bettio; o policial de Gil Gomes e o de variedades com Silvio Santos.

O capítulo apresenta ainda uma reflexão acerca dos efeitos de sentido produzi-dos nos três programas (destacados anteriormente) em relação ao contexto ins-titucional da produção do discurso radiofônico popular, a partir de uma pers-pectiva histórica que toma como objeto o caso da Rádio Record, fundada em 1932, no estado de São Paulo. Na sequência, encontra-se um belo mapeamento das estratégias discursivas articuladas pela produção (engendramento) nos três diferentes gêneros radiofônicos (sertanejo, policial, variedades), pontuando as operações de significação que mobilizam as audiências em setores populares com o uso de apelos textuais, verbais, musicais e demais efeitos sonoros.

Intitulado “O processo de reconhecimento do discurso radiofônico popu-lar”, o último capítulo oferece uma ampla reflexão sobre os resultados alcança-dos na observação do objeto específico da investigação: os efeitos de sentido (ou efeitos ideológicos) do discurso radiofônico popular. E afirma:

ambos os processos de produção e consumo mantêm vínculos com os me-canismos de base do funcionamento social, isto é, entrelaçam-se com as práticas econômicas e as práticas políticas expressas pelas diferentes classes sociais. O que se manifesta na forma de investimento de sentido nas ma-térias significantes, tanto na sua produção como no seu reconhecimento; é um trabalho semiótico como modalidade do trabalho social [...]. Isto porque todo reconhecimento engendra uma produção e toda produção resulta de um sistema de reconhecimento (LOPES, 1988, p. 127).

Nas páginas seguintes, a autora elabora uma reflexão sobre os esquemas sig-nificantes dos discursos radiofônicos populares como “materialidade significan-te” a partir do uso da voz, do ruído, a estrutura da narrativa e de seus conteúdos. E demonstra como ocorrem os processos de reconhecimento, ou seja, os discursos agora produzidos pelos ouvintes na condição de receptores de cada um dos programas analisados.

Nas conclusões, temos uma surpreendente articulação de todas as dimensões constitutivas do debate. Como diz a autora, trata-se de “uma breve sistematiza-ção das principais teses da pesquisa” (LOPES, 1988, p. 188). São apresentados

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os argumentos que oferecem uma compreensão (que não pretendeu ser gené-rica) dos processos ideológicos da comunicação de massa, desde a identificação das condições de marginalidade social até chegar “ao esclarecimento das opera-ções de sentido presentes no interior do discurso radiofônico popular” (LOPES, 1988, p. 188). Nesse jogo, “as condições de recepção têm a maior importância, pois só em relação a elas é que o discurso pode realizar a sua eficácia simbólica e ser efetivamente incorporado às práticas sociais de determinada população” (LOPES, 1988, p. 188). Por fim, é destacado que o consumo das mensagens não é um processo passivo “mas implica um novo investimento de sentido in-tegrado no conjunto das condições concretas de existência marginal” (LOPES, 1988, p. 189).

A leitura desse livro de Maria Immacolata Vassallo de Lopes nos surpreende pelo seu caráter absolutamente precursor. Afinal, é preciso lembrar que, quando foi elaborado, não havia em circulação o grande número de pesquisas que hoje alimentam o debate em torno das audiências e seus modos de recepção, usos e consumo dos discursos midiáticos. Estamos, portanto, diante de um trabalho que de modo muito antecipado, em 1983, já indagava sobre a problemática da comunicação a partir de uma visão integral que não exclui a importância de se levar em consideração cada uma das dimensões constitutivas do processo, a saber: produção, circulação e recepção. Um argumento epistemológico que se consolidou com a difusão das teorias latino-americanas das mediações. E é uma bela evidência de que a preocupação com a atividade das audiências, seus modos de reconhecimento e de resistências, já se apresentava na América Latina em paralelo à emergência dos Estudos Culturais na Inglaterra.

Referências

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginalidade social. São Paulo: Loyola, 1988.

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297Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Obra pioneira e matricial nos estudos em Comunicação

Richard Romancini1

O livro Pesquisa em Comunicação, publicado em 1990, deriva da tese de doutorado de Maria Immacolata Vassallo de Lo-pes, defendida dois anos antes, no Programa de Pós-Gradu-ação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP)2. A comparação entre a tese e o livro evidencia poucas diferenças. A principal alteração, em termos de con-teúdo, é que a tese possui uma introdução maior, em que a autora destaca a inserção do trabalho em sua trajetória, des-crevendo os caminhos que a levaram a encontrar seu objeto de pesquisa. Nota, assim, que o modelo metodológico (MM) exposto na tese nascera de “uma longa prática de docência na disciplina de Metodologia da Pesquisa e da experiência em projetos de pesquisa empírica” (LOPES, 1988, p. 13). Nessa perspectiva, a autora informa que a formulação do modelo foi gradativa. Iniciou-se como uma proposta de “ro-

1. Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pesquisador do Centro de Estudos do Campo da Comunicação, na mesma instituição.

2. O trabalho foi orientado pela professora Sarah Chucid Da Viá. A banca de avaliação foi composta, além da orientadora, pelos pro-fessores Maria de Lourdes Manzini Covre, Dilma de Melo Silva, Carlos Eduardo Machado Junior e Mauro Wilton de Sousa. A defesa ocorreu em junho de 1988.

6.1LOPES

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teiro” para a leitura interna de pesquisas em Comunicação. Havia, então, uma intencionalidade pedagógica, de modo que os estudantes realizassem leituras críticas de investigações, ultrapassando a compreensão do discurso manifesto, para apreender a construção do discurso científico. Depois, o roteiro passou a ser utilizado como guia para o planejamento e execução de pesquisas empíricas de caráter didático3.

O interesse em teorizar a experiência, a partir da observação que o instru-mento mostrava-se útil no ensino e na prática da pesquisa, culmina na tese e no MM. Este foi aplicado a um conjunto de dezenove teses de pesquisa em Comunicação, do programa de pós-graduação da USP, de modo a testar a sua validade. A análise, entretanto, não é exposta na tese ou no livro, uma vez que a autora decidiu (palavra-chave de sua concepção metodológica) concentrar seus esforços na exposição do modelo em si. Como Lopes (1990, p. 140) discute, em seu modelo metodológico, o critério principal para julgar as opções do pes-quisador é a própria prática da pesquisa, que, “em última instância, testa e julga toda a estratégia de investigação montada pelo pesquisador”. Desse ponto de vista, observa-se que a elisão das análises das teses não representa prejuízo; ao contrário, concentra o trabalho científico na discussão da proposta do modelo com o aprofundamento necessário.

Atualmente, o livro está na décima primeira edição. Ao longo dos anos, a principal modificação sofrida pelo volume foi o acréscimo de uma apresentação escrita por Octavio Ianni, na sexta edição, de 2002. O número significativo de tiragens é um primeiro indicador da importância do trabalho na área acadêmica da Comunicação brasileira, mas também em outros países, particularmente no âmbito ibero-americano. Porém, outros fatos e dados demonstram e ajudam a entender a relevância do trabalho. Vale a pena expô-los, antes de discutir carac-terísticas internas do livro, relacionadas à sua recepção duradoura:

• De início, destaca-se o pioneirismo da discussão metodológica do tra-balho. Trata-se de um ponto de vista amplo sobre a pesquisa comuni-cacional, com a proposta de um modelo metodológico original para a mesma. A literatura metodológica utilizada pelos pesquisadores brasi-leiros, quando o trabalho de Lopes surgiu, era composta, de maneira geral, por traduções (muitas vezes das Ciências Sociais, sem maior en-

3. Outras informações sobre a relação entre aspectos biográficos e a elaboração do modelo metodológico são dadas por Lopes numa entrevista à Revista Latinoamericana de Cien-cias de la Comunicación (MALDONADO & ROMANCINI, 2012).

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foque comunicacional). A produção e as discussões metodológicas em Comunicação mais importantes, no contexto local e latino-americano, ao longo da década de 1980, estavam relacionadas à “pesquisa-ação”. Como nota Marques de Melo (1983, p. 7), o início da década mencio-nada marca uma transição da “pesquisa denúncia à pesquisa-ação”, no Brasil. Assim, o pioneirismo do trabalho quanto ao seu objeto fez com que ele se tornasse um recurso importante para o desenvolvimento da identidade acadêmica da pesquisa na área. As palavras de Ianni (2002, p. 12), na apresentação do livro, destacam esse ponto, ao notar que ele constitui, ao mesmo tempo, uma contribuição à metodologia da pesqui-sa em Comunicação e à “consolidação da problemática da comunicação como campo de ensino e pesquisa”.

• Verifica-se que, na vasta obra de Lopes, com mais de 150 trabalhos, en-tre livros, capítulos de livros e artigos científicos publicados em revistas, Pesquisa em Comunicação é a publicação mais citada. De acordo com dados do Google Acadêmico4, o livro atinge 546 citações, enquanto o segundo trabalho mais citado, o livro Vivendo com a telenovela (LOPES, BORELLI & RESENDE, 2002), possui 128.

• É possível notar, de acordo com os dados do próprio Google Acadêmi-co, que os trabalhos que citam o livro são diversificados, em termos de áreas e temáticas de estudo. Desse modo, se, por um lado, predominam textos das Ciências da Comunicação, por outro, nota-se que o livro é também utilizado em trabalhos de áreas mais ou menos conexas, como Ciências da Informação e Museologia, bem como Educação, Ciências Sociais, Saúde, entre outras.

• Em 2003, o livro Pesquisa em Comunicação foi traduzido para o espa-nhol e publicado no México, pela editora Esfinge (LOPES, 2003a).

• A pesquisadora brasileira Lucia Santaella (2001, p. 12) observa, em seu livro de metodologia, também voltado à pesquisa em Comunicação, que, ao escrevê-lo, não teve a pretensão de “substituir a excelência da reflexão realizada por Lopes”. Assim como, para fugir de “certa angústia da influência”, buscou dar ao seu trabalho uma feição complementar ao estudo da autora mencionada.

4. Disponível em: <http://scholar.google.com.br/citations?user=-27_xBUAAAAJ&hl=pt--BR>. Consulta realizada em 20 de novembro de 2013.

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• Os estudiosos que se aprofundam no trabalho de Lopes não têm dificul-dade em notar a posição nuclear e germinadora que Pesquisa em Comu-nicação possui na obra da autora. É um livro que marca um momento de autoria reflexiva que é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada in-telectual e de partida para novas investigações. Desse modo, se a análise interna da obra, como se discutirá na sequência, pode revelar aspectos datados, estes foram atualizados em estudos posteriores feitos pela pes-quisadora.

Estrutura do trabalho

Pesquisa em Comunicação combina características de difícil compatibilidade em trabalhos científicos: cobre a matéria de maneira ampla, mas é um livro re-lativamente sintético5, e apresenta uma discussão complexa com preocupações didáticas. Nessa perspectiva, é interessante o comentário de um pesquisador espanhol que, ao defender que a Comunicação Política adote um método que supere atalhos positivistas e “criticistas” (quando a pesquisa é reduzida a um receituário de tarefas triviais), nota que

o texto introdutório que de maneira mais didática e acessível – dentro de sua complexidade – combina esta perspectiva epistemológica com in-dicações para levá-la à prática na investigação social – a metodologia – é o de Vassallo de Lopes, 1990 (MARTÍNEZ NICOLÁS, 2007, p. 222, tradução nossa).

O livro começa com uma introdução (“Comunicação, pesquisa e metodolo-gia”) que contextualiza o trabalho, notando seu teor ao mesmo tempo histórico – já que o objeto comunicação corresponde à atualização de aspectos superes-truturais da sociedade – e metodológico. Também são firmadas três questões que fornecem diretrizes ao estudo. A primeira esclarece a compreensão da Co-municação como campo disciplinar que estuda os fenômenos da comunicação na sociedade contemporânea e que se autonomiza dentro da grande área das Ciências Sociais e Humanas. A segunda ressalta que, devido ao caráter histó-rico dos fenômenos, estes devem ser estudados dentro dos marcos contextuais

5. A primeira edição possui 148 páginas. As mais recentes, com o acréscimo da apresenta-ção de Ianni e novo projeto gráfico, possuem 171 páginas.

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mais amplos (social, político, econômico e cultural) que os envolvem. A última questão nota as fragilidades metodológicas da pesquisa em Comunicação. Para a autora, a preocupação dos investigadores brasileiros com a teoria tendia a relegar a metodologia ao segundo plano.

Em relação à estrutura dos capítulos propriamente ditos, percebe-se que a obra possui duas partes em que estes podem ser agrupados. A primeira, cons-tituída pelos três primeiros capítulos, aborda as condições de produção do dis-curso científico em Comunicação, tendo em vista salientar os fatores extratex-tuais (sociais e institucionais) e textuais (científicos) que condicionam a sua produção. Por tal razão, essas dimensões são importantes para a formulação do modelo metodológico. A segunda parte do trabalho, compreendendo os quatro últimos capítulos, apresenta e discute o MM.

O primeiro capítulo (“Mercado cultural no Brasil e pesquisa em Comunica-ção”) analisa como se deu a formação do mercado cultural massivo no país, que estimulou o estudo da comunicação de massa. Discute também a necessidade de entender os modos como, nas relações entre o massivo e o popular, exercem--se hegemonias. Depois, é apresentada uma periodização da constituição do mercado de bens culturais brasileiro. Lopes demarca, na constituição do mer-cado cultural, duas grandes etapas de desenvolvimento, uma “nacional” e outra “transnacional”.

O segundo capítulo (“Paradigmas teórico-metodológicos e pesquisa em Co-municação”) discute os determinantes do processo de investigação na dimensão especificamente científica. Aborda, assim, os paradigmas que presidiram o de-senvolvimento das Ciências Sociais, examinando a transposição dos mesmos na pesquisa em Comunicação. Os paradigmas são vistos, a partir de Thomas Kuhn, como “tipos de consciência possível, [que] se traduzem em sistemas teóricos dis-tintos sobre a realidade social” (LOPES, 1990, p. 33), relacionando-se aos tem-pos históricos que procuram explicar e do qual são expressões. Os paradigmas tradicionais das Ciências Sociais são o funcionalista, o marxista e o weberiano. Os dois primeiros tiveram mais influência na pesquisa comunicacional e são, por isso, analisados em suas atualizações históricas. Outra discussão importante do capítulo é quanto à adesão desses paradigmas ao contexto científico da Amé-rica Latina, marcado pela dependência científica. Essa preocupação em refletir a partir de uma localização específica dá ao trabalho, como nota Corral C. (2005, p. 322-323, tradução nossa), uma “visão latino-americana” sobre o tema:

Preocupações centrais da autora são, com efeito: Como fazer ciência so-cial e, em particular, ciência da comunicação, na América Latina? Com quais instrumentos? E, afinal de contas: com qual metodologia? É pos-

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sível pensar numa autonomia científica nos países de Nossa América? [...] Preocupação e interesse pelo regional. Sem prejuízo ou descaso pelo universal.

O terceiro capítulo examina aspectos de ordem institucional que incidem sobre a produção da pesquisa comunicacional. Relacionam-se, portanto, à rea-lidade mais próxima à pesquisa científica, ligada principalmente à universidade na América Latina e no Brasil. São analisadas as políticas universitárias para a investigação, a formação docente (e discente) para a mesma e a avaliação desta atividade, no país. O exame das condições institucionais é complementado por um breve estudo da pós-graduação em Comunicação da USP.

Iniciando a discussão do modelo metodológico, o quarto capítulo (“Proble-máticas metodológicas na prática da pesquisa em Comunicação”) apresenta a dupla concepção de metodologia (como teoria e como prática), que organiza a reflexão da autora. O capítulo também esclarece a concepção epistemológica que preside a construção do MM, isto é, a epistemologia histórica de Gaston Bachelard, que

levou a uma mudança profunda no domínio da epistemologia com a simples proposição de que qualquer ciência particular produz, a cada passo de sua história, as suas próprias normas de verdade e, portanto, os princípios de cientificidade operam internamente à prática cientifica (LOPES, 1990, p. 78).

Por isso, a autora nota que dois princípios regem a construção do modelo: 1) o método é inseparável das investigações em que é utilizado, e 2) a reflexão metodológica é uma atividade fundamental para o pesquisador, quando realiza suas investigações.

A compreensão da pesquisa como um campo dinâmico contextualiza a sua representação como estrutura e como processo, de modo que o espaço metodoló-gico pode ser organizado, conforme a proposta de Lopes, em níveis, de natureza “vertical”, e fases, de tipo “horizontal”. Os primeiros são descritos em termos de suas dimensões epistemológica, teórica, metódica (instância do método) e técnica. Já as fases ou momentos da pesquisa remetem à definição do objeto, observação, descrição e interpretação.

Aspecto também importante desse capítulo é a compreensão não tecnicista ou reducionista dado ao método (metodologia na pesquisa), de modo que ele é definido “como uma série de opções, seleções e eliminações que incidem sobre todas as operações metodológicas no interior da investigação” (LOPES, 1990,

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p. 87). Desse entendimento decorre a necessidade de estabelecer critérios que balizem as decisões. A partir da ênfase no caráter reflexivo da prática metodoló-gica, Lopes discute três critérios, por ordem de importância: o epistemológico, o propriamente metodológico e o operacional.

O quinto capítulo do livro (“Modelo metodológico: leitura e prática da pes-quisa”) explicita como a noção de “modelo” é entendida no discurso científico, discutindo a proposta realizada sob um duplo teor: conceitual (instrumento de leitura) e analítico (modelo de prática metodológica),

O sexto e o sétimo capítulos fazem a proposição detalhada do modelo meto-dológico, sendo que o primeiro deles (“Modelo metodológico: as instâncias da pesquisa”) discute os níveis da investigação, e o segundo (“Modelo metodológi-co: as fases da pesquisa”), suas fases. Aspecto fundamental da discussão, quanto aos níveis da pesquisa, é a ênfase na “ruptura epistemológica”, isto é, a crítica das noções de senso comum e a necessária dissociação entre o objeto real e o objeto científico. Este, e aqui a autora retoma Bachelard, é uma construção do pesquisador, contra as ilusões do saber imediato. Ainda que as questões episte-mológicas e teóricas incidam, sobretudo, em fases como a definição do objeto, Lopes salienta a necessidade de que mesmo as dimensões mais “técnicas” da pesquisa sejam controladas por uma “vigilância epistemológica” que deve favo-recer a articulação entre os níveis teóricos e empíricos da investigação. Tanto o “empirismo” quanto o “teoricismo”, na pesquisa empírica, são criticáveis.

Na conclusão, a autora ressalta as implicações de seu estudo para uma pe-dagogia crítica da pesquisa, além de sintetizar os pontos básicos do modelo metodológico. Observa ainda que, ao formalizar a experiência da pesquisa, construindo o modelo, termina, querendo ou não, dando ao mesmo um teor normativo. No entanto, observa que sua noção de pesquisa “reside essencial-mente num trabalho metodológico aberto e crítico” (LOPES, 1990, p. 137). Isso, sem dúvida, faz com que sua proposta tenha uma dimensão não dogmáti-ca, reflexiva e, portanto, muito diferente dos trabalhos que reduzem a metodo-logia a um receituário.

Avanços e desenvolvimentos

O modelo metodológico proposto no trabalho foi utilizado, na sua dimen-são de instrumento para reconstrução de investigações, em estudos que busca-ram analisar pesquisas científicas empíricas – por exemplo, Escosteguy (1993) –, bem como tem servido à construção de diversas investigações. Mesmo pes-quisas que realizam análises de investigações teóricas têm sido feitas a partir do

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modelo proposto por Lopes. A pesquisadora mexicana Cecilia Cervantes Barba (1992) adaptou-o, nesse sentido, para estudar o tratamento do conceito de me-diação pelos teóricos Manuel Martín Serrano, Jesús Martín Barbero, Guillermo Orozco Gómez e Enrique Sánchez Ruiz. No entanto, trabalhos com discussões sobre esse tipo de operação (uso do modelo para pesquisa empírica em análises teóricas) seriam úteis. São, por isso, uma sugestão válida a outros pesquisadores.

Certamente o componente pedagógico que a autora enfatizou em sua pro-posta enseja reconstruções e usos do trabalho em práticas de pesquisa em cursos de graduação e pós-graduação do campo da Comunicação, auxiliando a forma-ção geral e em pesquisa de estudantes. Esse aspecto ajuda a explicar o número elevado de edições alcançado até o momento. Lopes, por sinal, continuou a enfatizar a importância, no ensino da área, de pedagogias nas quais o compo-nente investigativo esteja presente (LOPES, 2003b) e a perspectiva da autora influencia reflexões sobre o tema da formação do estudante como pesquisador em Comunicação (PORÉM & GUARALDO, 2011, BONIN, 2012).

Pesquisa em Comunicação, de certo modo, antecipou pontos de uma agenda de investigação realizada pela autora e outros pesquisadores. Pode-se ler, assim, o comentário em que a autora nota o “quão pouco se sabe sobre as reapropria-ções ou decodificações que as classes populares fazem dos produtos da Indústria Cultural” (LOPES, 1990, p. 27). Muitos investigadores acabaram se voltando a essa questão. Outra observação relevante é sobre a “valorização do cultural”, no primeiro capítulo. Assim, o trabalho nota que a cultura, embora não substitua a política, tornou-se um espaço revelador de dimensões do conflito social e da questão nacional, conformando o próprio debate sobre a identidade nacional. A trajetória de investigação de Lopes, envolvendo temas como a articulação entre a ficcionalidade televisiva e a identidade nacional, enfocada em vários de seus estudos recentes, parece quase anunciada em avaliações desse tipo.

Há aspectos do livro datados, principalmente, como é natural, no que con-cerne a questões históricas. Mas nessa dimensão observa-se que houve continui-dade de estudos, que possuem relação direta com as discussões de Pesquisa em Comunicação, por parte da autora. É o caso, por exemplo, das análises sobre o mercado cultural brasileiro, em que a pesquisadora adicionou um último estágio caracterizado pelo processo de “globalização” (LOPES, 2000), em sua periodi-zação. Também os estudos sobre as características institucionais da pesquisa, em particular no que diz respeito à pós-graduação, foram tema de desdobramentos analíticos por parte de Lopes (2012b). Vale notar, aliás, que o livro discute um momento em que o número de programas de pós-graduação brasileiros da área de Comunicação era de apenas cinco (USP, UFRJ, PUC-SP, UMESP e UnB), sendo, hoje, mais de quarenta.

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Pode-se notar, ainda sobre os desdobramentos reflexivos do trabalho, que a perspectiva de análise da Comunicação a partir da proposta de uma Sociologia do Conhecimento, ancorada em Pierre Bourdieu, que dá forma a uma crítica epistemológica, foi ampliada. Isso se deu, particularmente, com o uso da teoria dos campos sociais, aplicada ao “campo da Comunicação” e às discussões sobre seu estatuto disciplinar (LOPES, 2000-2001). Questão estreitamente relacio-nada a esta diz respeito aos paradigmas científicos, na qual a reflexão da autora tende a dar continuidade a um aspecto apontado em Pesquisa em Comunicação: a relação entre tempo lógico e tempo histórico, na produção do conhecimento. “É preciso ressaltar que o método em ato não somente se move num tempo lógico, mas mantém relações, implícitas ou explícitas, com o tempo histórico do objeto, que nas Ciências Sociais e Humanas é fundamentalmente dinâmico, mutável e descontínuo”, observara Lopes (1990, p. 100). Nesse sentido, as dis-cussões da autora, no contexto da “crise de paradigmas”, sobre o possível exercí-cio do paradigma da complexidade (Morin), do paradigma do sistema-mundial (Wallerstein) ou da globalização (Ianni), nos estudos de Comunicação (LOPES, 2004), mostram atualizações de seu pensamento, e não ruptura.

Da mesma forma, as discussões feitas pela autora sobre temas como a “re-flexividade” no trabalho da pesquisa (LOPES, 2012a) e quanto ao “que há de novo na metodologia da pesquisa de recepção com os novos meios” (LOPES, 2011, p. 413) têm sentido de prolongamento em relação às posições teórico--metodológicas expressas no livro Pesquisa em Comunicação. Isso porque são claras as conexões que Lopes continua a fazer entre a epistemologia e a meto-dologia da pesquisa, por exemplo, quando ressalta a “dimensão comunicacio-nal do trabalho de campo como um assunto epistemológico e uma categoria de análise a ser explicitada e objetivada, atendendo a seu caráter situacional e dinâmico, produto da ação dos sujeitos em interação” (LOPES, 2012a, p. 24, tradução nossa).

Em outros termos, o caráter crítico e aberto da reflexão metodológica da autora, assim como do modelo metodológico proposto por ela, é capaz de incorporar, sem incoerências, questões que correspondem a novas zonas de complexidade do objeto da produção científica em Comunicação. O que ela comenta recentemente sobre os novos objetos da área é uma observação que está implícita no seu livro, em favor de uma compreensão não dogmática e possivelmente criativa do método: “a abordagem de novos objetos de estudo leva a uma série de mudanças metodológicas, reforçando mais uma vez que é o método que é colocado a serviço dos objetos e não o seu contrário” (LOPES, 2011, 424-425).

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Rumo a leituras futuras

Antes de sintetizar uma avaliação sobre a importância de Pesquisa em Comuni-cação no campo de estudos, comentando suas possíveis apropriações, é válido notar que o trabalho possui certa “linha de continuidade” em relação ao plano da reflexão metodológica efetuada na escola uspiana de Sociologia. Embora a autora amplie o arco de referências em seu trabalho, valendo-se das considerações de Bachelard, Bourdieu e outros, a leitura dos textos metodológicos de Florestan Fernandes revela similaridades reflexivas. É possível associar, claramente, ao livro de Lopes, uma ob-servação como a seguinte: “Os chamados debates metodológicos só são prejudiciais ou inúteis quando se voltam para questões meramente especulativas ou quando são desenvolvidos com ânimo dogmático, divorciando-se de temas e problemas de significação científica” (FERNANDES, 1978, p. x). Ianni (2002, p. 12), ao escre-ver a apresentação do livro, parece notar esse aspecto, ao referir-se ao sentimento gratificante de perceber no estudo metodológico da autora “ressonâncias de um trabalho intelectual passado, que se vivifica e enriquece no presente”.

Em síntese, numa avaliação sobre a obra da autora, podemos concordar com Maldonado (2002, on-line), que afirma: “Os trabalhos pioneiros de Maria Im-macolata Lopes, no campo da comunicação, no Brasil, têm sido um marco suscitador das pesquisas, debates, reformulações e prospectivas sobre um fazer metodológico responsável com as fundamentações epistemológicas”. Acrescen-tamos a esse comentário, porém, que o livro Pesquisa em Comunicação destaca--se quanto ao que é dito.

Projetando um traçado entre passado, presente e futuro, talvez não seja exa-gerado afirmar que, na “juventude” das Ciências da Comunicação no Brasil, o livro em questão constitua um clássico da disciplina. Ou seja, é o tipo de trabalho cuja leitura é incontornável, sendo capaz de sugerir diferentes ideias e interpretações; ajuda os pesquisadores a entender o campo em que se situam e a pensar em caminhos para o mesmo. Enfim, convida os estudiosos da Comuni-cação a “atualizá-lo” na sua prática e em suas reflexões.

Referências

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307Maria Immacolata Vassallo de Lopes

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309Maria Immacolata Vassallo de Lopes

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Para abrir as Ciências da Comunicação: engendramento do campo e reflexivida-de epistemológica e metodológica

Roberta Brandalise1

As reflexões sobre epistemologia e metodologia da Comu-nicação medeiam de forma marcante o conjunto da obra de Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Isso se evidencia desde sua pesquisa de doutorado, defendida em 1988 e publicada dois anos depois, no clássico livro Pesquisa em Comunicação (LOPES, 1990).A importância e a permanência desse estudo, no qual forma-lizou um modelo metodológico para pesquisa em Comuni-cação, fez germinar uma série de produções científicas que contribuíram para o acúmulo de capital epistêmico no re-servatório teórico-metodológico do campo da Comunicação. A própria pesquisadora, em trabalhos de 2003 e de 2010, sintetiza em boa medida as suas reflexões acerca da proble-mática epistemológica e metodológica no campo da Comu-nicação. Por isso, enfatizaremos essas produções para expor como o seu pensamento participa da tessitura da história de tal campo com respeito a esses aspectos.

1. Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Es-cola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA--USP). Professora do curso de Comunicação Social da Faculdade Cásper Líbero (FCL) e da Universidade de Santo Amaro (Unisa).

6.1LOPES

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Em 2003, organizou o livro Epistemologia da Comunicação (LOPES, 2003a), que socializa 19 textos sobre essa área de estudos, inclusive o seu “Sobre o esta-tuto disciplinar do campo da Comunicação” (LOPES, 2003b), que explicita a abordagem da pesquisadora sobre esse campo científico.

Todas as produções que compuseram o livro foram originalmente apresen-tadas no III Seminário Interprogramas da Pós-Graduação em Comunicação. O evento foi realizado no ano anterior ao de publicação, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e em ação conjunta com a Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Com-pós). O livro, publicado pelas Edições Loyola, integra a Coleção Comunicação Contemporânea, dirigida pela própria Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de-senvolvida com o objetivo de reunir textos de autores que contribuem de forma inovadora para os debates do campo da Comunicação na contemporaneidade.

Em 2010, junto com José Luiz Braga e Luiz Claudio Martino, organizou o livro Pesquisa empírica em Comunicação (BRAGA, LOPES & MARTINO, 2010), que socializou 18 textos sobre o tema. Publicado pela editora Paulus, in-tegra a Coleção Comunicação e foi o Livro Compós 2010. Nele, a autora publi-ca o texto “Reflexividade e relacionismo como questões epistemológicas na pes-quisa empírica em Comunicação”, no qual sintetiza algumas de suas principais reflexões acerca de epistemologia e metodologia em Ciências da Comunicação. É relevante destacar que esse mesmo texto teve sua versão em espanhol publica-da na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (LOPES, 2012).

Ao nos debruçarmos sobre as produções de 2003 e de 2010, acerca da te-mática abordada, não podemos deixar de nos remeter ao livro Pesquisa em Co-municação, que representou um marco para a história do campo. Isso porque compreendemos que a recepção de suas obras posteriores, acerca de questões epistemológicas e metodológicas, está atrelada ao impacto desse primeiro livro, que desde seu lançamento participou da iniciação de gerações de pesquisadores, especialmente brasileiros, no campo da Comunicação.

Por essa razão, estabelecemos o diálogo com Para abrir as Ciências Sociais, obra seminal, coordenada por Immanuel Wallerstein (1996), que aborda a construção histórica das Ciências Sociais, expondo o relatório da Comissão Gulbenkian sobre a reestruturação desse campo. Utilizamos o diálogo para afir-mar que, para abrir as Ciências da Comunicação, o pensamento de Lopes acerca do engendramento do campo científico e da necessidade de reflexividade epis-temológica e metodológica na produção científica, que desde a formalização do modelo metodológico é tema de suas reflexões, segue relevante e é especialmen-te importante para aqueles que adentram o campo.

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Um marco na história do campo da Comunicação: a produção cien-tífica criativa e a formação de gerações de pesquisadores

Ao estudar a história de nosso próprio campo de pesquisa, nos deparamos com o trabalho criativo de Lopes na área de epistemologia e metodologia. Rei-teramos que é possível afirmar que sua produção é relevante para a reflexão crítica e o desenvolvimento do próprio campo da Comunicação, e isso se deve a mais de uma razão: a produção da pesquisadora é mais criativa do que repro-dutiva; existe reconhecimento dos pares em relação ao pioneirismo de Pesquisa em Comunicação; a continuidade e a atualização do conjunto de sua obra se evidenciam pelo volume e pela frequência de produção acadêmica qualificada, como é o caso dos textos de 2003 e de 2010; a popularização de Pesquisa em Co-municação como referência no campo científico pode ser constatada por meio da quantidade de citações no Brasil, e no exterior (via pesquisa bibliométrica ou, mesmo, via Google Acadêmico); a atuação da pesquisadora como uma lide-rança em entidades de pesquisa nacionais e internacionais se verifica ao longo de sua trajetória, desde seu ingresso como docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, da Universidade de São Paulo – nesse âmbito, destacamos sua atuação como presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) e a participação na fundação e na coordenação do Observatório Ibero-americano de Ficção Te-levisiva (Obitel); a participação da pesquisadora no engendramento de uma perspectiva latino-americana em Ciências da Comunicação pode ser percebida pelo reconhecimento dos pares, pela influência do conjunto de sua obra, pela sua participação em eventos científicos internacionais e, mais uma vez, pelo exercício de liderança em entidades de pesquisa de colaboração internacional.

Entre outras razões, precisamos destacar, sobretudo, a coerência de sua traje-tória acadêmica em pesquisa e ensino. Isso porque parece-nos que essa coerência é basilar para o desenvolvimento de todas as razões supracitadas que indicam Lopes como uma autoridade científica relevante em sua área de atuação. Aspec-to esse que pudemos atestar de primeira mão. Aprendemos com ela a explicitar a relação prévia com o objeto de estudo, a fim de concretizar a vigilância epis-temológica sobre a produção do discurso científico. Portanto, é preciso pontuar que integramos o seu alunado2. E, ao nos debruçarmos sobre seus textos acerca

2. No ano de 2003, cursamos Metodologia da Pesquisa em Comunicação, com a profes-sora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.

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de epistemologia e metodologia da Comunicação, não pudemos deixar de ouvir a “professora Immacolata” em nossa memória.

A consistência e a coerência do trabalho de Lopes nos estudos sobre epis-temologia e metodologia foram cultivadas ao longo de seu percurso no campo da Comunicação. Desde 1979, quando ingressou como docente na USP, Lopes ensina Teoria e Métodos de Pesquisa e Teoria da Comunicação para a gradua-ção em Comunicação Social. A partir de 1989, com sua tese de doutorado já defendida, tornou-se responsável pelo curso de Metodologia da Pesquisa em Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. Desde então, atua nas linhas de pesquisa Epistemologia, Teoria e Metodologia da Comunicação e Comunicação e Ficção Televisiva.

A experiência no ensino fertilizou sua produção científica, e a prática de pesquisa enriqueceu suas aulas, que não se limitaram à reprodução do conhe-cimento – afinal, seu trabalho criativo implicou a apropriação de autores para exercer a reflexão crítica sobre o engendramento do campo da Comunicação e para a sedimentação dele, ao atentar para o valor da reflexividade epistemológi-ca e metodológica nas pesquisas de Ciências da Comunicação.

Em suas aulas, Lopes constrói o seu pensamento cultivando, entre seus alu-nos, as leituras de Morin – acerca dos estudos de complexidade; Wallerstein – sobre transdisciplinaridade e sistema-mundo; Bachelard – sobre epistemologia histórica; Bourdieu – sobre a noção de campo, capital simbólico e a sociologia da ciência; Giddens – sobre a ação reflexiva (reflexividade); Bauman – sobre a modernidade como ambivalência; Sousa Santos – sobre as perplexidades e a necessidade de fazer conhecimento prudente para uma vida decente; Hall – sobre identidades plurais e o jogo identitário situacional; Ianni – para pen-sar a globalização; Castells – sobre sociedade em rede e comunidades virtuais; Vattimo – sobre sociedade de comunicação; Canclini – sobre culturas híbridas; Martín-Barbero – sobre mediações e o respeito aos produtos populares; e Gra-msci – para pensar sobre engajamento da produção científica, hegemonias e contra-hegemonias.

A professora Lopes, em suas aulas, apropria-se também do pensamento de Florestan Fernandes – que, assim como Octavio Ianni, foi seu professor no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo –, para pontuar a necessidade de saber-se para quem, quando e como se está fazendo pesquisa, para reforçar a im-portância das tradições de um campo, sem deixar que se tornem doutrinas, e para ajustar a relação entre essas tradições e as contribuições contemporâneas, com liberdade imaginativa, mas sem perder a coerência provida pelo rigor científico.

Nos textos de 2003 e de 2010, podemos perceber parte dessas leituras que participaram da formação da pesquisadora e da professora Lopes, e tornaram-se

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leitura obrigatória para seus alunos e orientandos, permeando seus constructos acerca do engendramento do campo da Comunicação e da necessidade de re-flexividade epistemológica e metodológica na prática da pesquisa em Ciências da Comunicação.

As ilusões que precisam ser perdidas: a transparência do real e aneutralidade da ciência

Lopes propõe que, ao fazermos Ciências da Comunicação, partamos do fato de que a ciência não é neutra e de que temos o dever de fazer a crítica à ilusão de transparência do real. Disso depende a própria validação da produção científica.

A partir de Lopes – especialmente por meio do texto de 2010, “Reflexivi-dade e relacionismo como questões epistemológicas na pesquisa empírica em Comunicação” –, depreendemos que é preciso pensar o discurso científico da Comunicação em relação às suas condições de produção, em relação às suas condições de recepção e em relação às suas condições de circulação nas redes de comunicação científica. As condições de produção e de recepção são condições sociais – envolvem um contexto macro, as relações espaço-tempo, as próprias instituições científicas, as especificidades sociais e culturais e o processo históri-co. As condições sociais, aparentemente externas à produção científica, deixam marcas no discurso científico e este pode transformá-las.

Lopes (2010, p. 28) preocupa-se com a participação da produção de conhe-cimento científico na vida social e explica que isso é relevante para a validação externa de uma pesquisa, apontando que a “perspectiva epistemológica deve necessariamente envolver critérios de validação externa”.

De acordo com a autora, as questões internas de uma produção científica envolvem a própria epistemologia, a teoria, a metodologia e a técnica. Elas estão ligadas ao rigor científico validado pelos pares, à fundamentação, à lógica e ao potencial contributivo do discurso científico construído. Lopes (2010, p. 28) preocupa-se com a construção de capital epistemológico na própria produção científica e explica que isso é relevante para a validação interna de uma pesqui-sa, afirmando que a “crítica epistemológica é que rege os critérios de validação interna do discurso científico”.

Para concretizar a crítica à ilusão de transparência do real, e mesmo para validar a pesquisa em relação aos aspectos extra e intracientíficos, propõe-nos assumir atos de reflexividade epistêmica que implicam a realização de rupturas epistemológicas e o exercício da vigilância epistemológica ao longo de todo o processo de produção científica.

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315Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Depois de discutir diversas abordagens que o conceito de reflexividade assu-miu no percurso das Ciências Sociais e Humanas, a autora considera a relevân-cia do conceito como prática social para se pensar a contemporaneidade – tal como Giddens (1991), para quem a reflexividade provoca exames e reformula-ções em práticas sociais. Em seguida, demonstra a importância da reflexividade como prática epistêmica e delimita a forma como aborda esse conceito.

A reflexividade é entendida por Lopes (2010, p. 29) como uma “atitude consciente e crítica por parte do pesquisador quanto às operações metodológi-cas que realiza ao longo da investigação”, devendo se tornar um habitus intelec-tual presente ao longo da realização de toda a pesquisa.

A vigilância implica a autocrítica e a tomada de consciência de que: a escolha do problema de estudo não é neutra, nem a escolha dos autores e dos conceitos que vai se utilizar no desenvolvimento do trabalho científico; as escolhas da amostra, da metodologia e das técnicas de coleta de dados também não são neutras; as próprias técnicas de coleta de dados não são neutras nem intercam-biáveis; e os dados não são meramente coletados, eles são construídos, em boa medida, a partir de todas essas escolhas. A vigilância implica a tomada de cons-ciência disso tudo e mais: é preciso perceber a distância do discurso científico de outros, como o do senso comum, o da arte, o da religião, o da política, etc.; é preciso identificar a distância do objeto real e do objeto da ciência, afinal, o objeto não é dado, ele é construído tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista empírico.

As rupturas implicam a objetivação, a explicitação, a comunicação, a manifes-tação por parte do pesquisador de que ele está consciente disso tudo. A ruptura implica a desnaturalização de todo o processo científico. Na construção do discurso científico deve constar todo esse percurso, essa trajetória de escolhas, delimitações e distanciamentos. Mais do que isso, sobretudo, é necessário assinalar as razões dessas escolhas, deve-se expor os “como e os porquês” que envolvem os aspectos supracita-dos, entre outros que venham a ser relevantes no trabalho científico.

Sobre a construção das reflexões de Lopes (2010) acerca desses aspectos, es-pecialmente sobre o relacionismo e a reflexividade no campo da Comunicação, é válido apontar a apropriação criativa que ela realiza dos constructos teóricos que vinham sendo tecidos na epistemologia histórica de Bachelard (1975; 1977; 1996) e na sociologia da ciência e do conhecimento de Bourdieu (1980; 1983; 1995; 1997)3. A partir dos pilares lançados especialmente por esses autores, ela trabalhou as ideias de relação social de investigação, de campos sociais e campo

3. Ver, também, Bourdieu e Wacquant (1992) e Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999).

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científico, de habitus científico, de tempo histórico e tempo lógico na produção de conhecimento, de separação entre objeto real e objeto científico, de sujeito e objeto, entre outras.

Reflexividade e relacionismo: sujeito e objeto

A reflexividade epistêmica é importante para o fim das ilusões acerca da neutralidade da ciência e da transparência do real, bem como para a validação externa e interna de qualquer pesquisa científica. Por isso, Lopes propõe que os pesquisadores da área de Comunicação atentem para isso ao longo de todo o processo de pesquisa. Além disso, esse é o caminho apontado para fortalecer a produção científica no campo.

Nesse sentido, é preciso destacar a reflexividade acerca da relação sujeito--objeto. A autora adota uma perspectiva racionalista acerca dessa relação, mas rompe com o racionalismo clássico. Ou seja, rompe com o pensamento filosó-fico clássico, presente no idealismo alemão e no pragmatismo: o da separação entre sujeito e objeto (LOPES, 2010).

Sem cair no irracionalismo, ela reserva ao racionalismo o espaço adequado e vai se debruçar sobre a complexidade da relação sujeito-objeto em Ciências da Comunicação. Diferentemente das abordagens epistemológicas tradicionais que discutem a relação epistêmica entre o objeto e o conhecimento, enfatiza a relação sujeito-objeto. A discussão de Bourdieu sobre o relacionismo prevê a relação social entre sujeito e conhecimento, a relação epistêmica entre conheci-mento e objeto e, ainda, a relação objetivada entre sujeito e objeto. Lopes vai se deter na discussão acerca dessa última.

De acordo com a autora, precisamos adotar uma postura não dualista na relação sujeito-objeto, porque ambos são figuras coletivas, são engendrados por sistemas de relações, e, no campo da Comunicação, o objeto também é sujeito. O sujeito investigador não é o indivíduo pesquisador, mas a totalidade do campo. O objeto pesquisado é um sujeito que representa, em alguma medida, um grupo social.

O pesquisador, por meio da vigilância e da ruptura epistemológica, precisa tomar consciência disso tudo e comunicar que entende a diferença entre sujeito e objeto, bem como a complexidade da relação entre eles. Por meio da reflexi-vidade epistêmica, portanto, é que vai ser ajustada a relação sujeito-objeto na prática de pesquisa e na produção do discurso científico.

Nesse processo, de acordo com Lopes (2010), é preciso desnaturalizar o tra-balho de campo, que é elemento fundamental para a pesquisa empírica, mesmo quando a amostra não é formada por pessoas, mas, sim, por corpus de texto.

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317Maria Immacolata Vassallo de Lopes

É preciso explicitar as relações prévias entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado (objeto), entre o sujeito pesquisador e a temática e a problemáti-ca de pesquisa, entre o sujeito pesquisador e as instituições ou as localidades que podem vir a integrar seu objeto de pesquisa. Até para que possa haver o distanciamento ou a aproximação necessários para a construção e a análise dos dados, é preciso que o pesquisador tome consciência dessas proximidades e do distanciamentos entre ele e seu objeto de estudo, bem como comunique isso na construção do discurso científico.

Além disso, de acordo com a autora, é relevante atentar para o fato de que em campo estamos estabelecendo relações sociais, e essas relações são de comu-nicação. Portanto, há expectativas, experiências, recursos materiais e simbólicos que aproximam ou distanciam o pesquisador de seu objeto e, definitivamente, participam da situação de pesquisa, dos processos de comunicação, e vão deixar marcas na construção dos dados e na análise deles.

Como em qualquer processo de comunicação, a situação de comunicação entre pesquisador e pesquisado – como é o caso da entrevista, por exemplo – vai implicar em apropriações de sentido convergentes, resistência ou negociação de sentidos.

Lopes (2003b; 2010) chama a atenção para o fato de que ainda há fragili-dades metodológicas nas pesquisas de Comunicação, as quais precisam ser su-peradas. Uma dessas fragilidades é a falta em referenciar os processos de comu-nicação no trabalho de campo. E o caminho para transpor essas dificuldades e fortalecer o capital teórico-metodológico do campo da Comunicação parece ser o da reflexividade epistêmica. Somado a outros: a adoção da interculturalidade no processo de pesquisa e o cultivo ao respeito acerca do objeto de estudo.

Interculturalidade no processo de pesquisa e respeito aoobjeto de estudo

Lopes (2010) aponta que há desigualdade de poder simbólico entre sujeito pesquisador e objeto de pesquisa. Chama a atenção para as dessimetrias cultu-rais, linguísticas, entre outras, que podem ser percebidas entre o pesquisador e o pesquisado. Então, propõe que cabe ao pesquisador perceber quando está em uma situação de diversidade cultural e mesmo quando está diante de situações de desigualdade.

Nessas situações, é preciso respeitar o objeto de pesquisa, compreender a complexidade de pontos de vista diversos, e a riqueza de cada contexto cultural, de saberes diferentes. De acordo com a autora, a adoção de uma perspectiva

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intercultural no processo de pesquisa pode inclusive amenizar desigualdades no processo de comunicação, no desenvolvimento da pesquisa.

A própria pesquisadora, em entrevista concedida a Maldonado e Romancini (2012), publicada na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, conta sobre como desenvolveu recursos intelectuais para pensar a interculturali-dade e sobre como isso foi relevante em sua formação como pesquisadora.

Imigrante italiana, criada no Brasil desde a tenra infância, Immacolata com-partilhava a cultura de origem por meio da mediação familiar, ao mesmo tempo em que experimentava um processo de aculturação intenso – falava o português com proficiência, o que facilitava a aceitação na sociedade brasileira. Essa reali-dade permitiu que desenvolvesse o que podemos chamar pela tradição antropo-lógica de um olhar de fora e um olhar de dentro.

Lopes explica, na referida entrevista, que passou a perceber que a formação de seu gosto e o povoamento de seu imaginário contemplava tanto o cinema políti-co e reflexivo acerca de questões sociais – congruente com sua formação marxis-ta, cultivada no curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ci-ências Humanas da USP – quanto o cinema da indústria cultural de Hollywood. Esses aspectos, entre outros, foram se configurando como recursos intelectuais da pesquisadora para pensar a interculturalidade no processo de pesquisa.

Com formação marxista, mas aberta a diálogos críticos, tornou-se cientista social em uma época cujo ethos era de mudança. Com foco no que chama de “sociologia dura” – a sociologia do desenvolvimento –, Lopes continuava a tra-dição de seus professores Ianni e Fernandes e procurava trabalhar as questões su-perestruturais, dialogando também com autores que não eram necessariamente marxistas.

Atentando para isso, é importante pontuar que Lopes sempre preocupou-se com o rigor científico de forma equilibrada – convergindo também com as pro-posições de Sousa Santos (1989). Considera importante não cair na ortodoxia ou na doutrina, nem no que chama de democratismo teórico-metodológico ou epistemológico. Afinal, compreende que não é possível colocar para dialogarem todos e quaisquer autores. Entende que a intersecção de saberes pode ser muito frutífera e que as heterodoxias podem ser férteis para trazer mudanças relevantes no campo científico, mas o mesmo não é necessariamente válido para a simples justaposição de autores ou para a síntese de saberes.

Crítica ao teoricismo, ao empirismo e, mesmo, a qualquer tipo de paternalis-mo, Lopes compreende que o método de pesquisa deve estar a serviço do objeto e não o contrário, e que a ciência deve sim exercer um papel crítico de ruptura com o senso comum pelo trabalho de campo – o objeto da Comunicação, por exemplo, é muito frágil e facilmente invadido pelo senso comum. Entretanto,

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compreende que é preciso evitar etnocentrismos de qualquer tipo, mesmo o etnocentrismo científico. De acordo com considerações feitas pela autora, na entrevista a Maldonado e Romancini (2012), é preciso relativizar tanto o senso comum do informante quanto o ponto de vista científico do pesquisador.

Desde quando desenvolveu a dissertação de mestrado – que originou o livro O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginalidade social (LOPES, 1988) –, a pesquisadora é interessada na dimensão política da cultura, e seu potencial revelador de conflitos já cultivava o respeito ao objeto de estudo, compreendendo a riqueza do produto cultural popular. Percebia, por exemplo, o preconceito de classe – e também da comunidade científica – em relação aos produtos populares. Na ocasião, já abordava a temática, a fim de compreender aspectos superestruturais, utilizando o conceito de ideologia, via Verón – autor que criticava o marxismo ortodoxo e a sociologia brasileira –, muito atenta às questões de infraestrutura.

O pensamento de Lopes mostrou-se convergente com a tradição dos estudos culturais latino-americanos e britânicos (MARTÍN-BARBERO, 1982; 2001; CANCLINI, 1990; 1997; HALL, 1999; 2006), ambos com raízes marxistas. A própria pesquisadora tornou-se uma liderança brasileira dos estudos culturais na América Latina.

Ao longo da mesma entrevista a Maldonado e Romancini (2012, p. 127), Lopes fala sobre a influência de Jesús Martín-Barbero em sua trajetória, e acaba por tecer a seguinte reflexão a partir da abordagem barberiana sobre comunica-ção e cultura:

quando você resiste ou desqualifica determinados produtos não são eles que você está desqualificando, ou que você está criticando. Você está, digamos assim, dizendo que eles não valem nada, mas inclui aqueles que gostam desses produtos. Ou seja, aí está a coisa absolutamente do pre-conceito de classe contra os produtos populares.

Lopes seguiu seus estudos acerca de produtos populares elegendo como ob-jeto de estudo a telenovela. E, por meio de suas pesquisas, demonstrou a rele-vância de produtos como a telenovela para a cultura, colaborando, inclusive, para semear uma possível guinada no pensamento comunicacional brasileiro em relação a produtos populares.

Orientou diversos trabalhos sobre esse objeto de estudo e têm liderado enti-dades de pesquisa de colaboração internacional acerca da ficção televisiva, como é o caso o Obitel. Com isso, mais uma vez, parece ter inaugurado uma tradição de estudos que se perpetuará por gerações de pesquisadores.

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E mesmo aqueles alunos que não prosseguiram suas pesquisas elegendo como objeto a telenovela, entre outros produtos populares, desenvolveram uma abordagem intercultural, aprenderam com a pesquisadora a questionar seus pre-conceitos, a relativizar etnocentrismos e, com isso, a respeitar o objeto de estudo e a agregar qualidade à pesquisa científica.

Transdisciplinaridade e autonomia do campo da Comunicação

O fortalecimento teórico-metodológico do campo da Comunicação, por meio da proposta de atenção à reflexividade epistêmica, é importante para rei-terar a própria autonomia do campo e seu estatuto transdisciplinar. Afinal, é a qualidade da produção científica que vai determinar em boa medida o poder simbólico de qualquer campo.

O campo da Comunicação trava uma luta simbólica para firmar esse estatu-to transdisciplinar. A realidade contemporânea da área converge com as mudan-ças em curso na reestruturação das Ciências Sociais, com o movimento crítico à compartimentação disciplinar firmada ao longo da história dessas ciências (WALLERSTEIN, 1996).

Especialmente no texto “Sobre o estatuto disciplinar do campo da Comuni-cação”, Lopes (2003b) nos leva à compreensão de que as divisões disciplinares têm poucas justificativas epistemológicas. As divisões parecem ter mais razões políticas – portanto, extracientíficas.

Para a autora, o que pode parecer um paradoxo – a firmação de um campo autônomo transdisciplinar – só o é de forma aparente, porque não se pretende formar generalistas nem promover a dissolução absoluta da estrutura disciplinar.

Compreendemos, com Lopes (2003b), que a Comunicação é um campo que já surge engendrado como transdisciplinar, e isso, muito longe de ser algo negativo, faz dessa área de estudos um espaço fértil para a produção científica. A autora aponta que para estudar temáticas é preciso fazer uso das transdiscipli-naridades. Não basta, para tanto, justapor disciplinas. É preciso eleger objetos de fronteira.

O objeto da Comunicação é de fronteira – por isso, em seu âmbito, o con-ceito de transdisciplinaridade não é vazio. A produção científica da área não implica apenas na fusão de conhecimentos; em Comunicação, é possível real-mente construir conhecimento acerca de temas transversais. Isso não significa, de modo algum, que o campo não tenha autonomia. Há um ponto de vista comunicacional. Ele se desenvolve com o aproveitamento de saberes de diversas áreas afins, mas guarda sua originalidade.

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Assim, na intersecção de saberes – e não síntese de saberes – se dá o acúmu-lo de capital simbólico no campo da Comunicação como capital epistêmico. Lopes demonstra que, especialmente no Brasil, o campo da Comunicação se institucionalizou na academia, ao mesmo passo que foi se firmando como cam-po transdisciplinar.

A contemporaneidade se delineou sob a égide da sociedade da comunicação (VATTIMO, 1997); isso quer dizer que, em nenhum outro momento, os es-tudos de Comunicação foram tão valorizados. No contexto contemporâneo, marcado por ambivalências (BAUMAN, 1999), a produção de conhecimen-to científico relevante para a vida social e cultural torna-se cada vez mais útil quando o objeto de pesquisa é proposto dentro do que Morin (1994) chama de pensamento complexo.

Essa conjuntura favorece o campo da Comunicação em relação à hegemo-nia, de longa data, exercida por outras áreas de estudos das Ciências Sociais. Portanto, o tempo em que vivemos, de lutas simbólicas, também é o tempo de firmar a posição do campo das Ciências da Comunicação no contexto histórico das ciências, das sociedades e culturas.

Crítica às ideias fora do lugar e a ascensão da Escola Latino-America-na de Comunicação

A produção científica tem de estar sempre em contexto, porque o contexto deixa marcas no discurso científico. Portanto, Lopes pontua a necessidade de os pesquisadores do campo da Comunicação elaborarem questionamentos e desenvolverem pesquisas pertinentes às discussões e aos dilemas de seu próprio tempo.

Lopes (2010) critica as ideias fora do lugar, o modo exógeno de pensar, as questões e os temas deslocados. Deixa claro que precisamos de perguntas--problema que tenham relação vital com nossa existência social, com mais rele-vância e pertinência teórico-epistemológica para fazer avançar o conhecimento no campo da Comunicação. Em convergência com o pensamento de Martín--Barbero4, propõe alguns questionamentos: Quais são as nossas utopias fundan-tes? Quais são os campos estratégicos de estudo? E assinala que devemos estar

4. Desde o texto de 1982, “Retos a la investigación de comunicación en América Latina”, Martín-Barbero preocupa-se com o engendramento do campo da Comunicação e seu fortalecimento.

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comprometidos com a transformação de nosso contexto contraditório, desi-gual, ambivalente da América Latina. Compreender e superar as denominações terceiro mundo, dependente, periférico e emergente.

A própria pesquisadora integra uma geração de cientistas formados – pelas Ci-ências Sociais da USP, especialmente pelos professores Octavio Ianni e Florestan Fernandes – para questionar “para quem você está trabalhando?” e para assumir a responsabilidade de fazer pesquisas para a própria região. Daí a relevância que as questões latino-americanas assumiram em sua trajetória de produção científica.

Observando os constructos de Lopes, fica claro que o fortalecimento de um olhar latino-americano sobre a Comunicação e suas correlações com os mais diversos aspectos da vida social e cultural depende de nós, pesquisadores latino--americanos. Essa vertente de seu trabalho, uma continuação daquilo que culti-vou em sua formação, desde a escola uspiana de Sociologia, parece configurar-se como mais uma das tradições que Lopes inaugurou no campo da Comunicação brasileiro: a ideia de um Brasil que faz Ciências da Comunicação sem voltar as costas para a América Latina – pelo contrário, dialoga e produz junto. Mais uma tradição que há de ser perpetuada pelas próximas gerações de pesquisadores.

Por isso tudo, é possível afirmar que, para abrir as Ciências da Comunica-ção, é preciso atentar para o pensamento de Lopes acerca da epistemologia, da metodologia e do próprio engendramento das Ciências da Comunicação, espe-cialmente no Brasil. O pensamento da pesquisadora é parte da história viva do campo, é transformador dela, e a semeadura que realizou já germina.

Os frutos que já existem estão espalhados pelo país e para além de suas fron-teiras. São seus trabalhos científicos que estão a formar novos pesquisadores, mais o capital humano que a “professora Immacolata” cultivou em aulas e orien-tações. Estes também tornaram-se professores e pesquisadores perpetuadores de sua fortuna crítica e, sobretudo, produtores de conhecimento científico no campo da Comunicação.

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323Maria Immacolata Vassallo de Lopes

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Reflexões sobre ficção televisiva

Marcia Perencin Tondato1

Histórias narradas pela televisão são, antes de tudo, importantes por seu significado cultural. [...] a fic-ção televisiva configura e oferece material precioso para entender a cultura e a sociedade de que é ex-pressão. Ela ocupa um lugar proeminente na esfera liminal (Turner) das práticas interpretativas, entre realidade e fantasia, entre vivido e imaginário (LO-PES, 2004b, p. 125).

Na citação acima, como em tantas outras, Maria Immaco-lata Vassallo de Lopes deixa claro e reafirma sua convicção a respeito do protagonismo da telenovela na vida cultural e

1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunica-ções e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Comu-nicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), atuando na linha de pesquisa Processos de Recepção e Contextos Socioculturais Articulados ao Consumo. Pesquisadora do Observatório Ibero-Americano de Ficção Tele-visiva (Obitel) e coordenadora do grupo Obitel-ESPM. Membro da Rede CRICC (South African Critical Research in Consumer Culture Network).

6.1LOPES

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social contemporânea, imbricada pela recepção dos conteúdos dos meios de comunicação de massa. Convicção motivadora de uma trajetória marcada pela disposição incansável de busca científica das intersecções entre narrativas telefic-cionais e as sociedades por onde circulam.

A professora Immacolata, ou Immacolata para aqueles com mais afini-dade e proximidade temporal, pode ser considerada a principal articuladora de uma rede de pesquisadores e pensadores sobre a teleficção seriada. É herdeira e ativa propulsora do pioneiro Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN)2, oficialmente constituído em 1992, por José Marques de Melo, no âmbito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), tendo sido coordenado, durante o que denomino, aqui, como primeira fase, por Anamaria Fadul (1992-1997), Maria Aparecida Baccega (1997-2000) e Solange Martins Couceiro de Lima, ao lado de Maria Lour-des Motter (2000-2005).

Nesse período, o principal projeto do NPTN foi “Ficção e realidade: a tele-novela no Brasil, o Brasil na telenovela” (1995-2000), coordenado por Baccega e beneficiado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e das Pró-Reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão da USP. O empenho em torno de sua proposta obteve reconhecimento nacional, outorgado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comuni-cação (INTERCOM), por meio do Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comu-nicação, em 1999, na categoria “Grupo Inovador”.

O “projetão”, como carinhosamente é chamado até hoje pelas equipes nele envolvidas, quando mencionado/citado, era constituído por vários sub-projetos, liderados por pesquisadoras que viam na telenovela um importante produto no contexto da televisão e da sociedade brasileiras. Renata Pallottini esteve à frente do estudo “Dramaturgia da telenovela”; Mary Enice Ramalho de Mendonça coordenou “A linguagem do cinema na telenovela”, versando sobre linguagens, estruturas e discursos antagônicos e contraditórios, que, num determinado momento e gênero – a telenovela –, criaram um campo híbrido

2. O NPTN – hoje, Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) – é uma instituição da USP, criada na ECA, em 8 de abril de 1992, e incorporada ao Departamento de Comu-nicações e Artes (CCA), em 16 de setembro de 1994. De caráter interdepartamental, reúne docentes, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação dos vários depar-tamentos daquela escola, desde que envolvidos em projetos e/ou atividades do campo da ficção televisiva seriada (MALCHER, 2000).

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de significações e possibilidades. Preocupada com a influência das novelas na representação do imaginário infantil no processo de recepção de textos ver-bais ficcionais, criando e recriando suas representações de mundo, Alice Vieira orientou “Representação do imaginário infantil na recepção de textos ficcio-nais: a influência das telenovelas”. Na parte denominada “O campo da comu-nicação: os valores dos receptores de telenovelas”, Maria Aparecida Baccega e sua equipe buscaram desvelar a interação telenovela-sociedade, no campo da família, verificando e discutindo, a partir da análise do discurso, como se dá a produção e a emissão (no polo da telenovela) e a recepção (no polo dos teles-pectadores e da sociedade em geral) de valores sobre o tema família e seus des-dobramentos. Anamaria Fadul desenvolveu o estudo “Telenovela e sociedade no Brasil: a evolução das temáticas sociodemográficas”, buscando compreen-der como as questões indicadas no título evoluíram nas telenovelas brasileiras, de 1963 até 1996. Solange Martins Couceiro de Lima, em “A identidade da personagem negra na telenovela brasileira”, fez um levantamento crítico da produção acadêmica que focaliza o segmento negro e a comunicação social no Brasil, bem como analisou a identidade do negro que se pode captar na televi-são brasileira por meio da telenovela. Com o tema “A construção do cotidiano na telenovela”, Maria Lourdes Motter levantou o modo de construção ficcional do dia a dia das personagens e o modo de interação dialógica que mantém com o cotidiano real. Maria Cristina Castilho Costa coordenou “O gancho na telenovela: análise estética e sociológica”, a fim de entender os aspectos formais do gancho que encerra cada capítulo da telenovela, dada sua importância na renovação do interesse do espectador numa obra de longa duração e recepção cotidiana e doméstica.

De especial atenção neste texto, Immacolata esteve à frente, junto com Sílvia Helena Simões Borelli e Vera da Rocha Resende, do subprojeto “Re-cepção de telenovela: uma exploração metodológica”. O resultado foi publi-cado no livro Vivendo com a telenovela: mediações, recepção e teleficcionalidade (LOPES, BORELLI & RESENDE, 2002), pela Summus, paradigmático no âmbito da construção teórico-metodológica da pesquisa de recepção de te-lenovela. Nele, Immacolata coloca a si e à sua equipe o desafio da realização de um projeto multidisciplinar, exigindo, como caracterizado por Martín--Barbero (2002, p. 17), no prefácio da obra, a ativação da imaginação me-todológica.

No referido trabalho, estruturado no âmbito teórico das mediações, a recep-ção é abordada pela autora a partir de um modelo pragmático de coleta e análise de dados, contemplando as diversas instâncias do fazer científico, resultado de sua tese de doutoramento Pesquisa em Comunicação: formulação de um modo

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metodológico (LOPES, 1990), rompendo com dicotomias estabelecidas por prá-ticas administrativas3.

Experimenta-se ali, então, a combinação de métodos e técnicas distintas para o estudo da recepção da telenovela “A Indomada” (Rede Globo, 1997, de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares) por um conjunto de famílias de estratos sociais diferentes.

Em Vivendo com a telenovela, Lopes, além de se valer do capital conceitual--epistemológico até então construído, para a realização de tão abrangente pes-quisa, recorreu a uma de suas características mais marcantes: a grande capacida-de de coordenação e organização de pesquisadores seniores e juniores em torno de um objetivo comum, sempre mantendo o respeito aos interesses acadêmicos dos membros da equipe, ampliando a abrangência dos objetos em estudo. Nada melhor do que as palavras das autoras nas considerações finais do livro para entender o significado e a importância do estudo que se propuseram realizar:

Diante da complexidade e da densidade desta trajetória, valer a pena ressaltar que as considerações finais tanto podem ser lidas no interior de cada uma das mediações, como também este conjunto compõe uma totalidade capaz de dar conta dos vários aspectos envolvidos na propos-ta teórico-metodológica aqui apresentada. Ou seja, se olhássemos para dentro de um caleidoscópio, cada mediação – com sua cor e formato – seria, ao mesmo tempo, fragmento e totalidade; mas não uma totalidade acabada, já que outros cacos de cores e formas diversos poderiam invadir este conjunto construindo um cenário mutante em que se alternam nar-rativas da telenovela e narrativas dos receptores (LOPES, BORELLI & RESENDE, 2002, p. 367).

Além dos projetos mencionados, teses e dissertações que vêm sendo desen-volvidas a partir daquele centro de pesquisa têm tratado uma diversidade de assuntos referentes à telenovela, como história e antecedentes do gênero, ques-tões sobre a autoria, relações com o cinema, aspectos de produção, relações de novelas e minisséries com a política, com o cotidiano, com a religião, questões raciais e de movimentos sociais, recepção pelo público infantil, entre outros. Nessa produção, inclui-se, por exemplo, o livro A milésima segunda noite (COS-

3. Nomenclatura utilizada por Wolf (1996, p. 103) em referência a estudos caracterizados pela departamentalização emissão versus recepção, influências versus efeitos, que redu-zem a compreensão sobre a complexidade do processo comunicativo.

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TA, 2000), que resultou da tese de livre-docência de Maria Cristina Castilho Costa, desenvolvida a partir do projeto “O gancho da telenovela: análise estética e sociológica”. Tal trajetória tem possibilitado, e demandado, a constituição de um importante acervo referencial na pesquisa sobre ficção audiovisual seriada nacional e internacional, além do estreitamento de sua relação com empresas produtoras dessas ficções, como Rede Globo e Rede Manchete, e revistas especia-lizadas (Contigo, Amiga, Capricho).

Desafios e superações: o amadurecimento dos caminhos

Tal como em muitos dos enredos estudados pelos pesquisadores que se dedi-cam à teleficção, o herói dessa história (o NPTN) teve seu momento de queda, constituindo roteiro dramatúrgico. Em outubro de 2001, um incêndio des-truiu suas instalações, equipamentos e arquivos. Um momento de amargura e de indignação muito forte para todos os pesquisadores que para lá se dirigiam diariamente, aliado a um sentimento de perda de um pedaço da vida de cada um que por lá havia passado, consultando seus acervos, trocando ideias com colegas ou “simplesmente” tomando conhecimento do que havia de novo nesse universo de estudo.

Mas assim como a Fênix que ressurge das cinzas – se me permitem o lugar comum –, mal passado o sentimento de vazio e o cheiro da fumaça do fogo que literalmente derreteu prateleiras de aço, guardiãs de registros de valor incalcu-lável, novos caminhos foram se mostrando. Pesquisadores e alunos transfor-maram-se em “caçadores de tesouro”, dedicando-se não só a dar continuidade aos estudos em andamento, a recompor o acervo, mas principalmente a extrair forças e dedicação daquilo que ninguém é capaz de nos tirar: a capacidade de pensar.

O material destruído havia sido reunido a partir de doações de coleções par-ticulares, de órgãos públicos e de empresas. O acervo tinha materiais de todas as emissoras, com raridades, como roteiros e capítulos da extinta TV Tupi. Após a tragédia, teve início uma campanha para montar um novo acervo, a qual foi batizada como “SOS Telenovela: o que você guardou de lembrança pode ajudar nossa memória”. Contando com o que muitas pessoas haviam guardado como recordação, não se recuperou o que foi perdido, mas “outras raridades” foram descobertas. “Nos anos seguintes, conseguimos promover encontros de dimen-são inédita, com os maiores pesquisadores estrangeiros e assim tentamos renovar o nosso empenho”, explicaria Maria Ataíde Malcher ao repórter Lucas Telles (2004, on-line), da Agência USP de Notícias.

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Em 2002, o NPTN, sob a coordenação da profa. Solange Couceiro, promo-ve um seminário internacional sob o título “A internacionalização da telenove-la no cenário globalizado”, reunindo pesquisadores e profissionais “envolvidos com as questões dos fluxos econômicos e culturais da ficção televisiva em todo o mundo”. O objetivo do evento, um marco na retomada de uma trajetória de sucesso, agora por novos trilhos, foi mapear, “mundialmente, a produção cultu-ral e televisual do Brasil e de outros países no campo da produção, da criação, da recepção e da gestão dos produtos da ficção televisiva” (LOPES, 2004a, p. 20).

Dois anos depois, como resultado do evento, é publicado, pela Loyola, Tele-novela: internacionalização e interculturalidade, organizado por Maria Immaco-lata Vassallo de Lopes (2004c), reunindo os textos dos palestrantes, os quais fo-ram organizados em quatro eixos: 1) Telenovela como gênero latino-americano: instância de mediação cultural e vetor de desterritorialização; 2) Indigenização do gênero como apropriação local das produções internacionais: telenovela e identidades culturais; 3) Hibridizações e renovações do gênero; e 4) Fluxos in-ternacionais do gênero, proximidade e compartilhamento culturais.

Nessa obra, Lopes reúne autores de diversos países ibero-americanos, além de representantes da Itália e dos EUA, que tratam do tema da internacionali-zação e hibridização da teleficção seriada. No texto de sua autoria, afirma que,

no cenário globalizado, tomado através da ótica da complexidade e do movimento dialético entre as ambivalentes tendências à integração e à fragmentação, a narrativa ficcional surge como um valor estratégico na criação e consolidação de novas identidades culturais compartilhadas, configurando-se como uma narrativa popular sobre a nação [...] hipótese básica da identidade étnica do gênero ficcional televisivo [...] de onde deriva outra hipótese sobre o caráter nacional da teleficção, ou seja, sua constituição como gênero nacional (LOPES, 2004b, p. 121).

Ao mesmo tempo em que abre perspectivas para avanços das investigações, a afirmativa consolida as reflexões teóricas e as observações empíricas conduzidas até então pela autora/organizadora, trazendo para o campo do gênero ficcional televisivo conceitos e autores consagrados em outras áreas, como complexidade (Morin), dialética (escola crítica), fragmentação (pós-modernismo) e identidade cultural (Hall).

Com o empenho que lhe é peculiar, Immacolata se apresenta também como eficaz articuladora do intercâmbio academia/mercado. Mesmo antes da criação do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel) – sobre o qual falo adiante –, já havia em seu horizonte o interesse em aproximar-se das redes

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nacionais de televisão. Resultado desta busca, sinalizada e fundamentanda nas citações que se seguem, foi o estabelecimento de contato com a Rede Globo, com profissionais convidados para participar do livro organizado:

[...] a transformação incessante e a incerteza que caracterizam nossas so-ciedades [...]. Por consequência, a situação das ciências humanas voltadas para analisar e compreender essas transformações carregaram esses dois conceitos (identidade e cultura) de inúmeros significados. Torna-se, por isso, indispensável especificar a acepção com que se pretende interpretá--los neste estudo que propõe decliná-la por meio da perspectiva comuni-cacional, mais especificamente, da televisão e do gênero ficcional televi-sivo (LOPES, 2004b, p. 124).

Nas mais recentes pesquisas de recepção, o que há em comum é o descobrimento da natureza negociada, trasnacional de toda comuni-cação e da valorização da experiência e da competência produtiva dos receptores. Esta tem como eixo uma operação de apropriação, ou seja, a ativação da competência cultural das pessoas, a socialização da expe-riência criativa e o reconhecimento das diferenças, isto é, do que fazem os outros – as outras classes, as outras etnias, os outros povos, as outras gerações. Quer dizer que a afirmação de uma identidade se fortalece e se recria na comunicação – encontro e conflito – com o outro (LOPES, 2004b, p. 128).

A ficção televisiva não deve ser pensada numa história específica, numa particular produção de gênero, mas antes no inteiro corpus e fluxo das narrativas por onde assume a função de preservar, construir e reconstruir um “senso comum” da vida cotidiana (LOPES, 2004b, p. 131).

Em 2005, Immacolata assume a coordenação do NPTN, agora denomina-do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN). Mantendo o objetivo inicial de conduzi-lo como centro de documentação e pesquisa sobre a telenovela, e incansável na motivação da equipe e recomposição do espaço físico para o de-senvolvimento dos estudos sobre telenovela, Immacolata trabalhou no redire-cionamento do acervo para materiais bibliográficos e audiovisuais (gravações de ficções) que servissem como fonte para os pesquisadores que procuram o CETVN. A promoção de novas parcerias trouxe importantes aliados, como o Globo Universidade, que se tornou um dos elementos-chave na consolidação do Obitel, a seguir comentado, e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e

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Estatística (Ibope), doador de gravações da programação televisiva e fonte de dados sobre a audiência da ficção televisiva seriada.

Para que esse processo resultasse no que é hoje o CETVN, valeu a per-severança e da esperança da profa. Immacolata, que, com muito empenho e disposição, colocou-se em campo na promoção dos estudos sobre a teleficção, recorrendo e valendo-se de sua ampla rede de conhecimento, e reconhecimento, junto a grupos de estudiosos interessados na temática. Na dinâmica, continuou a promover e realizar eventos, cursos, seminários, consultorias, organizar pu-blicações, no intuito de aprofundar e estimular o desenvolvimento de teorias e pesquisas sobre a ficção televisiva seriada, acumulando e gerando informação nos mais variados suportes (BACCEGA, 2000).

Consolidação dos estudos sobre a ficção televisiva

Em 25 de fevereiro de 2005, foi criado, na cidade de Bogotá, capital colom-biana, o Obitel4, projeto internacional de pesquisa com o objetivo amplo de analisar a produção, a audiência e a repercussão sociocultural da ficção televisiva na América Latina e na Península Ibérica. No âmbito do campo, da área de estudos de teleficção, o Obitel é instituído para estimular a cooperação e o in-tercâmbio de conhecimentos, bem como para fomentar o desenvolvimento da pesquisa e da formação sobre produção, circulação e recepção da teleficção no espaço audiovisual ibero-americano.

Anualmente, publica um estudo5 da indústria de teleficção seriada no território aludido, apresentando o cenário comentado da produção, da recepção e do im-pacto do gênero em cada um dos países participantes, além de uma comparação de características e tendências. Até 2013, reúnem-se, sob a coordenação geral de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (México), inves-tigadores e equipes de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Es-tados Unidos (de língua hispânica), México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela.

No plano nacional, regional e internacional, esse estudo sistemático nutre projetos de investigação acadêmica e não acadêmica, fornecendo informa-

4. A página do Obitel na internet pode ser acessada no seguinte endereço: <http://www.eca.usp.br/cetvn/obitel.html>.

5. Trata-se do Anuário Obitel, que torna pública a análise gerada pelo monitoramento dos programas de ficção televisiva nos países integrantes do Observatório.

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ção atualizada, sempre esperada por todos os interessados na temática e até mesmo por aqueles que não têm nos estudos de telenovela o principal foco de reflexão. Desde o início, são promovidas, todos os anos, reuniões técni-cas, encontros e/ou seminários do Obitel, para discussão dos trabalhos em andamento e para apresentação dos resultados das pesquisas realizadas pelos grupos de cada país.

O CETVN é o núcleo de desenvolvimento dos estudos e levantamentos demandados pelo Obitel. Serve como fonte de origem e alimentação a projetos de pesquisa nacionais e a eventos organizados na maioria das vezes em parceria com o Globo Universidade.

Desse trabalho, num processo aberto de diálogo entre pesquisadores parti-cipantes dos seminários de apresentação dos Anuários Obitel, nasce o Obitel Nacional, “uma rede de magnitude nacional dedicada ao estudo da ficção tele-visiva”, que, além de se constituir “um fato inédito no campo da comunicação no Brasil, se apresenta como uma oportunidade única de criar as bases para um efetivo trabalho coletivo e colaborativo que se articula sobre os princípios da interdisciplinaridade” (LOPES, 2009a, p. 8).

Junto a esse grupo, dando continuidade à consolidação da telenovela/ficção televisiva seriada como objeto de pesquisa na área da Comunicação, Imma-colata assume mais um desafio: coordenar um trabalho de âmbito nacional, agregando, sob uma mesma problemática, grupos de pesquisadores brasileiros, membros da rede Obitel, cada ano com um foco específico, conforme o desen-volvimento e a dinâmica das produções.

A Rede Obitel Nacional conta com a participação de equipes das princi-pais universidades públicas e privadas de várias regiões do Brasil, dedicadas ao estudo da ficção televisiva: ECA-USP, ESPM, Anhembi-Morumbi, UFSCar, UFBA, UFJF, UFPE, UFRGS e UFSM. Do trabalho desses grupos, surge, tam-bém sob organização da profa. Immacolata, a “Coleção Teledramaturgia – Obi-tel Nacional”, iniciada com o livro Ficção televisiva no Brasil: temas e perspectivas (LOPES, 2009b), editado e publicado com o apoio do Globo Universidade.

Está em curso, portanto, um novo período da história dos estudos sobre a teleficção seriada, marcado pelo interesse em relação à internacionalização da telenovela – ou seja, os processos de exportação, negociações e mudanças pelas quais o produto passou e recepção pelo público. Mais recentemente, em sintonia com o que se passa na sociedade, avança em busca das repercussões da telenovela nas mídias digitais. Investindo na reflexão sobre um fenômeno emergente, a transmidialidade, o Obitel Nacional vai a campo para estudar a ficção televi-siva seriada a partir de instâncias diversas – produção, distribuição, circulação e recepção. Da primeira investida, resultou Ficção televisiva transmidiática no

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Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais (LOPES, 2011), o qual, podemos dizer, inaugura os estudos integrados sobre a transmidiação brasileira. A obra seguinte, Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira (LO-PES, 2013b), avança no conceito de “trabalho colaborativo”, consolidado agora em estudos sobre “um único objeto investigado a partir de diversas perspectivas teóricas e estratégias metodológicas” (LOPES, 2013a, p. 10).

Palavras finais

Neste breve relato sobre o protagonismo da profa. Immacolata na promoção da ficção seriada televisiva como objeto de estudo científico – não apenas no Brasil, mas no mundo –, é importante destacar a dinâmica que a coordenação de uma pesquisa de abrangência nacional demanda. Desde a definição da temá-tica, delineada a partir do contexto da produção e das evidências da recepção, e definida por meio do compartilhamento de perspectivas e de debate de ideias entre todos os membros do Obitel Nacional presentes nos encontros nacionais bienais, até o lançamento do volume temático e sua divulgação, é evidente a necessidade de um trabalho de liderança e organização que vai muito além do estabelecimento de prazos e do recebimento de textos.

Com o empenho de quem conhece, pela vivência cotidiana, cada momento de desenvolvimento de uma pesquisa, suas demandas epistemológicas, teóricas, metódicas e técnicas, e pensando a partir do que a própria Immacolata defende no âmbito da pesquisa científica – bem como com a paixão de quem tem como desafio diário a defesa, a renovação e a divulgação do estudo científico da ficção televisiva seriada brasileira –, ela agrega dezenas de pesquisadores ao redor do tema. Ainda que o interesse pelos estudos de telenovela seja de ordem comum aos membros do Obitel Nacional, reunir pesquisadores em torno de um projeto único, que se subdivide conforme interesses específicos e até regionais, exige, além de planejamento e organização, muita perseverança.

Referências

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LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Apresentação. In: ________. (Org.). Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Su-lina, 2013a. p. 9-15.

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________. (Org.). Ficção televisiva no Brasil: temas e perspectivas. Rio de Janeiro: Globo Universidade, 2009b.

________. Introdução. In: ________. (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004a. p. 15-20.

________. Para uma revisão das identidades coletivas em tempo de globaliza-ção. In: ________. (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalida-de. São Paulo: Loyola, 2004b. p. 121-137.

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________.; BORELLI, Sílvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vi-vendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002.

________. Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo metodoló-gico. São Paulo: Loyola, 1990.

MALCHER, Maria Ataide. A telenovela como objeto científico. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 23, Manaus, 2000. Anais... São Paulo: INTERCOM, 2000. Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/6e91d9b59439b06f9fd9e0bc9705b271.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2013.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Prefácio. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; BORELLI, Sílvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a tele-novela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002. p. 11-18.

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TELLES, Lucas. Teledramaturgia ganha caráter científico com trabalho do Nú-cleo de Telenovelas. Criado em 1992, o Núcleo de Pesquisa em Telenovelas da ECA foi pioneiro, no meio acadêmico, na pesquisa e na documentação da pro-dução de telenovelas. Um incêndio em 2001 destruiu parte do acervo. Agência USP de Notícias, São Paulo, 7 jul. 2004. Disponível em: <http://www.usp.br/agen/repgs/2004/pags/007.htm>. Acesso em: 20 nov. 2013.

WOLF, Mauro. La investigación de la comunicación de masas: crítica y pers-pectivas. Buenos Aires: Paidós, 1996.

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Vencendo os desafios da construção de uma rede internacional de pesquisa

Maria Cristina Palma Mungioli1

Ligia Maria Prezia Lemos2

Falar sobre Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Observa-tório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel) significa falar da relação intensa e apaixonada entre uma pesquisadora e seu objeto de estudo: a ficção televisiva e, em especial, a telenovela. Relação que se foi construindo de maneira paula-tina ao longo da carreira da professora e pesquisadora preo-cupada, desde os primeiros momentos de sua formação aca-dêmica e intelectual, com os fundamentos epistemológicos e com o rigor metodológico das Ciências Sociais e, mais tarde, da Comunicação3. Preocupação e paixão que são as marcas

1. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comu-nicação da Universidade de São Paulo (USP). Vice-coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e pesquisadora do Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel). Coordenadora do GP Ficção Seriada da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). e-mail: [email protected]

2. Doutoranda e mestre em Ciências da Comunicação pela USP. Pesquisadora do CETVN e do Obitel. Bolsista do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). e--mail: [email protected]

3. Ao longo deste capítulo, utilizamos, como fonte privilegiada, a

6.1LOPES

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definidoras de Immacolata, como amigos, colegas e alunos costumam chamá--la, em sua brilhante trajetória destacada nos capítulos que compõem este livro e que têm se revelado em todos os âmbitos de sua atuação: docência, pesquisa e extensão.

Temos acompanhado essa preocupação e essa paixão na convivência diária com Immacolata na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e, principalmente, no Centro de Estudos de Telenovela (CE-TVN) e no Obitel, ambos por ela coordenados. Convivência que nos permite falar, mesmo correndo o risco de deixar passar alguma informação ou detalhe, dessa paixão que se converte em dedicação e trabalho intensos em prol do de-senvolvimento de pesquisas e da formação de quadros de pesquisadores de Co-municação comprometidos com o rigor epistemológico e metodológico.

Embora tenha sido fundado em 20054, pode-se dizer que o Obitel começou a ser pensado por Immacolata quase uma década antes, como uma espécie de resposta ao chamamento feito por Jesús Martín-Barbero para que os pesqui-sadores brasileiros se debruçassem sobre o mais popular produto da televisão brasileira: a telenovela. À época, a telenovela era um objeto pouco estudado na academia e que, por isso, sofria pela ausência de estudos sistemáticos que a ob-servassem para além do rótulo de produto alienante da indústria cultural, como muitos insistiam em vê-la naquele período. Para Martín-Barbero (2001, p. 313-314), trata-se de um produto que se caracteriza por sua filiação ao melodrama compreendido como matriz cultural e, portanto, como uma das expressões da identidade latino-americana e brasileira.

entrevista com Maria Immacolata Vassallo de Lopes realizada por Efendy Maldonado e Richard Romancini (2012) – “Uma trajetória acadêmica exemplar, no enlace entre a pesquisa e o objeto popular da telenovela –, publicada na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación.

4. Criado em 2005, na cidade Bogotá, o Obitel consiste num projeto que articula uma rede internacional de pesquisadores cujo objetivo é o estudo sistemático e comparativo das produções de ficção televisiva. As atenções desses pesquisadores se orientam no sentido de compreender e analisar os diversos aspectos envolvidos na produção e na programação de ficção nos países que participam do projeto. Atualmente, os países participantes do Obitel são: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos (de língua hispânica), México, Portugal, Peru, Venezuela e Uruguai. O Observatório trabalha com base no monitoramento permanente da programação de ficção dos canais nacionais de televisão desses países. Realiza seminários nacionais e internacionais, reunindo pesquisadores e produtores da área da ficção televisiva. Seus resultados são publicados no Anuário Obitel, tema privilegiado neste capítulo.

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Pode-se dizer que esse chamamento começou a ser atendido por Immacola-ta, principalmente com a realização da pesquisa “Recepção de telenovela: uma exploração metodológica”, integrante do projeto “Ficção e realidade: a teleno-vela no Brasil, o Brasil na telenovela”, iniciado em 1995, coordenado pela profa. Maria Aparecida Baccega e realizado no então Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN), atual CETVN. A investigação, realizada com as professoras Sílvia Bo-relli e Vera Rezende, culminou com a publicação do livro Vivendo com a teleno-vela: mediações, recepção, teleficcionalidade (LOPES, BORELLI & REZENDE, 2002). Porém, é possível encontrar mais longe a opção de Immacolata em tra-balhar com o popular no campo da Comunicação. Sua dissertação de mestrado, orientada por Nelly Camargo, na ECA-USP, e intitulada O rádio dos pobres: estudo sobre comunicação de massa, ideologia e marginalidade social, defendida em 1982, prenunciava, sob inspiração de Gramsci, a importância que o trabalho de pesquisa de produtos populares veiculados nos meios de comunicação adquiri-ria em sua trajetória acadêmica e de pesquisa.

Nesse sentido, a pesquisa de recepção relatada no livro Vivendo com a tele-novela: mediações, recepção, teleficcionalidade veio a confirmar a centralidade da telenovela na vida dos brasileiros. Brasileiros representados pelas quatro famílias que compuseram a amostra e que, de uma forma ou de outra, formavam um rico painel que demonstrava a capacidade de a telenovela brasileira falar com todas as classes sociais e de sintetizar em seus discursos a identidade brasileira de uma maneira plural. Essa capacidade é o que torna mais evidente o patamar que atingiu a telenovela brasileira como recurso comunicativo, conforme destaca a própria Lopes (2009), em artigo no qual discute o papel da telenovela na socie-dade brasileira e o papel dessa sociedade na telenovela.

É nesse contexto que se pode observar, nas pesquisas de Immacolata, a cen-tralidade do papel das telenovelas na constituição da identidade dos brasileiros e sua inserção no contexto contemporâneo globalizado. Ou seja, a narrativa televisiva ficcional torna-se o palco – em uma metáfora envolvendo o espaço dramatúrgico - no qual é possível notar a complexidade e o movimento dialéti-co entre as tendências ambivalentes de integração e fragmentação características da globalização. Inspirada pelo conceito de comunidade imaginada, de Benedict Anderson, Immacolata vê nesse cenário a narrativa ficcional televisiva surgir como um valor estratégico na criação e consolidação de novas identidades cul-turais compartilhadas, configurando-se como uma narrativa sobre a nação. Para a pesquisadora, “a novela, enfim, parece ter conseguido permeabilizar o espaço público brasileiro à atualização e à problematização da identidade nacional em um período de profundas e aceleradas transformações globais” (LOPES, 2009, p. 32).

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Outro fator importante para o surgimento do Obitel como projeto de moni-toramento internacional da ficção televisiva encontra-se na realização, em 2001, de sua pesquisa de pós-doutorado, A ficção televisiva na Itália e na Europa: estu-dos e observatórios, na Università degli Studi di Firenze. Nesse projeto, Immaco-lata dedicou-se a estudar o gênero ficcional e a telenovela brasileira, inserindo-os na complexa relação entre indústria televisiva, cultura e identidade no cenário da globalização. Além disso, foi objeto de estudo, no referido projeto, a meto-dologia da rede de pesquisa sobre a teleficção, a Eurofiction, liderada pela profa. Milly Buonnanno. O observatório Euroficiton caracterizava-se por acompanhar e analisar tendências da oferta da ficção televisiva em cinco países (Itália, Alema-nha, França, Inglaterra e Espanha). A realização da pesquisa de pós-doutorado foi fundamental para a criação e a implementação da metodologia de monitora-mento e análise que viria a se tornar uma das características do Obitel. 

Para Immacolata, a ficção de televisão – principalmente a telenovela – deve ser considerada, na atualidade, como elemento-chave para análise e compre-ensão da produção audiovisual ibero-americana, tanto em termos de mercado televisivo, quanto em termos simbólicos, conforme aludimos anteriormente, à medida que as imagens e os discursos das telenovelas dizem muito sobre a cul-tura e a sociedade brasileiras.

A ficção televisiva é considerada hoje um enclave estratégico para a pro-dução audiovisual ibero-americana, tanto por seu peso no mercado te-levisivo como por seu papel na produção e reprodução das imagens que esses povos fazem de si e através das quais se reconhecem. Nesse contex-to, a telenovela foi um fator determinante na criação de uma capacida-de televisiva nacional que se projetou não só numa extensiva produção como também numa particular apropriação do gênero, isto é, sua na-cionalização. Por isso, o Observatório volta sua atenção para a análise do contexto ficcional latino-americano e ibero-americano, mas também da mobilização do mercado mundial da ficção televisiva, por onde passam hoje os processos de internacionalização da ficção televisiva (LOPES & MUNGIOLI, 2013, p. 2907).

Dessa maneira, desde sua concepção, o Obitel articulou-se sobre a centrali-dade da ficção televisiva no contexto ibero-americano,

devido ao crescente interesse de diferentes países da região de fazerem aí confluir uma série de políticas de produção, troca e criação midiática, cultural, artística e comercial diferenciada, o que poderia levar à consti-

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tuição de uma zona de referência geopolítica e cultural importante. Com base nesse cenário, o OBITEL realiza não apenas o registro quantitati-vo da produção de programas de ficção nos países integrantes da rede, mas também a análise de tendências de programação, de recepção da TV aberta e, desde 2010, a análise da recepção transmidiática da ficção televisiva (LOPES & MUNGIOLI, 2013, p. 2908).

Cabe ainda destacar que Immacolata exerce, desde 2007, a coordenação ge-ral conjunta do Obitel com o prof. Guillermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara (México), e que os trabalhos realizados desde então pelo Obser-vatório – seis anuários publicados (estando o sétimo, referente a 2014, no prelo) e os seminários internacionais5 – evidenciam o sucesso da coordenação com-partilhada envolvendo dois grandes pesquisadores do campo da Comunicação.

O projeto Obitel6

A ficção televisiva ibero-americana – em especial a telenovela – é um fator determinante na criação de uma capacidade televisiva nacional na qual se ob-serva uma verdadeira apropriação do gênero por esses países, evidenciando sua nacionalização não apenas em termos de produção, mas também em termos de abordagem de temas nacionais. Essa é a principal razão que levou o Obitel a enfocar o contexto ficcional latino e ibero-americano a partir de metodologias de natureza qualitativa e quantitativa, localizando-o no mercado mundial da ficção televisiva, numa época de internacionalização. Vê-se, atualmente, um am-

5. Com exceção dos dois primeiros seminários, realizados em Bogotá e em São Paulo, em 2005, os demais eventos internacionais apresentaram, a cada ano, os resultados das pes-quisas efetuadas em cada um dos países integrantes da rede. Foram eles: III Seminário Internacional Obitel (Guadalajara, 2007); IV Seminário Internacional Obitel (Rio de Janeiro, 2008); V Seminário Internacional Obitel (Rio de Janeiro, 2010); VI Semi-nário Internacional Obitel (Lisboa, 2011); VII Seminário Internacional Obitel (Rio de Janeiro, 2012); VIII Seminário Internacional Obitel (Quito, 2013); IX Seminário Internacional Obitel (São Paulo, 2014).

6. Neste trecho, utilizamos informações retiradas dos textos “OBITEL: uma experiência de estudo da ficção televisiva em rede colaborativa internacional” (LOPES & MUN-GIOLI, 2013) e “Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos” (MUNGIOLI & KARHAWI, 2013).

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biente em que as narrativas televisivas ocupam um papel central nesse processo, com fluxos de importação, exportação e coprodução, direcionados a diferentes audiências nacionais.

Por essa razão, o Obitel realiza uma análise aprofundada e não apenas o registro quantitativo dos dados da ficção televisiva, uma vez que se dedica a um estudo intercultural, buscando identificar semelhanças e especificidades, adap-tações e apropriações entre as diversas produções nacionais. Dessa maneira, pro-cura analisar, no percurso da pesquisa, as representações, as identidades e as vi-sões de conjunto ancoradas nos estudos interdisciplinares da ficção de televisão no contexto da comunicação ibero-americana. As equipes de pesquisa de cada país membro do Obitel são ligadas a uma instituição, a uma universidade ou um organismo público, que institucionaliza o projeto. Além de Brasil e México, a rede internacional de pesquisa é composta por Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela7.

A metodologia de pesquisa do Obitel é comum a todos os países partici-pantes e está em constante processo de aperfeiçoamento, combinando, como dissemos, abordagens quantitativas e qualitativas. Vale destacar que essa estra-tégia possibilita estudos comparativos atualizados e críticos sobre a produção ficcional ibero-americana com base em evidências empíricas de produção, cir-culação e exibição de conteúdos ficcionais em diferentes plataformas, gêneros, formatos e programações, desvelando processos de interculturalidade no espaço ibero-americano.

De modo geral, os objetivos do Obitel são: gerar bancos de dados unificados de natureza quantitativa e qualitativa; firmar a perspectiva teórica da intercul-turalidade do gênero ficcional televisivo; estimular projetos de pesquisa sobre ficção televisiva; produzir efeitos sobre a produção do setor; contribuir para ala-vancar políticas para a televisão no segmento; e publicar o anuário sobre ficção televisiva ibero-americana.

Vale destacar a crescente importância que os anuários do Obitel vêm ad-quirindo no campo da Comunicação, como fonte de pesquisa para investiga-dores brasileiros e estrangeiros e também para profissionais das diversas áreas

7. Em 2014, os coordenadores nacionais são os professores pesquisadores Gustavo Aprea e Monica Kirchheimer (Argentina); Pablo Julio Pohmaraner, Francisco Fernández Me-dina (Chile); Boris Bustamante e Fernando Aranguren (Colômbia); Alexandra Ayala (Equador); Charo Lacalle (Espanha); Juan Piñon (Estados Unidos); James A. Dettleff, Giuliana Cassano Iturri (Peru); Catarina Duff Burnay, Pedro Lopes (Portugal); Rosario Sánchez (Uruguai) e Morella Alvarado Miquilena, Luisa Torrealba Mesa (Venezuela).

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que participam do cenário comunicacional. Idealizado por Immacolata e im-plementado sob sua coordenação, o Observatório é, hoje, um projeto intercon-tinental – envolvendo equipes de pesquisadores de diversos níveis (professores titulares, pós-doutores, doutores, mestres, doutorandos, mestrandos, bolsistas de iniciação científica) de diferentes universidades e centros de pesquisa dos países participantes –, que auxilia não apenas a legitimação de um objeto de estudo (a ficção televisiva e, em especial, a telenovela), mas atua principalmente na formação de quadros de pesquisadores atentos às transformações profundas que vêm ocorrendo nas comunicações, sobretudo com o advento das tecnolo-gias digitais de comunicação.

O Anuário Obitel8

A representatividade dos estudos do Observatório transformou o Anuário Obitel em referência para estudantes e pesquisadores da área. Esse fato pode ser demonstrado tanto pela longevidade do projeto quanto pela publicação ininterrupta desde 2007 do referido anuário. O anuário de 2014 é a oitava publicação consecutiva, sendo a sétima editada em três idiomas: português, espanhol e inglês9.

Desde 2008, o Anuário Obitel é publicado com o apoio do Globo Universi-dade e conta com a participação de institutos de medição de audiência sediados nos doze países participantes10.

Com o objetivo de efetuarmos uma síntese dos diversos anuários Obitel já publicados e em virtude dos limites deste capítulo, optamos por apresentá-los com base em sua estrutura - ao mesmo tempo abrangente e dinâmica. Acredita-mos que assim será mais perceptível a compreensão dos princípios epistemoló-gicos e metodológicos que regem sua organização e que, com certeza, refletem a

8. Neste trecho, utilizamos informações retiradas do texto “Memória e ficção televisiva ibero-americana” (LEMOS, 2014).

9. O primeiro anuário, de 2007, foi publicado apenas em espanhol.

10. O Anuário Obitel 2013 contou com os dados e o apoio dos seguintes institutos de pes-quisa: Ibope (Brasil), Time-Ibope (Chile), Ibope (Colombia, Uruguay), Nielsen-Ibope--AGB (México), Ibope Media Perú (Peru), Media Monitor-MarktestAudimetria e GfK (Portugal), Kantar Media e Barlovento Comunicaciones (España), Nielsen (Estados Unidos), AGB Nielsen Media Research (Venezuela).

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preocupação com o rigor científico que vimos destacando como peça-chave na trajetória de pesquisa e docência da profa. Maria Immacolata Vassallo de Lopes.

Como destacamos anteriormente, o conteúdo de cada Anuário Obitel é um reflexo da coleta, da interpretação e da análise dos dados, assim como das informa-ções realizadas pelas equipes de cada um dos doze países participantes do Obser-vatório. Trata-se de uma obra que contém a sistematização dos resultados obtidos em cada um desses países a partir de um protocolo metodológico comum. Essa característica confere ao livro unicidade que permite tanto a análise comparativa entre países quanto a específica de cada país, em relação aos diversos tópicos estu-dados pelas equipes do Obitel ao longo da série histórica dos anuários.

O Anuário Obitel organiza-se em duas partes, igualmente relevantes. A pri-meira delas contém a síntese comparativa dos países que participam do projeto, de autoria dos coordenadores gerais do projeto – Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez, já dito –, na qual se realiza um estudo comparativo de dados e informações contidos nos capítulos nacionais dos doze países. Assim, o Anuário Obitel oferece, já em sua primeira parte, um admirável panorama acerca da produção, da circulação e da recepção da ficção televisiva, com base no monitoramento realizado, no ano, em cada um dos países.

Manancial dos dados utilizados na síntese, a segunda parte contempla ca-pítulos específicos, com as particularidades da ficção televisiva de cada país, no ano analisado, e com dados e análises reportados de acordo com metodologia comum e abrangente. Assim, o capítulo de cada país, no tópico denominado “A ficção nos países Obitel”, traz o relato específico e detalhado dos resultados, em seções fixas, a saber: 1) contexto audiovisual; 2) análise das ficções de estreia, nacionais e ibero-americanas do ano, com dados específicos sobre os dez títulos mais vistos; 3) recepção transmidiática com análises das estratégias de transmi-diação de produtores e das audiências na internet; 4) produções mais destaca-das do ano, principalmente em termos de inovação e impacto sociocultural; e, finalmente, 5) tema do ano. Este último tópico é definido anualmente com base em discussões efetuadas presencialmente pelos coordenadores dos países participantes, por ocasião do Seminário Internacional Obitel.

Como forma de evidenciar a constante atualização das discussões e dos ob-jetos de análise da rede Obitel, deve-se destacar a incorporação, desde 2010, do tópico referente à recepção transmidiática. O tema passou a fazer parte dos estudos da rede de pesquisadores por ter se transformado em elemento-chave para a análise das múltiplas telas e dos hábitos das audiências e fãs, refletindo uma importante mudança sociocultural ainda em processo.

Conforme aludimos anteriormente, outro tópico que se reconfigura regular-mente desde o Anuário Obitel 2008 é o “tema do ano”. Resultado de observações

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do contexto televisivo nacional e internacional e de subsequentes discussões realiza-das pelos coordenadores Obitel, o tópico adquire relevância à medida que se ajusta ao cenário da ficção televisiva ano a ano. Assim, ganha contornos que se delineiam a partir da incidência do tema escolhido nos diversos contextos nacionais. Tais cenários são analisados individual e comparativamente na síntese que compõe a primeira parte da publicação, conforme explicitamos anteriormente. Dessa forma, o tópico, devido à sua dinâmica em termos de ajustes ao contexto de cada país e ao próprio movimento de transformação inerente ao cenário comunicacional como um todo, mobiliza aproximações teóricas e metodológicas interdisciplinares e ino-vadoras. Os “temas do ano” dos anuários foram: “Adaptações e formatos” (2008), “Publicidade na ficção televisiva” (2009), “Narrativas ficcionais televisivas em múl-tiplas plataformas” (2010), “Qualidade na ficção televisiva” (2011), “Transnacio-nalização da ficção televisiva” (2012), “Memória social e ficção televisiva” (2013) e “Estratégias de transmidiação do produtor na ficção televisiva” (2014).

A seguir, apresentamos as referências dos anuários do Obitel publicados até o momento. Cabe destacar que as edições de 2011 em diante estão disponíveis, em português, espanhol e inglês, para consulta e download, no seguinte endere-ço: www.obitel.net.

• Memória social e ficção televisiva em países ibero-americanos (Anuário Obitel 2013), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (Porto Alegre, Sulina, 2013).

• Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos (Anu-ário Obitel 2012), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (Porto Alegre, Sulina, 2012).

• Qualidade na ficção televisiva e participação transmidiática das audiências (Anuário Obitel 2011), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (São Paulo, Globo, 2011).

• Convergências e transmidiação da ficção televisiva (Anuário Obitel 2010), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Oro-zco Gómez (São Paulo, Globo, 2010).

• A ficção televisiva em países ibero-americanos: narrativas, formatos e publi-cidade (Anuário Obitel 2009), organizado por Maria Immacolata Vas-sallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (São Paulo, Globo, 2009).

• Mercados globais, histórias nacionais (Anuário Obitel 2008), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Lorenzo Vilches (São Paulo, Globo, 2008).

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• Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica (Anuário Obi-tel 2007), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Loren-zo Vilches (Barcelona, Gedisa, 2007).

Esses anuários representam a concretização de um projeto monumental que apenas uma pesquisadora do porte de Maria Immacolata Vassallo de Lo-pes poderia realizar. Mais do que análises, dados e informações, essas obras refletem os passos e a trajetória de uma investigadora cujas pesquisas impac-tam fortemente os estudos de Comunicação no Brasil e nos espaços ibero e latino-americanos. Sua insistência e perseverança, seu cuidado com detalhes e correção metodológica, sua capacidade aglutinadora, sua abertura ao debate de ideias e a coragem de enfrentar desafios foram e são fundamentais para reu-nir tantos pesquisadores e conduzir as pesquisas relatadas. E aqui nomeamos apenas algumas das qualidades dessa guerreira do campo das comunicações ibero-americanas.

Referências

LEMOS, Ligia Maria Prezia. Memória e ficção televisiva ibero-americana. Comunicação & Educação, São Paulo, ano 19, n. 1, p. 139-144, jan./jun. 2014.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela como recurso comunicativo. MATRIZes, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 21-48, ago./dez. 2009.

________.; MUNGIOLI, Maria Cristina Palma. OBITEL: uma experiência de estudo da ficção televisiva em rede colaborativa internacional. In: CON-GRESSO INTERNACIONAL IBERCOM, 13., 2013, Santiago de Compos-tela. Anais... Santiago de Compostela: AssIBERCOM, AGACOM, 2013. p. 2907-2919.

________.; BORELLI, Sílvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vi-vendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002.

MALDONADO, Efendy; ROMANCINI, Richard. Maria Immacolata Vas-sallo de Lopes. Uma trajetória acadêmica exemplar, no enlace entre a pesquisa e o objeto popular da telenovela. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 118-139, jul./dez. 2012.

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MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001.

MUNGIOLI, Maria Cristina Palma; KARHAWI, Issaaf. Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos. Comunicação & Educação, São Paulo, ano 18, n. 1, p. 131-136, jan./jun. 2013.

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Uma metodóloga da utopia cotidiana

Raquel Paiva1

Há um texto de Gianni Vattimo – como de costume, profun-do e claro – ao qual recorro como inspiração para falar sobre a trajetória de Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Algumas razões me levam a recorrer a Vattimo para iniciar este texto. A principal delas é que, em seu artigo, ele lança mão de inúme-ras obras ficcionais, em particular as cinematográficas, para refletir sobre a utopia.Para começar, um travelling por obras que vão desde Viagens de Gulliver, passando por Metrópolis, de Fritz Lang, e 1984, de George Orwell, para nos determos em Blade Runner, filme de 1983, de Ridley Scott, sobre o qual tanto se discutiu. A questão de Vattimo é a utopia, a contrautopia e a ironia. A utopia como o sentimento e a vontade já não mais capazes de fazer frente ao desencanto, característico do pós-modernismo.A primeira razão para se lançar mão do texto de Vattimo ao falar de Immacolata é a sua dedicação, há anos, ao estudo permanente do gênero ficcional mais expressivo do brasi-leiro, a telenovela, no qual se mesclam elementos utópicos, contrautópicos e irônicos do universo nacional. A partir da

1. Professora associada da Escola de Comunicação da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ) e pesquisadora 1A do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

6.1LOPES

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telenovela, Immacolata pretende descortinar o perfil desse amontoado de gente, separado em recantos tão diferentes, com culturas tão distintas que se reconhece como povo brasileiro. A ficção televisiva que marca a narrativa da vida quoti-diana dessa população tem, ao longo dos anos, apresentado questionamentos sociais, filosóficos, éticos, políticos e, acima de tudo, profundamente humanos desse contingente populacional.

A academia nem sempre esteve preocupada com o estudo atento desse gê-nero, talvez por avaliá-lo a partir de um perfil fixo de análise crítica. Convicta da qualidade da composição identitária que aí podia encontrar, Immacolata não mediu, cronometrou, propôs temáticas nem se confinou a seus esquemas metodológicos para analisar esse gênero. E o que é o mais incrível: seu esforço e sua dedicação não foram apenas reconhecidos pela academia, já que a própria indústria, produtora do gênero, tem constantemente requerido sua opinião e análise sobre as produções televisivas.

Na ficção, e especialmente na ficção brasileira que faz as vezes de filosofia na-cional – já não é mais mistério para ninguém –, encontramos dissecado o perfil de um povo. As narrativas irão certamente constituir um material valiosíssimo para o traçado histórico que o futuro empreenderá sobre o Brasil dos tempos atuais. Entre a história narrada e a realidade quantificada, é impossível determi-nar, hoje, o que há de mais revelador do cotidiano e dos costumes de um povo, de sua produção ficcional ou noticiosa. Para a área da Comunicação no Brasil, este foi um legado importante deixado por alguns pioneiros, dentre os quais se destaca o trabalho de Maria Immacolata Vassallo de Lopes.

Qual a segunda razão para escolher Vattimo, o filósofo italiano e deputado do Parlamento Europeu? Além da sua produção e de sua inequívoca importân-cia para todos os estudiosos da área da Filosofia, mas também da Comunicação, Gianni Vattimo é italiano. Esta cidadania compartida com Maria Immacolata Vassallo de Lopes é o segundo motivo. Na verdade, uma forma de homenagear as raízes dessa “professoresa” que soube o momento certo de refazer a sua vincu-lação com o país de grandes e importantes narradores.

Depois de ter vindo para o Brasil, no pós-guerra, ainda menina, oriunda de um pequeno povoado (Laurito) da província de Salerno, retomou o seu contato direto com a Itália anos depois, quando foi fazer o pós-doutoramento sob acom-panhamento da sua amiga Milly Buonanno. É importante lembrar, entretanto, que a relação com a Itália sempre esteve presente na vida de Immacolata. Basta lembrar que passou toda sua juventude na região mais italiana no Brasil: o bair-ro da Bela Vista, em São Paulo.

Da relação intelectual com Milly Buonanno, surgiram dois livros editados pela INTERCOM. O primeiro, de 2000, Comunicação no plural: estudos de

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comunicação no Brasil e na Itália, trouxe textos de pesquisadores brasileiros e italianos que participaram do primeiro Colóquio Brasil-Itália de Ciências da Comunicação, realizado na cidade de Santos (SP), em 1997, e coordenado também pelas duas professoras. Os dois textos que abrem o livro, de autoria de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de Giovanni Bechelloni, discutem o “estado da arte” dos estudos em Comunicação realizados em seus países, Brasil e Itália, inaugurando assim o diálogo sistematizado sobre os estudos na área e possibilitando a realização do segundo colóquio, desta vez em terras europeias, na cidade de Florença, em janeiro de 2001.

O segundo colóquio acentua e estreita a troca entre os pesquisadores dos dois países. Mais uma vez, Immacolata é a organizadora tanto do evento como do livro que será editado em 2002, pela Mediascape, agora coorganizado por Bechelloni: Dal controllo alla condivisione: studi italiani e brasiliani sulla comu-nicazione. Essa publicação representa uma definição de rota com pesquisas con-juntas. Na edição, já é possível notar uma concentração de textos em torno da questão da ficção televisiva e também da discussão do gênero em que o Brasil é referência, inclusive para a Europa e para a Itália: a telenovela. Outro ponto de destaque que a edição contempla é a fundação, por investimento pessoal de Immacolata, da Associazione Italo-Latinoamericana di Comunicazione (Ailac).

Não há dúvida de que a concentração de Maria Immacolata Vassallo de Lopes nos estudos na área da telenovela dá partida, desde então, a estudos e pes-quisas no Brasil nesse setor. O Observatório Ibero-Americano da Ficção Televi-siva (Obitel) consolida essa disposição, que se define principalmente a partir da retomada de suas origens italianas. Talvez não possamos mesmo afirmar que sua preocupação com a narrativa televisiva, e em particular da soap opera, se defina pós-Itália, porque, ao analisar sua obra, constatamos a nascente anterioridade dessa preocupação. Mas com certeza podemos afirmar que, após a retomada italiana, essa configuração se torna mais visível e metodologicamente definida.

O terceiro livro que intensifica esse diálogo, Comunicação social e ética, edi-tado em 2005, pela INTERCOM, refere-se ao terceiro Colóquio Brasil-Itália, realizado no Rio de Janeiro, em 2003. Lopes e Buonanno, suas organizadoras, apresentam textos que confirmam a área de pesquisa conjunta numa promis-sora parceria: a produção ficcional televisiva. Dessa maneira, pode-se dizer que Immacolata, ao recuperar sua origem italiana, também reconfigura a sua locali-zação na área da Comunicação, passando a dedicar-se integralmente à questão da produção ficcional televisiva. Pode-se afirmar sem erros que, a partir desse momento, a telenovela brasileira passa a ter uma metodóloga.

É importante destacar que, nesse livro, Immacolata apresenta o texto “Nar-rativas televisivas e identidade nacional: o caso da telenovela brasileira” (LO-

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PES, 2005). Começa assim a consolidar o seu papel definitivo na área da Co-municação como pesquisadora de telenovela, não sendo mais possível, a partir daí, estudar o gênero sem consultar sua produção.

Considerando a idealização da cidade e da vida familiar contida no univer-so da telenovela, talvez pudéssemos imaginar que a inclinação de Immacolata sobre a ficção televisiva tivesse como significação uma vertente utópica. Utopia tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária ou fantástica. A concepção pode estar popularmente relacionada a uma cidade ou a um mundo, possível tanto no futuro quanto no presente, porém algo em pa-ralelo. Não podemos nos esquecer de que, bastante comumente, pode também ser utilizado para definir um sonho ainda não realizado, ou seja, uma fantasia ou uma esperança muito forte. Mas precisamos também recordar que a palavra foi criada a partir dos radicais gregos οὐ (não) e τόπος (lugar) – portanto, em primeiríssima instância, o “não lugar” ou “lugar que não existe”.

Temos de pensar, ainda, que utopia é um termo inventado por Thomas Mo-rus e que serviu de título a uma de suas obras escritas em latim, por volta de 1516, e que, como afirmam vários historiadores, resultou do fascínio de Morus pelas narrações extraordinárias de Américo Vespucio sobre a recém-avistada Ilha de Fernando de Noronha, em 1503. A partir daí, teria decidido escrever sobre um lugar novo e puro, onde existiria uma sociedade perfeita.

Sociedade perfeita! Não seria este o objeto que todos nós, pesquisadores e investigadores do nosso tempo, sempre pensamos criar? No objeto teórico dito “telenovela”, registra-se uma recriação da sociedade brasileira a partir de frag-mentos idealizados dos vínculos familiais, das relações de bairro e vizinhança e do universo do trabalho, cujos conflitos são mais subjetivistas do que sindicais. Apesar dessas distorções, para ali confluem as identificações da grande massa de telespectadores que se obstinam em não deixar fenecer o interesse pela narrativa telefolhetinesca.

Encontrar nessa peça do imaginário elementos-chave do imaginário urbano brasileiro é façanha teórica de visionários e engajados, como Maria Immacolata Vassallo de Lopes, todos preocupados em produzir análises críticas capazes de fornecer parâmetros de análise sobre nossa época. Immacolata, como metodó-loga do estudo da ficcionalização midiática da sociedade atual, é certamente uma metodóloga de utopias do cotidiano, desses ainda não lugares, mas de uma perspectiva que seja cada vez mais inclusiva e que possa refletir um largo espec-tro de anseios sobre a sociedade em que vivemos. Basta conferir suas análises, divulgadas por diversos jornais, sobre o primeiro beijo gay da TV brasileira.

Para Vattimo, utopia tem outro significado – ou, pelo menos, um significa-do mais aplicado –, e não deriva de uma força destinal. Ele o concebe a partir da

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ideia de que “o futuro deve ser definido a partir de um quadro não circular, mas sim de uma narrativa utópica, no sentido de que possa ser irônica e hermeneuti-camente distorsiva com relação à história”. Essa perspectiva, que reúne propos-tas do próprio Vattimo e também do filósofo pragmatista americano Richard Rorty, comporta a proposição de algo que está sendo urdido e inventado em todos os quadrantes da vida social – das vozes periféricas até o entretenimento televisivo – e que, por essa razão, requer um chamamento à humildade de todos nós, produtores e pesquisadores.

Por essa perspectiva, pode-se caracterizar Maria Immacolata Vassallo de Lo-pes como metodóloga das utopias mínimas do cotidiano.

Referências

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________. Etica dell’interpretazione. Torino: Rosenberg & Sellier, 1975.

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353Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Productos y procesos de integración y organización académica: diálogos en lengua española

Raúl Fuentes Navarro1

En el ya lejano 1988, José Marques de Melo ideó y propuso un proyecto que sería crucial para la creación de vínculos académicos entre investigadores de la comunicación en Bra-sil y en México, representados por la Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) y el Consejo Nacional para la Enseñanza y la Investigación de las Ciencias de la Comunicación (CONEICC). Se trataba de comenzar por la construcción e intercambio de “estados de la cuestión” en diez temas en cada uno de los países, y de buscar al mismo tiempo identificar las similitudes y diferen-cias de desarrollo de esos “subsistemas” nacionales y culti-var el entendimiento mutuo de los contextos en los que nos ubicábamos los académicos en estos dos países, extremos de América Latina, para de ahí partir al establecimiento de vín-culos más estables de colaboración. Tuve la fortuna de coor-dinar al equipo mexicano en este proyecto y de hacerme car-go del subsistema “Investigación de la Comunicación”, que en su parte brasileña sería trabajado por Maria Immacolata

1. Doctor en Ciencias Sociales por la Universidad de Guadalajara. Profesor-investigador del Departamento de Estudios Sociocultu-rales del Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occi-dente (Iteso).

6.1LOPES

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Vassallo de Lopes, con quien he mantenido desde entonces una cercana amistad y una estrecha afinidad académica y profesional. En este texto presento algunos testimonios de lo que a mi juicio ha sido el aporte principal de mi colega brasi-leña al diálogo con la comunidad académica de habla española en el campo de la comunicación durante los últimos veinticinco años.

El primer Cóloquio Brasil-México de Pesquisa da Comunicação, que nos reunió en Embu-Guaçu en diciembre de aquel 1988, fue especialmente pro-ductivo y estimulante para la mayor parte de quienes participamos, tanto en re-lación con el conocimiento de las perspectivas y condiciones de la investigación de la comunicación en el otro país, como en cuanto a la conjunción de factores estructurales e individuales que se manifestaban en la voluntad de superación de condiciones de entendimiento mutuo entre académicos, que comenzaban por el hecho de ser hablantes de dos lenguas cercanas pero diferentes: el portugués y el español, y algunas variantes intermedias, reconocibles como “portuñol”. En casos como el mío, incapaz de acercar el habla propia a la otra lengua pero con disposición a entenderla tanto en sus expresiones orales como escritas, la conversación y la comprensión fluyeron con facilidad desde el principio, con un poco de práctica, hablando cada quien su idioma, aunque tratando de no hacerlo ni demasiado rápido ni recargado de modismos coloquiales.

Maria Immacolata había terminado su tesis de doctorado ese mismo año y entre los valiosos materiales bibliográficos con los que regresé a Guadalajara de ese mi primer viaje a Brasil, estuvo un ejemplar de esa tesis (LOPES, 1988), que después se convertiría en un libro muy influyente y que utilicé como fuente de consulta en mi propia tesis doctoral, terminada en 1996. También desde los primeros años noventa se publicaron en México varios artículos de Immacolata traducidos al español, entre ellos uno asociado al proyecto Brasil-México, que traduje para la revista Comunicación y Sociedad (LOPES, 1991). En los siguien-tes años, haría lo mismo con otros artículos (LOPES, 1995; 1997), aunque estuvieran referidos a una línea de investigación que personalmente no cultivo, los estudios de recepción de telenovelas, pero que están más enfocados a discu-siones metodológicas que temáticas. Entre otras publicaciones, estos artículos han sido parte de la difusión en lengua española del trabajo y la contribución reconocida de Immacolata, desde hace más de dos décadas, al avance de la in-vestigación de la comunicación en América Latina, y no solo en Brasil, donde es evidentemente una autora muy influyente.

Otro espacio compartido de colaboración internacional comenzó en agosto de 1992, cuando se celebró, otra vez en Embu Guaçu, en las afueras de São Paulo, el primer Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comuni-cación, organizado por la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la

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355Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Comunicación (Alaic), que habíamos contribuido a “reconstituir” brasileños y mexicanos en los años anteriores. En junio de 1994, el segundo congreso de la Alaic se realizó en Villa Primavera, a las afueras de Guadalajara. Apenas cinco años después de la reconstitución, las condiciones de la comunidad académica convocada por la Alaic requerían ya una forma más estable y menos esporádica de articulación de los debates y los avances de la investigación. Una vez consoli-dado el esfuerzo para renovar periódicamente los cuerpos directivos y organizar un congreso cada dos años en una sede diferente, o en sentido más estricto, como parte central de esa consolidación, la Alaic decidió retomar de otras aso-ciaciones, especialmente de la INTERCOM, la experiencia con la figura de “grupos de trabajo” (GT). Entre 1995 y 1998, la función principal de la segun-da vicepresidencia de la Alaic, que tuve el honor de ocupar en ese periodo, fue la consolidación de este esquema de grupos de trabajo como forma práctica y constante de articulación de los intereses, avances y propuestas de investigación de los miembros de la asociación.

Tres factores se consideraron claves para la consolidación de los GT: por una parte, la energía dedicada por los coordinadores para proponer el marco general de la temática, convocar a los interesados y mantenerlos en contacto para aprovechar las reuniones internacionales (de Alaic o de otros organismos) y complementar las tareas realizadas a distancia. Un segundo factor fue el empleo adecuado y constante de medios de comunicación como el correo electrónico, que permitiera superar los problemas de costo y tiempo que antes exigían prác-ticamente las reuniones presenciales. Y el tercer factor es por supuesto la dispo-sición personal de los miembros de la asociación para participar e involucrarse en las discusiones e intercambios que supone la organización de los grupos de trabajo y que no significa necesariamente una carga adicional al trabajo cotidia-no sino al contrario: una fuente potencial de enriquecimiento y desarrollo difícil de conseguir para cualquiera al margen de una red como la propuesta en los GT (FUENTES NAVARRO, 1998).

Fueron doce los grupos inicialmente diseñados e impulsados desde el con-greso de Guadalajara, y probados en la práctica en los congresos de la Alaic (tercero y cuarto) de Caracas, en 1996, y Recife, en 1998. Uno de ellos fue el GT de “Metodologia da Pesquisa”, coordinado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes, que a partir de 1998 presentó un nombre más extenso: “Teorías y Metodologías de la Investigación en Comunicación”, así como una definición de su objeto de estudio, que diez años después encontró su mejor formulación, como fue publicado el sitio www.alaic.net y registrado por Maria Cristina Go-bbi (2008, p. 166):

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Pretendemos ser un espacio para la reflexión de las cuestiones relativas a la producción de conocimiento en el campo de la Comunicación. Dis-cutimos los fundamentos teóricos, metodológicos y las técnicas de inves-tigación en comunicación. Su estudio se centra en la epistemología, en las corrientes teóricas, en los paradigmas y tendencias del campo de la comunicación. Estudiamos y analizamos el pensamiento comunicacio-nal contemporáneo y las perspectivas de la interdisciplinariedad con la comunicación como objeto de estudio.

Durante los congresos quinto al décimo de la Alaic (Santiago de Chile, en 2000, Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, en 2002, La Plata, Argentina, en 2004, São Leopoldo, Brasil, en 2006, Ciudad de México, en 2008, y Bogotá, Colom-bia, en 2010), la coordinación de Maria Immacolata fue determinante para la consolidación de este GT como un referente latinoamericano indispensable para la estructuración científica de los estudios de la comunicación en el cam-biante contexto de las ciencias sociales, no solamente por su trabajo de orga-nización, sino también por su liderazgo intelectual, pues, según Gustavo León Duarte (2006, p. 139), “se puede afirmar que la obra de Vassallo de Lopes es la principal fuente de conocimiento y reconocimiento del capital científico en el interior del GT-17 de la ALAIC, al ser su trabajo el más citado dentro del total de las producciones científicas analizadas”2.

Otro de los muchos productos derivados de este proceso de convergencia continental en torno a la “metainvestigación” de la comunicación en el GT de Teorías y Metodologías de la Investigación en Comunicación de Alaic es el libro Comunicación: campo y objeto de estudio. Perspectivas reflexivas latinoamericanas (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001a), editado en México, en 2001, y reeditado en 2005, organizado a partir de una selección de trabajos presentados en el congreso de Santiago de Chile en 2000. En la introducción se señala una condición que, a pesar del esfuerzo y el aporte del propio GT, sigue teniendo vigencia en América Latina: en el campo de la comunicación se puede constatar un interés enorme por el contexto macrosocial de la producción de conoci-miento científico, un escaso interés por el contexto institucional y un interés creciente por el contexto discursivo o teórico.

2. Aunque el número de identificación de los GT de Alaic ha cambiado a lo largo del tiempo, la referencia es clara: se trata del GT Teorías y Metodologías de la Investigación en Comunicación, que en 2014 tiene el número 9.

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El enorme interés por el tema de la globalización ha generado aportes renovadores en los estudios de comunicación al realizar encuentros in-terdisciplinarios, proponer nuevas categorías de análisis y propiciar un trabajo conceptual más complejo. Pero si se considera la reflexión sobre el contexto institucional de la producción científica en el campo de la comunicación, el escenario es pobre. Es fácil constatar el reducido interés en cómo se institucionalizan los estudios de comunicación en nuestros países. […] Por otro lado, sin embargo, el interés por el contexto dis-cursivo de la ciencia y, más específicamente, de la historia del campo, ha crecido y se ha generalizado por toda América Latina. Una de las cuestiones centrales ha girado en torno a la condición disciplinaria de la comunicación, la que ha sido objeto especial de preocupación a partir de los noventa (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001b, p. 10).

Ya desde entonces, el predominio numérico de los participantes brasileños sobre los de los demás países era notable en este y en la mayoría de los GT, como reflejo del mayor grado de crecimiento y consolidación institucional del campo en Brasil. Como parte sustancial de su análisis de las contribuciones de la Alaic, en su 30 aniversario, Maria Cristina Gobbi (2008, p. 218) recopiló 1576 textos (“ponencias” o “papers”) presentados en alguno de los 22 GT de Alaic en los cinco congresos realizados entre 1998 (Recife) y 2006 (São Leopoldo). 84 de esos textos (5.3%) corresponden al GT de Teorías y Metodologías de Investigación de la Comunicación, cuando el promedio por GT se sitúa en 71 (4.5%). Los únicos tres países de donde provinieron más de 100 textos en ese periodo fueron Brasil (786, 49.9%), Argentina (350, 22.2%) y México (113, 7.2%), es decir, una concentración conjunta del 79.3%. Por ello, la edición de Comunicación, campo y objeto de estudio partió de la decisión de incorporar en la selección de textos tantas contribuciones brasileñas como de los otros países. En consecuencia, se tradujeron al español y se combinaron en la obra trabajos de Maria Immacolata Vassallo de Lopes, Sérgio Caparelli e Ida Regina C. Stumpf, Luiz C. Martino, Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre, Muniz Sodré, Antonio Albino Canelas Rubim y Francisco Rüdiger, provenientes de Brasil, con textos escritos originalmente en español por Jesús Martín-Barbero, Gas-tón Julián Gil, Victor Lenarduzzi, Alicia Entel, María Cristina Mata, Migdalia Pineda de Alcázar y Raúl Fuentes Navarro, cuatro desde Argentina, dos desde México y uno desde Venezuela.

Aún hoy, casi una década y media después, siguen siendo escasos los libros colectivos o individuales publicados en América Latina, en español o en portu-gués, con la pretensión de reflexionar epistemológica y sociológicamente sobre

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los estudios de la comunicación, sobre todo como ya se señalaba, en su contexto institucional, y menos frecuentes aún los que contengan aportes al mismo tiem-po empíricamente informados y teóricamente orientados. De ahí que la lectura de Comunicación, campo y objeto de estudio, donde se atienden en los diversos capítulos los tres contextos o dimensiones de análisis (macrosocial, institucional y teórico o discursivo) siga teniendo interés y pertinencia para el reconocimien-to del estado del campo, visto desde América Latina.

Después de los coloquios Brasil-México de investigación de la comunica-ción ya mencionados al principio de este texto, la INTERCOM extendió este modelo de colaboración, con mucho éxito, hacia otros países del mundo. En abril de 2006, por cuarta ocasión, tocó el turno a España, mediante una reunión celebrada en la Universidad de Málaga, bajo el tema “Construir la Sociedad de la Comunicación”, de donde surgió un libro con el mismo título, que contó con Maria Immacolata entre los coordinadores (GARCÍA GALINDO, LOPES & BALANZA, 2009). Una reseña publicada en España resume con precisión el contenido de la obra:

Se estructura en cuatro partes diferenciadas: “La sociedad de la comu-nicación: fundamentos teóricos y derivas históricas”, que de los cuatro textos que lo forman, los dos primeros corresponden a una perspectiva teórica más general sobre los principios del área, mientras que los dos restantes establecen aproximaciones teóricas de la historia con la comu-nicación, a partir del análisis específico de los fenómenos periodísticos. [En] “Las tecnologías de la comunicación y los procesos sociales”, los enfoques sobre los ámbitos de la investigación, los agentes, las prácti-cas, las tecnologías comunicativas y sus problemáticas cobran relevancia. “Comunicación y cultura: migraciones narrativas”, presenta estudios de prácticas culturales y comunicativas que marcan la sociedad de la comu-nicación, contando con tres trabajos de autores brasileños. Y por último, [en] “Construir la sociedad de la comunicación: carencias y propuestas”, los textos desarrollan reflexiones que apuntan desafíos, enfocan las trans-formaciones de las prácticas y ámbitos que coinciden particularmente en el dominio del conocimiento en la sociedad contemporánea. En resu-men, la calidad y heterogeneidad de las aportaciones que se incluyen en este libro son una buena muestra del vigor de la comunidad científica de nuestros respectivos países, observadora atenta de las transformaciones que se están produciendo en nuestro contexto social, cultural y comuni-cativo (RODRÍGUEZ VÁZQUEZ, 2010, p. 206).

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Y aunque ese libro volvió a demostrar “el enorme interés por el tema de la globa-lización” como contexto macrosocial de la producción científica en comunicación, los contextos teórico-discursivo e institucional no han sido descuidados. En 2012, como parte de una nueva iniciativa brasileña para fortalecer los vínculos internacio-nales de intercambio y colaboración, los foros de la Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de Comunicación (Confibercom) sobre políticas públicas de comunicación en Iberoamérica, específicamente sobre los sis-temas de apoyo a la ciencia y la tecnología, los programas de posgrado y las publi-caciones, pude colaborar nuevamente con Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordinadora del foro de posgrados. En el libro correspondiente (LOPES, 2012), también coordinado por ella, se presenta un conjunto de informes elaborados por equipos de académicos en cinco “subregiones” de Iberoamérica (Brasil; América del Sur, exceptuando a Brasil; México, Centroamérica y Caribe; España; y Portugal) y que fueron presentados durante el primer congreso de la Confibercom, en São Paulo, en agosto de 2011. Estos insumos contribuyeron a tres objetivos iniciales:

1) Elaborar un inventario descriptivo de los programas de posgrado en Comunicación que operan en la región iberoamericana, entendiéndo-se como tales los programas de estudio dirigidos hacia la obtención de grados de doctorado y/o de maestría, reconocidos oficialmente por las normativas nacionales de la educación superior.2) Identificar las tendencias nacionales de desarrollo de los sistemas de posgrado en Comunicación durante la última década, dentro del marco de las legislaciones educativas de cada país, incluyendo especialmente los sistemas de evaluación y de acreditación vigentes. 3) Explorar los marcos institucionales de cooperación e intercambio aca-démicos y de los mecanismos nacionales vigentes y susceptibles de ser aprovechados para la internacionalización de los programas (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2012, p. 8).

El inventario levantado por los cinco equipos coordinados por Immacolata tiene el valor extraordinario de llenar un hueco que nadie había atendido en más de una década. En el foro celebrado en São Paulo, en 2011, así como en sus secuelas en Quito, en 2012, y en Porto, en 2013, no se avanzó, sin embargo, en una interpretación integral o comparativa entre las cinco regiones. No obstante, la “agregación” de la información generada dejó claras, al menos, tres condicio-nes: primero, el notable crecimiento de la oferta de posgrado en Comunicación, pues el inventario sistematizado rebasó los 450 programas (maestrías y doctora-dos) en total, situados en 21 países, una alta proporción de ellos fundados en la

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última década. Por otra parte, la dificultad de homologar los sistemas nacionales que regulan la creación, el desarrollo y la evaluación de estos programas, a pesar de las coincidencias detectadas en el nivel de las políticas. Finalmente, la opor-tunidad de consolidación de los estudios de comunicación como área acadé-mica, que la cooperación internacional ofrece a las instituciones y asociaciones nacionales y regionales iberoamericanas, mediante la articulación de esfuerzos y recursos invertidos en la formación universitaria de alto nivel.

En un proceso de fortalecimiento institucional que continúa, y que deberá se-guir avanzando durante muchos años en Iberoamérica como en el resto del mun-do, los estudios científico-académicos sobre la comunicación en su sentido más ri-guroso han recibido desde Brasil, por parte de los colectivos de los que forma parte destacada Maria Immacolata Vassallo de Lopes, y de ella en particular, un impulso constante y decisivo, que es reconocido y aprovechado como propio en los países de habla española, para “alentar la discusión reflexiva y el trabajo sistemático de re-conocimiento de las condiciones desde las que se practica la investigación científica de la comunicación” (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001b, p. 11-12).

Referências

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361Maria Immacolata Vassallo de Lopes

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RODRÍGUEZ VÁZQUEZ, Francisca. Reseña de “Construir la sociedad de la comunicación”. Comunicar, Huelva, v. 18, n. 35, p. 206, 2010.

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Produção bibliográfica1

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1. Fonte: Currículo Lattes de Maria Immacolata Vassallo de Lopes, consultado em junho de 2014.

6.1LOPES

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363Maria Immacolata Vassallo de Lopes

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364 Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes

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