Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    1/81

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    2/81

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    3/81

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    4/81

    KRONSTADT

    Alexander Berkman

    Emma Goldman

    Ateneu Diego Gimnez2011

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    5/81

    Edies Originais:Kronstadt. FORA-AIT. Buenos Aires, ano desconhecido.

    The Kronstadt Rebellion. Der Sindikalist, Berlim, 1922.

    My Disillusionment in Russia. Doubleday, Page & Company. Nova Iorque, 1923.Living My Life. Alfred A Knopf Inc. Nova Iorque, 1931.

    Trotsky Protests Too Much. The Anarchist Communist Federation. Glasgow, 1938.

    La Verdad sobre Kronstadt. Barcelona, 2001.

    Traduo e Diagramao:Ateneu Diego Gimnez

    COB-AIT

    Piracicaba, 2011

    http://ateneudiegogimenez.wordpress.comhttp://cob-ait.net

    http://www.iwa-ait.org

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    6/81

    NDICE

    A rebelio de Kronstadt .............................................................................................1Alexander Berkman

    Kronstadt ....................................................................................................................27

    Emma Goldman

    Trotsky protesta demais ..........................................................................................42

    Emma Goldman

    Posfcio: Lies e significncia de Kronstadt ....................................................54Alexander Berkman

    Anexo: A verdade sobre Kronstadt ........................................................................57

    Stepan Petritchenko

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    7/81

    A REBELIO DE KRONSTADT

    Alexander Berkman

    I. Desordens operrias em Petrogrado

    Era o incio de 1921. Os tempos de guerra mundial, de revoluo e de guerracivil debilitaram a Rssia at o extremo e puseram o povo beira do desespero. Porm,no fim, a guerra civil terminou: os numerosos frontes foram liquidados, e Wrangel a

    ltima esperana de interveno da Entente e da contrarrevoluo russa foiderrotado, concluindo sua atividade militar na Rssia. O povo esperava agora comconfiana um alvio do severo regime bolchevique. Se esperava que os comunistas,terminando a guerra civil, aliviassem as pesadas cargas, abolissem as restriesintroduzidas durante a guerra, instaurassem certas liberdades fundamentais e

    comeassem a organizao normal da vida. Longe de ser popular, o governobolchevique era, pelo contrrio, suportado pelos operrios devido a seu plano,frequentemente anunciado, de empreender a reconstruo econmica do pas logo quecessassem as operaes militares. O povo estava ansioso para cooperar, para prestarsua iniciativa e seu esforo criador na obra de reconstruo do pas arruinado.

    Desgraadamente, estas esperanas foram logo frustadas. O Estado comunistano evidenciou, de nenhum modo, ter a inteno de debilitar o jugo. Continuava amesma poltica. A militarizao do trabalho escravizava ainda mais o povo, e isso se

    exacerbava mais e mais pela opresso crescente e pela tirania. Tal estado de coisasparalisava toda possibilidade de um renascimento industrial.Desaparecia a ltima esperana e se reforava a convico de que o partido

    comunista estava mais interessado em conservar o poder poltico do que em salvar arevoluo.

    O elemento mais revolucionrio da Rssia, o proletariado de Petrogrado, foi oprimeiro a protestar. Lanou a acusao de que, entre outras causas, a centralizaobolchevique, a burocracia e a atitude totalitria para com os camponeses e os operrioseram diretamente responsveis, em grande parte, pela misria e pelos sofrimentos dopovo. Grande nmero de oficinas e fbricas de Petrogrado fecharam suas portas: os

    operrios literalmente morriam de fome. Organizaram reunies para considerar asituao, e foram dispersados pelo governo. O proletariado de Petrogrado, quesuportou todo o peso das lutas revolucionrias, e cujos enormes sacrifcios e herosmossalvaram a cidade contra Yudenitch, se irritaram com a manipulao do governo. Aanimosidade contra os mtodos empregados pelos bolcheviques continuava crescendo.Os comunistas recusavam as menores concesses ao proletariado, oferecendo aomesmo tempo entenderem-se com os capitalistas da Europa e da Amrica. Osoperrios se indignaram. Com o fim de forar o governo a examinar suas exigncias,foram declaradas greves na fbrica de munies de Patronny, nas fbricas do Bltico ede Trubotchny, e na f

    brica de Laferm. Por

    m em lugar de discutir a quest

    o com os

    1

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    8/81

    operrios descontentes, o Governo dos Operrios e Camponeses criou o KomitetOborony (Comit de Defesa) como no perodo da guerra, com Zinoviev o homem maisodiado de Petrogrado como Presidente. O fim desse comit era o de estrangular omovimento grevista.

    Em 24 de fevereiro foram declaradas as greves. No mesmo dia os bolcheviques

    enviaram os kursanti os estudantes comunistas da academia militar que sepreparavam para os graus de oficiais do exrcito e da marinha para dispersar ostrabalhadores que haviam se reunidos em Vassilievsky Ostrov, o bairro operrio dePetrogrado. No dia seguinte, 25 de fevereiro, indignados, os grevistas de Vassilievsky

    Ostrov visitaram os estaleiros do Almirantado e as docas da Galernaya e persuadiram

    os operrios a associarem-se contra a atitude autocrtica do governo. A tentativa demanifestao dos grevistas nas ruas da cidade foi dispersada pelos soldados.

    Em 26 de fevereiro, na reunio do Soviete de Petrogrado, um conhecidocomunista, Laskevitch, membro do Comit de Defesa e do Conselho Militar Soviticoda Repblica, denunciou o movimento grevista nos termos mais amargos. Acusou os

    operrios da fbrica de Trubotchny de terem comeado o descontentamento e de seremhomens que no pensavam mais que em sua vantagem pessoal (shkurniki)e que eramcontrarrevolucionrios, e friamente props fechar a fbrica de Trubotchny, proposioaceitada pelo Comit executivo do Soviete de Petrogrado, do qual Zinoviev eraPresidente. Os grevistas de Trubotchny foram, ento, bloqueados e privadosautomaticamente, por consequncia, de sua rao de vveres.

    As medidas do governo bolchevique serviram para azedar mais o antagonismo

    dos operrios. Nas ruas de Petrogrado comearam a aparecer proclames de greve.Algumas delas levavam j um carter francamente poltico. O mais caractersticodestes manifestos, colocado nos muros da cidade em 27 de fevereiro, dizia:

    Se tornou necessrio uma mudana completa na poltica dogoverno. Em primeiro lugar, os operrios e camponeses tmnecessidade de liberdade. No querem viver segundo os decretosdos bolcheviques: querem controlar seus prprios destinos!

    Camaradas, mantenham a ordem revolucionria! Exijam deum modo organizado e decidido:

    A libertao de todos os socialistas e dos operrios sempartido presos;

    A abolio do estado de stio; a liberdade de expresso, de

    imprensa e de reunio para todos os que trabalham; A eleio livre dos comits de fbrica e dos representantesaos sindicatos e aos sovietes.

    Organize reunies, adote resolues, envie vossos delegadoss autoridades e trabalhe na realizao de vossas exigncias!

    O governo respondeu efetuando numerosas detenes e suprimindo vriasorganizaes operrias. Esta medida aumentou mais a efervescncia do povo; as

    exigncias reacionrias comearam a aparecer. Assim, um proclame dos Operrios

    2

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    9/81

    Socialistas do Distrito de Nevsky apareceu em 28 de fevereiro, terminando com um

    chamamento em favor da Assembleia Constituinte:

    Sabemos quem tem medo da Assembleia Constituinte. Soos que no podero roubar o povo em seguida. Tero, ao contrrio,

    que responder aos representantes do povo por suas mistificaes,seus roubos e seus crimes.Abaixo os comunistas odiados!

    Abaixo o governo sovitico!Viva a Assembleia Constituinte!

    Durante esse tempo, os bolcheviques concentraram em Petrogrado considerveisforas militares levadas da provncia, e mandavam capital do norte, a partir da linhade frente, os regimentos comunistas mais fiis. Petrogrado foi declarada em leimarcial extraordinria. Os grevistas foram subjugados pela fora e a agitaooperria, esmagada com mos de ferro.

    II. O movimento de Kronstadt

    Os marinheiros de Kronstadt se alarmaram visivelmente antes dos

    acontecimentos de Petrogrado. Sua atitude para com as rigorosas medidas tomadas

    pelo governo contra os grevistas estava longe de ser amistosa. Sabiam o que teve que

    suportar o proletariado revolucionrio da capital durante os primeiros dias darevoluo, sua heroica luta contra Yudenitch, a pacincia com que toleraram as

    privatizaes e a misria. Porm Kronstadt estava longe tambm de favorecer aAssembleia Constituinte, ou a experincia do comrcio livre de que se falava emPetrogrado. Os marinheiros eram, tanto espiritualmente como na ao, antes de tudo,revolucionrios. Eram os partidrios mais decididos do sistema dos Sovietes, pormeram contrrios ditadura de um partido poltico qualquer.

    O movimento de simpatia aos operrios grevistas de Petrogrado comeouprimeiramente entre os marinheiros dos barcos de guerra Petropavlovsk e Sevastopol,

    os mesmos navios que em 1917 foram o apoio principal dos bolcheviques. O movimento

    se estendeu a toda a frota de Kronstadt, e depois aos regimentos do Exrcito Vermelhoestacionados ali. No dia 28 de fevereiro a tripulao do Petropavlovsk adotou umaresoluo que obteve tambm o consentimento dos marinheiros do Sevastopol. Aresoluo pedia, entre outras coisas, as reeleies livres do Soviete de Kronstadt, cujomandato foi logo expirado. Ao mesmo tempo foi enviada a Petrogrado uma comisso demarinheiros para obter informaes sobre a situao.

    No dia 1 de maro se celebrou uma reunio pblica na praa do Anda, emKronstadt; foi convocada oficialmente pelas tripulaes da primeira e da segundaesquadra da frota do Bltico. Dezesseis mil marinheiros, soldados do Exrcito

    Vermelho e trabalhadores vieram at ela; foi presidida pelo presidente do Comitexecutivo do Soviete de Kronstadt, o comunista Vassiliev. O presidente da Repblica

    socialista federativa dos Sovietes, Kalinin, e o comissrio da frota do Bltico, Kuzmin,

    3

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    10/81

    estavam presentes, e tomaram a palavra. Deve fazer-se notar aqui, como indicao daatitude amistosa dos marinheiros ao governo bolchevique, que Kalinin, a sua chegada

    a Kronstadt, foi recebido com as honras militares, com msica e com bandeirashasteadas.

    A comisso de marinheiros que havia sido enviada a Petrogrado apresentou

    seus informes no comcio. Estes informes confirmaram as piores apreenses deKronstadt. A reunio expressou abertamente sua indignao contra os mtodosempregados pelos comunistas para sufocar as aspiraes dos operrios de Petrogrado.

    A resoluo adotada pelo Petropavlovsk em 28 de fevereiro foi ento apresentada aosreunidos. O presidente da repblica, Kalinin, e o comissrio Kuzmin atacaramferozmente a resoluo, os grevistas de Petrogrado e os marinheiros de Kronstadt.Porm seus argumentos no impressionaram a audincia e a resoluo do

    Petropavlovsk foi adotada unanimamente. Eis aqui o documento histrico:

    RESOLUO DA REUNIO GERAL DA PRIMEIRA E SEGUNDA

    ESQURADRA DA FROTA DO BLTICO, CELEBRADA EM 19 DE MARO DE 1921.

    Tendo ouvido o informe dos representantes enviados a Petrogrado pela reuniogeral das tripulaes para examinar ali a situao,

    Decide:

    1) dado que os Sovietes atuais no expressam a vontade dos operrios e doscamponeses, celebrar imediatamente as novas eleies por voto secreto, tendocompleta liberdade de agitao entre os operrios e camponeses na campanhaeleitoral;

    2) estabelecer a liberdade de expresso e de imprensa para todos os operrios ecamponeses, para os anarquistas e para os partidrios socialistas da esquerda;3) assegurar a liberdade de reunio para os sindicatos e para as organizaescamponesas;

    4) convocar uma conferncia independente dos operrios, soldados do ExrcitoVermelho e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e da provncia de Kronstadt, antesde 10 de maro de 1921;5) libertao de todos os presos polticos socialistas e tambm de todos os

    operrios, camponeses, soldados e marinheiros encarcerados pelo delito departicipao nos movimentos operrios e camponeses;6) eleger uma comisso de reviso dos casos daqueles que se encontram nasprises e nos campos de concentrao;7) abolir todos ospolitotdeli (gabinetes polticos), porque nenhum partido deve terprivilgios para a propaganda de seus ideais, nem receber ajuda financeira do governopara tais fins. Em seu lugar ser necessrio instituir comisses de educao e decultura social, eleitas localmente e sustentadas materialmente pelo governo;

    8) abolir imediatamente oszagryaditelniye otryadi1 (destacamentos de pedgio);9) igualar as raes para todos aqueles que trabalham em ofcios perigosos para

    4

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    11/81

    sade;10) abolio dos destacamentos comunistas de guerra em todas as sees doexrcito, assim como da guarda comunista colocadas nas oficinas e nas fbricas; emcaso de necessidade, estes destacamentos ou pelotes de guarda devero serdesignados pelo exrcito a partir das fileiras do mesmo, e nas fbricas segundo os

    desejos dos operrios;11) dar aos camponeses plena liberdade de ao no que diz respeito s suas terras, etambm o direito a possuir gado, na condio de que os prprios camponesesadministrem com seus prprios meios; isto , sem contratar trabalho empregado;12) pedir a todas as sees do exrcito e a nossos camaradas militareskursanti queaceitem nossas resolues;13) pedir imprensa que d a maior publicidade a nossas resolues;14) designar uma Comisso Itinerante de Controle;15) permitir livre kustarnoye (pequena indstria domstica) que no empreguetrabalho contratado.

    Resoluo aprovada por unanimidade pela reunio da brigada, abstendo-se devotar somente duas pessoas.

    PETRITCHENKO

    Presidente da Reunio da Brigada

    PEREPELKIN

    Secretrio

    Resoluo aprovada por maioria esmagadora pela guarnio de Kronstadt.

    VASSILIEV

    Presidente

    Junto com o camarada Kalinin, Vassiliev vota contra a resoluo.

    Esta resoluo que, como j dissemos, foi combatida ardentemente por Kalinin eKuzmin, foi adotada apesar de seu protesto. Depois da reunio, Kalinin pde voltar a

    Petrogrado sem ser incomodado.Nesta mesma reunio se resolveu enviar a Petrogrado um comit que explicaria

    para os trabalhadores e para a guarnio da capital as exigncias de Kronstadt epediria que delegados independentes (no pertencentes a nenhum partido) fossemenviados por eles a esta cidade para informarem-se sobre o estado verdico das coisas esobre as exigncias dos marinheiros. Este comit, composto de trinta membros, foidetido em Petrogrado pelos bolcheviques; seu destino foi sempre um mistrio.

    Como a existncia legal do Soviete de Kronstadt chegava ao seu trmino, areunio da brigada decidiu convocar uma conferncia de delegados para 2 de maro, afim de discutir o modo de celebrar as eleies. Na conferncia tomavam parterepresentantes dos navios de guerra, da guarnio, das diferentes instituies

    5

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    12/81

    soviticas, dos sindicatos e das oficinas. Cada organizao estava representada pelosdelegados.

    Celebrou-se a conferncia de 2 de maro na Casa de Educao (anteriormenteEscola de Engenheiros de Kronstadt), assistindo a ela trezentos delegados, entre os

    quais se encontravam tambm comunistas. A reunio, aberta pelo marinheiro

    Petritchenko, elegeu uma presidncia de cinco membros. A principal questo a serresolvida pelos delegados dizia respeito s novas eleies do Soviete de Kronstadt, quedeviam cumprir-se logo, e estabelecer os princpios sobre os quais deveriam celebrar-se. A reunio teria tambm que colocar em prtica as resolues, adotadas na vspera,e acordar os melhores meios para ajudar os pas a sair das condies lamentveiscriadas pela fome e pela falta de calefao.

    O esprito da conferncia era claramente sovitico; Kronstadt exigia os Sovieteslivres de toda interveno e de todo partido poltico, Sovietes independentes que foramo reflexo das aspiraes dos operrios e camponeses e expressavam sua vontade. Aatitude dos delegados era antagnica ao regime arbitrrio dos comissrios

    burocrticos, porm simptica para com a orientao do partido comunista como tal.Eram partidrios dedicados do sistema dos Sovietes e sinceros em seu desejo deencontrar amistosa e pacificamente uma soluo a estes problemas urgentes.

    O comissrio da frota do Bltico, Kuzmin, foi o primeiro a tomar a palavra.Homem de maior energia do que de juzo, no se deu conta da grande importncia domovimento. No soube se pr altura da situao; conquistar os coraes e os crebrosdesses homens to simples, marinheiros e trabalhadores, que haviam feito tantossacrifcios pela revoluo e que estavam esgotados e desesperados. Os delegadoshaviam se reunido para entenderem-se com os representantes do governo. Porm, emlugar desse esprito conciliador, o discurso de Kuzmin foi uma tocha acesa lanadasobre plvora. Indignou a todos por sua arrogncia e sua intolerncia. Negou ostumultos operrios de Petrogrado, dizendo que a cidade estava tranquila e os operriossatisfeitos. Elogiou o trabalho dos comissrios, ps em dvida os motivosrevolucionrios de Kronstadt e falou dos perigos que ameaavam por parte da Polnia.

    Chegou at a proferir insinuaes indignas e a rugir ameaas. Se quereis aguerra aberta, concluiu Kuzmin, a tereis, porque os comunistas no afrouxaro asrdeas do governo. Lutaremos at o fim.

    O discurso provocativo e desprovido de tato do comissrio da frota do Bltico foium insulto aos delegados. O discurso do presidente do Soviete de Kronstadt, o

    comunista Vassiliev, que falou depois de Kuzmin, no causou nenhuma impresso; foiimpreciso e sem mrito. Quanto mais se desenvolvia o comcio, mais francamenteantibolchevique se tornava a atitude geral. E, com certeza, os delegados esperavam

    sempre o entendimento com os representantes do governo. Mas se advertia em

    seguida, dizia o informe oficial2, que no podamos ter confiana em nossoscamaradas Kuzmin e Vassiliev, e que havia sido necessrio nos isolarmostemporariamente, sobretudo porque os comunistas esto de posse das armas e ns notemos acesso aos telefones. Os soldados tm medo dos comissrios, do qual temos aprova na carta lida na reunio da guarnio.

    Kuzmin e Vassiliev foram ento afastados da reunio e aprisionados. Um traocaracterstico do esprito da conferncia est no fato de que uma moo que pedia a

    6

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    13/81

    priso dos demais comunistas presentes foi rejeitada pela imensa maioria.Os delegados argumentaram que os comunistas deviam ser considerados de

    maneira igual aos representantes das outras organizaes e deveriam gozar dosmesmos direitos e respeitos. Kronstadt estava sempre determinada a encontrar uma

    base de reconciliao com o partido comunista e com o governo bolchevique.

    As resolues de 19 de maro foram lidas e adotadas com entusiasmo. Nessemomento a reunio se animou e se excitou vivamente ao declarar um delegado quequinze caminhes de soldados e de comunistas armados de fuzis e de metralhadorashaviam sido enviados pelos bolcheviques com ordem de atacar os reunidos. Esta

    informao, continua o informe do Izvestia, promoveu um profundo ressentimentoentre os delegados. A investigao feita demonstrou que o informe carecia de todofundamento, porm persistiam os rumores de que um destacamento dekursanti com ofamoso tchekista Dukiss no comando marchava j em direo ao forte de KrasnayaGorka. Em vista desses novos acontecimentos e das ameaas de Kuzmin e de Kalinin,a conferncia decidiu imediatamente organizar a defesa de Kronstadt contra o ataque

    bolchevique. O tempo pressionava e decidiram transformar a presidncia daconferncia em um Comit revolucionrio provisrio, que teria o dever de manter aordem e a segurana da cidade. O Comit devia se comprometer tambm com ospreparativos necessrios para celebrar as novas eleies do Soviete de Kronstadt.

    III. A campanha bolchevique contra Kronstadt

    Reinava, em Petrogrado, grande tenso nervosa. Estouravam novas greves e sedifundiam persistentes rumores sobre tumultos operrios ocorridos em Moscou e

    rebelies agrrias surgidas no leste da Sibria. A falta de imprensa em que se poderiaconfiar fazia com que a populao prestasse ateno aos rumores mais exagerados emais transparentemente falsos. Todas os olhares tinham se voltado para Kronstadt,

    na espera de importantes sucessos.

    Os bolcheviques no perderam um instante para organizar seu ataque aKronstadt. J em 2 de maro, o governo havia publicado umaprikaz (ordem), assinadapor Lenin e Trotsky, denunciando o movimento de Kronstadt como um motim, uma

    rebelio contra as autoridades comunistas. Nesse documento, os marinheiros foramacusados de serem instrumentos de ex-generais czaristas que, junto com os traidores

    socialistas revolucionrios, haviam preparado uma conspirao contrarrevolucionria

    contra a Repblica proletria.O movimento de Kronstadt foi qualificado por Lenin e Trotsky como obra dos

    intervencionistas da Entente e de espies franceses. Em 28 de fevereiro, dizia aordem, os marinheiros do Petropavlovsk aprovaram resolues que exaltam o espritoda reao mais negra. Depois apareceu em cena o grupo do antigo general Kozlovzky.Trs de seus oficiais, cujos nomes no so todavia desconhecidos, vo assumindoabertamente a direo da revolta. A explicao dos ltimos acontecimentos, portanto,se faz coincidente. Atrs dos socialistas revolucionrios se encontram de novo umgeneral czarista. Tomando tudo isto em considerao, o Conselho do Trabalho e daDefesa ordena: 1) declarar o antigo general Kozlovzky e seus partidrios fora da lei; 2)

    7

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    14/81

    decretar o estado de guerra na cidade e na provncia de Petrogrado; 3) pr o podersupremo de todo o distrito de Petrogrado nas mos do Comit de defesa dePetrogrado.

    Havia de fato um ex-general Kozlovzky em Kronstadt. Foi Trotsky quem o

    estabeleceu ali como um especialista em artilharia. Ele no desempenhou qualquer

    papel nos eventos de Kronstadt. Porm, os bolcheviques exploraram com habilidadeseu nome para denunciar os marinheiros como inimigos da repblica sovitica, e omovimento, como contrarrevolucionrio. A imprensa oficial bolchevique comeou entosua campanha de calnias e difamaes contra Kronstadt como o ninho daconspirao Branca dirigida pelo general Kozlovzky, e agitadores comunistas foramenviados aos operrios das fbricas e das oficinas de Petrogrado e a Moscou com o fimde chamar o proletariado a associar-se ao suporte e defesa do Governo dosOperrios e Camponeses contra a rebelio contrarrevolucionria de Kronstadt.

    Longe de terem o menor contato com generais e contrarrevolucionrios, osmarinheiros de Kronstadt recusaram a ajuda do prprio Partido Socialista

    Revolucionrio. O chefe do partido, Victor Tchernov, que estava ento em Reval, tentouinclinar os marinheiros a favor de seu partido e de suas reivindicaes, porm norecebeu nenhum encorajamento do Comit revolucionrio provisrio. Tchernovtransmitiu a Kronstadt o seguinte comunicado por rdio3:

    O presidente da Assembleia Constituinte, Victor Tchernov,

    envia suas saudaes fraternais aos camaradas marinheirosheroicos, aos soldados do Exrcito Vermelho e aos operrios que,

    pela terceira vez depois de 1905, rompem o jugo da tirania.

    Oferecemos ajuda para o envio de reforos e de provises aKronstadt por intermdio das cooperativas rusas no estrangeiro.Informem-nos do que lhes faz falta e da quantidade necessria.Estou disposto a ir pessoalmente e pr minhas energias e minhaautoridade ao servio da revoluo do povo. Tenho f na vitria

    final das massas trabalhadoras... Honra queles que so osprimeiros a hastear a bandeira da libertao do povo! Abaixo odespotismo da esquerda e da direita!

    O Partido Socialista Revolucionrio enviou, ao mesmo tempo, a seguinte

    mensagem a Kronstadt:

    A delegao Socialista Revolucionria no estrangeiro...,agora que a taa de clera do povo est transbordando, se oferece aajud-los por todos os meios sua disposio na luta pelaliberdade e pelo governo popular. Informem-nos sobre a ajuda de

    que necessitem. Viva a revoluo do povo! Vivam os Sovietes livrese a Assembleia Constituinte!

    O Comit Revolucionrio de Kronstadt negou a oferta dos socialistas

    8

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    15/81

    revolucionrios. Enviou a seguinte resposta a Victor Tchernov:

    O Comit Revolucionrio de Kronstadt expressa a todos seusirmos do estrangeiro sua profunda gratido pela simpatia. OComit Revolucionrio Provisrio agradece ao camarada Tchernov

    seu oferecimento, porm se abstm de aceit-lo no momento, querdizer, at os prximos acontecimentos esclarecerem mais asituao. Enquanto isso, tudo ser levado em considerao.

    PETRITCHENKO

    Presidente do Comit Revolucionrio Provisrio

    A campanha de insinuaes continuou, no obstante, em Moscou, cuja estaoT.S.F. enviou em 3 de maro a seguinte mensagem ao mundo (algumas passagens soindecifrveis por causa da interveno de outra estao):

    Que a revolta armada do ex-general Kozlovzky foi

    organizada pelos espies da Entente, como aconteceu em inmeroscompls precedentes, se faz evidente pelo peridico burgus francs

    Matin, que, duas semanas antes da revolta, publicou o seguinte

    telegrama de Helsingfors: Como resultado da recente rebelio deKronstadt, as autoridades militares bolcheviques tomaram

    medidas a fim de isolar Kronstadt e impedir que os soldados e

    marinheiros de Kronstadt cheguem em Petrogrado. evidente

    que o motim de Kronstadt foi preparado em Paris e organizadopelo servio secreto francs. Os socialistas revolucionrios,controlados e dirigidos tambm por Paris, tramaram estasrebelies contra o governo sovitico, e no antes de que seus

    preparativos fossem completados, apareceu o mestre verdadeiro, o

    general czarista.

    O carter das outras numerosas informaes enviadas por Moscou pode serjulgado pelo seguinte informativo por rdio:

    Petrogrado est tranquila e calma, e mesmo as fbricas emque ultimamente haviam sido lanadas acusaes contra o

    governo sovitico compreendem agora que tudo era obra deprovocadores. Compreendem aonde os agentes da Entente e da

    contrarrevoluo os tinham levado.

    Justamente no momento em que na Amrica o partidorepublicano assume de novo as rdeas do governo e se mostrainclinado a retomar as relaes comerciais com a Rssia sovitica,

    a difuso de falsos rumores e a organizao de desordens em

    9

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    16/81

    Kronstadt tm por nico objetivo impressionar o novo presidenteamericano para que ele mude sua ttica para com a Rssia. AConferncia de Londres foi celebrada neste mesmo perodo e adisseminao de semelhantes rumores influenciou a delegaoturca e a tornou mais apta a ceder s exigncias da Entente. A

    revolta da tripulao do Petropavlovsk , sem dvida alguma, umponto da grande conspirao para criar dificuldades no interiorda Rssia sovitica e para descreditar nossa situaointernacional.

    Este plano posto em execuo na prpria Rssia por umgeneral czarista e por ex-oficiais, e suas atividades recebem o

    apoio dos mencheviques e dos social-revolucionrios.

    O comit de defesa de Petrogrado, dirigido pelo seu presidente, Zinoviev,assumiu o controle completo da cidade e da provncia de Petrogrado. Todo o distritonorte foi declarado em estado de guerra e todas as reunies estavam proibidas.Tomaram-se preocupaes extraordinrias para proteger as instituiesgovernamentais e foram colocadas metralhadoras no hotel Astoria, ocupado por

    Zinoviev e outros altos funcionrios bolcheviques. Decretos colados nos murosordenavam a volta imediata dos grevistas a suas fbricas, proibindo a suspenso dotrabalho e prevenindo a populao para que no se reunisse nas ruas. Em casosemelhante se dizia na ordem os soldados recorrero s armas. No caso deresistncia, a ordem fuzilar sumariamente.

    O Comit de Defesa tomou medidas sistemticas para limpar a cidade.Numerosos operrios, soldados e marinheiros suspeitos de simpatizar com Kronstadtforam encarcerados. Todos os marinheiros de Petrogrado e vrios regimentos doexrcito, considerados politicamente inconfiveis, foram enviados a pontos distantes,enquanto as famlias dos marinheiros de Kronstadt que viviam em Petrogrado foramdetidas na qualidade de refns. O Comit de Defesa notificou a Kronstadt sua decisopor meio de uma proclamao difundida na cidade em 4 de maro por um avio naqual se dizia: O Comit de Defesa declara que os encarcerados so tidos como refnspelo comissrio da frota do Bltico, N. N. Kuzmin, pelo presidente do Soviete deKronstadt, T. Vassiliev, e outros comunistas. Ao menor dano que sofrerem nossos

    camaradas presos, os refns pagaro com suas vidas. No queremos derramamentode sangue. Nem um nico comunista foi fuzilado por ns, foi a resposta de Kronstadt.

    IV. As aspiraes de Kronstadt

    Uma nova vida reanimou Kronstadt. O entusiasmo revolucionrio se igualava aodas jornadas de outubro, quando o herosmo e a deciso dos marinheirosdesempenharam um papel decisivo. Pela primeira vez, depois do partido comunista ter

    tomado em suas mos o controle exclusivo da revoluo e dos destinos da Rssia,

    Kronstadt se sentia livre. Um novo esprito de solidariedade e fraternidade havia

    10

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    17/81

    reunido os marinheiros, os soldados da guarnio, os operrios das fbricas e aoselementos destacados que no pertenciam a nenhum partido, em um esforo comumpela causa de todos. At os prprios comunistas se contagiaram com a fraternidade detoda a cidade e participaram dos preparativos para as eleies do Soviete deKronstadt.

    Entre as primeiras medidas tomadas pelo Comit Revolucionrio Provisrio,deve-se mencionar as referentes conservao da ordem revolucionria de Kronstadt ea publicao do rgo oficial do Comit, o dirioIzvestia. Seu primeiro apelo ao povo deKronstadt (n 1, 3 de maro de 1921), caracterizava completamente a atitude e oesprito dos marinheiros. O comit revolucionrio, se dizia ali, se preocupasobretudo com que no haja derramamento de sangue. Tem dedicado todos seusesforos para manter a ordem revolucionria na cidade, na fortaleza e nos fortes.Camaradas e cidados, no parem o trabalho! Operrios, permaneam em vossosestabelecimentos! Marinheiros e soldados, no abandonem vossos postos! Todos osfuncionrios, todas as instituies soviticas devem continuar seu trabalho. O Comit

    Revolucionrio Provisrio os chama, camaradas e cidados, para prestarem ajuda. Suamisso organizar, em cooperao fraternal com vocs, as condies necessrias paraas eleies justas e honestas do novo Soviete.

    As pginas do Izvestia trazem provas abundantes da profunda f do Comitrevolucionrio no povo de Kronstadt e em suas aspiraes aos sovietes livres comoverdadeiro caminho da emancipao do jugo opressivo da burocracia comunista. Emseu dirio e nos informativos do rdio, o Comit Revolucionrio levava a srio, comindignao, a campanha de calnias, e se dirigiu novamente ao proletariado da Rssiae do mundo em busca de compreenso, de sua simpatia e de sua ajuda. O informativode rdio de 6 de maro mostrava a ideia fundamental do chamado de Kronstadt:

    Nossa causa justa: defendemos o poder dos Sovietes, e nodos partidos. Ns defendemos representantes das classeslaboriosas livremente eleitos. Os Sovietes substitutos, manipulados

    pelo Partido Comunista, sempre foram surdos s nossasnecessidades e s nossas exigncias; a nica resposta que ns j recebemos foram tiros... Camaradas! No apenas os enganam; elesdeliberadamente pervertem a verdade e recorrem difamao maisdesprezvel... Em Kronstadt, todo o poder est exclusivamente nas

    mos dos marinheiros, dos soldados e dos trabalhadoresrevolucionrios no nas de contrarrevolucionrios liderados poralgum Kozlovsky, como a mentirosa rdio de Moscou tentar fazervocs acreditarem... No tardeis, camaradas! Unam-se a ns,

    entrem em contato conosco; exijam admisso de seus delegados emKronstadt. Somente eles iro dizer-lhes toda a verdade e iro expora calnia cruel sobre o po finlands e as ofertas da Entente.

    Viva o proletariado e o campesinato revolucionrios!Viva o poder dos Sovietes livremente eleitos!

    11

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    18/81

    O Comit revolucionrio provisrio tinha a princpio sua sede a bordo do barcoinsgnia, oPetropavlovsk,porm depois de alguns dias foi transferida para a Casa doPovo, no centro de Kronstadt, de modo que estivera, como escreve o Izvestia, em

    contato mais prximo com a populao e para tornar mais fcil o acesso ao Comit doque quando estava bordo do navio.

    Apesar da demncia virulenta que continuava na imprensa comunista contraKronstadt que a qualificava de a rebelio contrarrevolucionria do generalKozlovsky, a verdade que o Comit Revolucionrio era exclusivamente proletrio,estando composto, em sua maior parte, de operrios de um passado revolucionrio. OComit estava composto dos quinze membros seguintes:

    1. Petritchenko, primeiro escrivo, pavilhoPetropavlovsk;2. Yakovenko, telefonista, distrito de Kronstadt;

    3. Ossossov, mecnico do Sevastopol;4. Arkhipov, mecnico;5. Perepelkin, mecnico do Sevastopol;6. Patrushev, mecnico chefe doPetropavlovsk;7. Kupolov, primeiro ajudante mdico;8. Vershinin, marinheiro do Sevastopol;

    9. Tukin, eletricista;

    10. Romanenko, guarda dos campos de aviao;11. Oreshin, administrador da Terceira Escola Tcnica;12. Valk, carpinteiro;

    13. Pavlov, operrio das minas marinhas;

    14. Baikov, carreteiro;15. Kilgast, marinheiro.

    No sem senso de humor, Izvestia, de Kronstadt, comentou esta lista como sesegue: Eis aqui nossos generais, senhores Trotsky e Zinoviev, enquanto os Brussilovs,

    os Kamenevs, os Tukhachevskis e as outras celebridades do regime czarista esto emsuas fileiras.

    O Comit Revolucionrio Provisrio gozava da confiana de toda a populao deKronstadt. Conquistou o respeito geral estabelecendo o princpio de direitos iguaispara todos, privilgios para ningum,e o mantendo rigorosamente. A pahyok (rao

    de alimentos) foi igualada. Os marinheiros, que, sob o regime bolchevique, recebiamraes muito mais elevadas do que as estabelecidas aos operrios, decidiram noaceitarem mais do que se dava ao cidado e ao operrio. Raes especiais e melhoreseram distribudas somente nos hospitais e entre as crianas.

    A atitude generosa e justa do Comit Revolucionrio para com os membros doPartido Comunista em Kronstadt dos quais poucos foram presos, apesar das

    represses bolchevistas e da deteno das famlias dos marinheiros como refns ganhou o respeito at mesmo dos comunistas. As pginas do Izvestia contmcomunicaes numerosas de agrupaes e organizaes comunistas de Kronstadt, que

    condenam a atitude do Governo Central e apoiam a linha de conduta e as medidas

    12

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    19/81

    tomadas pelo Comit Revolucionrio Provisrio. Grande nmero de comunistas deKronstadt havia anunciado publicamente sua sada do partido em sinal de protestocontra seu despotismo e contra sua corrupo burocrtica. Em diversos nmeros do

    Izvestia foram publicados centenas de nomes de comunistas cujas conscinciastornavam impossvel a permanncia no partido do executor Trotsky, como alguns se

    expressavam. As demisses do partido comunista foram em breve to numerosas, quedavam a impresso de um xodo geral4. As cartas seguintes, tomadas aleatoriamentedentre um grande monte, caracterizam suficientemente o sentimento dos comunistas

    de Kronstadt:

    Compreendi afinal que a poltica do partido comunista levou o pas a u mabismo. O partido se tornou burocrtico, no aprendeu nada e nada quer aprender.Recusou-se escutar a voz de 115 milhes de camponeses, e no quer compreender queunicamente a liberdade de expresso e a possibilidade de participar na reconstruodo pas por meios de mtodos de eleio diferentes podem despertar a nao de seu

    sono.Recuso-se de hoje em diante a me considerar membro do Partido Comunista

    Russo. Aprovo completamente a resoluo adotada na reunio de toda a populao em19 de maro e ponho de agora em diante minhas energias e minhas atitudes disposio do Comit Revolucionrio Provisrio.

    HERMAN KARNEV

    KRASNY KOMANDIR (Oficial do Exrcito Vermelho)Filho de um exilado do Processo dos 1935

    Izvestia, n 3, 5 de maro de 1921

    CAMARADAS, MEUS PUPILOS DAS ESCOLAS INDUSTRIAIS, NAVAIS E DO

    EXRCITO VERMELHO!

    Por quase trinta anos eu vivi um amor profundo pelo povo, e levei a luz e o

    conhecimento, o mximo que estava em meu poder, para todos que tinham sede dosmesmos, at o momento atual.

    A Revoluo de 1917 deu maior mbito ao meu trabalho, aumentou minhasatividades, e eu me devotei com maior energia ao servio do meu ideal.

    O lema comunista, Tudo para o Povo, me inspirou com sua nobreza e sua

    beleza, e em fevereiro de 1920, eu entrei no Partido Comunista Russo como candidato.

    Mas o primeiro tiro disparado contra a populao pacfica, contra minhas queridascrianas, das quais h aproximadamente sete mil em Kronstadt, me preenche comhorror de que possa ser considerado que eu compartilho a responsabilidade pelo

    sangue dos inocentes derramado de tal maneira.

    Eu sinto que no posso mais acreditar e propagar aquilo que se desgraou poreste ato vil. Portanto, com o primeiro tiro eu deixei de me considerar um membro do

    13

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    20/81

    Partido Comunista.

    MARIA NIKOLAYEVNA SHATEL

    (Professora)

    Izvestia, n 6, 8 de maro de 1921

    Declaraes semelhantes apareceram quase em cada nmero do Izvestia. Adeclarao mais interessante foi a do Gabinete Provisrio da Seo de Kronstadt doPartido Comunista; seu manifesto aos membros da seo foi publicado no Izvestia (n2, 4 de maro):

    Que cada camarada de nosso partido esteja altura da importncia domomento. No d nenhum crdito aos falsos rumores de que foram fuziladoscomunistas e de que os comunistas de Kronstadt tm a inteno de rebelarem-se com

    armas em mos. Esses rumores so difundidos com o propsito de provocar oderramamento de sangue.

    Declaramos que nosso Partido tem defendido sempre as conquistas da classe

    operria contra todos os inimigos conhecidos e desconhecidos do poder dos Sovietesoperrios e camponeses e continuar os defendendo.

    O Gabinete Provisrio do Partido Comunista de Kronstadt reconhece anecessidade das novas eleies do Soviete e pede aos membros do partido comunistaque participem nelas.

    O gabinete provisrio ordena aos membros do partido que permaneam em seuspostos e no os impeam e nem criem obstculos s medidas do Comit RevolucionrioProvisrio.

    Viva o poder dos Sovietes!

    Viva a unio internacional dos trabalhadores!

    GABINETE PROVISRIO DA SEO DE KRONSTADT DO PARTIDOCOMUNISTA RUSSO:

    F. PERVUSHIN

    Y. YLYIN

    A. KABANOV

    Diversas outras sees civis e militares expressaram em termos anlogos suaoposio ao regime de Moscou e sua concordncia com as exigncias dos marinheirosde Kronstadt. Um grande nmero de resolues nesse sentido foram tambm adotadaspelos regimentos do Exrcito Vermelho da guarnio de Kronstadt. A seguinteresoluo expressa o esprito e a tendncia geral:

    Ns, soldados do Exrcito Vermelho do ForteKrasnoarmeetz, estamos em corpoe alma com o Comit Revolucionrio Provisrio e defenderemos at o ultimo momentoo Comit Revolucionrio, os operrios e os camponeses.

    14

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    21/81

    Que ningum acredite nas mentiras das publicaes comunistas disseminadaspelos avies. No temos aqui generais nem oficiais czaristas. Kronstadt foi sempre acidade dos operrios e dos camponeses, e seguir sendo. Os generais esto a serviodos comunistas.

    No momento atual, quando a sorte do pas est na balana, ns que tomamos o

    poder em nossas mos e que confiamos ao Comit Revolucionrio a liderana na luta,declaramos para a guarnio inteira e para todos os trabalhadores que estamosdispostos a morrer pela liberdade das classes laboriosas. Libertados do jugo e do terror

    comunista de trs anos de idade, preferimos morrer ao invs retroceder um nicopasso. Viva a Rssia Livre do Povo Operrio!

    O DESTACAMENTO DO FORTEKRASNOARMEETZ

    Izvestia, n 5, 7 de maro de 1921

    Kronstadt foi inspirada pelo amor apaixonado pela Rssia livre pela f ilimitadaem Sovietes verdadeiros. Estava certa de ganhar a ajuda de toda a Rssia, dePetrogrado sobretudo, realizando assim a libertao completa do pas. O Izvestia deKronstadt reitera essa esperana e essa atitude, e em numerosos artigos e manifestostrata de esclarecer sua posio frentre aos bolcheviques e sua aspirao fundao deuma nova vida livre para Kronstadt e para o resto da Rssia. Este grande ideal, apureza de seus motivos e a fervente esperana de libertao se destacam de modonotvel nas pginas do rgo oficial do Comit Revolucionrio Provisrio de Kronstadt,e expressam integralmente o esprito dos soldados, dos marinheiros e dos operrios.

    Aos ataques ferozes da imprensa bolchevique, s mentiras infames semeadas pelardio de Moscou que acusava Kronstadt de contrarrevoluo e de conspirao Branca,o Comit Revolucionrio respondia com dignidade. Reproduzia muitas vezes em seurgo as proclamaes de Moscou, de modo que a populao de Kronstadt se desseconta de quo baixo os bolcheviques eram capazes de ir. Ocasionalmente, os mtodoscomunistas eram expostos e caracterizados peloIzvestia com uma indignao legtima.

    Assim, lemos no nmero 6, de 8 de maro, sob o ttulo Ns e eles:

    No sabendo como reter o poder que tm nas mos, os comunistas empregam asmais vis provocaes. Sua imprensa desprezvel tem mobilizado todas as foras para

    incitar as massas e para fazer o movimento de Kronstadt parecer uma conspirao daGuarda Branca. Neste momento, um bando de canalhas sem vergonha enviou ao

    mundo a infame notcia de que Kronstadt havia se vendido Finlndia. Seusperidicos vomitaram fogo e veneno; tendo fracassado na tarefa de persuadir oproletariado de que Kronstadt est nas mos dos contrarrevolucionrios, tratam agorade apelar aos sentimentos nacionalistas.

    Todos os pases j sabem, por nossos informativos de rdio, por que lutam aguarnio de Kronstadt e os operrios. Porm, os comunistas tratam de desnaturalizara importncia dos acontecimentos, esperando deste modo induzir ao erro nossosirmos de Petrogrado.

    15

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    22/81

    Petrogrado est cercada pelas baionetas dos kursanti e dos guardas doPartido, e Maliuta Skuratov Trotsky no permite que os delegados dos operrios edos soldados independentes venham a Kronstadt. Teme que averiguem toda a verdade

    aqui, e que a verdade pare imediatamente os comunistas, dando para as massas

    operrias instrudas a possibilidade de tomar o poder em suas prprias mos calosas.

    Essa a razo pela qual o Petro-Soviete (Soviete de Petrogrado) no respondeua nosso telegrama de rdio em que pedamos que fossem enviados a Kronstadtcamaradas verdadeiramente imparciais.

    Temendo por suas prprias peles, os chefes comunistas estrangulam a verdade edisseminam a mentira de que Guardas Brancos trabalham em Kronstadt, de que o

    proletariado de Kronstadt tem se vendido Finlndia e aos espies franceses, de queos finlandeses j tm seu exrcito organizado para atacar Petrogrado com a ajuda dosamotinados myatezhnbiki de Kronstadt, e assim sucessivamente.

    A tudo isso temos s uma coisa a responder: Todo o poder aos Sovietes! Retiremsuas mos deles, essas mos que esto vermelhas com o sangue dos mrtires da

    liberdade que morreram lutando contra os Guardas Brancos, contra os proprietrios econtra a burguesia!

    Em uma linguagem simples e franca, Kronstadt tratava de expressar a vontade

    do povo, que aspirava liberdade e possibilidade de determinar seu prprio destino.Sentia que era a vanguarda, por assim dizer, do proletariado da Rssia, disposto a selevantar para defender o grande ideal pelo qual o povo havia lutado e sofrido na

    Revoluo do Outubro. A f de Kronstadt no sistema dos Sovietes era profunda epersistente; seu lema universal, Todo o poder aos Sovietes e no aos partidos!, era seuprograma; no havia tempo de desenvolv-lo e nem de ocupar-se com teorias. Osesforos convergiam em direo emancipao do povo do jugo comunista. Este jugo, jinsuportvel, fez necessria uma nova revoluo, a Terceira Revoluo. A rota para aliberdade e para a paz passava pelos Sovietes livremente eleitos; esta era a pedra

    fundamental da nova revoluo. As pginas doIzvestia testemunharam amplamente aretido incorruptvel e a abnegao sem limites dos operrios e dos marinheiros deKronstadt, ea f comovedora que teriam em sua misso de iniciadores da TerceiraRevoluo. Estas aspiraes e estas esperanas esto claramente expostas no nmero6 do Izvestia de 9 maro, no artigo principal intitulado Por Que FinalidadeCombatemos:

    Com a Revoluo de Outubro, a classe trabalhadora havia esperado alcanarsua emancipao. Porm dela resultou uma escravido ainda maior da individualidadehumana.

    O poder da monarquia policial e gendarme caiu nas mos dos usurpadores oscomunistas que, em lugar de dar liberdade ao povo, inspirou neles somente um medo

    terrvel da Tcheka, a qual, por seus horrores, supera o regime policial do Czarismo...Porm o pior e mais criminoso de tudo a maquinao espiritual dos comunistas:colocaram suas mos tambm sobre o mundo interior das massas laboriosas,obrigando cada um a pensar segundo sua frmula comunista.

    16

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    23/81

    A Rssia dos trabalhadores, a primeira a hastear a bandeira vermelha daemancipao do trabalho, est inundada em sangue dos martirizados para a maiorglria da dominao comunista. Os comunistas afogam nesse mar de sangue todas asbelas promessas e possibilidades da revoluo proletria. evidente, na atualidade,que o partido comunista russo no o defensor das massas operrias, como finge ser.

    Os interesses da classe operria lhe so estranhos. Uma vez obtido o poder, agora stem o medo de perd-lo, e considera, portanto, todos os meios permissveis: difamao,enganao, violncia, assassinato e vingana sobre as famlias dos rebeldes.

    H um fim para a longa e sofrvel pacincia. Aqui e ali o pas est iluminadopelo incndio da rebelio na luta contra a opresso e a violncia. As greves dosoperrios se multiplicaram, porm o regime policialesco dos bolcheviques tomou todasas precaues contra a conflagrao da inevitvel Terceira Revoluo.

    Porm, apesar de tudo isso, ela veio e realizada pelas mos das massasoperrias. Os generais do comunismo veem claramente que foi o povo que se levantou,o povo que se convenceu de que os comunistas traram as ideias do socialismo.

    Temendo por sua pele e sabendo que no podero esconder-se em nenhuma parte paraescapar da clera dos trabalhadores, os comunistas ainda tentam aterrorizar osrebeldes com a priso, com a execuo e com outras barbaridades. Porm a vida sob aditadura comunista pior que a morte...

    No existe um caminho intermedirio. Triunfar ou morrer! O exemplo estsendo dado por Kronstadt, o terror da contrarrevoluo da direita e da esquerda. aqui onde o grande ato revolucionrio foi realizado. aqui onde foi hasteada abandeira da rebelio contra a tirania desses trs anos e contra a opresso daautocracia comunista que fizeram empalidecer o despotismo monrquico dos ltimostrezentos anos. aqui, em Kronstadt, onde foi colocada a pedra fundamental daTerceira Revoluo que romper as ltimas correntes do trabalhador e abrir a nova eampla rota para a criatividade socialista.

    Esta nova revoluo sublevar as grandes massas do Oriente e Ocidente eservir de exemplo ao novo socialismo construtor, em oposio construocomunista mecnica e governamental. As massas operrias vo saber que tudo o quetem sido feito at aqui em nome dos operrios e camponeses no era o socialismo.

    O primeiro passo foi dado sem um nico disparo de fuzil, sem o derramamentode uma s gota de sangue. Aqueles que trabalham no precisam de sangue. Eles s oderramaro em caso de autodefesa. Os operrios e camponeses avanam: deixam para

    trs a utchredilka (Assembleia Constituinte) com seu regime burgus e a Ditadura doPartido comunista com sua Tcheka e seu Capitalismo de Estado, que tem estreitado on em torno do pescoo dos trabalhadores e ameaa estrangul-los.

    A mudana que acaba de ter lugar oferece s massas laboriosas a possibilidadede assegurar, por fim, os Sovietes livremente eleitos que podero funcionar sem temorao chicote do partido; eles podem agora reorganizar os sindicatos governamentalizados

    em associaes voluntrias de operrios, de camponeses e de trabalhadoresintelectuais. A mquina policialesca da autocracia, por fim, foi quebrada.

    Assim estava concebido o programa; estas foram as exigncias imediatas, emresposta s quais o governo bolchevique comeou o ataque a Kronstadt em 7 de marode 1921, s 6:45 da tarde.

    17

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    24/81

    V. Ultimato bolchevique a Kronstadt

    Kronstadt era generosa. Nem uma gota de sangue comunista foi derramada,

    apesar de todas as provocaes, do bloqueio da cidade e das medidas repressivas dogoverno bolchevique. Desprezava imitar o exemplo comunista de vingana, e chegou

    at a avisar a populao de Kronstadt de que no fosse culpada de excessos contramembros do partido comunista. O Comit Revolucionrio Provisrio publicou ummanifesto para a populao de Kronstadt nesse sentido, mesmo depois que o governobolchevique rejeitou a exigncia dos marinheiros para a libertao dos refns detidosem Petrogrado. A exigncia de Kronstadt, enviada por comunicado de rdio ao Sovietede Petrogrado, e o manifesto do Comit Revolucionrio foram publicados no mesmodia, 7 de maro. Os reproduzimos aqui:

    Em nome da guarnio de Kronstadt, o Comit Revolucionrio Provisrio de Kronstadt exige que as famlias dos

    marinheiros, operrios e soldados do Exrcito Vermelho detidoscomo refns pelo Petro-Soviete sejam postas em liberdade no prazode vinte e quatro horas.

    A guarnio de Kronstadt declara que os comunistas gozamde plena liberdade em Kronstadt e que seus familiares estoabsolutamente fora de todo perigo. O exemplo do Petro-Soviete no

    ser seguido aqui, porque consideramos esses mtodos [de fazerrefns] como os mais vergonhosos e brbaros, mesmo que sejam

    provocados pelo desespero. A histria no conhece tal infmia.

    MARINHEIRO PETRITCHENKO

    Presidente do Comit Revolucionrio Provisrio

    KILGAST

    Secretrio

    No manifesto para a populao de Kronstadt era dito, entre outras coisas:

    A opresso constante das massas laboriosas pela ditaduracomunista tem produzido uma indignao e um ressentimentocompletamente natural na populao. Como consequncia desse

    estado de coisas, algumas pessoas, parentes de comunistas, foram

    dispensadas de suas posies e boicotadas em algumas instncias.Isto no deve acontecer. Ns no buscamos a vingana estamosdefendendo nossos interesses operrios.

    Kronstadt vivia no esprito de sua santa cruzada. Tinha completa f na justiade sua causa e se considerava a verdadeira defensora da revoluo. Neste estado

    mental, os marinheiros no queriam crer que o governo os atacaria com armas em

    18

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    25/81

    punho. Nesses filhos do sol e do mar, persistia subconscientemente a ideia que a

    vitria no pode ser ganhada apenas com violncia. A psicologia eslava pareciaacreditar que a justia de sua causa e a fora do esprito revolucionrio devem vencer.Em todo caso, Kronstadt recusou-se a tomar a iniciativa.

    O Comit Revolucionrio no quis escutar a opinio persuasiva dos peritos

    militares em favor de um ataque imediato contra Oranienbaum, fortaleza de grandevalor estratgico. Os soldados e os marinheiros de Kronstadt tinham por fim oestabelecimento dos Sovietes livres, e estavam dispostos a defenderem seus direitos

    contra qualquer ataque, porm se negavam a converterem-se em agressores. EmPetrogrado circulavam rumores persistentes de que o governo se preparava para agir

    militarmente contra Kronstadt. Porm a populao no acreditava nesses rumores; acoisa parecia de tal modo repugnante, que j era considerada ridcula. Como foi ditoanteriormente, o Comit de Defesa (chamado oficialmente de Conselho de Trabalho ede Defesa) declarou a capital em estado extraordinrio de stio. Nenhuma assembleiaera permitida, nenhuma reunio nas ruas. Os operrios de Petrogrado no sabiam

    nada do que se passava em Kronstadt; as nicas informaes eram procedentes daimprensa comunista e os frequentes boletins que falavam que O general czarista

    Kozlovsky organizou uma rebelio contrarrevolucionria em Kronstadt. A populaoesperava com ansiedade a sesso convocada pelo Soviete de Petrogrado que deveriadecidir sobre a atitude frente a Kronstadt.

    O Soviete de Petrogrado se reuniu em 4 de maro; s podiam assistir a essareunio os convidados, e estes, geralmente, eram os comunistas. O autor do presentetrabalho ento em boas relaes com os bolcheviques e sobretudo com Zinoviev esteve presente nessa reunio. Como presidente do Soviete de Petrogrado, Zinovievdeclarou aberta a seo e pronunciou um longo discurso sobre a situao de Kronstadt.Confesso que havia ido para reunio bem mais disposto a favor do ponto de vista deZinoviev; estava alerta contra o menor indcio de uma tentativa contrarrevolucionriaem Kronstadt. Porm o discurso de Zinoviev bastou para convencer-me de que asacusaes comunistas contra os marinheiros eram uma pura inveno sem a menorsombra de veracidade. Tinha ouvido Zinoviev em vrias ocasies anteriores.Considerava ele um palestrante convincente, uma vez que suas premissas fossem

    admitidas, porm nessa reunio todo o seu aspecto, a sua argumentao, o seu tom, assuas maneiras tudo refletia a falsidade de suas palavras. Eu podia sentir o protesto

    de sua prpria conscincia. A nica evidncia apresentada contra Kronstadt era a

    famosa resoluo do 1 de maro, cujas exigncias eram justas e at moderadas. Foisomente com base nesse documento, apoiada pela denncia veemente e quase histricade Kalinin contra os marinheiros, que o passo fatal foi dado. Preparada de antemo eapresentada por Yevdokimov, o brao direito de Zinoviev, dotado de uma vozretumbante, a resoluo contra Kronstadt foi aceita pelos delegados envoltos por umalto grau de intolerncia e sede de sangue aceita em meio de um tumulto deprotestos de vrios delegados das fbricas de Petrogrado e do representante dosmarinheiros. A resoluo declarou Kronstadt culpada de um motimcontrarrevolucionrio contra o poder sovitico e exigia sua rendio imediata.

    Isso era uma declarao de guerra. Mesmo grande nmero dos comunistas senegavam a crer que a resoluo seria posta em execuo; era monstruoso atacar com

    19

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    26/81

    fora armada o orgulho e a glria da revoluo russa, como Trotsky havia batizado osmarinheiros de Kronstadt. No crculo de seus amigos, muitos comunistas sensatosameaavam se separarem do Partido caso se consumasse um ato to sanguinrio.

    Trotsky devia se dirigir ao Soviete de Petrogrado, e sua ausncia erainterpretada por alguns como sinal de que a gravidade da situao era exagerada. No

    obstante, chegou a Petrogrado durante a noite, e no dia seguinte, 5 de maro, publicouseu ultimato a Kronstadt:

    O governo dos operrios e camponeses decretou que Kronstadt e os navios emrebelio devem se submeter imediatamente autoridade da repblica sovitica.Ordeno, por consequncia, a todos aqueles que levantaram sua mo contra a ptriasocialista que rendam imediatamente suas armas. Aqueles que resistirem devem ser

    desarmados e entregues s autoridades soviticas. Os comissrios e outrosrepresentantes do governo que se encontram presos devem ser postos em liberdade

    imediatamente. S aqueles que se renderem incondicionalmente podem contar com o

    perdo da repblica sovitica.Publico simultaneamente as ordens de preparar a represso da revolta e

    a submisso dos amotinados pela fora armada. Toda a responsabilidade dos danosque a populao pacfica tiver que sofrer recair inteiramente sobre a cabea dosinsurrectos contrarrevolucionrios. Esta advertncia final.

    TROTSKY

    Presidente do Soviete Militar Revolucionrio da Repblica

    KAMENEV

    Comandante Chefe

    A situao piorava. Foras militares considerveis afluam a Petrogrado e ssuas redondezas. O ultimato de Trotsky foi seguido de uma ordem que continha a

    ameaa histrica: Os abaterei como perdizes. Vrios anarquistas, ento emPetrogrado, fizeram um ltimo esforo para induzir os bolcheviques a desistirem deatacar Kronstadt. Consideravam ser seu dever, perante a revoluo, a tentativa desseesforo, mesmo sem esperana, para impedir o massacre eminente da florrevolucionria da Rssia, os marinheiros e os operrios de Kronstadt. Enviaram em 5

    de maro uma proposta ao Comit de Defesa, indicando as intenes pacficas e asjustas exigncias de Kronstadt, recordando os comunistas da histria revolucionriaheroica dos marinheiros e propondo um meio de resolver o conflito prprio decamaradas e revolucionrios. Eis aqui o documento:

    Ao Conselho de Trabalho e Defesa de Petrogrado

    Presidente Zinoviev:

    Permanecer em silncio agora impossvel, e at criminoso. Os acontecimentos

    20

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    27/81

    recentes nos compelem, como anarquistas, a falar francamente e a declarar nossa

    atitude na situao atual. O esprito de descontentamento e de inquietude presenteentre os operrios e marinheiros o resultado de causas que exigem nossa mais sriaateno. O frio e a fome geraram o descontentamento, e a ausncia da menorpossibilidade de discusso e de critica est obrigando os marinheiros e os operrios a

    declararem abertamente suas queixas.Os bandos de Guardas Brancos querem e podem tentar explorar essa

    insatisfao em beneficio de seus prprios interesses de classe. Ocultando-se atrs dosmarinheiros e dos operrios, eles despejam lemas da Assembleia Constituinte, domercado livre e de outras exigncias do mesmo gnero.

    Ns, anarquistas, expusemos h muito tempo a fico desses lemas, edeclaramos ao mundo inteiro que lutaremos com armas em mos contra qualquertentativa contrarrevolucionria, em cooperao com todos os amigos da RevoluoSovitica e lado a lado com os bolcheviques.

    A respeito do conflito entre o Governo Sovitico e os operrios e marinheiros,

    somos de opinio de que ele deveria ser liquidado no pelas armas, mas por meio deacordo revolucionrio fraternal. Recorrer para o derramamento de sangue de parte doGoverno Sovitico no ir na situao atual intimidar nem apaziguar os operrios.Pelo contrrio, serviria apenas para agravar o assunto e para reforar a manipulaoda Entente e da contrarrevoluo interior. Ainda mais importante, o emprego da forapelo Governo dos Operrios e dos Camponeses contra operrios e camponeses ter umefeito reacionrio no movimento revolucionrio internacional e resultar em todas aspartes em um mal incalculvel para a Revoluo Social

    Camaradas bolcheviques, reflitam antes que seja tarde demais! No brinquemcom fogo: vocs esto prestes a dar um passo bastante srio e decisivo. Ns daqui emdiante submetemos a vocs a seguinte proposta: deixem uma Comisso ser eleitaconsistindo de cinco pessoas, inclusive de dois anarquistas. A Comisso deve ir aKronstadt para resolver a disputa por meios pacficos. Na situao atual, esse omtodo mais radical. Ter uma significncia revolucionria internacional.

    Petrogrado

    5 de maro de 1921

    ALEXANDER BERKMAN

    EMMA GOLDMANPERKUS

    PETROVSKY

    Zinoviev, que havia sido informado de que um documento sobre o problema de

    Kronstadt devia ser apresentado ao Soviete de Defesa, enviou seu representante

    pessoal para busc-lo. Se a carta foi ou no discutida por esse Conselho o escritor nosabe. De qualquer modo, nenhuma ao sobre a questo foi tomada.

    21

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    28/81

    VI. O primeiro tiro

    Kronstadt, heroica e generosa, sonhava com a libertao da Rssia pela TerceiraRevoluo, que estava orgulhosa de ter iniciado. Ela no formulou nenhum programadefinitivo. Liberdade e fraternidade universal era seu lema. Considerava a Terceira

    Revoluo como um processo gradual da emancipao, cujo primeiro passo era a aolivre dos Sovietes independentes, sem o controle de um partido poltico qualquer, e queexpressassem a vontade e os interesses do povo. Estes marinheiros sinceros e ingnuosproclamavam aos operrios do mundo seu grande ideal, e chamavam o proletariadopara que unissem foras na luta, com plena confiana de que sua causa encontrariaum apoio entusistico e de que, sobretudo e antes de tudo, os operrios de Petrogradose apressariam para ajudar.

    No intervalo, Trotszky reuniu suas foras. As divises mais fieis de todas asfrentes, os regimentos kursanti, os destacamentos da Tcheka e unidades militares

    compostas exclusivamente de comunistas, haviam se reunido nos fortes de Sestroretsk,

    Lissy Nosss, Krasnaya Gorka e das posies vizinhas fortificadas. Os melhorestcnicos militares russos foram enviados ao centro de operaes para traar os planosde bloqueio e de ataque a Kronstadt, enquanto o famoso Tukhachevski foi designado

    comandante chefe durante o cerco de Kronstadt.

    Em 7 de maro, s 6:45 da tarde, as baterias de Sestroretsk e de Lissy Nosssdescarregaram seus primeiros tiros sobre Kronstadt. Era o aniversrio do Dia daMulher Trabalhadora. Kronstadt, cercada e atacada, no esqueceu esse grandeferiado. Debaixo de fogo de numerosas baterias, os bravos marinheiros enviaram uma

    saudao por rdio s mulheres trabalhadoras do mundo, ato caracterstico do estadode esprito da Cidade Rebelde. Eis aqui a mensagem:

    Hoje um feriado universal o Dia da MulherTrabalhadora. Ns de Kronstadt enviamos, em meio ao estrondodos canhes, nossas saudaes fraternais s mulherestrabalhadoras do mundo. Que realizem em breve vossa libertaode toda forma de violncia e de opresso. Viva as trabalhadoraslivres revolucionrias! Viva a Revoluo Social ao redor domundo!

    No menos caracterstico foi o grito de angstia de Kronstadt, Que Todo oMundo Saiba, publicado depois do primeiro disparo de canho, no nmero 6 do

    Izvestia de 8 de maro:

    Soou o primeiro disparo... O marechal Trotsky, manchado at os joelhos dosangue dos trabalhadores, foi o primeiro a disparar contra a Kronstadt revolucionriaque se levantou contra a autocracia dos comunistas para estabelecer o verdadeiro

    poder dos Sovietes.

    Sem termos derramado uma s gota de sangue, ns, soldados do Exrcito

    Vermelho, marinheiros e operrios de Kronstadt, nos libertamos do jugo dos

    22

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    29/81

    comunistas e at mesmo conservamos suas vidas. Com a ameaa dos canhes queremagora nos submeter, outra vez, sua tirania.

    No querendo derramamento de sangue, pedimos que fossem enviados para nsdelegados independentes do proletariado de Petrogrado, para verem que Kronstadt

    combate pelo Poder dos Sovietes. Porm os comunistas ocultaram nosso pedido dos

    operrios de Petrogrado, e agora abriram fogo a resposta ordinria do pseudoGoverno dos Operrios e Camponeses s demandas das massas laboriosas.Que os operrios do mundo inteiro saibam que ns, os defensores do Poder

    Sovitico, estamos guardando as conquistas da Revoluo Social. Venceremos oupereceremos sobre as runas de Kronstadt, lutando pela justa causa das massastrabalhadoras. Os operrios do mundo sero nossos juzes. O sangue dos inocentescair sobre a cabea dos fanticos comunistas embriagados pelo poder.

    Viva o poder dos Sovietes!

    VII. A queda de Kronstadt

    O bombardeio de Kronstadt pela artilharia, comeado na tarde de 7 de mao, foiseguido de uma tentativa de tomar por assalto a fortaleza. O ataque foi feito do norte e

    do sul pela nata das tropas comunistas vestidas com lenos brancos, cuja cor seconfundia com a neve que cobria o golfo gelado da Finlndia. Estas primeirastentativas terrveis de tomar a fortaleza por assalto, mediante um sacrifcioinconsequente de seres humanos, foram profundamente lastimadas pelos marinheiros

    com condolncias comovedoras por seus irmos de armas, enganados para queconsiderassem Kronstadt contrarrevolucionria. Em 8 de maro o Izvestia de

    Kronstadt dizia:

    No queramos derramar o sangue de nossos irmos, e nos recusamos ao fogoat que nos obrigassem a ele. Devamos defender a justa causa do povo operrio e nosvimos forados a disparar disparar sobre nossos prprios irmos enviados para amorte certa pelos comunistas, que engordaram s custas do povo.

    Desgraadamente para vocs, rompeu um terrvel turbilho de neve e uma noitenegra embrulhou tudo em trevas. No obstante, os executores comunistas osempurraram a todo preo sobre o gelo, ameaando vocs a partir da retaguarda comsuas metralhadoras manuseadas por destacamentos comunistas.

    Muitos de vocs pereceram esta noite na vasta extenso gelada do golfo daFinlndia. E quando a madrugada chegou e a tempestade se apaziguou, somente osrestos miserveis dos seus destacamentos, esgotados e famintos, quase incapazes demarchar, vieram a ns com seus mortalhas brancas.

    Se contava um milhar de vocs at a madrugada, e no curso do dia j no sepodia contar. Haveis pago o preo de vosso sangue nessa aventura, e, depois de vossaderrota, Trotsky foi a Petrogrado para trazer mais vitimas para o massacre, por que o

    sangue de nossos operrios e de nossos camponeses lhe custa pouco!

    Kronstadt viveu na f profunda de que o proletariado de Petrogrado acudiria em

    23

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    30/81

    sua ajuda. Porm os operrios da capital estavam aterrorizados e Kronstadt foiefetivamente bloqueada e isolada, de modo que na realidade no era possvel socorrode nenhuma parte.

    A guarnio de Kronstadt estava composta de menos de 14.000 homens, dosquais 10.000 eram marinheiros. Esta guarnio teria que defender uma frente extensa

    e grande nmero de fortes e baterias disseminadas pela extenso do golfo. Os ataquescontnuos dos bolcheviques, que recebiam sem cessar reforos do governo central; afalta de abastecimento da cidade assediada; as longas noites de frio, tudo isto

    abrandava a vitalidade de Kronstadt. E, apesar de tudo, os marinheiros foram de uma

    perseverana heroica, confiando at o ultimo momento que seu nobre exemplo delibertao seria seguido por todo o pas e lhes levariam assim, assim, ajuda e reforos.

    Em seu Manifesto aos Camaradas Operrios e Camponeses, o ComitRevolucionrio provisrio declarou (Izvestia n 9, 11 de maro):

    Camaradas operrios: Kronstadt luta por vocs, pelos

    famintos, pelos que sofrem do frio, pelos sem casa. Kronstadthasteou a bandeira da revolta, confiando que dezenas de milhesde operrios e camponeses respondero sua chamada. precisoque a madrugada que acaba de sair em Kronstadt se converta no

    sol brilhante de toda a Rssia. preciso que a exploso deKronstadt reanime a Rssia inteira, e, em primeiro lugar,Petrogrado.

    Porm a ajuda no acudia, e cada dia que passava deixava Kronstadt mais

    esgotada. Os bolcheviques continuavam reunindo tropas frescas contra a fortalezaassediada e a debilitavam com ataques constantes. Os comunistas iam conseguindo

    vantagem atrs de vantagem. Kronstadt no tem sido construda para sustentar umassalto por trs. Os bolcheviques difundiram o rumor de que os marinheiros queriambombardear Petrogrado, e isso de uma falsidade transparente. A famosa fortalezatinha sido construda com o nico fim de servir de defesa a Petrogrado contra osinimigos do exterior que a cercassem pelo mar. Alis, caso casse em poder do inimigoexterior, as baterias das costas e os fortes de Krasnaya Gorka foram calculados para

    uma batalha contra Kronstadt. Prevendo esta possibilidade, os construtores

    propositalmente no reforaram a retaguarda de Kronstadt.

    Os bolcheviques continuaram seus ataques quase todas as noites. Em toda ajornada de 10 de maro, a artilharia dos comunistas bombardeou sem cessar partindodo litoral do sul e do norte. Na noite de 12-13, os comunistas atacaram pelo sul,

    recorrendo novamente s mortalhas brancas e sacrificando vrias centenas dekursanti. Kronstadt contra-atacava desesperadamente, apesar das numerosas noites

    sem dormir e da falta de homens e de alimentos. Lutava com um herosmoextraordinrio contra os assaltos simultneos do norte, do leste e do sul, mesmo comas baterias de Kronstadt sendo capazes de defender apenas seu lado ocidental. Os

    marinheiros no tinham nem mesmo um navio quebra-gelo para impossibilitar aaproximao das foras comunistas.

    24

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    31/81

    Em 16 de maro, os bolcheviques dirigiram um ataque concentrado por trssetores de uma vez: norte, sul e leste. O plano de ataque, descreveu mais tarde

    Dibenko, ex-comissrio bolchevique da frota, e mais tarde ditador de Kronstadt, foielaborado em seus detalhes mais minuciosos segundo as diretrizes do comandante

    chefe, Tukhachevsky e do estado-maior das Foras do Sul. Ao chegar a noite, foi

    iniciado o ataque aos fortes. As mortalhas brancas e o valor doskursanti

    nos deram apossibilidade de avanar em colunas.Na manh de 17 de maro, j haviam sido tomados vrios fortes. Pelos portes

    de Petrogrado, o ponto mais dbil de Kronstadt, os bolcheviques foraram sua entradana cidade, e ento comeou o massacre brutal. Os comunistas, cujas vidas haviam sidosalvas pelos marinheiros, agora os traam, atacando-os por trs. O comissrio da frotado Bltico, Kuzmin, e o presidente do Soviete de Kronstadt, Vassiliev, libertados dapriso pelos comunistas, se lanaram ao combate fratricida. A luta desesperada dosmarinheiros e soldados de Kronstadt contra foras de uma superioridade esmagadoracontinuou at chegar a noite. A cidade, que durante quinze dias no havia feito mal

    algum a nem um nico comunista, estava agora inundada pelo sangue dos homens,das mulheres e das crianas de Kronstadt.

    Nomeado comissrio de Kronstadt, Dibenko foi investido com plenos poderespara limpar a cidade rebelde. Seguiu-se uma orgia de vingana, e a Tcheka contavanumerosas vtimas de suas noturnas execues razstrel em massa.

    Em 18 de maro, o governo bolchevique e o Partido Comunista da Rssiafestejavam publicamente a Comuna de Paris de 1871, afogada nos sangue dos

    operrios franceses por Gallifet e Thiers. Celebraram ao mesmo tempo a vitriasobre Kronstadt.

    Durante as semanas que se seguiram, as prises de Petrogrado estiveramrepletas de centenas de prisioneiros de Kronstadt. A cada noite, pequenos grupos

    destes prisioneiros eram removidos por ordem da Tcheka e desapareciam para nomais serem vistos entre os vivos. Entre os ltimos fuzilados estava Perepelkin,membro do Comit Revolucionrio Provisrio de Kronstadt.

    Nas prises e nos campos de concentrao da regio glacial de Arkangelsk e nosdesertos do distante Turquisto, morrem lentamente homens de Kronstadt que selevantaram contra a burocracia bolchevique e proclamaram, em maro de 1921, apropaganda da Revoluo de Outubro de 1917: Todo o Poder aos Sovietes!.

    Notas

    1Destacamentos armados organizados pelos bolcheviques para suprimir o trfico epara confiscar raes e outros produtos. A irresponsabilidade e a arbitrariedade dessesmtodos eram proverbiais por toda a extenso do pas. O governo aboliu estesdestacamentos na provncia de Petrogrado na vspera de seus ataques a Kronstadt uma propina ao proletariado de Petrogrado.

    2Izvestia, do Comit Revolucionrio Provisrio de Kronstadt, n 9, 11 de maro de 1921.

    25

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    32/81

    3Publicado em Revolutsionnaya Rossiya (Dirio Socialista Revolucionrio) n 8, maiode 1921. Veja tambm Izvestia (comunista) de Moscou n 154, 13 de julho de 1922.

    4O Comit Executivo do Partido Comunista considerou sua seo de Kronstadt de talmodo desmoralizada que, depois da derrota de Kronstadt, ordenou um novo registro

    completo de todos os comunistas de Kronstadt.

    5O processo clebre dos 193 no primeiro perodo do movimento revolucionrio russocomeou no final de 1877 e acabou nos primeiros meses de 1878.

    6Um pud equivale a 16.4 quilos.

    7A negativa de Kronstadt a se apoderar de Oranienbaum deu ao governo a

    possibilidade de reforar a fortaleza com seu regimento fiel, de eliminar as partesinfectadas da guarnio e de fuzilar os chefes da esquadra area que estavam prestes

    a se unirem aos rebeldes de Kronstadt. Mais tarde, os bolcheviques fizeram uso dafortaleza como um ponto de vantagem contra Kronstadt. Entre os fuzilados em

    Oranienbaum se encontravam: Kolossov, chefe da diviso de aviadores da MarinhaVermelha e presidente do Comit Revolucionrio Provisrio que acabara deorganiza-se em Oranienbaum; Balachanov, secretrio do Comit, e os membros doComit Romanov, Vladimirov etc.

    26

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    33/81

    KRONSTADT

    Emma Goldman

    No comeo do meu perodo russo, a questo das greves havia me intrigadobastante. As pessoas tinham me dito que a ltima tentativa do tipo foi esmagada e osparticipantes enviados priso. Eu no tinha acreditado nisso, e, como em todas ascoisas similares, eu fui atrs de Zorin por informaes. Greves sob a ditadura doproletariado?, ele exclamou, No existe isso. Ele at me repreendeu por dar crdito acontos to loucos e impossveis. Contra quem, de fato, os trabalhadores entrariam emgreve na Rssia sovitica?, ele argumentou. Contra eles mesmos? Eles eram osmestres do pas, tanto poltica como industrialmente. Certamente, havia alguns entreos operrios que no tinham completa conscincia de classe e no estavam cientes deseus prprios verdadeiros interesses. Estes s vezes ficavam frustrados, mas eramelementos incitados pelos shkurniky, por egostas e inimigos da Revoluo. Eles eramparasitas que estavam propositalmente enganando o pobre povo. Eram o pior tipo de

    sabotazhniky, no melhores do que contrarrevolucionrios completos, e, claro, asautoridades soviticas tinham que proteger o pas contra o seu tipo. A maioria delesestava na priso.

    Desde ento eu aprendi por observao e experincia pessoal que os verdadeirossabotazhniky, contrarrevolucionrios e bandidos nas instituies penais soviticaseram uma minoria insignificante. A maior parte da populao prisional consistia de

    hereges sociais que eram culpados de pecado capital contra a Igreja Comunista. Poisnenhuma ofensa era considerada mais hedionda do que considerar vises polticas emoposio ao partido, e a expressar qualquer protesto contra os males e crimes dobolchevismo. Eu descobri que de longe o maior nmero era de prisioneiros polticos,assim como camponeses e operrios culpados de exigir melhor tratamento e condies.Estes fatos, apesar de rigidamente guardados do pblico, eram no obstanteconhecimento comum, como de fato era a maioria das coisas que estavam acontecendo

    secretamente por baixo da superfcie sovitica. Como a informao proibida vazava eraum mistrio, mas ela de fato vazou e se espalharia com a rapidez e a intensidade deum incndio florestal.

    Dentro de menos de vinte e quatro horas depois de nosso retorno a Petrogrado,ns descobrimos que a cidade estava fervilhando com descontentamento e conversassobre greve. A causa disso era o sofrimento crescente devido ao incomum inverno

    severo assim como parcialmente habitual estreiteza de viso sovitica. Pesadastempestades de neve haviam atrasado os magros suprimentos de comida e combustvelpara a cidade. Alm disso, o Petro-Soviete tinha cometido a estupidez de fechar vriasfbricas e cortar as raes de seus empregados quase pela metade. Ao mesmo tempo,se tornou conhecido que os membros do partido nas oficinas tinham recebido um

    suprimento novo de calados e roupas, enquanto o resto dos trabalhadores estavacoberto e cal

    ado miseravelmente. Para tapar o cl

    max, as autoridades vetaram a

    27

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    34/81

    reunio convocada pelos operrios para discutir maneiras de melhorar a situao.Em Petrogrado, a sensao comum entre os elementos no comunistas era que a

    situao era muito grave. A atmosfera estava carregada at o ponto de exploso. Nsdecidimos, claro, permanecer na cidade. No que espervamos impedir a confusoiminente, mas queramos estar presentes caso pudssemos servir de ajuda ao povo.

    A tempestade irrompeu antes mesmo que qualquer pessoa esperasse. Emfevereiro de 1921, os trabalhadores de vrias fbricas de Petrogrado entraram emgreve. O inverno foi excepcionalmente frio, e as pessoas da capital sofriam

    intensamente com o frio, a fome e a exausto. Eles pediam por um aumento de suasraes de alimentos, por um pouco de combustvel e por roupas. As reclamaes dostrabalhadores, ignoradas pelas autoridades, rapidamente assumiram um carterpoltico.

    Comeou com a greve dos operrios nas fbricas de Troubetskoy. Suasexigncias eram modestas o suficiente: um aumento em suas raes de alimento, comohaviam lhes prometido h tempos atrs, e tambm a distribuio dos calados mo.

    O Petro-Soviete se recusou a negociar com os grevistas at que eles retornassem aotrabalho. A tentativa de manifestao dos grevistas na rua foi suprimida: companhiasdekursanti armados, consistindo de jovens comunistas treinados militarmente, foram

    enviadas para dispersar os trabalhadores reunidos ao redor das fbricas. Os cadetesbuscavam incitar a multido atirando no ar, mas infelizmente os operrios estavamdesarmados e no houve derramamento de sangue. Os grevistas recorreram a umaarma mais poderosa, a solidariedade de seus companheiros, resultando em

    empregados de outras cinco fbricas baixando suas ferramentas e se juntando aomovimento grevista. Vieram quase todos os operrios das docas da Galernaya, dasoficinas do Almirantado, das moendas de Patronny e das fbricas de Baltiysky eLaferm.

    Por todos os relatos, eu levantei que o manejo dos grevistas no foi camarada demaneira alguma. Liza Zorin, que de todos os comunistas que eu conheci havia

    permanecido como a mais prxima do povo, estava presente na disperso damanifestao. Mesmo uma comunista fervorosa como Liza Zorin tinha sido incitada aprotestar contra os mtodos utilizados. Liza e eu tnhamos nos afastado h muitotempo atrs, portanto eu portanto muito surpresa dela sentir a necessidade de abrirseu corao para mim. Ela nunca acreditaria que homens do Exrcito Vermelho fossemavanar sobre operrios, ela protestou. Algumas mulheres desmaiaram com a viso, e

    outras ficaram histricas. Uma mulher que estava de p perto dela tinhaevidentemente reconhecido ela como membro ativo do partido e sem dvida aconsiderou responsvel pela cena brutal. Ela ficou to enraivecida com a brutalidadedos militares que avanou sobre Liza violentamente e a acertou no rosto em cheio,levando-a a sangrar profusamente. Apesar de cambalear pelo golpe, a velha Liza, que

    sempre me provocou por minha sentimentalidade, disse sua agressora que aquilo noimportava de maneira alguma. A ltima, fiel aos seus instintos proletrios, salvou amulher da priso e a acompanhou at sua casa. Para reassegurar mulher distrada,eu implorei a ela que me deixasse acompanh-lha at sua casa, Liza relatou. L elaencontrou as condies mais chocantes. Em um quarto escuro e mido, vivia umafamlia operria com seus seis filhos, seminus no amargo frio. Sua casa era um

    28

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    35/81

    buraco pavoroso que eu pensava que no mais existia em nosso pas. Um quartoescuro, frio e mido, ocupado pela mulher, seu marido e seus seis filhos. E pensar queeu tinha vivido no Hotel Astoria todo este tempo!, ela lamentou. Mais tarde, ela se

    mudou. Ela sabia que no era culpa do seu partido que tais condies chocantes aindaprevaleciam na Rssia sovitica, ela continuou. Nem era a teimosia comunista a

    responsvel pela greve. O bloqueio e a conspirao imperialista mundial contra aRepblica Operria eram os culpados pela pobreza e pelo sofrimento. De qualquermaneira, ela no podia mais permanecer em seu cmodo confortvel. O quarto damulher desesperada e seus filhos com queimaduras de frio assombrariam os seus dias.

    Pobre Liza! Ela era leal e fiel, e de carter altssimo. Mas oh, to cega politicamente!O apelo dos operrios por mais po e um pouco de combustvel logo estourou em

    decididas exigncias polticas, graas arbitrariedade e crueldade das autoridades.Um manifesto, que foi colado nas paredes ningum sabia por quem, convocava umamudana completa na poltica do governo. Ele declarava que, antes de tudo, osoperrios e os camponeses precisam de liberdade. Eles no querem viver sob os

    decretos dos bolcheviques; eles querem controlar seus prprios destinos. A cada dia asituao crescia em tenso e novas exigncias estavam sendo expressas por meio deproclamaes nas paredes e nos prdios. Por fim, apareceu um chamado pelaUchredilka, a Assembleia Constituinte to odiada e denunciada pelo partidodominante.

    Lei marcial foi declarada e os operrios receberam a ordem de voltar para asoficinas sob pena de serem privados de suas raes. Isso no teve qualquer efeito, ecomo consequncia alguns sindicatos foram liquidados, seus oficiais e os grevistasmais insistentes colocados na priso.

    Com impotncia angustiante, ns vimos grupos de homens cercados portchekistas e soldados armados conduzidos por nossas janelas. Na esperana de fazer oslderes soviticos perceberem a loucura e o perigo de suas tticas, Sasha tentou falarcom Zinoviev, enquanto eu procurei Madame Ravich, Zorin e Zipperovich, lder doSindicato do Soviete de Petrogrado. Mas todos eles nos negaram com a desculpa de que

    estavam muito ocupados defendendo a cidade de compls contrarrevolucionriostramados por mencheviques e socialistas revolucionrios. Esta frmula j tinha ficadoconhecida aps ser repetida por trs anos, mas ainda ajudava a jogar areia nos olhosda militncia de base comunista.

    A greve continuava a se espalhar, a despeito de todas as medidas extremas.

    Eram feitas prises atrs de prises, mas a prpria estupidez com que as autoridadeslidaram com a situao serviram para encorajar os elementos sombrios. Proclamaesantirrevolucionrias e antissemitas comearam a aparecer, e rumores furiosos desupresso militar e de brutalidade da Tcheka contra os grevistas encheram a cidade.

    Os operrios estavam determinados, mas era aparente que em breve eles sesubmeteriam por causa da fome. No havia nenhuma maneira do pblico ajudar osgrevistas mesmo se tivesse qualquer coisa para dar. Todas as avenidas que levavam

    aos distritos industriais da cidade foram cortadas por tropas concentradas. Ademais, a

    prpria populao estava em uma carncia pavorosa. O pouco que podamos reunir emalimentos e roupa era uma mera gota no oceano. Ns todos percebemos que as chancesentre a ditadura e os operrios eram muito desiguais para permitir que os grevistas

    29

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    36/81

    resistissem por muito mais tempo.

    Nesta situao tensa e desesperada, logo foi introduzido um novo fator quemanteve a esperana de soluo. Eram os marinheiros de Kronstadt. Quando osmarinheiros de Kronstadt souberam do que estava acontecendo em Petrogrado, eles

    expressaram sua solidariedade com os grevistas em suas exigncias econmicas e

    revolucionrias, mas se recusaram a apoiar qualquer convocao para a AssembleiaConstituinte. Fiis s suas tradies revolucionrias e sua solidariedade com ostrabalhadores, to lealmente demonstradas na revoluo de 1905, e mais tarde nassublevaes de maro e outubro de 1917, agora eles novamente se levantaram em favordos proletrios atacados em Petrogrado. De maneira nenhuma s cegas.Silenciosamente e sem forasteiros saberem a respeito, eles haviam enviado um comitpara investigar as alegaes dos grevistas. Seu relato incitou os marinheiros dosnavios de guerra Petropavlovsk e Sevastopol a adotarem uma resoluo a favor dasexigncias de seus irmos operrios em greve. Eles se declararam devotados Revoluo e aos Sovietes, assim como leais ao Partido Comunista. Eles protestavam,

    todavia, contra a atitude arbitrria de certos comissrios e enfatizavam a necessidadede maior autodeterminao para os corpos organizados dos trabalhadores. Elestambm exigiram liberdade de reunio para sindicatos e organizaes camponesas e alibertao de todos os operrios e prisioneiros polticos das prises soviticas e doscampos de concentrao.

    O exemplo dessas brigadas foi seguido pelos Primeiro e Segundo Esquadres daFrota do Bltico estacionados em Kronstadt. Em uma reunio a cu aberto em 1 demaro, realizada com o conhecimento do Comit Executivo do Soviete de Kronstadt, qual compareceram 16.000 marinheiros, homens do Exrcito Vermelho e trabalhadoresde Kronstadt, resolues similares foram adotadas por unanimidade com a exceo deapenas trs votos. Os dissidentes incluam Vassiliev, Presidente do Soviete deKronstadt, que presidia a reunio; Kuzmin, o Comissrio da Frota do Bltico; eKalinin, Presidente das Repblicas Socialistas Soviticas Federadas. Kalinin, Kuzmine Vassiliev falaram contra a resoluo, a qual mais tarde se tornou a base do conflitoentre Kronstadt e o governo. Ela expressava a exigncia popular por Sovietes eleitospela livre escolha do povo.

    Dois anarquistas que tinham comparecido reunio retornaram para nos contarda ordem, do entusiasmo e do belo esprito que havia prevalecido ali. Desde osprimeiros dias de Outubro eles no viam tal manifestao espontnea de solidariedade

    e camaradagem fervente. Se ns estivssemos l..., eles lamentaram. A presena deSasha, a quem os marinheiros de Kronstadt tinham defendido valentemente quandoesteve em perigo de deportao Califrnia em 1917, e de mim, a quem os marinheirosconheciam por reputao, teria dado mais peso resoluo, eles declararam. Nsconcordamos que teria sido uma experincia maravilhosa participar da primeiragrande reunio de massa no solo sovitico que no foi feita mquina. Gorki tinha meassegurado h muito tempo atrs que os homens da Frota do Bltico tinham nascidoanarquistas e que meu lugar era com eles. Eu frequentemente quis ir a Kronstadt

    conhecer as tripulaes e conversar com elas, mas eu senti que no meu estado mentalconfuso e perturbado eu no podia lhes dar nada de construtivo. Mas agora eu sabiaque se fosse at eles, os bolcheviques iriam bradar que eu estava incitando os

    30

  • 8/2/2019 Kronstadt (Berkman, Goldman, Petritchenko - 2011)

    37/81

    marinheiros contra o regime. Sasha disse que ele no se importava com o que oscomunistas diriam. Ele se juntaria aos trabalhadores em seu protesto a favor dos

    operrios grevistas de Petrogrado.Nosso companheiros enfatizaram que as expresses de simpatia por parte de

    Kronstadt com os grevistas no poderia de forma alguma ser interpretada como ao

    antissovitica. Na verdade, todo o esprito dos marinheiros e das resolues aprovadasem suas assembleias era completamente sovitico. Eles se opunham fortemente atitude autocrtica das autoridades de Petrogrado aos grevistas esfomeados, mas emnenhum momento a reunio mostrou a menor oposio aos comunistas. Na verdade, agrande reunio tinha sido realizada sob os auspcios do Soviete de Kronstadt. Paramostrar sua lealdade, os marinheiros receberam Kalinin em sua cidade com msica, esua palestra foi escutada com respeito e ateno. Mesmo depois que ele e seuscamaradas atacaram os marinheiros e condenaram sua resoluo, Kalinin foi escoltadode volta estao da forma mais amigvel, nossos informantes afirmaram.

    Ns ouvimos o rumor de que, em uma reunio de trezentos delegados da frota,

    da guarnio e do Sindicato do Soviete, Kuzmin e Vassiliev foram presos pelosmarinheiros. Ns perguntamos a nossos dois companheiros o que eles sabiam sobre oassunto. Eles admitiram que os dois