Energias renováveis

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Tecnologias Apropriadas para Terras Secas Manejo sustentvel de recursos naturais em regies semi-ridas no Nordeste do Brasil

Fundao Konrad Adenauer e Gesellschaft fr Technische Zusammenarbeit (GTZ) Fortaleza, Cear 2006

Copyright 2006 Editor rEsponsvEl Klaus Hermanns organizadorEs angela Kster Jaime Ferr Mart ingo Melchers CoordEnao Editoral Miguel Macedo CopYdEsK vianney Mesquita Capa Wiron teixeira diagraMao Wagno @lves t264g tecnologias apropriadas para terras secas - Manejo sustentvel de recursos naturais em regies semi-ridas no nordeste do Brasil /organizadores: angela Kster, Jaime Ferr Mart, ingo Melchers - Fortaleza: Fundao Konrad adenauer, gtz 2006. 212p. isBn 85-99995-02-2 1. recursos naturais - Conservao - Brasil, nordeste. 2. desenvolvimento sustentvel - Brasil, nordeste. i. Kster, angela. ii Mart, Jaime Ferr. iii. Melchers, ingo. iv. Konrad-adenauer-stiftung v. deutsche gesellschaft fr technische zusammenarbeit Cdd - 323.60981 As opinies externadas nas contribuies deste livro so de exclusiva responsabilidade dos seus autores todos os direitos desta edio reservados FUndao Konrad adEnaUEr av. dom lus, 880 - salas 601/602 - aldeota 60160-230 - Fortaleza - CE - Brasil telefone: 0055 - 85 - 3261.9293 / telefax: 00 55 - 85 - 3261.2164 www.sustentavel.inf.br e-mail: [email protected] e gEsEllsCHaFt Fr tECHnisCHE zUsaMMEnarBEit - (gtz) gmbH programa de desenvolvimento regional no nordeste do Brasil voltado para o Combate pobreza rua Joaquim Felipe, 101 50050-340 - recife - pE - Brasil telefone: 0055 - 81 - 3221.0075 / telefax: 00 55 - 81 - 3222.1959impresso em papel reciclado impresso no Brasil Printed in Brasil

SumrioOs Autores ................................................................................................................5 Apresentao ........................................................................................................ 11 Introduo: Tecnologias para o semi-rido nordestino ................. 15 Angela Kster, Jaime Ferr Mart

I Energias renovveis no semi-rido1 Desertificao e a questo energtica no semi-rido brasileiro: desafios e oportunidades para as energias renovveis 21 Luiz Augusto Horta Nogueira 2 Plo gesseiro de Pernambuco Diagnstico e perspectivas de utilizao dos energticos florestais na regio do Araripe ...................................................................... 51 Eliseu Rossato Toniolo, Julio Paupitz e Francisco Barreto Campello 3 Biodiesel e o combate desertificao................................................. 71 Ingo Melchers 4 Tecnologias para o desenvolvimento sustentvel do semi-rido ........................................................................................................83 Jrgdieter Anhalt

II Tecnologias para o manejo de gua e do solo5 Tecnologias de captao e manejo de gua de chuva em regies semi-ridas ..................................................................................................................... ....103 Johann (Joo) Gnadlinger 6 P1MC: a sociedade civil executando uma poltica pblica .................................................................................................123 Elzira Saraiva 7 A Bomba d gua Popular e a construo do programa BAP .............................................................................................139 Kurt Damm e Neide Farias 8 As barragens de conteno de sedimentos para conservao de solo e gua no semi-rido ...........................................157 Jos Carlos Arajo

III Tecnologias para a produo agrcola sustentvel no semi-rido9 Manejo sustentvel da Caatinga ............................................................169 Gerda Nickel Maia 10 Crculos de prosperidade Projeto Mandalla DHSA ............................................................................177 Fredericky Labad e Nina Rodrigues 11 Uma estratgia alternativa para a viabilizao da caprino e da ovinocultura de base familiar do semi-rido ...................................................................195 Clovis Guimares Filho

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oS AUTorESAngela Kster doutora em cincias poltica pela Universidade livre de Berlim. desde 2001 coordena projetos da Fundao Konrad adenauer, escritrio Fortaleza e a partir de 2006 atua como coordenadora geral do projeto agricultura Familiar, agroecologia e Mercado, co-financiado pela Unio Europia. Jaime Ferr Mart engenheiro agrnomo e mestrando em cincias do solo e nutrio de plantas pela Universidade Federal do Cear. atualmente coordenador tcnico do projeto agricultura Familiar, agroecologia e Mercado pela Fundao Konrad adenauer e coordenador da clula de agricultura Urbana na secretaria de desenvolvimento Econmico da prefeitura Municipal de Fortaleza. Luiz Augusto Horta Nogueira consultor internacional em bioenergia, tendo trabalhado para diversas agncias das naes Unidas. Entre 1998 e 2004 foi diretor da anp - agncia nacional de petrleo e atualmente professor titular do instituto de recursos naturais da UniFEi - Universidade Federal de itajub. Eliseu Rossato Toniolo engenheiro florestal, especialista e mestre em sensoriamento remoto e geoprocessamento. Foi especialista nacional em sensoriamento remoto no projeto de cooperao tcnica na rea florestal (PNUD/FAO/IBAMA) nos Estados de Pernambuco, paraba, rio grande do norte e Cear entre 1991 e 1997. Foi coordenador do projeto iBaMa/pnUd/Bra/93/033 e responsvel pela rea Florestal do projeto (Manejo Florestal, Extenso Florestal) no Estado do Cear em 1996. consultor em sensoriamento remoto e Manejo Florestal desde 1991. diretor da Empresa gEopHoto

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desde 1998.

Francisco Barreto Campello engenheiro florestal com especializao em desenho e gesto de projetos Florestais participativos. atua nas reas de planejamento, Extenso e Manejo Florestal junto a projetos de Cooperao tcnica do governo Brasileiro com as naes Unidas no nordeste. Foi coordenador geral da coordenao geral de gesto de Florestas nacionais e reservas Equivalentes da diretoria de Florestas do iBaMa. Foi diretor substituto da diretoria de Florestas do iBaMa e atualmente o coordenador regional do projeto de Conservao e Uso sustentvel na Caatinga MMa/pnUd/gEF/Bra/02/g3. Julio Paupitz engenheiro florestal, mestre em micro-economia florestal. Atuou como gerente de projetos de desenvolvimento florestal com nfase na gerao de processos de participao de populaes camponesas em co-manejo de reas protegidas. Foi funcionrio da Fao e nessa capacidade trabalhou no peru na promoo de um programa de extenso florestal para o desenvolvimento de fontes renovveis de energia na regio andina. trabalhou como consultor em diversos pases latino americanos. atualmente reside em Curitiba e se encontra a servio de stCp Engenharia de projetos como consultor permanente na funo de planejador de projetos e analista de aspectos socio-ambientais. Ingo Melchers engenheiro agrnomo e trabalha atualmente como coordenador do componente Combate Desertificao do Programa nordeste da gtz.sidade de Wilhelmshaven, na alemanha. tambm tem cursos nas reas de gerenciamento de projetos, planejamento de projetos por objetivos, mecnica fina e economia de recursos naturais, dentre outros. autor de vrios artigos apresentados no Brasil e no Exterior. sua experincia profissional inclui o Centro de Pesquisa Nuclear Jlich (Alemanha), Instituto nacional de pesquisas Espaciais e a sociedade alem de Cooperao tcnica (gtz), onde foi administrador do programa de disseminao de Energias renovveis - prodEr. desde 1996, diretor do instituto de desenvolvimento sustentvel e Energias renovveis (idEr) e da Brasil Energias solar e Elicia ltda (BrasElCo).

Jrgdieter Anhalt engenheiro mecnico formado pela Univer-

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Joo (Johann) Gnadlinger nasceu na ustria, e est vivendo permanentemente no Brasil desde 1977. Ele estudou pedagogia (mestrado), na Universidade de salzburg, ustria, e Manejo do Meio ambiente e gua (mestrado), na Universidade de londres, inglaterra. desde 1991, est trabalhando no irpaa (instituto regional da pequena agropecuria apropriada), em Juazeiro-Ba, e se dedica ao manejo do meio ambiente e da gua, especialmente no semi-rido Brasileiro. Em 1999 foi um dos fundadores da aBCMaC (associao Brasileira de Captao e Manejo de gua de Chuva) e presidente da entidade desde 2003. atualmente presidente da associao Brasileira de Captao e Manejo de gua de Chuva aBCMaC, petrolina, pE e assessor do instituto regional da pequena agropecuria apropriada irpaa, Juazeiro, Ba, cooperador da agncia austraca de Colaborao para o desenvolvimento Horizont 3000, viena, ustria. Elzira Maria Rodrigues Saraiva agrnoma e scia-fundadora do Esplar. atualmente coodena a equipe tcnica do p1MC, uma vez que o Esplar a Unidade gestora Microregional (UgM) que atende ao Frum Microrregional Fortaleza de Convivncia com o semi-rido. Kurt Damm comerciante industrial, profissional na rea de recusos Humanos, consiliador com estudos acadmicos em Histria, sociologia e Cincias politicas. desde dos anos 80 trabalha na rea da Cooperao internacional. atualmente atua como cooperante do dEd no projeto da Bomba dgua popular, em Juazeiro-Ba. Neide Farias tcnica agrcola. Filha de agricultores familiares com experincia em agroecologia, ela est cursando o 4 perodo de Faculdade de administrao de pequena e Media Empresa. atualmente coordenadora executiva do programa Bomba dgua popular. Jos Carlos de Arajo engenheiro civil pela Universidade Federal do Cear (1985); mestre em Engenharia Civil pela Universidade de Hannover, alemanha (1989); doutor em Engenharia Civil (Hidrulica e saneamento) pela Universidade de so paulo (1994) e ps-doutorado pela Universidade de Birmingham, reino Unido (2004). Foi engenheiro da Consultora siraC (1985 - 1988); professor da Universidade Federal de ouro preto, Mg, (1993 - 1997); consultor da CogErH na rea8

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gesto de recursos hdricos (1996 - 1997) e professor da Universidade Federal do Cear desde 1997. reas de atuao: gesto de recursos hdricos, modelagem hidrolgica do semi-rido e processos erosivos em bacias hidrogrficas.

Gerda Nickel Maia graduada em Cincias Florestais pela Universidade georg-august, em gttingen e especializada em agroecologia e Agrofloresta. De origem alem, reside em Fortaleza, Cear, desde o final dos anos 90. Desenvolveu estudos para diversas instituies, com enfoque na caatinga, no desenvolvimento de um manejo sustentvel e em sistemas agroflorestais para a regio semi-rida do nordeste. Em 2004 publicou o livro Caatinga rvores e arbustos e suas utilidades.experincia em televiso e especializao em Jornalismo ambiental, notadamente em Permacultura. Em 1993, chefiou a Central de Jornalismo da TV Cabugi, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte. Nos anos de 1994 a 1996, chefiou a Sucursal da TV Record em Braslia. co-autora de O Livro das Deusas, lanado pela publifolha em dezembro de 2005 e editora da revista pErMEar sobre Ecologia. versidade Federal da paraba com vasta experincia em televiso e rdio. Em 2004 foi um dos co-participantes responsveis pela criao e idealizao da tv UFpB. trabalhou como responsvel pela criao de peas publicitrias na Coordenao de Educao a distncia da Universidade Federal da paraba. Em maio de 2005 foi convidado para assumir a gesto de Comunicao da agncia Mandalla - dHsa onde atualmente se encontra em atividade. pela Universidade Federal rural de pernambuco e Master of science em animal science pela University of arizona, tucson, Usa. Ex-pesquisador da Embrapa semi-rido (Cpatsa), onde ocupou o cargo de Chefe-adjunto de pesquisa & desenvolvimento, e, como pesquisador, publicou de 50 trabalhos e artigos tcnico-cientficos sobre pecuria (caprino-ovinocultura) e desenvolvimento da regio semi-rida. atualmente consultor de organizaes de produtores (associao de Criadores

Nina Rodrigues jornalista h 20 anos com dezesseis anos de

Fredericky Labad formado em Comunicao social pela Uni-

Clovis Guimares Filho, graduado em Medicina-veterinria,

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de Caprinos e ovinos de petrolina e regio asCCopEr, com sede em petrolina-pE e Cooperativa agroindustrial do semi-rido Cogrisa, com sede em Jaguarari-Ba). presta servios de consultoria ainda Embrapa (programa de pesquisa em agricultura Familiar), ao sEBraE-pE e gtz.

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Apresentaoa discusso e o desenvolvimento de tecnologias adequadas para o semi-rido est ganhando mais ateno pela emergncia do avano da desertificao e da desestruturao social das reas rurais. A demanda por tecnologias adaptadas e de baixo custo tem seu foco na agricultura familiar, que ainda prevalece no nordeste brasileiro. Cerca da metade das 4 milhes unidades produtivas da agricultura familiar em todo o Brasil se encontram no nordeste, a maior parte desses em condies de sustentao social e econmica difceis. O desafio secular consiste em encontrar no um, mas muitos e diferentes caminhos para reduzir as desigualdades e a pobreza e assim mudar a face do serto, mostrando sua viabilidade e diversidade. Entre os atores de mudana da face do semi-rido destacam-se os movimentos sindicais e sociais, notadamente a articulao no semi-rido, asa, algumas empresas privadas comprometidas com a questo social e uma srie de aes e programas governamentais que ampliam o acesso da agricultura familiar a tcnicas apropriadas e sustentveis em prol de uma convivncia com o semi-rido e de redistribuio de renda. Evidentemente devem ser destacadas as mltiplas aes de captao, uso e gesto participativa de gua. a alemanha um dos pases que investe na cooperao tcnica para o desenvolvimento sustentvel e o combate pobreza no nordeste. a Fundao Konrad adenauer desenvolve, por meio do seu escritrio em Fortaleza, um programa com este objetivo e realiza diferentes atividades no mbito das estratgias de convivncia com o semi-rido, em parceria com a articulao do semi-rido (asa), o Frum Cearen-

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se pela vida no semi-rido e outras organizaes da sociedade civil e instituies do poder pblico. Em 2005, promoveu em Fortaleza um seminrio sobre tecnologias apropriadas para o semi-rido, reunindo pesquisadores, organizaes no governamentais e governamentais, que apresentaram e discutiram tecnologias desenvolvidas para solucionar problemas relacionados captao de gua, preservao de solos e manejo sustentvel de recursos naturais. Este ano 2006 iniciou o projeto agricultura Familiar, agroecologia e Mercado, que recebe para cinco anos o co-financiamento da Unio Europia e conta com a parceria do Centro de Cincias agrrias da Universidade Federal do Cear e do CEtra. o projeto tem entre seus objetivos o fortalecimento da organizao social e da qualificao de agricultores familiares na produo, planejamento, gesto e comercializao de produtos orgnicos, com maior participao de mulheres e jovens e a difuso de tecnologias apropriadas e adaptadas para o manejo sustentvel dos recursos naturais (solos e gua), o reflorestamento e o combate desertificao. Esta publicao se desenvolve em parceria com a gtz, que apia h 40 anos projetos brasileiros, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e contribuir para a proteo do meio ambiente. atravs do Programa Nordeste e seu componente Combate Desertificao, a gtz contribuiu para a elaborao e colabora na implementao do plano de Ao Nacional de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da seca (pan). para tal trabalha em estreita parceria com a secretaria de recursos Hdricos no Ministrio de Meio ambiente, srH/MMa e a asa. para apoiar formas sustentveis de uso de terras no semi-rido coopera com governos estaduais e o Ministrio de desenvolvimento agrrio, Mda. outro programa da gtz, o apoio ao combate pobreza, em parceria com a empresa privada, contribui para o fortalecimento e empoderamento dos agentes sociais, notadamente do movimento sindical e da agricultura familiar na produo de mamona para biodiesel. tambm o servio alemo de Cooperao tcnica e social (dEd) contribui para o desenvolvimento e a difuso de tecnologias. atualmente, atua na produo do biodiesel e, junto com a asa, na implantao de bombas de poos profundos, cujas guas complementam as de boa qualidade das cisternas para usos domsticos e de salvao para caprino e ovinos assim como para pequenos plantios no semi-rido.

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num esforo em conjunto, trazemos aqui para o pblico interessado no tema uma coletnea de artigos sobre as tecnologias e questes relevantes, que esto sendo desenvolvidas e implementadas pelos mais diversos atores de variadas reas para o manejo dos recursos naturais no semi-rido. desta forma a publicao aqui apresentada rene a discusso de energias renovveis como estratgia para um desenvolvimento sustentvel do semi-rido e o combate desertificao com a apresentao de tecnologias simples, mas poderosas, para o manejo de gua e solos, melhorando a vida das famlias pobres e a produo agropecuria familiar. Esperamos contribuir atravs dessa publicao com a difuso dessas tecnologias e debates para o manejo sustentvel dos recursos no semirido, que no so to escassos, mas muitas vezes mal aproveitadas ou destrudas por falta de conhecimento. Dr. Klaus Hermanns representante da Fundao Konrad adenauer no norte e nordeste do Brasil, exritrio de Fortaleza Dra. Annette Backhaus diretora do programa desenvolvimento regional no nordeste do Brasil voltado para o Combate pobreza - gtz

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Introduo: Tecnologias para o semi-rido nordestino

Angela Kster Jaime Ferr Mart

tecnologias adequadas (ta) para o manejo sustentvel dos recursos naturais do semi-rido, como apresentadas nesta publicao, desenvolvem-se em benefcio da agricultura familiar, que ainda predomina no nordeste. no mbito de um desenvolvimento rural sustentvel, estas propostas de tecnologias inovadoras ou resgatadas do esquecimento histrico, se mostram cada vez mais estratgicas. Com a difuso dessas tecnologias adequadas, adaptadas ou alternativas no se propem nada menos do que uma mudana profunda de sistemas de produo agropecuria, desenvolvidos desde a colonizao, que at hoje no correspondem s necessidades bsicas da maioria da populao. Uma retrospectiva histrica necessria para entender por que a pobreza das regies semi-ridas do nordeste continua sendo um dos grandes desafios para o Brasil. O processo de ocupao europia iniciou pelo Estado da Bahia, instalando a primeira capital do pas em salvador. Foi onde se iniciou a explorao dos recursos naturais pelo ciclo do pau-brasil, de forma extrativista e desordenada, levando devastao da mata atlntica - um dos primeiros crimes ecolgicos da histria do Brasil. os habitantes originais - as populaes indgenas - foram expulsos, disseminados ou escravizados e deixaram poucos e pequenos grupos remanescentes, que hoje ainda insistem na sua cultura original, mas perderam muitos dos conhecimentos tradicionais sobre o manejo adequado dos ecossistemas sensveis como a caatinga.15

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os novos habitantes trouxeram tcnicas e espcies de outros continentes para estas regies, sem considerar ou conhecer melhor a natureza dos ecossistemas locais. Com o tempo, a explorao e o manejo inadequado levaram ao empobrecimento dos solos, e at desertificao e perda da biodiversidade. os fazendeiros, que se instalaram na regio, cultivavam plantas estranhas aos sistemas ecolgicos. desmatando as costas, trouxeram coco da india, milho e feijo do Mxico e cana-de-acar da sia para o nordeste. algumas plantas e hbitos alimentares, porm, ainda tm suas razes na cultura indgena, como a mandioca e o caju; mas o sistema de produo agropecurio, desenvolvido nestes sculos, no considerou plantas e animais nativos, introduzindo grandes fazendas com monoculturas de canade-acar ao longo da costa da Bahia at pernambuco. no interior criouse gado e foram produzidos binmios de grandes culturas como milho, feijo e arroz para alimentar as fazendas e as cidades crescentes. a industrializao da agricultura no sculo XX trouxe um novo modelo do sudeste para o nordeste, basicamente europeu e adaptado para o clima mais ameno do sul. a eroso dos solos aumentou com a cultura de terrenos limpos, onde se criou um cculo vicioso. a ao do homem no campo inicialmente a retirada de toda a madeira disponvel para lenha e carvo. depois ele queima os restos que no aproveita, e em seguida coloca um roado de milho e feijo. aps a colheita entra com os animais para que consumam os restos culturais. por essas aes um solo geralmente com perfil raso, de baixa fertilidade e agora totalmente descoberto, fica compactado. No absorve mais gua, e a eroso leva perda da terra por enxurrada, que corre para os leitos e assoreiam os rios e canais. Esse sistema de cultivo de baixa produo tem uso no mximo de duas colheitas. A rea abandonada, correndo risco de desertificao, e se abrem outro campo e outro ciclo de devastao. so estes crculos viciosos dos sistemas de produo agropecuria, que as iniciativas da sociedade civil e alguns programas governamentais procuram modificar. Por isso, as tecnologias simples e adaptadas s realidades locais ganharam mais espao nas discusses sobre o desenvolvimento rural sustentvel, mostrando formas opcionais de um manejo mais adequado dos recursos escassos, dando prioridade para a gua. sabe-se, hoje, que o problema do nordeste no a falta de chuva,

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mas de polticas de armazenamento, distribuio e gesto, alm de tecnologias adequadas para a captao de chuva. Bombas dgua populares ou cisternas no trazem os benefcios dos megaprojetos de abastecimento de gua, que beneficiam na maioria das vezes a agroindstria, como criticado no caso da polmica transposio do rio so Francisco. as tecnologias para a captao de gua de chuva e de poos profundos, entretanto, podem aumentar o abastecimento de gua a um custo relativamente baixo. alm disso, passam para as comunidades a responsabilidade de gerenciar seu prprio abastecimento de gua e contribuem desta forma para a sua organizao social e a auto-gesto. Foi esse o pensamento que levou organizaes sociais e de assessoria tcnica a desenvolvem o programa 1 Milho de Cisternas, hoje apoiado pelo Ministrio do Meio ambiente e executado por atualmente 750 entidades, que fazem parte da articulao do semi-rido - asa. o p1MC mobiliza e capacita famlias na construo das cisternas, e, como avaliado pela asa, em dois anos iniciaram mudanas sociais, polticas e econmicas na regio semi-rida. aumentou a freqncia escolar, e reduzio-se o nmero de pessoas com doenas provocadas pelo consumo da gua contaminada. Um fator importante foi a articulao das organizaes da sociedade civil no nordeste neste processo, criando estruturas de comunicao e intercmbios, culminando na realizao anual do Encontro nacional da asa (Enconasa). o programa exemplar para mostrar por que a difuso de tecnologias adequadas tambm uma questo social, trazendo instrumentos para amenizar a hostilidade do clima, mas contribuindo tambm para a organizao dos produtores familiares e o fortalecimento de estruturas, que contribuem para melhorar a qualidade da vida no campo. outras solues so desenvolvidas para reverter o processo de desertificao do serto, onde se propem as produes de biomassa energtica, mediante o manejo florestal sustentvel da caatinga e do cerrado, com reflorestamento. para solucionar a falta de energia, que prejudica a populao nas suas atividades, existem novas tecnologias de gerao a partir da biomassa, com sistemas descentralizados e de baixo custo para os empreendimentos e consumidores rurais. Estas tambm contribuem para o acesso aos servios essncias (sade, educao etc.).

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outras tecnologias ajudam os produtores na irrigao das terras e aumentarem a produtividade, ao exemplo das hortas circulares, difundidas pela agencia Mandalla, que so reconhecidas e apoiadas como tecnologia social por vrias instituies. isso so alguns exemplos, que so apresentados nesta coletnea, que est longe de ser completa. o que se pretende mostrar aqui , que as tecnologias apropriadas precisam enfrentar a lgica do sistema da produo de alimentos no Brasil. de um lado tem-se uma agroindstria bem equipada, que produz com pouca mo-de-obra e enormes custos ambientais para mercados externos, com altos subsdios e lucros para poucos empresrios. do outro lado insistem milhes de pequenos agricultores em produzir alimentos para a populao em pssimas condies. por causa da insustentabilidade desse sistema, a agricultura familiar est ganhando maior enfoque das polticas pblicas, que devem contribuir para a difuso dessas tecnologias propostas e contribuir para a segurana e a soberania alimentar do povo brasileiro.

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I Energias renovveis no semi-rido

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desertificao e a questo energtica no semirido brasileiro: desafios e oportunidades para as energias renovveisLuiz Augusto Horta Nogueira

Resumoo interior do nordeste brasileiro apresenta os indicadores sociais mais crticos do Brasil, agravados pela falta de adequado suprimento energtico. do ponto de vista energtico, esse problema requer uma abordagem que considere as potencialidades regionais, articule o desenvolvimento econmico com a sustentabilidade ambiental e permita que a populao tenha acesso energia tambm para fins produtivos. Nesse sentido, as bioenergias, como a lenha plantada e as espcies oleaginosas, oferecem interessante alternativa s energias convencionais e devem ser promovidas no contexto do serto, sempre reconhecendo as caractersticas locais e propostas de forma harmnica com as sociedades da regio. Este trabalho apresenta o quadro energtico e social do semi-rido, revisa as tecnologias energticas de interesse e comenta criticamente as experincias realizadas e em implementao para atender as necessidades de energia do serto, visando a reduzir a degradao ambiental e melhorar as condies sociais.

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1 Introduoimplementar o desenvolvimento sustentvel no semi-rido nordestino constitui um dos maiores desafios para a sociedade brasileira. Nessa regio subsistem os indicadores mais crticos de qualidade de vida e degradao ambiental no pas, quadro cuja superao considerada h dcadas um problema que impe um tratamento abrangente e capaz de contemplar suas complexas dimenses sociais, econmicas e ambientais. Compreendendo a energia como a capacidade de transformar, os temas energticos so essenciais nesse contexto, podendo tanto estar associados a graves impactos ambientais quanto ser considerados uma fonte de solues para viabilizar as atividades humanas em bases racionais e de longo prazo. a problemtica energtica do semi-rido no deve ser restrita ao suprimento de energia eltrica s propriedades rurais, mas considerada de forma ampla, incluindo os combustveis e suas demandas, igualmente relevantes e freqentemente articuladas s questes eltricas. assim, a anlise da problemtica energtica do semi-rido impe considerar as vrias formas de energia requeridas localmente, bem como a regio enquanto consumidora e fornecedora de energia para outras regies. ao cruzar as rodovias do interior nordestino, freqente se observar caminhes transportando lenha de desmatamento para atender aos consumidores urbanos, com evidentes implicaes ambientais. Cabe conhecer melhor esse quadro e estabelecer polticas para que a energia seja portadora de solues e no de problemas. a percepo da relevncia da questo energtica para a sustentabilidade do serto e a clara inter-relao dos sistemas energticos, com os condicionantes socioambientais e os processos de degradao, como a desertificao, levaram a se incluir a temtica energtica no amplo leque de atividades do pan - programa de ao nacional de Combate Desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca, que foi lanado pelo governo brasileiro em 2004 como seu compromisso formal no mbito dos propsitos da Conveno das naes Unidas de Combate desertificao - CCD, aprovada durante a Conferncia das Naes Unidas para o Meio ambiente e o desenvolvimento, rio-92. vale observar que, durante os anos noventa, o Ministrio do Meio ambiente desenvolveu

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a Poltica Nacional de Controle da Desertificao, formalizada pela Resoluo 238/1997 do ConaMa1. Em um marco mais amplo, interessante constatar tambm que o programa de ao regional, estabelecido e aprovado pela CCd na reunio regional para amrica latina e Caribe, realizada em Bogot durante junho de 2003, visa em um de seus programas temticos (tpn-6) exatamente promoo das energias renovveis sustentveis. Este artigo procura explorar as perspectivas energticas do semirido brasileiro, analisando suas particularidades e avaliando as opes disponveis para atender as demandas e utilizar os recursos disposio localmente. Considerando a disponibilidade atual de dados e o nvel de desagregao das informaes sobre consumo energtico, adotou-se para o presente estudo a regio rural nordestina como representativa do semi-rido brasileiro. nessas condies, os prximos tpicos apresentam brevemente o contexto fitogeogrfico do semi-rido, a evoluo dos ndices de consumo energtico no interior do nordeste e sua correlao com alguns indicadores sociais e econmicos, quantificando o quadro de carncias e evidenciando a necessidade de ampliar a oferta, tema do tpico seguinte. o suprimento energtico no semi-rido pode ser realizado mediante o aporte de fontes energticas exgenas e convencionais, bem como por meio de recursos energticos locais, renovveis ou no, cabendo reforar as condies que favoream a ampliao da sustentabilidade nesses sistemas e permitam o acesso a uma energia com preos razoveis e com qualidade pela populao atualmente excluda desses servios. Buscando mostrar a viabilidade de algumas opes de energizao, neste trabalho se apresentam casos reais de sistemas energticos capazes de atender as necessidades de consumidores do semi-rido e promover seu efetivo desenvolvimento.

2 O semi-rido e a desertificao no BrasilO semi-rido brasileiro pode ser definido como o amplo espao geogrfico, em grande parte localizado no interior da regio Nordeste e Malheiros, J.o., 7 pontos que ajudam a explicar o que desertificao, a Conveno da oNU e o processo de Construo do pAN-lCd Brasileiro, ASA/AMAVIdA, So luiz, 2004.

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onde os dficits hdricos impem limites importantes para as atividades agrcolas convencionais. Esta regio, com aproximadamente um milho de km2, compreende essencialmente oito estados do nordeste e alguns municpios do norte de Minas Gerais, onde tm sido identificadas reas mais sensveis aos processos de degradao, com 24% e 38% da rea total, respectivamente, classificadas como de muito alta e alta susceptibilidade desertificao2. Pode-se definir desertificao como a degradao ambiental e social que ocorre nas zonas ridas, semi-ridas e sub-midas secas por ao antrpica. Entende-se como degradao ambiental e social, a degradao do solo, da flora, da fauna, dos recursos hdricos e a conseqente diminuio da qualidade de vida da populao afetada3. Em boa parte do semi-rido, j se evidenciam os processos de degradao, afetando moderadamente 40% da regio e gravemente ou muito gravemente 18%. as quatro reas do nordeste mais comprometidas pela desertificao so Gilbus (Piau), Irauuba (Cear), serid (entre rio grande do norte e paraba) e Cabrob (pernambuco)4, correspondendo a cerca de 15.000 Km2.

Figura 1 Pluviosidade anual em Valente, BA, para diversos anos entre 1933 a 1999 , (SUDENE/DNOCS, 2003 apud APAEB, 2005 5)

2 SANTANA, S., desertificao e Mitigao dos Efeitos da Seca: Conceitos e documentos Fundamentais, Fundao Grupo Esquel Brasil, Braslia, 2003. 3 IICA, Informe Nacional - Brasil, (documento preparado para a CCd), Braslia, 2003. 4 SANTANA,S., op.cit. ApAEB Associao de desenvolvimento Sustentvel e Solidrio da regio Sisaleira, Um

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Embora a desertificao (processo antrpico) e a seca (fenmeno climtico) no sejam sinnimos, eles esto bastante associados e suas implicaes so similares. alm disso, a gravidade da questo hdrica no semi-rido do nordeste brasileiro no se associa apenas baixa disponibilidade de chuvas e sua irregularidade ao longo do ano, como tambm expressiva variao ao longo de um perodo plurianual. Como mostrado na Figura 1 para a regio de valente, no norte do Estado da Bahia, com pluviosidade tipicamente oscilando entre 500 a 700 mm anuais, as precipitaes anuais variam de modo expressivo, em alguns anos no atingindo 100 mm por ano e em outros superando os 1000 mm. ainda assim, para os perodos considerados nesta figura, a pluviosidade mdia no variou de modo expressivo e em todos os anos foram observadas estaes secas intensas, durando tipicamente entre 6 a 9 meses. a temperatura se situa entre 24 e 26 graus, variando pouco durante o ano.

Figura 2 Paisagem natural tpica do semi-rido nordestino, na viso de Percy

exemplo de combate pobreza, in Workshop regional sobre Eletricidade e desenvolvimento na Amrica latina, GNESd/CoppE/CENBIo, abril de 200, rio de Janeiro

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au6.

tal singularidade climtica, associada aos solos rasos e quase sempre pedregosos, compostos de argilas e areias resultantes da decomposio da rocha - matriz formada essencialmente de granitos e gnaisses, determinou a formao do serto, como se denomina genericamente o semi-rido nordestino no Brasil, com sua ampla variao fitogeogrfica. Essa regio apresenta tipicamente formaes florestais tropicais esparsas e com rvores baixas bastante ramificadas, com diversas espcies xerfilas e caduciflias convivendo com bromlias e cactos, a caatinga, exemplificada na Figura 2. nesse ambiente que se desenvolveu a cultura sertaneja, baseada na pecuria extensiva do gado bovino e caprino e no cultivo da mandioca, feijo e milho, com seu rico folclore e artesanato. no semi-rido brasileiro onde vivem cerca de 22 milhes de pessoas, que representam 46% da populao nordestina e 13% da populao brasileira. um dos ecossistemas mais habitados no meio rural brasileiro e foi povoado j no incio da colonizao do pas, principalmente ao longo do rio so Francisco, que era a nica ligao com o centro e o sul do Brasil7.

3 O contexto social e energtico do semi-ridoos indicadores de qualidade de vida e demanda energtica no meio rural nordestino se alinham para apontar essa regio como a mais carente no Brasil. apesar da relativa evoluo dos ltimos anos, o quadro de assimetrias sociais e profundas carncias reproduz ainda hoje sem muita alterao a situao dramtica e o flagelo da fome observados durante os anos 40 por Josu de Castro, quando situava no interior nordestino a misria mais aguda do pas, decorrente no apenas das condies ambientais, como tambm de uma secular desigualdade social8. a tabela 1, baseada na ltima pesquisa por amostragem de domi6 IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, Tipos e Aspectos do Brasil, nmero especial da revista Brasileira de Geografia, rio de Janeiro, 96. 7 EMBrApA SEMI-rIdo, http://www2.sede.embrapa.br/linhas_de_acao/ecossistemas/semi_ arido. CASTro, J., A Geografia da Fome, Editora o Cruzeiro, rio de Janeiro, 946.

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clios do iBgE, apesar de no desagregar os valores para a zona rural, mostram como a regio nordeste exibe os indicadores de qualidade de vida mais problemticos do que a mdia brasileira. assim, a mortalidade infantil quase 60% superior, a taxa de analfabetismo o dobro, o rendimento mdio dos trabalhadores 60% e a frao de residncias com saneamento 38% menor, em valores para 20039.Tabela 1 Indicadores sociais para o Nordeste e Brasil, 20039 indicador Mortalidade infantil (1/1000) Esperana de vida ao nascer (anos) taxa de analfabetismo em maiores de 15 anos (%) rendimento mdio da populao ocupada (r$) domiclios com saneamento adequado (%) pessoas ocupadas com mais de 60 anos (%) Brasil 27 71,3 11,6 692,1 64,1 30,4 nordeste 43 66,7 23,2 409,4 39,6 36,1 nordeste/ Brasil 1,59 0,94 2,00 0,59 0,62 1,19

Como esperado, os indicadores acima so mais preocupantes quando considerados para o nordeste rural, que corresponde em grande parte ao semi-rido. segundo o iBgE, 75% das crianas e adolescentes do semi-rido vivem em famlias consideradas pobres, quando a mdia nacional para a mesma faixa etria de 45%. Em 95% dos municpios da regio, a taxa de mortalidade infantil quase o dobro da mdia nacional. o nvel de analfabetismo entre os adolescentes e adultos no serto, 38,7%, tambm bem mais alto do que no restante do nordeste9. Estes nmeros apenas confirmam o grave quadro de desigualdades. Como um reflexo do quadro social deprimido, simultaneamente causa e efeito dessas carncias, as limitadas condies de suprimento de energia eltrica na regio do semi-rido podem ser observadas na tabela 2 e Figura 3, onde se comparam os nveis de cobertura dos servios de eletricidade para as diversas regies brasileiras10. observe-se que na regio norte o porcentual mais elevado, principalmente em razo das caractersticas de disperso e condies de atendimento dos consumidores, contudo a populao excluda do suprimento eltrico no nordeste9 IBGE, Sntese de Indicadores Sociais 2004, Srie Estudos e pesquisas, rio de Janeiro, 200.

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rural bastante superior, correspondendo a mais de um milho de domiclios e 5 milhes de brasileiros.Tabela 2 Nmero de domiclios sem cobertura eltrica, 200210 regies norte nordeste sudeste sul Centro-oeste Brasil domiclios permanentes no atendidos com energia eltrica Urbano % rural % total % 505.023 1,2 447.124 59,7 503.319 16,1 201.642 2,4 1.110.339 34,4 1.311.981 10,7 166.565 0,8 206.214 11,9 372.779 1,7 49.011 0,8 125.235 10,3 174.246 2,3 31.610 1,0 90.336 21,5 121.946 3,5 505.023 1,2 1.979.249 27,0 2.484.271 5,2

Figura 3 Populao sem acesso eletricidade no Brasil, valores absolutos e porcentuais (2002)10.

Efetivamente, conforme ser comentado adiante, ampliado o acesso energia eltrica no meio rural brasileiro, como mostrado na Figura 3, com expressivo avano dos nveis de cobertura e a virtual universalizao dos servios eltricos no espao urbano. no obstante, as condies dos estados nordestinos ainda so notadamente insatisfatrias e se destacam dos demais estados brasileiros, conforme apresentado na0 MME Ministrio de Minas e Energia, programa Nacional de Universalizao e Uso da Energia Eltrica, Verso preliminar, Braslia, 2003.

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Figura 4. A Tabela 3 confirma esta viso, mostrando que os municpios onde mais crtica a eletrificao rural ficam no serto11. as eventuais diferenas observadas entre os valores das tabelas decorrem das diferentes fontes de informao adotadas e no afetam as concluses.

Figura 4 Evoluo da cobertura eltrica no Brasil, 1966 a 200211.

Figura 5 Nmero de domiclios permanentes sem iluminao eltrica (milhares), 2003 11. ABrAdEE, Associao Brasileira de distribuidoras de Energia Eltrica, dados e Informaes sobre Eletrificao rural, disponvel em http://abradee.org.br/doc_tec_tema03.asp

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Tabela 3 Estados e municpios com menor cobertura de servio eltrico11 Estado piau tocantins acre domiclios sem Municpio menos acesso eletricidade atendido no estado (%) 24,1 novo santo antnio 22,1 Centenrio 21,1 Jordo domiclios sem acesso eletricidade no municpio menos atendido (%) 91,9 72,0 83,3

Figura 6 Cobertura dos servios eltricos e ndice de Desenvolvimento Humano no Brasil12

a relao entre a disponibilidade de energia eltrica e a qualidade de vida evidenciada na Figura 5, que apresenta para as regies brasileiras como variam o idH, ndice de desenvolvimento Humano, e o acesso eletricidade 12. Como esperado, as melhores condies de vida se associam a maior cobertura eltrica. no obstante, o uso do baixo consumo de energia eltrica como indicador de pobreza deve ser tomado com cuidado, em funo das demandas mnimas necessrias. segundo alguns autores, nas condies latino-americanas, poderia ser adotada uma demanda mnima de 50 kWh por ms2 GoldEMBErG,J., la roVErE, E.l., CoElho, S.T., Expanding access to electricity in Brazil, Energy for Sustainable development, Volume VIII No. 4, december 2004.

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e por famlia como limite da linha de pobreza 13. alm da eletricidade, os outros energticos de evidente interesse para as perspectivas de sustentabilidade no semi-rido so a lenha e seus derivados, como o carvo vegetal. para esses energticos, observa-se grande carncia de dados sobre as demandas e disponibilidades para a ampla regio do serto, entretanto as informaes disponveis confirmam a dependncia da biomassa na matriz energtica regional, com graves implicaes. tambm preciso constar a idia de que, alm da demanda energtica, a expanso desordenada das atividades agropecurias promove o desmatamento e a perda da cobertura florestal natural da regio. segundo o gEo-Brasil, havia em 1995 no nordeste cerca de 11 milhes de ha de florestas densas e 62 milhes de ha de formaes florestais abertas. A partir do amplo diagnstico do quadro dendroenergtico na paraba, rio grande do norte, Cear e pernambuco, promovido pelo projeto pnUd/Fao/iBaMa/Bra 87/007 durante os anos 90, identificou-se uma dependncia entre o desenvolvimento regional e o recurso florestal, como mostrado na Tabela 4, estimando-se ainda que 60% da energia utilizada pela populao nordestina para coco dos seus alimentos proveniente de lenha14. alm da demanda residencial, relativamente pequena, as siderrgicas, a produo de gesso, as cermicas e olarias, as recuperadoras de pneus, as panificadoras e pizzarias so os principais responsveis pelo corte da vegetao nativa para produo de lenha e carvo vegetal necessrios ao seu processo.Tabela 4 Participao da lenha na demanda energtica estadual e na demanda industrial14. lenha na demanda estadual (%) 23 pernambuco 24 rio grande do norte 41 paraba Cear 32 Estado lenha na demanda industrial (%) 40 26 28

a maior parte da lenha consumida no nordeste tem origem no des-

3 KoZUlJ, r., di SBroIVACCA, N., Assessment of energy sector reforms: case studies from latin America, Energy for Sustainable development, Volume VIII No. 4, december 2004. 4 GEo Brasil, o estado do meio ambiente no Brasil, 2002.

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matamento de formaes nativas. os dados fornecidos pelo CEnBio sobre a oferta de biomassa lenhosa no Nordeste, estimados para o final dos anos 1990, indicam que, para uma demanda total da ordem de 50 milhes de toneladas de lenha, apenas entre 1 e 2% eram produzidos por meio reflorestamento15. o resultado desse modelo extrativista e predatrio ficou evidente, em especial na depleo dos recursos naturais renovveis da caatinga, observando-se perdas irrecuperveis da biodiversidade, acelerao do processo de eroso e declnio da fertilidade do solo e da qualidade da gua pela sedimentao. atualmente se estima que acima de 80% da vegetao da caatinga so sucessionais, cerca de 40% so mantidos em estado pioneiro de sucesso secundria e a desertificao j se faz presente em, aproximadamente, 15% da rea. por exemplo nos municpios da Chapada do araripe, onde se localizam indstrias de gesso, o consumo de lenha atinge valores de 30 mil m3/ms, induzindo um desmatamento de aproximadamente 25 ha/dia, considerando a produo de vegetao nativa da regio da ordem de 40 m3/ha16. no difcil inferir o pesado dano ambiental acarretado por esta atividade. a fonte de dados usualmente empregada para descrever a demanda de lenha o Balano Energtico nacional, publicado anualmente pelo Ministrio de Minas e Energia. Este documento apresenta estimativas do consumo de biomassa em funo dos estudos demogrficos e econmicos, bem como utilizando relaes paramtricas com a demanda de combustveis comerciais, como o gs liquefeito de petrleo, sem contar com estudos de campo mais recentes que possam validar melhor os procedimentos empregados para estas projees. dessa forma razovel questionar se os nveis citados de demanda de lenha so efetivamente representativos ou se os valores reais de consumo de lenha so muito diferentes. alguns estudos pontuais e avaliaes por outros indicadores mostram que a demanda de lenha no setor residencial pode ser algo CENBIo Centro Nacional de referncia em Bioenergias, Banco de dados de biomassa no Brasil - perfil da lenha na regio Nordeste (2000), disponvel em http://infoener.iee.usp.br/. 6 drumond, M.A.(coordenador), Avaliao e identificao de aes prioritrias para a conservao, utilizao sustentvel e repartio dos benefcios da biodiversidade do bioma Caatinga, documento para discusso no GT Estratgias para o Uso Sustentvel, Seminrio Biodiversidade na Caatinga, petrolina, 2000.

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menor do que o indicado no Balano, porm estudos mais aprofundados ainda devem conduzidos. por isso, os estudos conduzidos na regio sobre a demanda e oferta de lenha so da maior importncia, devendo ser destacados os esforos conduzidos pela equipe do nErg, ncleo de Energia da Universidade Federal de Campina grande, com diversos estudos de campo sobre o consumo de lenha no semi-rido paraibano, particularmente nas micro-regies do Cariri, Curimata e serid17. Como um exemplo de demandas significativas e pouco conhecidas, em um trabalho recente foram estudadas as espcies florestais vendidas para as fogueiras de so Joo em Campina grande, constatando que a lenha vendida para esse fim em 62 pontos de comercializao na cidade foi de 1405 m3, acarretando o desmatamento de uma rea de 15 ha. nesse caso a maior parte da lenha comercializada correspondeu a algarobeira, uma espcie extica18.

4 Perspectivas para o incremento da oferta energticaos nmeros anteriores mostram como os servios eltricos ainda deixam de atender boa parte do semi-rido, concorrendo para manter os nveis de excluso social, ao mesmo tempo em que a alta dependncia da lenha e a permanncia de procedimentos pouco sustentveis de explorao dos recursos florestais levam a um quadro preocupante de escassez e degradao ambiental. Buscando ampliar o atendimento dos servios eltricos e tornar mais racional o suprimento de lenha, pontos relevantes para a melhoria das condies de vida e o desenvolvimento econmico do serto nordestino, neste tpico se exploram as opes de abastecimento. so considerados separadamente os combustveis e a energia eltrica e abordadas as rotas convencionais e as tecnologias alternativas de carter renovvel consideradas de maior relevncia.

7 leimar de olIVEIrA, NErG/UFCG, informaes pessoais. MArTINS, p.l. et alir., As essncias florestais utilizadas nas fogueiras de So Joo, na cidade de Campina Grande pB, revista de Biologia e Cincias da Terra, 4/, 2004.

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4.1 Abastecimento de combustveisos combustveis so muito importantes para ampliar os servios disponveis nas comunidades, no apenas nos usos tradicionais de transporte, sistemas de bombeamento e irrigao, maquinaria agrcola e de processamento agroindustrial, como tambm para eventualmente efetuar a gerao eltrica e atender a extensa gama de demandas urbanas. Efetivamente este ltimo grupo de consumidores o maior responsvel pela presso sobre os recursos bioenergticos do serto. Em 2002, todo o nordeste consumiu cerca de 5,6 bilhes de litros de leo diesel, 3,1 bilhes de litros de gasolina e 1,2 milho de kg de gs liquefeito de petrleo (glp), que respectivamente corresponderam a 15%, 14% e 20% da demanda nacional. naturalmente o semi-rido representa uma parcela reduzida desses volumes, confirmando sua menor importncia relativa diante do mercado brasileiro. por outro lado, a produo nordestina de lcool de cana-de-acar, cerca de 1,6 bilho de litros, significa 12% da produo nacional e se desenvolve na zona litornea da regio, devendo tambm ser considerada exgena ao semi-rido19. particularmente relevante para o serto, a alternativa potencialmente sustentvel aos derivados de petrleo representada pelos biocombustveis, que podem ser lenhosos ou lquidos, como o biodiesel, que sero abordados a seguir. para qualquer biocombustvel, fundamental notar que esta rota energtica potencializa suas vantagens econmicas, sociais e ambientais quando se desenvolve integrada s demais atividades produtivas, sob os conceitos de sistemas agroflorestais ou agroenergticos, permitindo sinergias produtivas e economias de escala. tambm muito importante que, ao considerar a produo energtica por vegetais, se tenha em conta a adequao edafoclimtica das espcies e rotas produtivas adotadas. nesse sentido, uma ferramenta fundamental o zoneamento agroecolgico do nordeste, preparado pela EMBrapa, definindo 172 unidades geoambientais, agrupadas em 20 unidades de paisagem, com referncias e informaes sobre recursos naturais (relevo, solos, vegetao, clima e recursos hdricos) e recursos socioeconmicos 20.9 ANp Agncia Nacional do petrleo, Anurio Estatstico 2003, rio de Janeiro, 2004. 20 EMBrApA, Zoneamento Agroecolgico do Nordeste, Braslia, 2000.

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A. Biocombustveis lenhososainda que a lenha, na forma predatria em que atualmente se processa sua explorao seja um dos fatores de degradao ambiental na caatinga, possvel e necessrio alterar esse paradigma, implementando sistemas dendroenergticos sustentveis. Esse objetivo impe ampliar a produo racional de lenha, bem como utilizar eficientemente este energtico. para aumentar a disponibilidade de lenha, deve-se considerar o manejo sustentvel dos recursos florestais, a introduo de espcies mais produtivas e o reflorestamento para fins energticos. a vegetao lenhosa caracterstica do serto nordestino composta principalmente de espcies de pequeno porte, geralmente dotadas de espinhos e caduciflias, perdendo suas folhas no incio da estao seca. as espcies arbreas somam vrias centenas e as famlias mais freqentes so as cesalpinceas, mimosceas, euforbiceas e fagceas. Um estudo de manejo sustentvel dessas formaes foi efetuado para as reas de assentamento de reforma agrria no rio grande norte21. Essas reas ultrapassavam 270 mil ha, com cerca de 9 mil famlias assentadas, cujas perspectivas dependem do modo de explorao de seus recursos naturais, principalmente o recurso florestal, a primeira fonte de renda disponvel. Foram avaliados 27 projetos, totalizando 96 mil ha, onde se considerou vivel a explorao sustentvel da caatinga, para fins energticos e outros usos. Assumindo uma disponibilidade entre 183 a 226 m3 por ha, foi avaliado um estoque de quase 15 milhes de m3, dos quais 80% correspondem a recursos dendroenergticos. o ciclo de regenerao da caatinga foi estimado em 15 anos e os autores destacam a importncia da orientao tcnica ao assentado para explorar sustentavelmente os recursos florestais. Em virtude da reduzida produtividade florestal da caatinga, a atividade dendroenergtica deve ser considerada um complemento de renda dos assentados, pois outras atividades apresentam maiores retornos econmicos. no obstante, a produo racional de lenha pode ser fundamental para a sustentabilidade dos assentamentos estudados e a reduo das pres2 FrANCElINo, M.r., FErNANdES Filho, E.I., rESENdE, M., lEITE, h.G., Contribuio da caatinga na sustentabilidade de projetos de assentamentos no serto norte-rio-grandense, revista da rvore, 27/, Viosa, 2003.

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ses ambientais, sendo entretanto ainda pouco praticada. lamentavelmente, na atualidade a produo florestal na regio Nordeste se baseia principalmente em mtodos predatrios e pouco sustentveis. Buscando maior produtividade e rapidez de crescimento, entre as espcies exticas de interesse dendroenergtico para o serto, so mencionadas algumas variedades de eucaliptos, como o Eucalyptus camaldulensis e E. tereticornis, apresentando incrementos mdios anuais de 8 m3/ha.ano, sem irrigao22. para as regies mais secas tambm so citadas as espcies E. exserta, E. alba e E. creba23 e o nim indiano (Azadirachta indica)24. Considerando, contudo, as possibilidades de integrao com outras atividades produtivas no serto, algumas leguminosas so mais atraentes, por mostrar tanto um bom potencial lenheiro quanto forrageiro, como a leucena (Leucaena leucocephala), a algarobeira (Prosopis juliflora), a jurema-preta (Mimosa tenuiflora) e o sabi (Mimosa caesalpiniaefolia), capazes de integrar a produo energtica com a pecuria. segundo alguns estudiosos, essas espcies podem apresentar um potencial energtico que supera variedades de eucalipti25. Como uma idia da produtividade dendroenergtica dessas espcies de uso mltiplo, no rio grande do norte mediu-se para a algarobeira um incremento anual de 9,4 t/ha em reas de vrzeas e 0,62 t/ha em solos de encostas26. A adoo de espcies forrageiras se justifica tambm porque a criao de animais, especialmente caprinos e ovinos, se mostra mais adequada e de menor susceptibilidade climtica que o cultivo de gros, como o milho e o feijo. A adoo de sistemas agroflorestais, com a rvore sendo considerada por seus mltiplos produtos e efeitos, permite ampliar a viabilidade das atividades silviculturais, devendo ser considerada a forma correta de promover a produo dendroenergtica no serto. de22 drUMoNd,M.A., op.cit. 23 pIrES, I.E., FErrEIrA, C.A., potencialidade do Nordeste do Brasil para reflorestamento, Circular Tcnica EMBrApA-UrpFCS no. 66, Curitiba, 92. 24 ArAJo, l.V.C., rodrIGUEZ, l.C.E., pAES, J.B., Caractersticas fsico-qumicas e energticas da madeira de nim indiano, Scientia Forestalis, no.7, 2000. 2 ArAJo, l.V.C., lEITE, J.A.N., pAES, J.B., Estimativa da produo de biomassa de um povoamento de jurema-preta (Mimosa tenuiflora) com cinco anos de idade, Biomassa e Energia,/4, Viosa, 2004. 26 ZKIA, M.J.B.; pArEyN, F.G.;BUrKArT, r.N.; ISAIA, E.M.I. Incremento mdio anual de algarobais no Serid-rN. IpA News, recife, n., p.-4, 99.

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todo modo, cabe observar que a elevada regenerao e a boa adaptao dessas espcies ao semi-rido as converte em plantas invasoras, cuja expanso pode degradar as formaes nativas da caatinga, justificando seu manejo criterioso27. Na direo do uso eficiente da lenha, a introduo de mtodos melhorados nas carvoarias pode reduzir de forma expressiva a demanda de madeira. Enquanto os processos tradicionais de carvoejamento necessitam de aproximadamente sete metros cbicos de lenha para gerar um metro cbico de carvo, h mtodos mais modernos disponveis que possibilitam reduzir essa proporo para a metade28. Uma detalhada avaliao energtica de uma tpica cermica potiguar, a Cermica do gato, em itaj, consumindo anualmente mais de 17 mil m3 de lenha, mostrou que o processo produtivo apresenta diversas possibilidades de incremento de eficincia e reduo de perdas. Empregando lenha nativa (catingueira e jurema), os consumos unitrios de lenha observados foram de 3,2 m3 por milheiro de tijolos e 2,5 m3 por milheiro de telhas, valores que podem ser reduzidos de modo expressivo com a adoo de sistemas de combusto e recuperao trmica mais eficientes, assim como mediante de procedimentos da gesto energtica e industrial, reduzindo as perdas de calor e produtos em processo29. Como exemplos de aperfeioamentos que reduzem o consumo de lenha, tem-se a recuperao de calor dos fornos para a secagem das peas a serem queimadas e a reduo dos tempos de parada nos processos, em que ocorre a perda de calor dos fornos. neste estudo, foi observado alto nvel de quebra de produtos, especialmente de telhas, que resulta em demanda energtica elevada.

B. Biocombustveis lquidossobretudo por conta das condies climticas favorveis e da disponibilidade de terras adequadas no Brasil, o etanol de cana-de-acar para27 lIMA, p.C.F., Manejo de reas Invadidas por Algarobeira, proNABIo/CpTSA, petrolina, 2004. 2 horTA NoGUEIrA, l.A., SIlVA lorA, E.E., dendroenergia: fundamentos e aplicaes, Editora Intercincia, rio de Janeiro, 2a.edio, 2003. 29 CArVAlho, o.o., lEITE, J.y.p., Anlise do processo produtivo da Cermica do Gato - Itaj/ rN , disponvel em http://www.fiern.org.br/portal.asp.

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fins combustveis desenvolveu-se pioneiramente e se consolidou no Brasil. assim, compreende-se o grande interesse despertado com a recente proposio de um programa nacional de biodiesel pelo governo brasileiro, que se pretende possa replicar o sucesso do etanol. o biodiesel tem efetivo potencial para o semi-rido nordestino, contudo deve ser considerado com cautela, j que existem aspectos ainda pouco definidos e obstculos por superar, cumprindo equaciona-las antes de efetivamente expandir de forma consistente a produo deste biocombustvel. nesse sentido um aspecto essencial refere-se matria-prima a ser empregada30. particularmente para o serto nordestino, proposta uma grande expanso da cultura da mamona (Ricinus communis) visando produo de leo vegetal para posterior transesterificao e produo de biodiesel. a mamona uma espcie com boa aptido para as regies semiridas, em altitudes entre 300 e 1500 m, temperaturas entre 20 e 30 C e precipitao anual acima de 500 mm, com chuvas na fase vegetativa apenas. so estas as condies que orientam o zoneamento da cultura no nordeste, considerada uma das poucas opes agrcolas rentveis para as regies rida e semi-rida do nordeste. a produtividade em boas condies estaria entre 500 a 1000 litros de biodiesel por ha. o zoneamento concludo recentemente pela EMBrapa indica que h 458 municpios no nordeste em condies adequadas para produzir mamona, sendo 189 deles na Bahia31. as informaes agronmicas ainda so, entretanto, relativamente limitadas, a base de variveis melhoradas reduzida e a economicidade do processo deve ser ainda melhor conhecida, especialmente para as unidades produtoras de pequeno porte. alm disso, a produo da mamona no apresenta resduos energticos de interesse para a gerao de energia para seu processamento, ao contrrio do que ocorre com o dend, e portanto seu balano energtico pode ser um limitante importante para seu uso como fonte de matriaprima para combustvel. outra limitao relevante da mamona o fato de que a torta resultante da extrao de leo de suas sementes txica e no pode ser usada para alimentao, enquanto para praticamente30 MACEdo, I.C, horTA NoGUEIrA, l.A., Biocombustveis, Cadernos NAE 2, SECoM, presidncia da repblica, Braslia, 200. 3 BElTro, N. E. M. e outros; Zoneamento e poca de cultiva da mamoneira no Nordeste Brasileiro, EMBrApA, 2004.

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todas as demais oleaginosas a torta valorizada exatamente como rao animal por seu contedo protico. no obstante, a produo de leo de mamona, independentemente de sua converso em combustvel, pode representar uma fonte interessante de gerao de renda e justificar a expanso dessa cultura, apropriada para grande parte do semi-rido. alm disso, mesmo que o biodiesel de mamona no apresente atratividade econmica, ao comparar os preos de venda do leo vegetal como energtico sucedneo do diesel derivado de petrleo e os preos desse produto vegetal para outros fins no energticos, deve ser considerada a possibilidade do biodiesel ser adotado como aditivo para melhorar a lubricidade do diesel mineral, progressivamente afetada pela reduo do teor mximo de enxofre, como determinado pela legislao brasileira para o produto a ser consumido nas regies metropolitanas. nesse ltimo caso, o biodiesel de mamona poderia ser eventualmente produzido com vantagens econmicas, mas dificilmente se justificaria sua utilizao no contexto nordestino. Um quadro bastante diverso resulta quando se tomam as palmceas como fonte de matria-prima para produo do biodiesel. ainda que os aspectos agronmicos tambm caream de maior aprofundamento, os dados disponveis para o balano energtico e os nveis observados de produtividade so bem interessantes, e, associados s maiores possibilidades de utilizao de subprodutos, tornam essa rota potencialmente mais atrativa, como refletem os preos e custos. Comparando a mamona e o dend, a Figura 6 apresenta uma avaliao da competitividade dessas opes para a produo de biodiesel32, sendo apresentadas estimativas para os custos de produo e os custos de oportunidade para o leo vegetal e o biodiesel, se assumido o leo vegetal ao preo de mercado. Este ltimo preo denominado valor de indiferena para o produtor de leo vegetal, j que neste preo o biodiesel oferece ao produtor de leo vegetal uma opo idntica ao mercado de leo vegetal in natura. igualmente so apresentados como referncia os preos mdios do leo diesel de petrleo, para o consumidor, nos postos revendedores e nas refinarias, nesse caso sem considerar os tributos. Como concluses dessa anlise comparativa, tem-se que o leo de mamona apresenta alto32 MACEdo, I.C, horTA NoGUEIrA, l.A.,op.cit.

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custo de produo, compensado por um elevado preo de mercado, que por sua vez implica um biodiesel a preo elevado, valendo mais do que o dobro do preo do leo diesel convencional para o consumidor. por outro lado, o dend apresenta custos mais baixos e preos de mercado tambm inferiores, que resultam em um biodiesel bem mais barato do que no caso da mamona.

Figura 7 Custos de produo e de oportunidade para o biodiesel de mamona e de dend

Considerando a flora e os condicionantes do semi-rido, algumas palmeiras tpicas desse bioma merecem ser cuidadosamente consideradas para a produo de biodiesel, como o licuri (Syagrus coronata), que ocorre na vegetao da caatinga entre pernambuco e Minas gerais, suportando secas prolongadas e frutificando por um longo perodo do ano, sendo valorizado para a obteno de frutos e leo comestvel33. segundo levantamentos realizados em licurizais do serto baiano, em condies adequadas, a produtividade anual estaria entre 2 mil a 4 mil kg de coquinhos por ha, com uma amndoa que corresponde a 54% do peso do fruto e contm entre 55 a 61% de leo vegetal34. os resduos da extrao do leo de licuri so bastante empregados como rao animal,33 lorENZI, h., palmeiras no Brasil, Editora plantarum, Nova odessa, 996. 34 informaes obtidas do informe do projeto licuri, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2004.

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inclusive para aves domsticas. atualmente o licuri explorado extrativamente pela populao da caatinga e a destruio dos licurizais nativos em virtude da expanso da fronteira agrcola coloca em risco de extino esta espcie, considerada de grande utilidade por seus diversos produtos. Em 1950, o instituto de tecnologia industrial de Minas gerais realizou ensaios em motores com o leo dos frutos dessa palmeira35. outras palmeiras poderiam ser consideradas, por seu potencial interesse para produo energtica e adequao ao semi-rido, como a macaba36 (Acrocomia intumescens) e a macaba (Acrocomia aculeata), entretanto o atual nvel de informaes sobre estas palmceas ainda bastante limitado para sugerir sua utilizao para fins energticos e eventual produo de biodiesel.

4.2 Suprimento de energia eltricaH uma razovel diversidade de formas de suprimento de energia eltrica, com evidentes implicaes sobre os investimentos requeridos, custos operacionais, confiabilidade e qualidade dos servios e limitaes de capacidade. a tecnologia mais tradicional a extenso das linhas de distribuio, adotada pelas concessionrias de distribuio, ordinariamente as entidades responsveis pela implantao de projetos de eletrificao rural, com o fornecimento de energia sem limitaes expressivas de capacidade e qualidade de servio. J as opes adotando os sistemas de gerao descentralizada permitem utilizar os recursos locais e inserirse na economia local, podendo ser de capacidades bem mais limitadas e passveis de desenvolvimento, segundo diferentes esquemas de implementao e gesto. o suprimento de energia eltrica empregando sistemas de gerao descentralizada depende evidentemente da existncia do recurso energtico primrio, o que exclui para o nordeste semi-rido a energia hidreltrica e a energia elica, disponveis de forma limitada e localizada. Compensando essa limitao, a localizao tropical e as caractersticas3 STI/MIC, produo de Combustveis lquidos a partir de leos Vegetais, Braslia, 9. 36 STI/MIC, potencialidades do fruto da Acrocomia Intumescens para fins energticos, Simpsio Nacional sobre Fontes Novas e renovveis de Energia, Braslia, 9.

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do clima semi-rido favorecem naturalmente a energia solar e, em alguns contextos, as rotas bioenergticas. particularmente os sistemas fotovoltaicos so amplamente considerados para ampliar a oferta de energia no semi-rido, sob diferentes conceitos e capacidades. independentemente da forma de suprimento adotada, muito importante que a eletricidade seja utilizada eficientemente, aspecto nem sempre observado. Em contextos de baixa disponibilidade de energia, como ocorre em grande parte do semi-rido, a reduo das perdas e a adoo de sistemas de iluminao, motores e dispositivos de maior rendimento permitem multiplicar os benefcios e racionalizar o uso, levando a ganhos econmicos e sociais. sem esquecer que uma forma renovvel de energia, a hidroeletricidade, responsvel por mais de 80% da produo de energia eltrica no Brasil e que, portanto, as linhas rurais de distribuio fornecem essencialmente energia renovvel, trata-se no presente trabalho de avaliar o espao das energias renovveis em menor escala. nesse sentido, a seguir se apresenta a evoluo do marco institucional para a eletrificao rural no Brasil e em particular no nordeste, passando a avaliar as implicaes e perspectivas dos procedimentos de eletrificao rural atualmente adotados.

A. Marco institucionalAinda que programas de eletrificao rural tenham sido desenvolvidos no Brasil ao longo das ltimas dcadas, foi a partir de 1988 que o suprimento de energia eltrica passou a ser considerado um servio pblico essencial no Brasil, conforme prescrito na Constituio brasileira. para atender tal orientao, a agncia nacional de Energia Eltrica estabeleceu um cronograma para a progressiva universalizao dos servios de energia eltrica, a ser implementada pelas concessionrias de distribuio e atender toda a populao. diversas etapas foram cumpridas na elaborao de um marco jurdico para fundamentar este propsito, como apresentado nos prximos pargrafos. Em 1993, procurando definir recursos e orientar sua aplicao para eletrificao das reas mais carentes, a Lei 8631 assegurou o financiamento para os programas de eletrificao rural a partir da RGR (Re42

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serva global de reverso), fundo administrado pela ElEtroBrs e resultante de um adicional de 2,5 a 3% das tarifas da energia faturada. posteriormente a lei 9427, de 1996, estabeleceu que a metade desses recursos deve ser destinada s regies norte, nordeste e Centro-oeste. tambm deve ser mencionada a lei 9074 de 1996, ao determinar que as concessionrias de energia eltrica devem prover os servios de suprimento eltrico para os consumidores de baixa renda e em zonas rurais. Finalmente, nessa breve reviso dos aspectos legais de interesse para a eletrificao rural, a Lei 10.438, de 2002, estabeleceu claramente o compromisso das concessionrias com a universalizao, com regras claras, da constituio de um fundo para o desenvolvimento energtico (CdE, Conta de desenvolvimento Energtico) e a intervenincia da anEEl, especialmente para a definio e acompanhamento das metas. Apesar da clara evoluo de um marco legal que proporcione a efetiva ampliao dos servios de energia eltrica, alguns aspectos relevantes ainda devem ser mais bem definidos, como por exemplo o conceito de consumidor de baixa renda, bem como fundamental assegurar a disponibilidade dos recursos que permitam executar tais propsitos. para as distribuidoras do nordeste, a tabela 5 mostra o nvel de cobertura da eletrificao em 2002 e o ano pretendido para a universalizao37. Como visto anteriormente, grande parte das residncias no atendidas situam-se na zona rural, mas, de acordo com especialistas do setor eltrico, considera-se muito difcil que a plena cobertura da eletrificao possa ser atingida em menos de 10 anos.

37 ANEEl Agncia Nacional de Energia Eltrica, informaes disponveis em http://www.aneel. gov.br.

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Tabela 5 Cobertura dos servios eltricos em residncias e ano previsto para universalizao nos estados nordestinos, 2002Estado Maranho piau Cear r. g. do norte paraba paraba pernambuco alagoas sergipe sergipe Bahia Concessionria residncias CEMar CEpisa CoElCE CosErn saElpa CElB CElpE CEal EnErgipE sUlgipE CoElBa 1.235.523 661.110 1.757.249 671.580 731.290 111.756 1.974.244 649.346 373.293 73.429 3.159.262 residncias com Cober. Meta para eletrificao (%) Universalizao 985.241 79,74 2015 502.108 75,94 2015 1.568.650 89,26 2013 633.750 94,36 2013 689.710 94,31 2013 110.578 98,94 2008 1.895.800 96,02 2010 590.324 90,91 2013 350.031 93,76 2013 60.230 82,02 2013 2.609.831 82,6 2013

Como conseqncia dessas determinaes legais, alguns programas foram implementados no Brasil, visando a expandir o suprimento de energia eltrica, em particular no meio rural e nas regies mais pobres 38: 1 luz no Campo - implementado por intermdio das concessionrias desde 1999, chegou a atender 560 mil famlias, com a instalao de mais de 2.235 Mva, basicamente mediante a extenso de linhas de distribuio e algum emprego de sistemas fotovoltaicos. 2 prodEEM (programa para o desenvolvimento Energtico dos Estados e Municipios) - operando desde 1996, foi o principal programa governamental de eletrificao descentralizada, majoritariamente baseado em sistemas fotovoltaicos domsticos, tendo sido instalados aproximadamente 7 mil desses sistemas. 3 luz para todos - implementado a partir de 2003, essencialmente uma nova denominao para os programas anteriores, com amplo envolvimento institucional e as concessionrias, pretendendo assegurar o acesso eletricidade para toda a populao at 2008.3 GoldEMBErG, J. at alii, op.cit.

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as diferentes abordagens dos programas governamentais citadas, em grande medida focados na realidade do semi-rido e em boa extenso, adotando sistemas fotovoltaicos, aportaram uma boa experincia, que somada s iniciativas privadas, principalmente implementadas por ongs com apoio de agncias de cooperao internacional, fornecem uma base de reflexo para as perspectivas do emprego das energias renovveis na eletrificao rural no contexto do semi-rido, como discutido a seguir.

B. Avaliao da eletrificao rural com energias renovveis no BrasilQuatro documentos so essenciais para este tema, reproduzem experincias concretas, relativamente recentes, com discusses abalizadas sobre os logros efetivos, limitaes e obstculos por superar para consolidar o processo de eletrificao rural mediante o emprego de energias renovveis, que no contexto brasileiro significa basicamente energia solar fotovoltaica. Estes documentos sero comentados a seguir, fundamentando a anlise da problemtica das energias renovveis no semi-rido e baseando as concluses deste captulo. sob o conceito da Eletrificao rural descentralizada, o trabalho coordenado por goUvEllo e MaignE39 oferece elementos de poltica energtica, planejamento e dados tcnico-econmicos realmente teis para a promoo das energias renovveis. so evidenciadas as limitaes na extenso das linhas de distribuio e fornecido um ferramental para a anlise financeira e a consolidao institucional desse novo cenrio energtico. no estudo, sobressai a certeza de que a energia deve estar associada ao desenvolvimento rural, sem o que os quadros de pobreza no se superam. sobre a energia fotovoltaica, os autores sinalizam que esta tecnologia no totalmente compatvel com as aplicaes que devam gerar valor agregado pode representar um obstculo ao desenvolvimento econmico. Chama-se a ateno para importncia da gesto eficiente dos sistemas energticos inovadores, de modo a assegurar a continuidade e a qua39 GoUVEllo, C, MAIGNE, y., Eletrificao rural descentralizada, CrESESB/CEpEl, rio de Janeiro, 2003.

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lidade dos servios, aspecto que geralmente as concessionrias no so capazes de bem atender na escala dos usurios rurais. o estudo efetuado pelo CentroClima e CEnBio40 representa uma contribuio brasileira aos objetivos do gnEsd, Global Network on Energy for Sustainable Development, que envolve diversos pases e instituies. abordando o acesso energia eltrica, esse trabalho procura determinar o potencial das diversas formas de energias renovveis para o suprimento eltrico e avaliar os obstculos sua expanso, evidenciando o profundo nexo entre pobreza e falta de energia eltrica, que no se supera de forma simplista e requer que os usurios sejam capazes de transformar-se com a eletricidade. alm disso, sugere-se a necessidade de coordenar as definies de poltica energtica, o arcabouo regulatrio e as aes do governo no campo das energias renovveis, bem como prover os recursos financeiros fundamentais para a implementao de projetos, cujo benefcio se observa ao longo do tempo. Em sntese, preciso reaver os valores do planejamento e definir estratgias robustas para ampliar o uso das energias renovveis. Uma importante contribuio para compreender as questes relacionadas com a eletrificao rural mediante sistemas fotovoltaicos e como tornar efetivos os investimentos realizados pelo governo nesses sistemas foi realizado pelo MME, entre 2003 a 2004, por meio do programa de revitalizao e Capacitao do prodEEM 41. ao constatar que 56% dos sistemas fotovoltaicos instalados estavam inoperantes, foram visitados os sistemas instalados e diagnosticadas as causas dos problemas detectados, desenvolvendo profunda autocrtica dos procedimentos e estabelecido um conjunto de atividades para recuperar os sistemas e proporcionar sua operao de forma sustentvel. a estratgia adotada contempla trs aspectos bsicos: a maximizao dos benefcios, a assistncia tcnica e a capacitao participativa e construtivista, buscando fazer da energia um vetor de qualidade de vida. Uma concluso importante desse esforo foi a descoberta de que a disponibilidade dos sistemas fotovoltaicos no significa necessariamente suprimento energtico,40 CentroClima/CoppE/UFrJ e CENBIo/IEE/USp, Brazilian report to Global Network on Sustainable development, riso National laboratory, 2004. 4 MME, realizaes do prodEEM (junho de 2004 a agosto de 200), Braslia, 2004.

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que depende de informao e acompanhamento. o quarto documento a ser comentado nessa reviso crtica das possibilidades das energias renovveis refere-se ao extenso trabalho de KraUsE e colaboradores sobre a tecnologia fotovoltaica para eletrificao rural no Brasil42. Preocupado principalmente com os modelos de financiamento e gesto, esse trabalho analisa quatro configuraes adotadas para a instalao de sistemas fotovoltaicos e avalia sua sustentabilidade. Concluindo que embora no exista um modelo nico da gesto a recomendar, os modelos de implementao e manuteno devem ser desenhados tendo em conta as atividades locais, integrados comunidade e minimamente formalizados, o que implica em geral o envolvimento de concessionrias. outra constatao relevante de que mesmo os sistemas fotovoltaicos bem operados no so suficientes para reduzir a pobreza ou promover o desenvolvimento rural, que requer uma articulao mais ampla e eventualmente o acesso a outras formas de suprimento energtico. diversas recomendaes so apresentadas pelos autores para orientar a utilizao racional de sistemas fotovoltaicos no meio rural, com nfase para os temas da regulao do setor eltrico, para os modelos de gesto sustentveis e para as estratgias de desenvolvimento rural.

5 Concluses: energia do serto para o sertoseria surpreendente se os baixos ndices de qualidade de vida observados no semi-rido rural no estivessem associados a baixa disponibilidade de energia eltrica, que cumpre ampliar. no outro relevante componente do cenrio energtico da regio, entretanto, as singulares condies do serto fazem com que a alta demanda de lenha de formaes nativas, para uso local e nas cidades, cause danos ambientais significativos e que tambm cumpre superar. Desse modo, evidente o papel fundamental que as energias renovveis podem cumprir para a sustentabilidade da ocupao humana no semi-rido42 KrAUSE, M., JANSEN, S., JUNG, S., pASChKE, S., rSCh, M., Sustainable provision of renewable Energy Technologies for rural Electrification in Brazil: An assessment of the photovoltaic option, German development Institute, 2003.

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e para a efetiva reduo do secular processo de degradao ambiental. o atual nvel de sobre-explorao conduziu mais de 180 mil km 2 a intensa degradao e a desertificao, eventualmente irreversvel, significando perdas anuais de cerca de 100 milhes de dlares43. para que as energias renovveis possam realmente cumprir duplo desafio de melhorar as condies de vida e a qualidade ambiental, em um marco de sustentabilidade, imperativo que os novos sistemas energticos se articulem com o desenvolvimento rural, associando-se promoo de atividades econmicas e gerao de renda, sem o que o processo de energizao tende a incrementar as relaes de dependncia e a excluso social. Isso significa prover uma capacidade mnima aos usurios, em nveis que tipicamente os sistemas fotovoltaicos no atingem. Mesmo reconhecendo, entretanto, as limitaes intrnsecas dos sistemas fotovoltaicos domsticos em implementar a eletrificao rural, cabe observar que no contexto de cargas mais expressivas, como centros comunitrios, escolas, postos de sade e sistemas de bombeamento esta forma de suprimento energtico pode ser um diferencial importante e que permita um real ganho de qualidade de vida para as comunidades atendidas. alis, essencialmente, esta uma das recomendaes que um dos estudos mencionados anteriormente apresenta para balizar as aes de fomento neste tema: a promoo da tecnologia fotovoltaica para a eletrificao rural no deve ser uma rea prioritria da cooperao alem para o desenvolvimento. todavia, em nichos determinados os sistemas fotovoltaicos podem ser uma alternativa racional do ponto de vista econmico e ecolgico para eletrificar moradores rurais pobres e melhorar consideravelmente as condies bsicas de vida. porm, para alcanar impactos mais amplos no desenvolvimento local, esses sistemas ser integrados como um elemento numa estratgia mais ampla de desenvolvimento rural para a reduo da pobreza44. Ainda com relao ao processo de eletrificao rural, a elevada densidade populacional existente no semi-rido um fator importante para a progressiva reduo dos custos de extenso das linhas de distribuio. de fato, a regio j razoavelmente atendida por linhas de transmisso e43 vide http://www.mma.gov.br./ascom/imprensa/junho999/. 44 KrAUSE, M. et alii, op.cit.

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deve-se prever que durante nos prximos anos esta malha se amplie, indicando que o espao para os sistemas fotovoltaicos dever se restringir. no obstante, os sistemas existentes devem seguir operando em condies adequadas, o que requer, como sinalizam as avaliaes do prodEEM/MME, um permanente seguimento e o reforo da capacitao local na sua gesto e manuteno. seja mediante sistemas fotovoltaicos ou linhas de distribuio, importante que o Estado lidere e coordene este processo de eletrificao rural, por seus custos elevados e possibilidades de integrao. Com um nexo muito mais claro com as questes de degradao ambiental, a questo da lenha no semi-rido mostra urgncia pelos nveis j observados de degradao e desertificao. Nessa direo devem ser buscadas a difuso das prticas de manejo sustentvel da caatinga e a progressiva adoo de sistemas florestais de uso mltiplo, especialmente por intermdio de espcies para produo forrageira e dendroenergtica. neste quadro, tambm importante buscar o binmio energia/desenvolvimento, que inclusive pode e deve ser conseguido mediante a produo sustentvel de lenha para outros consumidores. Eis algumas etapas relevantes para expandir o uso consistente das energias renovveis no serto reverter o processo de degradao ambiental, reordenar os espaos agroeconmicos, mudar o padro tecnolgico e inserir no mercado45. ao propor esta nova realidade, est subjetivo um conceito relevante: buscar uma forma sustentvel de viver e conviver com a seca, aceitando as especificidades regionais e empregando os recursos energticos locais para a melhoria da qualidade de vida e a gerao de renda. Qualquer outro caminho para a energizao do semi-rido no levar muito longe.

4 GUIMArES FIlho, C., os caminhos da convivncia com a seca, disponvel em http://www. agronline.com.br/artigos/.

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plo gesseiro de pernambuco diagnstico e perspectivas de utilizao dosenergticos florestais na regio do AraripeEliseu Rossato Toniolo, Julio Paupitz, Francisco Barreto Campello

Antecedentesa regio do araripe de grande importncia para a economia regional. o plo gesseiro, alm de apresentar sinais importantes de crescimento, palco de investimentos tecnolgicos e de aes voltadas qualificao de sua produo. o presente estudo encontra-se nesse contexto. por meio de um diagnstico ambiental e socioeconmico, apresenta subsdios para a formulao de programas, visando sustentabilidade da matriz energtica e melhoria da eficincia no sistema de produo. O estudo foi elaborado prioritariamente para a regio de produo do plo gesseiro de pernambuco, que engloba os Municpios de araripina, ipubi, trindade, Bodoc e ouricuri, e um total de outros 10 municpios adjacentes dentro do Estado de pernambuco (Cedro, dormentes, Exu, granito, Moreilndia, parnamirim, santa Cruz, santa Filomena, serrita e terra nova). o presente estudo, por sua vez, potencializa os trabalhos do projeto Conservao e Uso sustentvel da Caatinga MMa/pnUd/gEF/ Bra/02/g31 na regio do araripe, que pretende, de forma articulada com os governos estaduais, o iBaMa, os setores da economia local e Este artigo foi elaborado com apoio do Ministrio do Meio Ambiente, do programa Nacional do Meio Ambiente II e da Secretaria de Cincia, e Tecnologia e Meio Ambiente do Governo de pernambuco.

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da sociedade civil, demonstrar opes de prticas de utilizao sustentvel da caatinga, voltadas para a promoo do desenvolvimento local assegurando a incluso social. desta forma, o projeto interagiu com a sECtMa, agregando suporte tcnico aos levantamentos de campo e na elaborao do relatrio final.

1 Contexto

localizao da apa do araripe

a produo de gesso particularmente importante para a economia da regio de insero do plo, constituindo-se no segmento mais significativo da economia regional. A cadeia produtiva do gesso est conformada por um total de 26 mineradoras, 72 calcinadoras e 234 fbricas de pr-moldados. Estima-se que a cadeia produtiva do gesso seja responsvel pela gerao de 12.000 empregos diretos e 60.000 empregos indiretos na regio (sindUsgEsso,2003). aproximadamente 90% da

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produo de gesso brasileira se concentra na regio denominada de plo gesseiro do araripe situada a 700 km do recife na poro noroeste de pernambuco e compreende os Municpios de araripina, trindade, ipubi, Bodoc e ouricuri. o gesso um produto mineral resultante da decomposio da gipsita cuja frmula expressa uma combinao de xido de clcio, sulfato e gua. para sua obteno, o mineral submetido a um processo de desidratao pela calcinao, que exige a queima de combustveis para a gerao de temperaturas superiores a 160 C. a produo do gesso se estrutura em trs fases; a extrao da gipsita que normalmente realizada a cu aberto, o processo de calcinao ou de desidratao e o preparo de produtos de maior elaborao, como painis pr-moldados, blocos e agente desidratante. ademais dos produtos indicados, a gipsita bastante utilizada na indstria do cimento e na agricultura como gesso agrcola com o objetivo de diminuir os nveis de acidez dos solos (govErno do Estado dE pErnaMBUCo, 2003).

Calcinadora de gesso no Municpio de trindade/pE.

2 Matriz energtica e o consumo de energticos florestaisnos setores industrial e comercial, a utilizao de combustveis lenhosos est dirigida aos processos de secagem e queima e, no setor domiciliar, a utilizao da lenha e carvo vegetal destina-se coco dos alimentos,

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apresentando nveis de consumo diferentes para as reas urbanas e rurais. as empresas que usam lenha como combustvel correspondem a 65% do total. Em 2002, somente 3% das empresas do plo utilizavam o glp, enquanto o leo BpF era utilizado por 20% das empresas, que so responsveis por uma parte importante da produo total do gesso. o coque de petrleo utilizado por 11% e o carvo vegetal por 1% (govErno do Estado dE pErnaMBUCo, 2003). isto decorre de fato de que os preos da lenha e do carvo vegetal so mais competitivos comparativamente com o gs natural e eventualmente toda a gama de combustveis derivados de petrleo: BpF, diesel, gs glp, coque, e outros. apesar de vrias tentativas e dos esforos do setor empresarial na busca de solues para a questo energtica, cada vez mais tnue a possibilidade de alteraes do perfil tecnolgico; e se faz, portanto, difcil antever um cenrio de deslocamento (substituio) dos energticos florestais tradicionalmente utilizados. Em parte isto consequncia da necessidade de investimentos elevados em infra-estrutura, tanto nas unidades de produo para maior utilizao do gs glp, bem como de parte do poder pblico para a instalao de um gasoduto (gs natural) ligando recife a Caruaru e araripina. alm do mais, seria necessrio tomar em conta constantes oscilaes de preos do petrleo e derivados que aparentemente sero ascendentes com relao aos patamares de 2004.

3 Consumo de energticos florestais no plo gesseiroas calcinadoras de gesso so as principais consumidoras de energticos florestais da regio do Araripe (93%). Em seguida, aparecem as casas de farinha, representando 4,4%. os demais ramos representam apenas 3,6% do consumo total estimado para o setor.

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Quadro 1 Consumo de lenha e carvo vegetal no plo gesseiro do Araripe em 2004

ATIVIDADES Caieira de tijolo Calcinadora de gesso Casa de farinha Cermica Comrcio e servio indstria de doce Queijeiras Matadouro padarias TOTAL

TOTAL (st/ano) 6.372 1.215.858 58.848 5.446 3.541 6.742 3.097 1.164 21.682 1.322.750

% 0,5 92,0 4,4 0,4 0,3 0,5 0,2 0,1 1,6 100,0

no consumo domiciliar, o carvo vegetal o combustvel mais utilizado, sendo na regio urbana a maior participao (67,2%). a lenha empregada em maior proporo na zona rural, com uma participao estimada em 60,3% dos combustveis utilizados. a preferncia pela utilizao da lenha nas reas rurais se explica em razo de sua relativa abundncia, custo zero e fcil acesso.

4 Conformao da oferta de energticos florestais 4.1 APA da Chapada do Araripe: Pernambuco, Cear e Piaua apa da Chapada do araripe apresenta quase 63% de sua superfcie coberta por vegetao lenhosa com diferentes graus de importncia55

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possibilidades de utilizao da mata mida. as outras formaes florestais, como o cerrado, cerrado, carrasco e mata seca fazem parte do mosaico vegetacional de transio entre a mata mida e as formaes tpicas do semi-rido.A cobertura florestal da APA foi objeto de redues considerveis em extenso, principalmente na tipologia da caatinga arbustiva-arbrea, que perdeu mais de 30.000 ha no perodo entre 1997 e 2004 e entre 1989 e 2004 foi estimada uma perda de 168.793 ha de florestas na regio do plo gesseiro. a diminuio corresponde a um volume estimado superior a 33.475.000 st (mdia de 198,33 st/ha). nos municpios do plo gesseiro considerados para este estudo, foi encontrada uma cobertura florestal de 979.040 ha, das quais 54% ou cerca de 375.020 ha faziam parte da apa do araripe.

na conformao da oferta de energticos. alguns dos tipos de cobertura vegetal so as formaes de mata mida, cerrado e mata secundria existente na poro da APA do Estado do Cear e ainda pequenos reflorestamentos com eucaliptos. A formao florestal de maior expresso, porm, seja em extenso como em importncia para a produo de energia a Caatinga, correspondendo s tipologias arbustiva, arbustiva-arbrea e arbrea. a mata mida uma formao de elevada diversidade de espcies arbreas (115 espcies). Em relao produo de energticos, descartam-se as

4.2 Projees da produo e demanda de lenhaA estimativa da demanda de energticos florestais para o plo gesseiro considera as perspectivas de desenvolvimento da indstria de gesso, tendo em conta o fato de que esta indstria representa o 92% de todo o consumo de energticos florestais.Quadro 2 Demanda de combustveis lenhosos para o plo gesseiro do Araripe em 2004 SETOR indstria do gesso (21,11%) DEMANDA DE LENHA (atual) st 1.215.858 t 413.392 TEP 126.498

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