Schopenhauer e Nietzsche: Do Dualismo Metafísico Ao Princípio Da Unidade-múltipla (Revista Filosofia Capital)

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    Revista Filosofia Capital  Vol. 9, (2014) - Edição Especial: ISSN 1982 6613  Concepções acerca da Verdade: […]. 

    Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982 6613, Brasília, DF.

    Edição Especial - Concepções acerca da Verdade: […]. vol. 9, 2014, p. 85-98.

    SCHOPENHAUER E NIETZSCHE: DO DUALISMO

    METAFÍSICO AO PRINCÍPIO DA UNIDADE-MÚLTIPLA

    SCHOPENHAUER AND NIETZSCHE: THEMETAPHYSICAL DUALISM THE PRINCIPLE OFMULTIPLE-UNIT

    ROSA, Luiz Carlos Mariano da1 

    RESUMO

    Perfazendo a primeira filosofia existencial trágica, a doutrina de Schopenhauer atribui aorigem do caráter simultaneamente trágico, absurdo e doloroso da existência ao querer viver ,implicando um pessimismo que impõe à felicidade uma condição negativa, à medida que osofrimento emerge como o fundamento de toda a vida, constituindo-se o prazer estético uma

     possibilidade quanto à superação da dor e do tédio, conforme assinala o artigo cujo trabalhomostra a correlação envolvendo a perspectiva da metafísica da vontade e o pensamento de

     Nietzsche que, detendo-se no niilismo como um acontecimento que expressa a negação davida e converge para a sua própria superação, sobrepõe ao dualismo metafísico o princípio daunidade-múltipla através da construção da sua metafisica de artista, que supõe um movimentoda consciência ética para o pathos artístico. Palavras-Chave: Schopenhauer; Nietzsche; Vontade; Niilismo; Arte. 

    ABSTRACT

    Making the first tragic existential philosophy, the doctrine of Schopenhauer ascribes theorigin of the simultaneously tragic, absurd and painful character of existence to wanting tolive, implying a pessimism that imposes a negative condition to happiness, as the sufferingemerges as the foundation of all life, becoming aesthetic pleasure as a possibility to overcome

    the pain and boredom, as noted in the article whose work shows the correlation involving the perspective of the metaphysics of will and Nietzsche's thought that, pausing in nihilism as aevent that expresses the negation of life and converges to its own overcoming, overlaps themetaphysical dualism the principle of multiple-unit construction through its metaphysicalartist, which implies a movement of ethical awareness for artistic pathos. Keywords: Schopenhauer; Nietzsche; Will; Nihilism; Art. 

    1 Escritor, poeta e ensaísta, letrista e articulista, possuindo graduação em Filosofia pelo Centro UniversitárioClaretiano (CEUCLAR/SP) e pós-graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF/RJ) E-mail:[email protected] . 

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]

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    Edição Especial - Concepções acerca da Verdade: […]. vol. 9, 2014, p. 85-98.

    Aspectos Introdutórios

    À transposição da distinção kantianaque envolve fenômeno/númeno  para ohorizonte que abrange a oposiçãorepresentação (fenômeno)2 / vontade (coisaem si)3, para cujas fronteiras convergem aleitura de Schopenhauer, se impõe umaabordagem que acena com odesenvolvimento do idealismotranscendental   que, segundo a perspectivaem questão, carrega a noção de que omundo tal como o conhecemos é a nossa

    representação, à qual, se não escapa ao princípio de razão, se atribui, através de umviés que não se configura senão comodeformador, um fundamento fisiológico, àmedida que, trazendo este tipo de substrato,o referido processo não guarda maiscorrespondência com as categorias doentendimento, alcançando relevância noarcabouço deste pensamento a redução dofenômeno ao âmbito de uma aparência, quesupõe um movimento de aproximação emrelação ao pensamento de Platão4, tendo emvista que o mundo como minharepresentação  não consiste senão em umsonho coerente, cuja realidade ou

    2“Fenômeno se chama representação, e nada mais.Toda representação, não importa seu tipo, todoobjeto é fenômeno. Coisa-em-si, entretanto, é apenasa vontade.” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 168) .3Se a vontade que, sob a acepção de “coisa em si”,detém liberdade, escapa, pois, à esfera da

    necessidade, o fenômeno, circunscrito às categoriasda razão, se lhe mantém atrelado, convergindo paraa contradição que caracteriza a relação que envolveo mundo que, emergindo como objetividade davontade, não se impõe senão como fenômeno, aodeterminismo de cujo governo, à causalidade doqual, enfim, a vontade guarda condição deimunidade.4Caracterizando a vontade como a coisa em si  eatribuindo à ideia  a condição que implica aobjetividade imediata desta vontade em um graudeterminado, o que se impõe é uma relação queenvolve a coisa em si de Kant e a ideia de Platão,

    ambas as quais, guardando o mesmo sentido,convergem para a exposição do mundo visível sob aacepção de um fenômeno, destituído, pois, deexistência em si (SCHOPENHAUER, 2005).

    consistência equivale àquela que se atribuiaos sonhos que ocorrem durante o sono.

    Se o idealismo guarda indícios queacenam com a possibilidade de engendrar ailusão através das aparências, a necessidademetafísica, enquanto exigência de absoluto,que emerge como um espanto perante omundo, a existência, o sofrimento e a morteinevitável, converge para a leitura domundo como um enigma que demandadecifração, detendo-se nas fronteiras quequestionam se ele será apenas representaçãoou ainda outra coisa qualquer,

    estabelecendo uma ruptura com a perspectiva intelectualista Schopenhauer odescobre, através de uma experiênciainterior quase existencial, como a minhavontade, à medida que, efetivamente, amanifestação desta se impõe,

     primeiramente, ao sujeito encarnado, cujosentido interno possibilita a sua apreensãocomo absolutamente vinculada ao corpo,que surge como “fenômeno” da vontade, asua “objectivação”, tendo em vista a

     possibilidade de traduzir imediatamente porseu intermédio toda a necessidade e todo odesejo. 

    […] meu corpo e minha vontade são umacoisa só; ou, o que como representaçãointuitiva eu denomino meu corpo, poroutro lado denomino minha vontade,visto que estou consciente dele demaneira completamente diferente, nãocomparável com nenhuma outra; ou, meu

    corpo é a objetidade5 da minha vontade;ou, abstraindo-se o fato de que meucorpo é minha representação, ele éapenas minha vontade, etc.(SCHOPENHAUER, 2005, p. 160).

     No sentido de determinação racional,

    5Objektität, neologismo que emerge da leituraschopenhaueriana e converge para designar a

     perspectiva que identifica o corpo sob a acepção que

    implica uma intersecção envolvendo subjetividade eobjetividade, encerrando uma condição que se impõeao interior das objetividades, se lhe possibilitandoalcançar os outros corpos. (BARBOZA, 1997)

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     pois, a vontade6, segundo a leitura deSchopenhauer, se circunscreve a ao âmbitode um grau superior daquela que se impõe àessência de todos os corpos vivos nadimensão das formas animais e que traz asexualidade como a sua expressão objetiva,configurando uma manifestação queenvolve do vegetal ao homem segundo umaclasse que guarda proporção em relação àcomplexidade dos seres, convergindo,analogicamente, para além disso, para aconclusão que a identifica sob a acepçãoque implica uma força cósmica na origem

    de todas as coisas que converge pararealizar a unidade do ser, perfazendo, pois,a essência oculta do real, a coisa em si. 

    Schopenhauer: metafísica da vontade epessimismo 

    Se a experiência interna da vontadecomo númeno  acena com o dogmatismo

     pré-kantiano, à questão que emerge notocante a cognoscibilidade da coisa em si seimpõe a conclusão que a assinala como

    objeto de uma intuição de caráter psicológico, não intelectual, designando, pois, o fenômeno que, em face da suafamiliaridade, possibilita, em suaobjetividade, a apreensão, carregando o

     pensamento de Schopenhauer, à medidaque propõe a transposição que envolve domundo como minha vontade ao mundocomo vontade universal, não outra senão a

     pretensão de dialogar com a essênciametafísica do ser.

     Nesta perspectiva, se o processo emquestão guarda possibilidade de gerar umacontradição, ao grau de dificuldade queemerge Schopenhauer propõe uma leituraque se contrapõe ao uso ontológico do

     princípio de razão suficiente, que acenacom o horizonte que assinala que “nada

    6 À conceituação da vontade o que se impõe àleitura schopenhaueriana não é senão uma

     perspectiva que emerge das fronteiras das ciências

     biológicas e converge para a distinção envolvendo avontade animal e a vontade humana, alcançandorelevância o determinismo biológico que caracterizaa construção filosófica do pensador em questão.

    existe sem razão de ser” e se impõe comofundamento do saber, encerrando, pois, soba acepção que circunscreve essa formulaçãode caráter geral desta comum expressão àcondição de um instrumento que se dispõe

     para pensar muitas coisas numa só, quatroaspectos que contemplam, em suasaplicações, uma pluralidade irredutível, asaber, a lei da causalidade (que implica osobjetos da experiência), o princípio deconhecimento (que abrange o âmbito dosconceitos e das representações abstratas), o

     princípio da razão de ser (determinante das

    relações que envolvem posição e sucessãono tocante à intuição a priori  do espaço edo tempo) e a lei de motivação (remetendo,no que concerne ao objeto do sentidointerno, a uma relação necessária entre asações e os seus motivos), se sobrepondo oseu pensamento à ilusão de que todas ascoisas estão submetidas a um princípioúnico, que as dirige e governa, não se lhereconhecendo senão um alcancefenomênico, tendo em vista as relações ou

    leis específicas que regem as classes dasrepresentações. Neste contexto perspectivacional,

     pois, que implica na atribuição da forma decausalidade ao  princípio de razão

     suficiente, se os corpos não emergem senãosob a condição que os identifica como a

     particularização da Vontade cósmica queanima a natureza, à separação ilusória dosseres e à ocultação da sua profundaunidade, cuja instauração guarda raízes nas

    fronteiras do princípio de causalidade(princípio de individuação), o que se impõeé a identificação da vontade como númeno a partir do  incondicionado, seu atributofundamental, convergindo para a negaçãodo  princípio de razão suficiente, tendo emvista a unidade da vontade, a despeito dasua individualização em seres particulares(questão da modalidade do espaço), alémdo seu caráter indestrutível, à medida que ofim da vida individual encaminha para aessência dos desígnios cósmicos,consistindo a morte em uma ilusãofenomenal (questão da modalidade do

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    tempo), e da liberdade para a qual tende asuspensão do  princípio de razão suficientedo ângulo da causalidade que,correspondendo à relação envolvendofenômeno e númeno, assinala, conformesalienta a leitura kantiana, que se o

     primeiro, enquanto tal, não escapa aodeterminismo, este último encerracausalidade livre7.

    “A vontade, então, é a essência dohomem. E não o será da vida em todas assuas formas e até da matéria 'inanimada'?

     Não será a longamente procurada, e já

    desesperada, 'coisa em si mesma'  –   arealidade íntima, a essência última de todasas coisas?” (DURANT, 2000, p. 298). Eisas fronteiras para as quais converge aleitura schopenhaueriana, que acenandocom uma interpretatividade do mundoexterior que se detém nos termos emquestão demanda que à causalidade seimponha a vontade, cuja condição emerge,

     pois, para despi-la do caráter mágico emístico que de outra maneira a caracteriza

    como uma fórmula que escapa a qualquersignificado, à medida que se circunscreveao âmbito que envolve meras qualidadesocultas, como “força”, “gravidade”,“afinidade”. 

    Se repulsão e atração, combinação edecomposição, magnetismo e eletricidade,gravidade e cristalização não se impõemsenão como vontade, que representasimultaneamente a força que envolve doamante ao planeta, a vida das plantas o

    confirma, demonstrando, no que concerneao diálogo com as formas inferiores daexistência, quão reduzido é o papel dointelecto8, diferentemente daquela que,

    7Unidade, indestrutibilidade e liberdade, eis o que seimpõe à vontade sob a acepção de “coisa em si”, quese contrapõe à condição que caracteriza o fenômeno,a saber, pluralidade, destrutibilidade e necessidade,convergindo para uma noção que guarda raízes nasfronteiras da concepção kantiana da razão prática.

    8A leitura em questão, neste sentido, se contrapõe à perspectiva que defende a condição de posteridadeda vontade em relação ao intelecto, constituindo-se,inclusive, uma de suas partes, sob a acepção que

    segundo a perspectiva em questão, carregaanterioridade em relação a este,antecedendo-o, característica que emergeatravés da habilidade mecânica dosanimais9.

    Escapando ao horizonte da ética ou daantropologia, o conceito de vontade comonúmeno converge para as fronteiras de umaverdadeira metafísica da natureza, cuja

     perspectiva, interpretando a experiênciahumana, mostra, caracterizando osindivíduos, o impulso do fluxo incessantedo querer viver , que se impõe como

    absoluto se não guarda referência senão emrelação a si mesmo, tornando-sefundamentalmente absurdo enquantoirracional, destituído de motivo, finalidadeou significado, emergindo também comotrágico e doloroso, visto que, trazendo odesejo que, pressupondo carência, como aestrutura fundamental da vida, é no solo dosofrimento que esta deita raízes, à medidaque carrega a noção de inter-relaçãoenvolvendo a privação como uma sede

    inextinguível sempre renovada einsaciável10.

    implica, em suma, uma espécie de juízo volitivo,conforme o horizonte para o qual converge aconstrução cartesiana e espinosista, alcançandorelevância, no que tange ao pensamentoschopenhaueriano, a máxima de Sêneca que se lheimpõe, a saber, “Velle non discitur ” (o Querer não seaprende).9“(…) Um elefante que tinha sido conduzido portoda a Europa e atravessara centenas de pontes

    recusou-se a avançar sobre uma ponte fraca, emborativesse visto muitos cavalos e homens atravessá-la.Um cachorro novo tem medo de pular de cima deuma mesa; ele prevê o efeito da queda não peloraciocínio (porque não tem experiência alguma deuma queda daquelas), mas por instinto.Orangotangos se aquecem junto a uma fogueira queencontram, mas não alimentam o fogo; é óbvio,então, que tais ações são instintivas, e não oresultado de raciocínio; são a expressão não dointelecto, mas da vontade.” (DURANT, 2000, p.299)10“É que, se tornando mundo, segundo o princípio

    de individuação, pela sua fragmentação namultiplicidade, a vontade esquece a unidade

     primitiva e, não obstante todo o seuesmigalhamento, continue una, torna-se uma

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     Nesta perspectiva, pois, a privação doobjeto que se impõe à vontade em virtudede uma satisfação que subtrai o motivo dodesejo converge para o tédio, caracterizadocomo “vontade desocupada”, que guardacapacidade de gerar o desespero, à medidaque inter-relaciona o “vazio medonho” e o“peso intolerável” da existência,configurando uma doutrina que,circunscrevendo o movimento da vida aoâmbito que envolve do sofrimento ao tédio,assinala o caráter negativo da felicidade,que não se detém senão nas fronteiras da

    suspensão momentânea da dor.Se o sentido mais próximo e imediato denossa vida não é o sofrimento, nossaexistência é o maior contrassenso domundo. Pois constitui um absurdo suporque a dor infinita, originária danecessidade essencial da vida, de que omundo é pleno, é sem sentido e puramente acidental. Nossa receptividade para a dor é quase infinita, aquela para o prazer possui limites estreitos. Embora

    toda infelicidade individual apareçacomo exceção, à infelicidade em geralconstitui a regra (SCHOPENHAUER,1986, p. 216).

    Convergindo para as fronteiras queencerram a noção que implica uma espéciede lucidez intelectual de caráter superior o

     pessimismo11, segundo a leitura de

    vontade que está milhões de vezes em luta consigo

    mesma, que se combate e se desconhece a si própria,que, em cada uma de suas manifestações, procuraseu bem-estar, seu 'lugar-ao-sol', às expensas deoutra e, ainda mais, às expensas de todas as outras,não cessando, pois, de morder a própria carne, comoaquele habitante do Tártaro que, avidamente,devorava a si mesmo.” (MANN, 2001, p. 138).11Eis as duas teses que se impõem ao pessimismoschopenhaueriano, a saber, a primeira, que implica acondição do homem e do mundo, defendendo que,no que tange à cada indivíduo, teria sido melhor nãoexistir, como também que o mundo não houvesseantes vindo a existência, tendo em vista a existência

    do mal e consequentemente do sofrimento nomundo, e a segunda, pois, que guarda relação com omodo de organização do mundo, que emerge dessaforma em função da necessidade de perdurar,

    Schopenhauer, não guarda possibilidade dese impor senão às ilusões atreladas àindividuação, a saber, desde aquela queenvolve o supremo artifício da espécie noque concerne à perpetuação do indivíduo(ilusão do amor) até aquela que perfaz uma

     justificação acerca da vontade irracional deviver (ilusão do ato voluntário), alémdaquela que, correlacionada ao princípio deindividuação, mantém sob a condição deocultamento, a unidade original dos seres(ilusão do egoísmo colérico).

    A condição trágica do homem, nesta

     perspectiva, escapa à qualquer solução política e social, segundo o pensamento deSchopenhauer, que acena com o horizonteda incredulidade no tocante ao progresso dahumanidade, à medida que a Históriaemerge como um processo que envolve aeterna repetição dos mesmos eventos, dastragédias às guerras, dos crimes àsrevoluções, constituindo-se o a-politismo um princípio de sabedoria, detendo anegação da vontade de viver (Wille zun

     Leben), em um contexto que traz a dorcomo um fenômeno inerente à ela, a única possibilidade de extirpação do mal, cuja proposta, não encerrando senão a noção queenvolve a necessidade quanto à libertaçãoda vida enquanto sofrimento, não converge,

     porém, para o suicídio (que se torna mais aafirmação da vontade de viver do que a suanegação), não consistindo a morte, adespeito de configurar a superação daindividuação e o regresso à unidade

    original, na resposta adequada.Se o prazer estético, emergindo do

    exercício da faculdade de conhecer, queindepende da vontade, caracterizando-secomo fundamentalmente desinteressado, seimpõe como uma primeira etapa na direçãoda libertação em questão, que se esgotaneste caso como imperfeita, porém, à

    convergindo em sua totalidade para se caracterizar

    como “o pior dos mundos possíveis”, conformeexpõe os suplementos do IV livro de sua obra OMundo Como Vontade e como Representação(SCHOPENHAUER, 1986).

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    medida que acena com uma suspensão provisória do querer viver , e se a afirmaçãoda vontade de viver torna-se egoísmocolérico e injustiça, o esclarecimento deste

     pela razão conduz ao direito objetivo e à justiça que, no entanto, se limita adesempenhar um papel negativo,alcançando relevância a piedade que,trazendo como fundamento metafísico aunidade da vontade de viver, guarda

     possibilidade quanto à consciência emrelação ao aspecto ilusório da individuação,tendo em vista que estabelece

     primeiramente a identificação afetiva,tornando-se depois princípio direto de açãoque engendra, enfim, o zelo pelosemelhante. Conclusão: “Finalmente, paraalém da arte, da justiça e da piedade, avontade elevada à mais alta e lúcidaconsciência de si mesma nega-se no puroconhecimento: 'Quando já só existeconhecimento, a vontade desvanece-se.'”(BARAQUIN; LAFFITTE, 2004, p. 360,grifo do autor).

    Estabelecendo uma rupturaenvolvendo todos os liames do arcabouçodo mundo fenomenal, o homem alcança a

     possibilidade de aceder ao Todo ou ao Nada, eis a conclusão da supressão que,segundo Schopenhauer, se impõe ao“ascetismo radical”12  que, caracterizandouma forma de niilismo  místico, guardarelação com a noção de Nirvana13 (filosofia

    12Condição que representa, em suma, odesligamento da vontade no que concerne à vida emface da sua afirmação guardar correspondência comas fronteiras dos prazeres, convergindo para ainstauração de um horror no que concerne à referidacorrelação, o que implica na deflagração de umestado de abnegação voluntária, que encerraresignação, calma verdadeira e ausência absoluta doquerer (Willenlosigkeit ).13“Literalmente a palavra tanto pode significar 'serextinguido' (extinção), 'cessar por sopro', quanto'resfriar por sopro'. O nirvana constitui a maiselevada e última meta de todas as aspirações

     budistas, a extinção do 'fogo' de, ou o resfriamentoda 'febre' da avidez, ódio e desilusão (os três

     principais males no pensamento budista); e comestes também a libertação última e absoluta de todo

    hindu), que designa o fim do desejo: “(…)Tu deves atingir o nirvana, ou seja, umestado no qual não existem quatro coisas, asaber, nascimento, velhice, doença emorte.” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 455,grifo meu). 

    Do “niilismo   do êxtase”14  e a arte comopoder criador da vida 

    “O niilismo está à porta: de onde nosvem esse mais sinistro de todos oshóspedes?” (NIETZSCHE, 1996, p. 429)15.Ao espetáculo da decadência se impõe à

    denúncia nietzschiana da doença mortal damodernidade, a saber, o niilismo16 , cujanoção inter-relaciona várias conotaçõesque, a despeito das suas contradições,guardam liames que acenam com umafiliação lógica, designando, de modogeneralizado, a crise que afeta a civilizaçãoe se manifesta através do definhamento dasforças vitais, convergindo para a vitória e odomínio dos fracos sobre os fortes,

    renascimento futuro, velhice e morte, de todosofrimento e miséria.” (COHEN, 2004, p. 251) 14“ekstatischer Nihilismus”. 15Convém salientar a possibilidade de que o recursoao termo niilismo (der Nihilismus) na construçãofilosófica nietzschiana guarde correspondência coma influência exercida principalmente pela obra deFiódor Dostoiévski (1821/1881), que se detém tantoem acontecimentos que encerram autodestruição,humilhação, assassinato, quanto em experiênciascapazes de provocar suicídio, loucura, homicídio,sintetizando através dos seus romances a crise

    instaurada pelo declínio dos "valores superiores" doarcabouço cultural em vigor, que não convergesenão para um processo que implica a emergência ea intensificação de manifestações que sintomatizama experiência histórica que envolve a perda desentido, tendo em vista a desestruturação dos seusfundamentos. Alcança relevância também, nesta

     perspectiva, a interpretação do niilismo sob aacepção de negação que abrange desde todo artigode fé até toda autoridade que no romance  Pais e

     Filhos Ivan Turgueniev (1818/1883) desenvolve.16 À relevância que caracteriza a questão queimplica o niilismo no âmbito do pensamento de

     Nietzsche o que se impõe não é senão a perspectivaheideggeriana, que afirma: “Seu pensamento se vêsob o signo do niilismo.” (HEIDEGGER, 1969, p.178).

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    carregando, principalmente, a concepçãoque identifica o momento socrático quetorna a vida reativa e o pensamento ativo,tanto quanto o processo de inversão dosvalores vitais engendrado pela interpretaçãomoral-cristã, que converte em afirmação de

     poder o sofrimento e a lassidão de uma vidareduzida, convergindo para as fronteirasque encerram, em suma, uma radical recusade valor, sentido, desejabilidade, o queimplica em um estado que traz,essencialmente, a depreciação da vida pelavida.

    Paradoxalmente, porém,caracterizando o  pessimismo  radical queguarda correspondência com a denúncia dosvalores tradicionais, o niilismo,simbolizando a temática da morte de“Deus”17, se impõe como a mais terrívelrevelação envolvendo o nada em relação atodas as formas do ideal e do supra-sensível, emergindo, pois, como umaconsequência lógica que se traduz à medidaque o homem obtém consciência de que os

    seus ideais são sintomas da decadência,convergindo a sua função para disfarçar onada que a negação da vida esconde em seu

    17“Deus está morto! (Gott ist tot )” (NIETZSCHE,2009, p. 147). Guardando Deus a condição queimplica o fundamento supra-sensível e a finalidadede todo real, a afirmação nietzschiana identifica a

     perda que envolve tanto a força imperativa quanto aforça evocadora e construtora que se lhe impõem,conforme a leitura de Heidegger, que assinala, então,a partir disso, que nada mais resta para o homem no

    que concerne à sua segurança e destino(HEIDEGGER, 1971). Ao evento em questão o quese impõe é a anulação do dualismo envolvendo omundo sensível e o mundo supra-sensível, cujateoria, fundamento da metafísica de Platão, emergedo pensamento de Parmênides que, analisando odevir, descobre "uma contradição lógica",contrapondo à “ininteligibilidade” da filosofia deHeráclito, que propõe um ser que é e não ésimultaneamente, o princípio de que o ser é e o não-ser não é (designado posteriormente como "princípiode identidade"), convergindo, através da afirmaçãodo ser como único, eterno, imutável, ilimitado,

    infinito, pois, além de imóvel, para a referidadistinção, que supõe um mundo autêntico e outro,caracterizado pela pluralidade, temporalidade,mutabilidade, limitação e movimento, falso.

    coração.Se o niilismo como estado

     psicológico consiste em um processo queenvolve a consciência da inutilidade doesforço empregado na busca de um sentidonas fronteiras que implicam todo acontecer,à medida que o que emerge não é senão queeste se lhe escapa, nada é o que se impõe aovir-a-ser no tocante a um suposto alvo,tanto quanto à possibilidade acerca doalcance de algo, caracterizando-se comouma ocorrência que resulta da noção queencerra uma totalidade, uma sistematização

    ou uma organização como fundamento que,constituindo-se, na esfera da representaçãoglobal, uma suprema forma de dominação egoverno que perfaz, em suma, um modus dadivindade, acenando com a ideia dasobreposição do universal no que concerneao indivíduo, a despeito da inexistênciadaquele, o que supõe que, em face da perdada crença no seu valor, o homem, no intuitode engendrá-la, concebe um todo que lheguarda condição de infinita superioridade,

    convergindo para conclusão que assinalaque, no âmbito do vir-a-ser, não há nenhumtipo de unidade que se disponha como umhorizonte de máximo valor, demandando ainvenção de um mundo que, sob a acepçãode verdadeiro, esteja para além do mundoda ilusão.

    A “descrença em um mundometafísico” (NIETZSCHE, 1996, p. 431,grifos do autor), eis o que se impõe, nesta

     perspectiva, à descoberta que atribui às

    necessidades psicológicas a construção domundo em questão, o que implica, no quetange ao homem em sua relação com omesmo, na inexistência de qualquer tipo dedireito que se lhe esteja atrelado,convergindo para as fronteiras queencerram o vir-a-ser como única realidade e

     para o reconhecimento do caráterinsuportável de um mundo cuja

     possibilidade de negação lhe escapa, postoque já inexiste, consistindo nesta a últimaforma do niilismo, que acena com a perdade todo o sentido, detendo, em suma, adepreciação dos valores superiores, tanto

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    quanto a ausência dos fins, em um processono qual a questão que envolve “para quê?”ou “para que serve?” permanece semresposta, carregando a vida e o devir umaabsurdez sem medida, posto que destituídosambos de objetivo, configurando o apelo dovazio e do nada que emerge nas referidasfronteiras o pessimismo schopenhaueriano,segundo a leitura nietzschiana: 

    - O que aconteceu, no fundo? Osentimento da ausência de valor   foialvejado, quando se compreendeu quenem com o conceito “ fim”, nem com o

    conceito “unidade”, nem com o conceito“verdade” se pode  interpretar o caráterglobal da existência. Com isso, nada éalvejado e alcançado; falta a unidadeabrangente na pluralidade do acontecer: ocaráter da existência não é “verdadeiro”,é falso... não se tem absolutamente maisnenhum fundamento para se persuadir deum verdadeiro  mundo... Em suma: ascategorias “fim”, “unidade”, “ser”, comas quais tínhamos imposto ao mundo umvalor, foram outra vez retiradas  por nós –   e agora o mundo parece  sem valor ...(NIETZSCHE, 1996, p. 431, grifos doautor).

    Às revelações do niilismo, queemergem como capazes de minar o quererviver   do homem, caracterizando-se, pois,como terríveis, o que se impõe não é senãoa fase de consumação, fenômeno queassinala a cessação, seja do desejo, seja dacriação, tanto quanto a precipitação no nada(“ Nirvana” de Schopenhauer), ou aconformação com uma condição defelicidade que acena com a mediocridade,dialogando com o horizonte de umhedonismo destituído de grandeza e realaspecto ativo, estado este que, configurandoo niilismo  passivo ( passiver Nihilismus),invoca, afinal, a sua própria transposição

     para o “niilismo  do êxtase”, que sesobrepõe ao desencantamento, ao prazer

    sombrio, lúgubre, medonho, que guardamcorrespondência com uma existênciaconsagrada ao nada, destruindo os

    elementos constitutivos do arcabouço entãovigente em nome de uma transmutação dosvalores e de uma nova ordem de vida, àmedida que o niilismo, implicando, pois, anegação dos ideais que exprimem anegação da vida, não alcança a consumaçãosenão na sua própria autodestruição, tendoem vista o movimento de oposição dasforças reativas no que concerne a simesmas18.

    Ao último homem, nessa perspectiva,o que se impõe é a autosuperação, que nãoculmina senão na emergência do “super -

    homem”19

    , que implica a condição dohomem superior, detentor de um poder quese mantém imune à qualquer tipo deressentimento ou culpabilidade e queescapa também à toda a negação,convergindo para assumir em sua plenitudee em todas as suas formas o sentido da vida,a cuja ambiguidade se sobrepõe, comotambém a tudo aquilo que guarda

     possibilidade de inspirar medo, tendo emvista a sua capacidade de manter a lucidez

    no tocante à verdade, tanto quanto deconservar a liberdade de espírito e coração,se lhe caracterizando, pois, a durezaassumida no que concerne a relação queenvolve seja a si próprio, seja aos outros,consistindo, em suma, a sua felicidade nãomenos do que a vitória sobre si mesmo.

    Ao querer viver ,  que  detém dois pólos antagônicos, a saber, a vontade de

    18Convém sublinhar o caráter divino e a condiçãodesprezível que se impõem ao niilismo através daleitura nietzschiana que, convergindo para asfronteiras da ambiguidade, assinala que, se no

     primeiro caso a sua manifestação se mantém atreladaaos doentes, aos escravos e aos que estãocontaminados pela moral do rebanho, no segundoimplica os fortes, os que buscam, enfim, a auto-superação (HAAR, 1993).19Übermensch, cujo sentido encerra a noção de“além-do-homem”, ao qual a leitura nietzschiana

    atribui um “caráter de excepcionalidade”, à medidaque a "vontade de potência" se lhe confer e “umdestino que foge a qualquer regra” (ABBAGNANO,2007, p. 397).

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    vida e a vontade de nada20, se impõem, sejaa possibilidade de se circunscrever aoâmbito da luta em função da conservação,seja, seguindo a direção ascendente da vida,a capacidade de intensificação que gerauma vontade que, à medida que o homemtorna-se, enquanto invenção, negação de si,converge para a superação do eu, a vontadede poder, pois, que em face da realizaçãodos valores vitais de modo mais perfeitoemerge para assumir o risco da vida, o

     perigo de perdê-la, em suma, que nãoencerra senão, segundo Nietzsche, o

    segredo da fruição da existência, que nãoconsiste no arrebatamento selvagem dosinstintos, à medida que não precisam senãode domínio, tendo em vista que a vontadede poder converge para a espiritualizaçãoatravés do ato que implica a superação de simesma até ao infinito. 

     Não atingiu a verdade, por certo, quematirou em sua direção a palavra da“vontade de existência”: essa vontade -

    não há!Pois: o que não é, não pode querer; mas oque está na existência, como poderiaainda querer vir à existência!Somente, onde há vida, há tambémvontade: mas não vontade de vida, e sim –   assim vos ensino  –   vontade de potência!Muito, para o vivente, é estimado maisalto do que o próprio viver: mas na própria estiamtiva fala  –   a vontade de potência!

    Assim me ensinou um dia a vida: e com

    20“Simplesmente não é possível esconder o que  propriamente exprime esse querer inteiro, querecebeu do ideal ascético sua orientação: esse ódiocontra o humano, mais ainda contra o animal, maisainda contra o material, essa repulsa aos sentidos, àrazão mesma, o medo da felicidade e da beleza, esseanseio por afastar-se de toda aparência, mudança,vir-a-ser, morte, desejo, anseio mesmo - tudo issosignifica, ousemos compreendê-lo, uma vontade denada, uma má-vontade contra a vida, uma rebeliãocontra os mais fundamentais pressupostos da vida,

    mas é e permanece uma vontade!... E, para ainda emconclusão dizer aquilo que eu dizia no início: ohomem prefere ainda querer o nada, a não querer...”(NIETZSCHE, 1996, p. 370, grifos do autor).

    isso, ó sábios dos sábios, vos solucionotambém o enigma de vosso coração.Em verdade, eu vos digo: bem e mal que

    seja imperecível  –  não há! Por si mesmoele tem sempre de se superar de novo.Com vosso valores e palavras de bem emal exerceis poder, ó estimadores devalores; e esse é vosso amor escondido eo esplendor, estremecimento etransbordamento de vossas almas(NIETZSCHE, 1996, p. 223).

    A vontade de viver, pois, que envolvea forma de aceitação ou recusa da vida, em

    suma, se impõe como o único critério dedistinção no processo de construção dahierarquia dos homens e dos valores,segundo Nietzsche que, atribuindo à vida ovalor fundamental, põe em questão averdade, alterando a perspectiva dainvestigação filosófica, da qual se requerentão que, transpondo o horizonte queencerra “O que é a verdade?”, alcance asfronteiras que assinalam “Qual é o valor daverdade para a vida?”, tendo em vista a

    concepção de que verdadeiro  correspondeao que aumenta a vontade de viver,caracterizando-se como  falso o que, enfim,a reduz, colocando a vida em risco.

    À possibilidade de que a subsistênciada vida dependa de erros inatos, não deverdades inatas, se impõe às formasdiversas de falsidade, a saber, metafísica,moral, religião, ciência, que auxiliam arelação do homem com a vida, emergindo averdade, nesta perspectiva, como ilusão

    vital, ficção útil, transpondo a arte estasfronteiras à medida que, além de tecer umvéu de ilusões que se impõe, pois, aoabismo, se lhe ocultando, converge, àmedida que não se identifica senão com o

     poder criador da vida, para participar na produção e na invenção de formas cujocaráter harmonioso possibilita adissimulação das torpezas da existência, selhes sobrepondo a alegria e o entusiasmoque, uma vez suscitadas, estabelecem areconciliação entre o homem e a vida.

    À possibilidade de superação dailusão vital Nietzsche impõe o “ceticismo

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    viril” do livre espírito que, transpondo asfronteiras que envolvem do dogmatismo àmoral do medo, da ortodoxia da fraqueza eda hipocrisia à crença, guarda oposição emrelação ao niilismo  incompleto(unvollständig Nihilismus) do últimohomem, tendo a coragem do verdadeiro,acenando com a capacidade de se relacionarcom a tragicidade das coisas, vendo-as talcomo são, sem que a verdade que carregam

     possa diminuir a sua vontade de viver,convergindo, à medida que a corporifica emsua plenitude, para a conclusão de que a

    vida a ela se sobrepõe, visto que a verdadeda vida não reside senão na coragem deassumir todos os riscos, o que implica um

     poder sempre renovado de se inventar a si própria. 

    Do dualismo metafísico ao princípio daunidade-múltipla (Do Dionisíaco ) 

    É uma tradição incontestável que atragédia grega em sua configuração mais

    antiga tinha por objeto somente a paixãode Dioniso e que por muito tempo oúnico herói cênico que houve foi justamente Dioniso. Mas com a mesmasegurança poderia ser afirmado quenunca, até Eurípedes, Dioniso deixou deser o herói trágico, e que todas as figurascélebres do palco grego, Prometeu, Édipoe assim por diante, são apenas máscarasdesse herói primordial, Dioniso. Haveruma divindade por trás de todas essasmáscaras é o único fundamento essencial

     para a “idealidade” típica dessas figurascélebres, tantas vezes notada comespanto (NIETZSCHE, 1996, p. 31-32).

    Se  Dioniso, como o ser quetransborda de vida, transpondo o horizonteda ebriedade orgíaca, se impõe como aencarnação do aspecto excessivo daexistência como poder criador, contrapostoao arrebatamento com o qual acena,  Apolo emerge como o símbolo que envolve a

    moderação, o domínio racional e aserenidade, caracterizando-se ambos como princípios antagônicos que alcançam a sua

    reconciliação na tragédia21  que, trazendoSófocles e Ésquilo como representantes,através de Eurípedes é destinada à morte22,à medida que, sob a influência socrática,instaura um racionalismo que converge paraa decadência dos instintos vitais,corporificando a música alemã,especificamente as composiçõeswagnerianas, a sobrevivência do espíritodionisíaco ( Dionysisch Geist ), segundo

     Nietzsche, que as concebe como o antídoto para o ascetismo socrático e cristão, vistoque visualiza a possibilidade da construção

    de uma nova cultura, a saber, uma cultura, pois, capaz de se contrapor, enfim, à perdado sentido da vida e dos seus valores.

    Se a nobreza da arte grega se impõecomo uma união entre dois ideais, a saber,aquele que envolve a inquieta forçamasculina e aquele que se relaciona àtranquila beleza feminina, o primeirocorporificado por  Dioniso e o segundo por

     Apolo, o drama traz o primeiro como fontede inspiração do coro, que guarda relação

    com a procissão dos seus devotos usandofantasias de sátiros, acenando o segundo

    21Guardando raízes nas fronteiras da concepçãoaristotélica, a leitura schopenhaueriana diverge danoção nietzschiana, salientando o caráter catártico datragédia, à medida que mostra que o espectador,submetido à purificação e à elevação para a qualtende o próprio sentimento, alcança a condição queimplica que o fenômeno, a saber, o véu de  Maya,não mais guarda capacidade de iludir, convergindo

     para a percepção da sua forma, o  principium

    individuationis, e para as fronteiras que encerram odesaparecimento do egoísmo que se lhe estáatrelado, posto que nele se baseia, sobrepondo aosmotivos até então dominantes o conhecimento

     perfeito da essência do mundo, tendo em vista a suaatuação como quietivo da Vontade, que se lheimpõe, pois, a resignação, a renúncia, nãounicamente da vida, mas mesmo de todo querer-viver (Wille zum Leben). (SCHOPENHAUER,2005)22“A dialética  otimista, com o açoite de seussilogismos, expulsa a música da tragédia, que só sedeixa interpretar como uma manifestação e

    figuração de estados dionisíacos, como simbolizaçãovisível da música, como o mundo sonhado por umaembriaguez dionisíaca.” (NIETZSCHE, 1996, p. 36,grifo do autor)

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    com o diálogo, que emerge como umareflexão posterior que funciona como umelemento acessório a uma experiênciaemocional, convergindo a composição emquestão para assinalar a conquistadionisíaca do pessimismo através da arte23,tendo em vista que sobrepujando a alegria eo otimismo que as modernas rapsódiasexpõem não era senão a tragicidade quecaracterizava a vida do povo grego, osofrimento e a desilusão do qual se tornamraízes do espetáculo em referência.

    Mantendo  Dioniso  sob o horizonte

    que encerra o Uno primordial e  Apolo  nasfronteiras do princípio da individuação, Nietzsche constata a harmonia envolvendoestas duas pulsões contrárias que semanifestam como forças da natureza, a

     primeira configurando-se como a estruturaamorfa que contém todas as coisas, asegunda caracterizando-se como ofundamento que possibilita odesenvolvimento da forma, convergindo

     para a multiplicidade que se impõe à

    aparência, cuja leitura, emergindo atravésde O nascimento da tragédia, procura uma justificativa estética da existência e domundo, à medida que carrega a pretensãode construir uma interpretação em relaçãoao todo universal que guardecorrespondência com o horizonte artístico,estabelecendo uma relação envolvendo o

     processo de criação com o qual acena, quese impõe como modo de efetivação do vir-a-ser , e a  Poiesis  original da vida

    cósmica24. Nessa perspectiva, pois, que assinala

    a emergência da existência como uma obrade arte, à leitura que estabelece uma relaçãoenvolvendo o dionisíaco  e o apolíneo e avontade e a representação, se impõe a

    23“O artista trágico não  é um pessimista - diz precisamente sim, até mesmo, a todo problemático eterrível, é dionisíaco...” (NIETZSCHE, 1996, p. 376,grifos do autor).

    24“(...) A atividade do artista, o seu processo decriação, é apenas uma imagem de espelho e umafraca repetição da Poiesis original da vida cósmica.”(FINK, 1983, p. 31, grifo do autor).

    interpretação que sublinha o aparente comoo único horizonte de diálogo com o mundo,à medida que a arte trágica atribui o sentidode aparição à aparência, tal como expõeatravés da encenação do drama que mostra

     Apolo usando a máscara de  Dioniso,corporificando ambos as duas formasdistintas de desvelamento do modo peloqual o mundo se manifesta, não havendonenhuma essência sob essa dupla face,segundo a leitura nietzschiana, que guardadistinção em relação ao pensamento deSchopenhauer, que recorre à figura do véu

    de Maia25

      para identificar aquilo queesconde a coisa-em-si.Se à tensão harmônica envolvendo

     Apolo e  Dioniso se impõe uma perspectivadicotômica que converge para as fronteirasque interseccionam aparência / vontade,fenômeno / coisa-em-si, mundo aparente /mundo verdadeiro, sonho / embriaguez26, aruptura com Wagner e Schopenhauer nãosignifica senão a negação de toda equalquer forma de dualismo metafísico, à

    qual se sobrepõe a unidade dos contráriosem luta, cuja simbolização emerge atravésde um “deus” que corporifica o princípio daunidade-múltipla, a saber, um “deus 

     bifronte”27, para o qual converge a mutaçãodo conceito de Dioniso, que à medida que aleitura nietzschiana transpõe as fronteirasda metafísica28  schopenhaueriana acena

    25“Véu de Māyā”: “Trata-se de Maia, o véu dailusão, que envolve os olhos dos mortais, deixando-

    lhes ver um mundo do qual não se pode falar que énem que não é, pois se assemelha ao sonho, ou aoreflexo do sol sobre a areia tomado a distância peloandarilho como água, ou pedaço de corda no chãoque ele toma como serpente.” (SCHOPENHAUER,2005, p. 49).26 Torna-se relevante salientar a relação envolvendoa descrição nietzschiana da embriaguez dionisíaca ea perspectiva schopenhaueriana do referido estadoque, atrelado à paixão, se impõe para possibilitar asobreposição dos motivos sensiveis no que concerneaos motivos abstratos, convergindo para oincremento da “energia da vontade”. 

    27 Conforme a perspectiva de Lebrun (1985, p. 46).28 Se a condição da metafísica, segundo a leituraschopenhaueriana, emerge através de uma relação deescravidão no que concerne à vontade, que se lhe

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    com a capacidade de carregar ascaracterísticas do apolíneo. 

    Um vir-a-ser e perecer, um construir edestruir, sem nenhuma prestação decontas de ordem moral, só tem nestemundo o jogo do artista e da criança. Eassim como joga a criança e o artista, joga o fogo eternamente vivo, constróiem inocência  –   e esse jogo joga o Aionconsigo mesmo. Transformando-se emágua e terra, faz, como uma criança,montes de areia à borda do mar, faz edesmantela; de tempo em tempo começa

    o jogo de novo. Um instante desaciedade: depois a necessidade o assaltade novo, como a necessidade força oartista a criar. Não é o ânimo criminoso,mas o impulso lúdico, que, sempredespertando de novo, chama à vidaoutros mundos. Às vezes a criança atirafora seu brinquedo: mas logo recomeça,em humor inocente. Mas, tão logoconstrói, ela o liga, ajusta a moeda,regularmente e segundo ordenaçõesinternas (NIETZSCHE, 1996, p. 258-

    259).

    Emergindo como um projeto quecaracteriza o fazer artístico como

     paradigma da ação criadora e destruidora,se a metafísica de artista (artisten-metaphysik ), configurando o modo deefetivação do vir-a-ser , guarda indícios deuma aproximação envolvendo o atalhoheraclitiano, ao jogo da criança ou doartista que cria e dá medida às coisas, que

    acena com o jogo da unidade dos opostossubjacentes aos fenômenos da  phýsis, cujaregularidade mantém correspondência coma própria circularidade do vir-a-ser   e

     perecer, se impõe  Zaratustra  como a personificação de  Dioniso,  que,representando a mudança de perspectivanietzschiana, à medida que caracteriza asobreposição da visão agonística em relaçãoao dualismo, remete, sob o horizonte domundo dionisíaco, através da simbolização

    guarda primazia, à perspectiva nietzschiana o que seimpõe não é senão o domínio da moral.

    da dinâmica do vir-a-ser , à concepçãoheraclitiana do cosmos, que encerra umavisão de arkhé  que não se inclina aredutibilidade de unidade primordial daqual, por diferenciação e separação, seorigina a multiplicidade do mundo, mas temcomo princípio originário o fogo que,simultaneamente, é unidade e pluralidade,carregando a noção que possibilita aunidade do múltiplo e a multiplicidade douno, tendo em vista que não encerra senão,no que tange às coisas, a condição deelemento constitutivo, perfazendo a  phýsis,

    nesta perspectiva, no que concerne àunidade-múltipla do vir-a-ser, na suamanifestação visível29. 

    Aspectos Conclusivos Se o pessimismo schopenhaueriano

    guarda raízes nas fronteiras da consciênciaética, cujo horizonte assinala uma relaçãoque, envolvendo sentido e estabilidade,converge para governar a cultura ocidentala partir da construção socrático-platônica, o

    que se impõe não é senão, para além dosvalores morais, a possibilidade detranscendência que implica o  pathos artístico, segundo a leitura nietzschiana queao arcabouço dos ideais, que dialoga com ohorizonte que abrange a gênese das ilusõese acena com sintomas da fraqueza que secontrapõem à vida, sobrepõe, pois, comogenealogista, uma perspectiva que se detémno processo de desmascaramento do seufundamento biológico, das raízes afetivas e

    29“O eterno e único vir-a-ser, a total inconsistênciade todo o efetivo, que constantemente apenas fazefeito e vem a ser, mas não é, assim como Heráclitoo ensina, é uma representação terrível e atordoante, eem sua influência aparenta-se muito de perto com asensação de alguém, em um terremoto, ao perder aconfiança na terra firme. Era preciso uma forçaassombrosa para transpor esse efeito em seu oposto,no sublime, no assombro afortunado. Isto Heráclitoalcançou com uma observação sobre a proveniência

     própria de todo vir-a-ser e perecer, que concebeu sob

    a forma da polaridade, como o desdobramento deuma força em duas atividades qualitativamentediferentes, opostas, e que lutam pela reunificação.”(NIETZSCHE, 1996, p. 258)

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    instintivas que contêm, à medida que o queemerge, no tocante aos juízos de valor emrelação ao verdadeiro e ao falso, ao bem eao mal, é a questão que encerra o “De ondevêm?”, que demanda uma pesquisa doconhecimento e dos valores que, escapandoao caráter especulativo de uma crítica quese esgota opondo-se às ideias e ao saber,carrega a pretensão de descobrir asmotivações que se mantêm subjacentes aoâmbito que correlaciona a metafísica, amoral e a religião, posto que determinantesem sua construção.

     Nesta perspectiva, pois, a metafísicaguarda relação com a necessidade deestabilidade que emerge através daquelescuja condição envolve o sofrimento e alassidão de viver, constituindo-se comouma ficção que situa a verdade em umalém-mundo, reduzindo às fronteiras de

     pura aparência o real sensível que,destituído de valor, converge para o nada,caracterizando-se os elementos doarcabouço da moral tradicional como

     produtos que guardam raízes naincapacidade de criação, na conquista e nodomínio à medida que trazem comofundamento o ressentimento, tornando-seum conjunto de valores negativosengendrados pelas forças puramentereativas dos escravos, à superação da qual aleitura genealógica possibilita, propondo oimoralismo, oriunda da vontade dos seresativos, que encerra a noção da capacidadedos espíritos livres  que, estabelecendo a

    inter-relação que envolve a concepção de bem e o que engendra força, cria os valores, para além do bem e do mal, realizando ainversão da estrutura em questão.

    Se o jogo caracteriza-se como umadisputa que segundo a leitura homérica sedesenvolve em função de si própria(configurando um exercício dos instintos),guardando em seu âmbito a possibilidadeda emergência do herói trágico,expressando, em suma, o sentido trágico daexistência, a imposição da dialética, emnome do refúgio da verdade, acarreta um

     processo que menos do que a disciplina dos

    instintos, sobrepõe à eles a interiorização,subjugando-os tiranicamente, invalidando,

     pois, a força criativa, entre a arte trágica e atradição racionalista, nesta perspectiva, seimpõe uma oposição fundamental queenvolve, respectivamente, a experiência queacena com o  pathos artístico, que emergeatravés da concepção homérica e converge

     para as fronteiras do pensamentoheraclitiano, e o horizonte do racionalismosocrático, que instaura a consciência ética,cuja leitura sobrepõe, em suma, odionisíaco, sob a acepção de visão trágica

    da vida, à vida moral, que se impõe àvontade de verdade. 

    Assim intui o mundo somente o homemestético, que aprendeu com o artista ecom o nascimento da obra de arte como oconflito da pluralidade pode trazerconsigo lei e ordem, como o artista ficaem contemplação e em ação sobre a obrade arte, como necessidade e jogo,conflito e harmonia, têm de seemparelhar para gerar a obra de arte

    (NIETZSCHE, 1996, p. 259).

    À metafísica de artista (artisten-metaphysik ) se impõe, pois, a busca doalém-do-homem, caracterizando aindependência do trágico em relação àforma da tragédia, sobrepondo-se àsfronteiras da arte a possibilidade crítica dohorizonte científico, convergindo, à medidaque acena com o dionisíaco  como  pathos filosófico, das fronteiras do dualismo

    metafísico (dos conceitos antagônicos que oapolíneo e o dionisíaco  encerram comoexpressões das forças vitais da naturezahumana) para o horizonte do princípio daunidade-múltipla ( Dioniso  como um “deus 

     bifronte”, que integra em si  mesmo osopostos em tensão), emergindo o impulsodionisíaco  através de  Zaratustra como umconflito inerente ao seu próprio existir, quediante do ocaso e da estranheza, engendra,afinal, a autosuperação, tendo em vista quea afirmação do eterno retorno, que permitedispensar os 'além-mundos' e salvaguardara imanência e da inocência do devir , que

  • 8/19/2019 Schopenhauer e Nietzsche: Do Dualismo Metafísico Ao Princípio Da Unidade-múltipla (Revista Filosofia Capital)

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    Revista Filosofia Capital  Vol. 6, (2011) - Edição Especial: ISSN 1982 6613  Concepções acerca da Verdade: […]. 

    Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982 6613, Brasília, DF.

    Edição Especial - Concepções acerca da Verdade: […]. vol. 9, 2014, p. 85-98.

    escapa à ideia de um fluxo linear infinito,encerrando, paradoxalmente, aquilo quevolta a si e forma o grande ciclo emquestão, a saber, envolvendo “o eternoretorno do mesmo”, caracteriza a sabedoriatrágica, que, por conseguinte, sobrepuja oniilismo moral e metafísico. 

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